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Antropologia Clind 2019 PDF
Antropologia Clind 2019 PDF
1. Disciplina: Antropologia
Carga Horária Total [ 80 ]
Modalidade: Presencial [X] A Distância [ x ] Semipresencial [ ]
Aulas Teóricas [ 10 ]
Aulas Teórico-Práticas [ 05 ]
Aulas Práticas [ 05 ]
4. Súmula da disciplina e Conteúdo Programático
5. Objetivos da Disciplina
6. Metodologia de Ensino
A avaliação será realizada através da observância dos seguintes critérios por parte
dos alunos: 1 - apresentação e discussão de textos nos seminários; 2 - participação em
aula, nos seminários e nas oficinas; 3 - frequência; 4 - confecção de exercício de
produção textual sobre conteúdos desenvolvidos; 5 - produção de Etnografia.
8. Bibliografia Básica
La Platine, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14º edição. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001.
Oliveira, Roberto Cardoso de. O trabalho do antropólogi: olhar, ouvir, escrever.
Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 1996, V. 39, Nº1.
Outras referências:
ARRUTI, João Maurício Andion. Morte e vida no Nordeste Indígena: emergência étnica
como fenômeno regional. Rio de Janeiro: Estudos Históricos, v. I, nº 15, 1995.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas...
VELHO, Gilberto. “Observando o familiar”. In: NUNES, Edson de Oliveira (org.). A
Aventura Sociológica. Rio, Zahar, 1978.
OLIVEIRA, João Pacheco de Oliveira. “Uma etnologia dos índios misturados?”
situação colonial, territorialidade e fluxos culturais. MANA – Revista de Antropologia.
Rio de Janeiro: Museu Nacional, 1993. pp. 47-77.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso. Os índios se o mundo dos brancos. São Paulo:
Unicamp, 1996.
RIBEIRO, Darcy. Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil
moderno. São Paulo: Companhia da Letras, 1996.
APOSTILA
Capı́tulo 4
Os Pais Fundadores Da
Etnografia:
Boas e Malinowski
Se existiam no final do século XIX homens (geralmente missionários e ad-
ministradores) que possuı́am um excelente conhecimento das populacões no
meio das quais viviam – é o caso de Codrington, que publica em 1891 uma
obra sobre os melanésios, de Spencer e Gillen, que relatam em 1899 suas
observações sobre os aborı́gines australianos, ou de Junod, que escreve A
Vida de uma Tribo Sul-africana (1898) – a etnografia propriamente dita só
começa a existir a partir do momento no qual se percebe que o pesquisador
deve ele mesmo efetuar no campo sua própria pesquisa, e que esse trabalho
de observação direta é parte integrante da pesquisa.
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conheciam o viajante do século XVIII e até o missionário ou o administrador
do século XIX, residindo geralmente fora da sociedade indı́gena e obtendo
informações por intermédio de tradutores e informadores: este último termo
merece ser repetido. Em suma, a antropologia se torna pela primeira vez
uma atividade ao ar livre, levada, como diz Malinowski, ”ao vivo”, em uma
”natureza imensa, virgem e aberta”.
Esse trabalho de campo, como o chamamos ainda hoje, longe de ser visto
como um modo de conhecimento secundário servindo para ilustrar uma tese,
é .onsiderado como a própria fonte de pesquisa. Orientou a partir desse
momento a abordagem da nova geracão de etnólogos que, desde os primei-
ros anos do século XX, realizou estadias prolongadas entre as populacões do
mundo inteiro. Em 1906 e 1908, Radcliffe-Brown estuda os habitantes das
ilhas Andaman. Em 1909 e 1910, Seligman dirige uma missão no Sudão.
Alguns anos mais tarde, Malinowski volta para a Grã-Bretanha, impregnado
do pensamento e dos sistemas de valores que lhe revelou a população de
um minúsculo arquipélago melanésio. A partir daı́, as missões de pesquisas
etnográficas e a publicação das obras que delas resultam se seguem em um
ritmo ininterrupto. Em 1901, Rivers, um dos fundadores da antropologia
inglesa, estuda os Todas da ı́ndia; após a .Primeira Guerra Mundial, Evans-
Pritchard estuda os Azandés (trad. franc. 1972) e os Nuer (trad. franc.
1968); Nadei, as Nupes da Nigéria; Fortes, os Tallensi; Margaret Mead, os
insulares da Nova Guiné, etc
Como não é possı́vel examinar, dentro dos limites deste Inibalho, a con-
tribuição desses diferentes pesquisadores na elaboracão da etnografia e da
etnologia contemporânea, dois entre eles, a meu ver os mais importantes, de-
terão nossa Hlenção: um americano de origem alemã: Franz Boas; o outro,
polonês naturalizado inglês: Bronislaw Malinowski.
casas até as notas das melodias cantadas pelos Esquimós, e isso detalhada-
mente, e no detalhe do detalhe. Tudo deve ser objeto da descrição mais
meticulosa, da retranscrição mais fiel (por exemplo, as diferentes versões de
um mito, ou diversos ingredientes entrando na composicão de um alimento).
Por outro lado, enquanto raramente antes dele as sociedades tinham sido
realmente consideradas em si e para si mesmas, cada uma dentre elas ad-
quire o estatuto de uma totalidade autônoma. O primeiro a formular com
seus colaboradores (cf. em particular Lowie, 1971) a cr´ıtica mais radical e
mais elaborada das noções de origem e de reconstituicão dos estágios,1 ele
mostra que um costume só tem significação se for relacionado ao contexto
particular no qual se inscreve. Claro, Morgan e, muito antes dele, Montes-
quieu tinham aberto o caminho a essa pesquisa cujo objeto é a totalidade das
relações sociais e dos elementos que a constituem. Mas a diferença é que,ia
partir de Boas, estima-se que para compreender o lugar particular ocupado
por esse costume não se pode mais confiar nos investigadores e, muito menos
nos que, da ”metrópole”, confiam neles. Apenas o antropólogo pode elaborar
uma monografia, isto é, dar conta cientificamente de uma microssociedade,
apreendida em sua totalidade e considerada em sua autonomia teórica. Pela
primeira vez, o teórico e o observador estão finalmente reunidos. Assistimos
ao nascimento de uma verdadeira etnografia profissional que não se contenta
mais em coletar materiais à maneira dos antiquários, mas procura detectar
o que faz a unidade da cultura que se expressa através desses diferentes ma-
teriais.
Por outro lado, Boas considera, e isso muito antes de Griaule, do qual fala-
remos mais adiante, que não há objeto nobre nem objeto indigno da ciência.
As piadas de um contador são tão importantes quanto a mitologia que ex-
pressa o patrimônio metafı́sico do grupo. Em especial, a maneira pela qual as
sociedades tradicionais, na voz dos mais humildes entre eles, classificam suas
atividades mentais e sociais, deve ser levada em consideração. Boas anuncia
assim a constituição do que hoje chamamos de ”etnociências”.
Finalmente, ele foi um dos primeiros a nos mostrar não apenas a importância,
mas também a necessidade, para o etnólogo, do acesso à lı́ngua da cultura
na qual trabalha. As tradições que estuda não poderiam ser-lhe traduzidas.
1
Da qual Radcliffe-Brown e Malinowski tirarão as conseqüências tec ricas: não é
mais possı́vel opor sociedades ”simples”e sociedades ”complexas”, sociedades ”inferio-
res”evoluindo para o ”superior”, sociedades ”primitivas”a caminho da ”civilização”. As
primeiras não são as formas An nraanizacões originais das quais as segundas teriam deri-
vado.
Ele próprio deve recolhê-las na lı́ngua de seus interlocutores.2
Pode parecer surpreendente, levando em conta o que foi dito, que Boas, ex-
ceto entre os profissionais da antropologia, seja praticamente desconhecido.
Isso se deve principalmente a duas razões:
Ninguém antes dele tinha se esforçado em penetrar tanto, como ele fez
no decorrer de duas estadias sucessivas nas ilhas Trobriand, na mentali-
dade dos outros, e em compreender de dentro, por uma verdadeira busca
de despersonaliza-ção, o que sentem os homens e as mulheres que perten-
cem a uma cultura que não é nossa. Boas procurava estabelecer repertórios
exaustivos, e muitos entre seus seguidores nos Estados Unidos (Kroeber, Mur-
dock. . .) procuraram definir correlações entre o maior número possı́vel de
variáveis. Malinowski considera esse trabalho uma aberração. Convém pelo
contrário, segundo ele, conforme o primeiro exemplo que dá em seu primeiro
livro, mostrar que a partir de um único costume, ou mesmo de um único ob-
jeto (por exemplo, a canoa trobriandesa – voltaremos a isso) aparentemente
muito simples, aparece o perfil do conjunto de uma sociedade.
3
É essa vontade de alcançar o homem em todas as suas dimensões, e, notadamente,
de não dissociar o grupo do indivı́duo, que faz com que seja um dos primeiros etnólogos
a interessar-se pelas obras de Freud. Mas devemos reconhecer que ele demonstra uma
grande incompreensão da psicanálise
***
***
Apesar disso, além das crı́ticas que o próprio Malinowski contribuiu em pro-
vocar, tudo o que devemos a ele permanece ainda hoje considerável.
Introdução:
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Se deixamos de lado essa primeira forma possı́vel de exposicão do campo
antropológico contemporâneo, é porque consideramos que uma disciplina
cientı́fica (ou que pretende sê-lo) não deva ser caracterizada por objetos
empı́ricos já constituı́dos, mas, pelo contrário, pela constituição de objetos
formais. Ou seja, a única coisa passı́vel, a nosso ver, de definir uma disciplina
(qualquer que seja), não é de forma alguma um campo de investigação dado
(a tecnologia, o parentesco, a arte, a religião. . .), muito menos uma área
geográfica ou um perı́odo da história, e sim a especificidade da abordagem
utilizada que transforma esse campo, essa área, esse perı́odo em objeto ci-
ent´ıfico.
A antropologia americana:
A antropologia britânica:
Seu crescimento, também muito rápido, como nos Estados Unidos, deve ser
relacionado à importância de seu império colonial. Pode ser caracterizada da
seguinte maneira:
A antropologia francesa:
Mais uma vez, as preocupações francesas estão voltadas para outros aspec-
tos: trata-se dessa vez de preocupações teóricas de filósofos e sociólogos que,
sem dúvida, exercerão uma influência decisiva na constituição cientı́fica da
etnologia, mas não são sustentadas por nenhuma prática etnográfica. Nem
Durkheim (cujo pensamento vai impregnar profundamente a antropologia in-
glesa), nem Lévy-Bruhl efetuaram qualquer observacão. O próprio Mauss,
que é paradoxalmente autor de uma excelente obra, manual de investigação
etnográfica (1967), nunca realizou uma investigação no campo.
Será preciso esperar os anos 30 para que uma verdadeira etnografia pro-
fissional comece a se constituir na Franca. A primeira missão de caráter
cientı́fico (a famosa ”Dacar-Djibuti”) será efetuada por Mareei Griaule e
seus colaboradores em 1931. A partir da mesma época, Maurice Leenhardt,
que permaneceu por mais de 20 anos na Nova Caledônia como missionário
protestante, empreendeu trabalhos (1946, 1985) que podem ser qualificados
de pioneiros, enquanto Paul Rivet passava a ser um dos principais artesãos
da organização da antropologia no nosso paı́s. A partir dessa época, mas
só a partir dela, pode-se considerar que, com o impulso especialmente dos
homens que acabamos de citar, a antropologia francesa entrou em sua maturi-
dade. A partir desse momento, as pesquisas foram prosseguindo, estendendo
o aprofundando-se em um ritmo ininterrupto.
4
As fundações antropológicas de Morgan, o aperfeiçoamento de instrumentos de inves-
tigação verdadeiramente etnográficos com Boas, Rivers e Malinowski, a elaboração de um
quadro de referência conceitual com Mauss e Durkheim
a uma imaturidade cientı́fica e ao caráter ainda principiante de nossa disci-
plina. Novamente, procurando estudar a pluralidade, seria o cúmulo se a
antropologia não fosse ela mesma ”plural”. A pluralidade é pelo contrário
para mim, uma das garantias (não a única evidentemente, pois pode haver
pluralidade de dogmatismos e ortodoxias) de que nossas pesquisas aceitam
sujeitar-se a crı́ticas recı́procas e passar por processos de invalidação (cf. K.
Popper, 1937), cada um dos modelos teóricos sendo apenas uma perspectiva
sobre o social e não o próprio social.
Levando em conta o que foi dito, parece a meu ver possı́vel localizar cinco
pólos em torno dos quais a antropologia oscila constantemente.
5
Sobre a definição antropológica do sı́mbolo, autorizo-mo a indicar meu livro t.es 50
Mots Clés de /’Anthropologie. Toulouse. Privai, 1974.
2) A antropologia social. Seu objeto situa-se claramente no campo epis-
temológico oriundo da economia (cf. acima M. Foucault). Nada distingue
realmente seu território do território do sociólogo. Um dos conceitos ope-
ratórios a partir do qual essa perspectiva de inı́cio se instaurou, é o de função
(Malinowski, mas também Durkheim), freqüentemente ligado ao estudo dos
processos de normalização destas funções (= as instituições). É um eixo
de pesquisa que não se interessa diretamente para as maneiras de pensar,
conhecer, sentir, expressar-se, em si, e mais para a organizacão interna dos
grupos, a partir da qual podem ser estudados o pensamento, o conhecimento,
a emoção, a linguagem. Qual a finalidade de tal instituição? Para que serve
tal costume? A que classe social pertence aquele que tem tal discurso, e qual
é o nı́vel de integração dessa classe na sociedade global?
Se insistimos tanto desde já sobre esse quarto pólo da pesquisa, é porque,
com ele, o campo epistemológico do sabei sobre o homem muda radicalmente
pela segunda vez desde o final do século XVIII (cf. p. 53 deste livro). E
é, de fato, em torno das obras de Freud (o inconsciente explicativo do cons-
ciente), Saussure, e depois Jakobson (a l´ıngua explicativa da palavra), de
Lévi-Strauss e dos estruturalistas (a prio ridade dada ao sistema sobre o
sentido), que se reorganizará o conhecimento antropológico contemporâneo.
Na antropo logia psicanal´ıtica, como na antropologia estrutural, estima-se
que além da surpreendente diversidade das formações psicológicas ou das
produções culturais localizadas a nı́vel empı́rico existe o que Bastian já cha-
mava de ”unidade ps´ıquica da humanidade”. Mas esta deve doravante ser
pensada, não mais ao nı́vel das significações vividas, mas ao nı́vel do sistema
(inconsciente). Uma das principais questões que se colocará então é a se-
guinte: quais são as estruturas inconscientes do espı́rito que atuam, tanto
nas formas elementares e complexas do parentesco, quanto no mito, na obra
de arte?. . .
A Antropologia Cultural:
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Fechemos aqui esse parêntese, que não nos afasta de forma alguma do nosso
propósito, mas, pelo contrário, define-o melhor, e examinemos mais adiante
1
Muito mais afirmada porém na antropologia cultural do que na antropologia social.
97
***
3
Como mostrei em meu livro sobre A Etnopsiquiatria, este ultimo comentário deve
porem ser relativizado no que diz respeito a Rohem.
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A partir de exemplos desse tipo, Ruth Benedict elabora sua teoria do ”arco
cultural”. Cada cultura realiza uma escolha. Valoriza um determinado seg-
mento do grande arcode c´ırculo das possibilidades da humanidade. Encoraja
um certo número de comportamentos em detrimento de outros que se vêem
censurados. Através de um processo de seleção (não biológico, mas cultu-
ral), todos os membros de uma mesma sociedade compartilham um certo
número de preocupações, sentem as mesmas inclinações e aversões. O que
caracteriza uma determinada sociedade é uma ”configuração cultural”, uma
lógica que se encontra ao mesmo tempo na especificidade das instituições e
na dos comportamentos. Toda cultura persegue um objetivo, desconhecido
dos indivı́duos. Cada um de nós possui em si todas as tendências, mas a cul-
tura à qual pertencemos realiza uma seleção. As instituições (e, em especial,
as instituições educativas: famı́lias, escolas, ritos de iniciação) pretendem –
inconscientemente – fazer com que os indiv´ıduos se conformem aos valores
próprios de cada cultura.
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
Anexos
Inclui bibliografia
ISBN 85-7110-438-7
C O M O OPERA A CULTURA
1. . A C U LTU R A C O N D IC ION A
A VISÃO D E MUND O D O HOMEM
Na primeira parte deste trabalho discutimos o Ruth Benedict escreveu em seu livro O crisântemo e a
desenvolvimento, na antropologia, do conceito de cultura. espad a1 que a cultura é como uma lente através da qual o
Mostramos também as explicações da ciência para o homem vê o mundo. Homens de culturas diferentes usam
processo de evolução biocultural do homem. Em outras lentes diversas e, portanto, têm visões desencontradas das
palavras, vimos como a cultura, a principal característica coisas. Por exemplo, a floresta amazônica não passa para o
humana, desenvolveu-se simultaneamente com o antropólogo — desprovido de um razoável conhecimento de
equipamento fisiológico do homem. Preocupamo-nos então botânica — de um amontoado confuso de árvores e arbustos,
em fornecer uma descrição diacrônica do próprio dos mais diversos tamanhos e com uma imensa variedade de
desenvolvimento teórico da antropologia. Nesta segunda tonalidades verdes. A visão que um índio Tupi tem deste
parte pretendemos mostrar, de uma maneira mais prática, a mesmo cenário é totalmente diversa: cada um desses
atuação da cultura e de que forma ela molda uma vida "num vegetais tem um significado qualitativo e uma referência
ser biologicamente preparado para viver mil vidas". espacial. Ao invés de dizer como nós: "encontro-lhe na
esquina junto ao edifício x", eles freqüentemente usam
determinadas árvores como ponto de referência. Assim, ao
contrário da visão de um mundo vegetal amorfo, a floresta é
vista como um conjunto ordenado, constituído de formas
vegetais bem definidas.
A nossa herança cultural, desenvolvida através de inú-
meras gerações, sempre nos condicionou a reagir deprecia-
tivamente em relação ao comportamento daqueles que agem
fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade. Por
isto, discriminamos o comportamento desviante. Até recen-
temente, por exemplo, o homossexual corria o risco de
agressões físicas quando era identificado numa via pública e alegria. Todos os homens riem, mas o fazem de maneira
ainda é objeto de termos depreciativos. Tal fato representa diferente por motivos diversos.
um tipo de comportamento padronizado por um sistema
A primeira vez que vimos um índio Kaapor rir foi um
cultural. Esta atitude varia em outras culturas. Entre algumas
tribos das planícies norte-americanas, o homossexual era motivo de susto. A emissão sonora, profundamente alta,
visto com,-) um ser dotado de propriedades mágicas, capaz assemelhava-se a imaginários gritos de guerra e a expressão
de servir de mediador entre o mundo social e o sobrenatural, facial em nada se assemelhava com aquilo que estávamos
e portanto respeitado. Um outro exemplo de atitude diferente acostumados a ver. Tal fato se explica porque cada cultura
de comportamento desviante encontramos entre alguns povos tem um determinado padrão para este fim. Os alunos de
da Antigüidade, onde a prostituição não constituía um fato uma nossa sala de aula, por exemplo, estão convencidos de
anômalo: jovens da Lícia praticavam relações sexuais em
que cada um deles tem um modo particular de rir, mas um
troca de moedas de ouro, a fim de acumular um dote para o
casamento. observador estranho a nossa cultura comentará que todos
O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral eles riem de uma mesma forma. Na verdade, as diferenças
e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo percebidas pelos estudantes, e não pelo observador de fora,
as posturas corporais são assim produtos de uma herança são variações de um mesmo padrão cultural. Por isto é que
cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determi- acreditamos que todos os japoneses riem de uma mesma
nada cultura. maneira. Temos a certeza de que os japoneses também estão
Graças ao que foi dito acima, podemos entender o fato de que
convencidos que o riso varia de indivíduo para indivíduo
indivíduos de culturas diferentes podem ser facilmente
identificados por uma série de características, tais como o modo dentro do Japão e que todos os ocidentais riem de modo
de agir, vestir, caminhar, comer, sem mencionar a evidência das igual.
diferenças lingüísticas, o fato de mais imediata observação Pessoas de culturas diferentes riem de coisas diversas. O
empírica. repetitivo pastelão americano não encontra entre nós a
Mesmo o exercício de atividades consideradas como mesma receptividade da comédia erótica italiana, porque em
parte da fisiologia humana podem refletir diferenças de
nossa cultura a piada deve ser temperada com uma boa dose
cultura. Tomemos, por exemplo, o riso. Rir é uma proprie-
dade do homem e dos primatas superiores. O riso se expres- de sexo e não melada pelo arremesso de tortas e bolos na
sa, primariamente, através da contração de determinados face do adversário. Voltando aos japoneses: riem muitas
músculos da face e da emissão de um determinado tipo de vezes por questão de etiqueta, mesmo em momentos evi-
som vocal. O riso exprime quase sempre um estado de dentemente desagradáveis. Enfim, poderíamos continuar
indefinidamente mostrando que o riso é totalmente condi-
cionado pelos padrões culturais, apesar de toda a sua fisio-
logia.
invés de ser determinada geneticamente (todas as formigas
Ainda com referência às diferentes maneiras culturais de de uma dada espécie usam os seus membros uniformemente),
efetuar ações fisiológicas, gostaríamos de citar o clássico a rtigo depende de um aprendizado e este consiste na cópia de
de Marcel Ma uss, ( 1872- 1950 ) "Noção de técnica padrões que fazem parte da herança cultural do grupo.
corporal"2, no qual analisa as formas como os homens, de Não pretendemos nos estender neste ponto porque os
sociedades diferentes, sabem servir-se de seus corpos. Se- exemplos seriam inumeráveis, mas vamos acrescentar mais
gundo Mauss, podemos admitir com certeza que se "uma um exemplo: o homem recupera a sua energia, a sua força de
criança senta-se à mesa com os cotovelos junto ao corpo e trabalho, através da alimentação. Esta é realizada de formas
permanece com as mãos nos joelhos, quando não está co- múltiplas e com alimentos diferentes.
mendo, ela é inglesa. Um jovem francês não sabe mais se É evidente e amplamente conhecida a grande diversidade
dominar: ele abre os cotovelos em leque e apóia-os sobre a gastronômica da espécie humana. Freqüentemente, esta
mesa". Não é difícil imaginar que a posição das crianças diversidade é utilizada para classificações depreciativas;
brasileiras, nesta mesma situação, pode ser bem diversa. assim, no início do século os americanos denominavam os
Como exemplo destas diferenças culturais em atos que franceses de "comedores de rãs". Os índios Kaapor discrimi-
podem ser classificados como naturais, Mauss cita ainda as nam os Timbira chamando-os pejorativamente de "comedo-
técnicas do nascimento e da obstetrícia. Segundo ele, "Buda res de cobra". E a palavra potiguara pode significar realmen-
nasceu estando sua mãe, Mãya, agarrada, reta, a um ramo de te "comedores de camarão", mas resta uma dúvida lingüística
árvore. Ela deu ã luz em pé. Boa parte das mulheres da Índia desde que em Tupi ela soa muito próximo da palavra que
significa "comedores de fezes".
ainda dão à luz desse modo". Para nós, a posição normal é a
As pessoas não se chocam, apenas, porque as outras
mãe deitada sobre as costas, e entre os Tupis e outros índios comem coisas diferentes, mas também pela maneira que
brasileiros a posição é de cócoras. Em algumas regiões do agem à mesa. Como utilizamos garfos, surpreendemo-nos
meio rural existiam cadeiras especiais para o parto sentado. com o uso dos palitos pelos japoneses e das mãos por certos
Entre estas técnicas pode-se incluir o chamado parto sem dor segmentos de nossa sociedade:
e provavelmente muitas outras modalidades culturais que
estão ã espera de um cadastramento etnográfico. "Vida de Pará,
Dentro de uma mesma cultura, a utilização do corpo é Vida de descanso,
diferenciada em função do sexo. As mulheres sentam, cami- Comer de arremesso E
nham, gesticulam etc. de maneiras diferentes das do homem. dormir de balanço."
Estas posturas femininas são copiadas pelos travestis.
Em algumas sociedades o ato de comer pode ser público, em
Resumindo, todos os homens são dotados do mesmo
outras uma atividade privada. Alguns rituais de boas
equipamento anatômico, mas a utilização do mesmo, ao
maneiras exigem um forte arroto, após a refeição, como em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos con- flitos
sinal de agrado da mesma. Tal fato, entre nós, seria conside- sociais.
rado, no mínimo, como indicador de má educação. Entre os O etnocentrismo, de fato, é um fenômeno universal. É
latinos, o ato de comer é um verdadeiro rito social, segundo o comum a crença de que a própria sociedade é o centro da
qual, em horas determinadas, a família deve toda sentar-se à humanidade, ou mesmo a sua única expressão. As autode-
mesa, com o chefe na cabeceira, e somente iniciar a nominações de diferentes grupos refletem este ponto de
alimentação, em alguns casos, após mia prece. vista. Os Cheyene, índios das planícies norte-americanas, se
Roger Keesing em seu manual New Perspectives in Cul- autodenominavam "os entes humanos"; os Akuáwa, grupo
Tupi do Sul do Pará, consideram-se "os homens"; os
tural Anthropology 3 começa com uma parábola que
esquimós também se denominam "os homens"; da mesma
aconteceu ser verdadeira: "Uma jovem da Bulgária ofereceu forma que os Navajo se intitulavam "o povo". Os
um jantar para os estudantes americanos, colegas de seu australianos chamavam as roupas de "peles de fantasmas",
marido, e entre eles foi convidado um jovem asiático. Após pois não acreditavam que os ingleses fossem parte da
os convidados terem terminado os seus pratos, a anfitriã humanidade; e os nossos Xavante acreditam que o seu
perguntou quem gostaria de repetir, pois uma anfitriã território tribal está situado bem no centro do mundo. É
búlgara que deixasse os seus convidados se retirarem comum assim a crença no povo eleito, predestinado por seres
sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças
famintos estaria desgraçada. O estudante asiático aceitou
contêm o germe do racismo, da intolerância, e,
um segundo prato, e um terceiro — enquanto a anfitriã frequentemente, são utilizadas para justificar a violência
ansiosamente preparava mais comida na cozinha. Finalmente, praticada contra os outros.
no meio de seu quarto prato o estudante caiu ao solo, A dicotomia "nós e os outros" expressa em níveis dife-
convencido de que agiu melhor do que insultar a anfitriã rentes essa tendência. Dentro de uma mesma sociedade, a
pela recusa da comida que lhe era oferecida, conforme o divisão ocorre sob a forma de parentes e não-parentes. Os
costume de seu país." Esta parábola, acrescenta Keesing, primeiros são melhores por definição e recebem um
reflete a condição humana. O homem tem despendido tratamento diferenciado. A projeção desta dicotomia para o
grande parte da sua história na Tora, separado em pequenos plano extragrupal resulta nas manifestações nacionalistas ou
grupos, cada um com a sua própria linguagem, sua própria formas mais extremadas de xenofobia.
visão de mundo, seus costume, e expectativas. O ponto fundamental de referência não é a humanidade,
O fato de que o homem vê o mundo através de sua mas o grupo. Daí a reação, ou pelo menos a estranheza, em
cultura tem como conseqüência a propensão em considerar relação aos estrangeiros. A chegada de um estranho em
o seu modo de vida como o mais correto e o mais natural. determinadas comunidades pode ser considerada como a
Tal tendência, denominada etnocentrismo, é responsável
quebra da ordem social ou sobrenatural. Os Xamã Suruí
(índios Tupi do Pará) defumam com seus grandes charutos rituais A CULTURA INTERFERE NO
os primeiros visitantes da aldeia, a fim de purificá-los e torná-los PLANO BIOLÓGICO
inofensivos.
O costume de discriminar os que são diferentes, porque
pertencem a outro grupo, pode ser encontrado mesmo dentro
de uma sociedade. A relação de parentesco consangüíneo afim
pode ser tomada como exemplo. Entre os romanos, a
maneira de neutralizar os inconvenientes da afinidade con-
sistia em transformar a noiva em consangüínea, incorporan- Vimos, acima, que a cultura interfere na satisfação das ne-
do-a no clã do noivo pelo do ritual de carregá-la através da
cessidades fisiológicas básicas. Veremos, agora, como ela pode
soleira da porta (ritual este perpetuado por Hollywood). A
noiva japonesa tem a cabeça coberta por um véu alto que condicionar outros aspectos biológicos e até mesmo decidir sobre
esconde os "chifres" que representam a discórdia a ser a vida e a morte dos membros do sistema.
implantada na família do noivo com o início da relação afim. Comecemos pela reação oposta ao etnocentrismo, que é
Um outro exemplo são as agressões verbais, e até físicas, a apatia. Em lugar da superestima dos valores de sua própria
praticadas contra os estranhos que se arriscam em determi- sociedade, numa dada situação de crise os membros de uma
nados bairros periféricos de nossas grandes cidades. cultura abandonam a crença nesses valores e, conseqüente-
Comportamentos etnocêntricos resultam também em
mente, perdem a motivação que os mantém unidos e vivos.
apreciações negativas dos padrões culturais de povos dife- rentes.
Práticas de outros sistemas culturais são catalogadas como Diversos exemplos dramáticos deste tipo de comportamento
absurdas, deprimentes e imorais. anômico são encontrados em nossa própria história.
Os africanos removidos violentamente de seu continente
2. (ou seja, de seu ecossistema e de seu contexto cultural) e
transportados como escravos para uiva terra estranha habi-
tada por pessoas de fenotipia, costumes e línguas diferentes,
perdiam toda a motivação de continuar vivos. Muitos foram
os suicídios praticados, e outros acabavam sendo mortos
pelo mal que foi denominado de banzo. Traduzido como
saudade, o banzo é de fato uma forma de morte decorrente
da apatia.
Foi, também, a apatia que dizimou parte da população
Kaingang de São Paulo, quando teve o seu território
invadido
pelos construtores da Estrada de Ferro Noroeste. Ao perceberem mortes de acidente de estrada." É de se supor que em todos
que os seus recursos tecnológicos, e mesmo os seus seres os casos relatados o procedimento orgânico que leva ao
sobrenaturais, eram impotentes diante do poder da sociedade desenlace tenha sido o mesmo.
branca, estes índios perderam a crença em sua sociedade. Muitos Deixando de lado estes exemplos mais drásticos sobre a
abandonaram a tribo, outros simplesmente esperaram pela morte atuação da cultura sobre o biológico, podemos agora nos
que não tardou.1 referir a um campo que vem sendo amplamente estudado: o
Entre os índios Kaapor, grupo Tupi do Maranhão, acre- das doenças psicossomáticas. Estas são fortemente influen-
dita-se que se uma pessoa vê um fantasma ela logo morrerá. O ciadas pelos padrões culturais. Muitos brasileiros, por
principal protagonista de um filme, realizado em 1953 por exemplo, dizem padecer de doenças do fígado, embora
Darcy Ribeiro e Hains Forthmann, ao regressar de uma grande parte dos mesmos ignorem até a localização do órgão.
caçada contou ter visto a alma de seu falecido pai perambu- Entre nós são também comuns os sintomas de mal-estar
lando pela floresta. O jovem índio deitou em uma rede e dois provocados pela ingestão combinada de alimentos. Quem
dias depois estava morto. Em 1967, durante a nossa perma- acredita que o leite e a manga constituem uma combinação
nência entre estes índios (quando a história acima nos foi perigosa, certamente sentirá um forte incômodo estomacal se
contada), fomos procurados por uma mulher, em estado de ingerir simultaneamente esses alimentos.
pânico, que teria visto um fantasma (um "añan"). Confiante A sensação de fome depende dos horários de alimenta-
nos poderes do branco, nos solicitou um "añan-puhan" ção que são estabelecidos diferentemente em cada cultura.
(remédio para fantasma). Diante de uma situação crítica, "Meio-dia, quem não almoçou assobia", diz um ditado po-
acabamos por fornecer-lhe um comprimido vermelho de pular. E de fato, estamos condicionados a sentir fome no
vitaminas, que foi considerado muito eficaz, neste e em meio do dia, por maior que tenha sido o nosso desjejum. A
outros casos, para neutralizar o malefício provocado pela mesma sensação se repetirá no horário determinado para o
visão de um morto. jantar. Em muitas sociedades humanas, entretanto, estes
É muito rica a etnografia africana no que se refere às horários foram estabelecidos diferentemente e, em alguns
mortes causadas por feitiçaria. A vítima, acreditando efeti- casos, o indivíduo pode passar um grande número de horas
vamente no poder do mágico e de sua magia, acaba realmente sem se alimentar e sem sentir a sensação de fome.
morrendo. Pertti Peito descreve esse tipo de morte como A cultura também é capaz de provocar curas de doenças,
sendo conseqüência de um profundo choque psicofisiológico: reais ou imaginárias. Estas curas ocorrem quando existe a fé
"A vítima perde o apetite e a sede, a pressão sangüínea cai, o do doente na eficácia do remédio ou no poder dos agentes
plasma sangüíneo escapa para os tecidos e o coração culturais. Um destes agentes é o xamã de nossas sociedades
deteriora. Ela morre de choque, o que é fisiologicamente a tribais (entre os Tupi, conhecido pela denominação de pai' é
mesma coisa que choque de ferimento na guerra e nas ou pajé). Basicamente, a técnica de cura do
xamã consiste em uma sessão de cantos e danças, além da extrair e vomitar o ymaé, que fez desaparecer na mão.
defumação do paciente com a fumaça de seus grandes cha- Nas curas a que assistimos, os pajés jamais mostraram o
rutos (petin), e a posterior retirada de um objeto estranho do ymaé que extraíam dos doentes. Guardavam-nos por
interior do corpo do doente por meio de sucção. O fato de algum tempo dentro da mão, livre do cigarro, para fazê-
que esse pequeno objeto (pedaço de osso, insetos mortos lo desaparecer após. Explicavam, porém, à audiência a
etc.) tenha sido ocultado dentro de sua boca, desde o inicio sua natureza, o que parecia bastante. Dizem que os pajés
do ritual, não é importante. O que importa é que o doente é mais poderosos o fazem, e algumas pessoas guardam
tomado de uma sensação de alívio, e em muitos casos a cura pequenos objetos que acreditam terem sido retirados de
se efetiva. seu corpo por um pajé.2
1 '1
ROBER TO CARDOSO DE ÜLIV EIRA. 0 TR ABAL HO DO ANTROPÓLOGO
Introdução
Pareceu-me, na oportunidade desta conferência, que um antropólogo,
dirigindo-sea uma platéia de cientistas sociais, poderia falar um pouco so-
bre a especificidade de seu métier, particularmente quando, na realização
de seu trabalho, articula a pesquisa empírica com a interpretação de seus
resultados.1 Nesse sentido, o subtítulo escolhido - é necessário esclarecer
- nada te1na ver com o recente livro de Claude Lévi-Strauss, Re garder,
Écoute r, Li re (Plon, 1993), ainda que nesse
,,
título eu possa ter me inspi-
rado, ao substituir apenas o Lire pelo Ecrire, o Ler pelo Escrever. Po-
ré1n,aqui, ao contrátio dos ensaios de antropologiaestéticade Lévi-Strauss,
trato de questionar algumas daquelas que se poderiam cha1narde princi-
pais "faculdades do entendimento" sociocultural que, acredito, sejam ine-
rentes ao modo de conhecer das ciências sociais. Naturalmente que ao
falar nesse contexto de faculdades do entendimento, é preciso dizer que
não estou mais do que parafraseando, e com muita lib~rdade, o significa-
do filosóficoda expressão "Faculdades da Ahna", como Leibniz assiln en-
tendia a percepção e o pensa1nento. Pois, se1npercepção e pensamento,
como então podemos conhecer? De meu lado, ou do ponto de vista de
minha disciplina, a Antropologia, quero apenas enfatizar o caráter consti-
tutivo do Olhar, do Ouvir e do Escrever na elaboração do conhecimento
próprio das disciplinas sociais, i.e., daquelas que convergem para a ela-
boração daquilo que um sociólogo como Anthony Giddens muito apro-
priadamentechama de "teoria social" para sintetizarco1na associação des-
ses dois termos o amplo espectro cognitivo que envolve as disciplinas que
deno1ninamos Ciências Sociais (Giddens, 1984). Rapidamente, porquan-
to no espaço de uma conferência não pretendo 1nais do que fazer aflorar
alguns problemas que comumente passa1ndespercebidos não apenas para
o jovem pesquisadorem CiênciasSociais, mas alguma~vezes també1npara
o profissional maduro, quando este não se debruça para as questões epis-
te1nológicasque condicionam a investigaçãoe1npírica91ntoquanto a cons-
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R EV ISTA DE ANTR OPOLOG IA , SÃO P AULO, USP, 1996 , v. 39 nº 1.
O Olhar
Talvez a pri111eiraexperiência do pesquisador de ca1npo (ou no ca1n-
po) esteja na don1esticação teórica de seu olhar. 'Isso porque. a partir
do 1no111 ento en 1 que nos sent i1nos preparados para a investigação
en1pírica, o objeto sobre o qual clirigi1noso nosso olhar já foi previéu11ente
alterado pelo próprio rnodo de visualizá-lo. Seja qual for esse objeto, ele
não escapa de ser apreendido pelo esque 1na conceitua} da disciplina for-
n1adora de nossa n1aneira de ver a real idade. Esse esque,na conceituaL
disciplinadan1enteapreendido durante o nosso itinerúrio acadên1ico (daí o
tenno discip lina para as n1atérias que estuda1nos ), funciona co1no tnna
espéc ie de prisn1a por 1neio do qual a realidade observada sofre un1 pro-
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R OBERTO CARDOSO DE ÜLIV EIRJ\. Ü TR/\B 1\ L HO DO ANTROPÓLO GO
exclusivo do Olhar, u1na vez que está presente e1ntodo proces so de co-
nhecirnento,envolvendo, portanto, todos aqueles atos cognitivos, que men-
cionei, en1seu conjunto. Mas é certa 1nente no Olha r que essa refração
pode ser n1aisbe1n co1npreendida. A própria imagem óptica - refração -
cha1na a atenção para isso.
I1nagine1nos u1nantropólogo iniciando tuna pesquisa junto a u1ndeter-
n1inado grupo indígena e entrando nu1na1naloca, tnna 1noradia de u1na ou
n1aisdezenas de indivíduos, se1nainda conhecer uma palavra do idio1na
nativo. Essa n1oradia de tão é.unplas proporções e de esti lo tão peculiar ,
corno, por exen1plo, as tradicionais casas coletivas dos antigos Tükúna do
Alto Solilnões, no An1azonas,teria o seu interior imediatamente vasculha-
do pelo "Olhar etnográfico", por 1neio do qual toda a tyoria que a discipli-
na dispõe relativa1nente às residências indígenas passaria a ser instru-
1nental izada pelo pesquisado r, isto é, por ele refer ida. Nesse sentido, o
interior da 1nalocanão seria visto com ingenuidade, co1no urna 1nera curi-
osidade diante do exótico, poré1nco1n u1nolhar devida1nentesensibiliza-
do pela teoria disponível. Tendo por base essa teoria, o observado r ben1
preparado, enquanto etnólogo, iria olhá-la co1no um objeto de investiga-
ção previa1nente já constr uído por ele, pelo menos numa primeira pre-
figuração: passaria, então, a contar os fogos (pequena s cozinhas pri1niti-
vas), cujos resíduos de cinza e carvão indicariam que em torno de cada
urn deles estivera1nreunidos não apenas indivíduos, porén1 "pessoas", por-
tanto "seres sociais", 1nernbrosde u111único "grupo don1éstico"; o que lhe
daria a infonna ção subsidiária que pelo 1n enos nessa n1aloca, de confor-
1nidade co111 o número de fogos, estaria abrigada u1nacerta porção de gru-
pos do1nésticos, fonnados por u1naou 1nais fa1nílias ele1nentares e, even-
tuahnente, de indivíduos"agregados" (originários de utT)outro grupo tribal).
Saberia, igual1nente, a totalidade dos n1oradores (ou quase) contando as
redes dependuradas nos tnourões da n1aloca dos 1ne1nbros de cada gru-
po do1néstico. Observa ria, ta1nbén1, as características arquitetô nicas da
1naloca, classificando-a segundo u1na tipologia de alcance planetário so-
bre estilos de residências, ensinada pela literatura etnológica existente.
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ROBERTO CARDOSO DE ÜLIY EIRA. Ü TRABALHO DO ANTROPÓLOGO
O Ouvir
Creio não ser ocioso rnencionar que o exemplo indígena, tomado co1no
ilustração do Olhar etnográfico, não pode ser considerado como sendo
incapaz de gerar analogias co1noutras situações de pesquisa, co1noutros
objetos concretos de investigação. O sociólogo ou o politólogo por certo
terão exe1nplos tanto ou 1nais ilustrativos para mostrar o quanto a teoria
social pré-estrutura o nosso olhar e sofistica a nossa capacidade de ob-
servação. Julguei, entretanto, que exemplos bem simples são gera]n1ente
os 1naisinteligíveis.E, co1noa Antropologia é a 111inha disciplina, continu-
arei a 111evaler dos seus ensinan1entos e de n1inhaprópria experiência pro-
fissional corn a esperança de, assiJnfazendo, poder proporcionar uma boa
noção dessas etapas, aparentemente corriqueiras da investigação científi-
ca. Portanto, se o Olhar possui uma significação específica para um cien-
tista social, o Ouvir ta1nbérno tem.
Evidentemente tanto o Ouvir quanto o Olhar não podem ser tomad os
co1110faculdades totahnente independentes no exercício da investigação .
A1nbosse complementa1ne serve1npara o pesquisador como duas mule-
tas (que não nos percamos co1nessa met áfora tão neg ativa ...) que lhe
pennitem ca1ninhar, ainda que tropega111 e nte, na estrada do conhecitnen-
to. A metáfora, propositada1nenteutilizada, pennite Ie111br ar que a cami-
nhada da pesquisa é se111 pre difícil, sujeita a 1nuitas quedas ... É nesse ím-
peto de conhecer que o Ouvir , comp)em entando o Olhar , participa das
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ROBERTO CA RDOSO DE ÜLIVEIRA. Ü TRAB AL HO DO ANTROPÓLOGO
O Escrever
Mas se o Olhar e o Ouvir pode1n se r considerados como os atos cog-
nitivos 1nais prelirninares no trabalho de campo (trabalho que os an-
tropólogos se acostumara1na se valer da expressão inglesafieldwork para
deno1niná-lo), é seguramente no ato de Escrever, portanto na configura-
ção final do produto desse trabalho, que a questão do conhecimento se
torna tanto ou 1nais crítica. Um livro relativamente recente de Clifford
Geertz, Trabalhos e vidas : o antropólogo conio autdr, infelizmente, ao
que eu saiba, ainda não traduzido para o português, oferece importante s
pistas para desenvolvermos esse te1na.4 Geertz parte da idéia de separar
e, naturalmente,avaliar,duas etapas be1ndistintas na investigaçãoempírica:
a primeira, que ele procura qualificar como a do antropólogo "estando lá"
(being there), isto é, vivendo a situação de estar no ca1npo; e a segunda ,
que se seguiria àquela, corresponder ia à experiência de viver, 111elhordi-
zendo, trabalhar "estando aqui" (being here), a saber, be111instalado e1n
seu gabinete urbano, gozando o convívio com seus colegas e usufruindo
tudo o que as instituições universitária s e de pesquisa pode111oferecer.
Nesses te1mos,o Olhar e o Ouvir seriam pa1teda prilneira etapa, enquanto
o Escrever seria parte inerente da segunda.
Devernos entender, assim, por Escrever o ato exercitado por excelên-
cia no gabinete, cujas características o singularizam de forma marcante ,
sobretudo quando o co111pa rannos co111o que se escreve no campo , seja
ao fazermos nosso diário, seja nas anotações que rabiscan1os em nossas
cadernetas. E se to1nannos ainda Geertz por referência ve111osque, na
111aneirapela qual ele encam inha suas reflexões, é o Esc rever "estando
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R EV ISTA DE ANTROP OLOG IA, SAo PA ULO, USP, 1996, v. 39 nº 1.
aqui", portanto fora da situação de carnpo, que cumpre sua mais alta fun-
ção cognitiva. Por quê? Devido ao fato de iniciannos propria1nente no ga-
binete o processo de textualização dos fenôrnenos socioculturai s obser-
vados "estando lá". Jáas condições de textualização, i.e., de trazer os fatos
observados (vistos e ouvidos) para o p lano do discurso , não deixam de
ser niuito particulares e exercen1, por sua vez, um papel definitivo tanto no
processo de con1unic ação interpares (i.e., no seio da comunidade profis-
sional), quanto no de conhecin1entoproprianiente dito. Mesmo porque há
un1a relação dialética entre o comunicar e o conhecer, u1na vez que a1n-
bos partilha1n de u1na rnes1na co ndição: a que é dada pela linguagem.
E1nbora essa linguage1nseja i1nportante e1n si 1nesnia, co111 0 tema de re-
flexão, haja vista aquilo que podería111o s cha111arele"guinada lingüística"
(ou linguistics turn ), que perpassa atualmente tanto a filosofia como as
ciência sociais, o aspecto que desejo tratar aqui, se betn que de modo muito
sucinto, é unicamente o da disciplina e de seu próprio idio1na,por n1eio do
qual os que exercita1n a antropolo gia (ou~n1es1no , qualquer outra ciência
social) pensan1 e se con1unica1n. Alg uérn já escreveu que o ho1ne111 não
pensa sozinho, nu1n111onólogosolitário, 1naso faz sociahnente , no interior
de Lnna"co1nunidadede co1nunicação" e "de argurnentação"(ApeL 1985).
Ele está, portanto. contido no espaço interno de u1n horizonte socialmente
construído (no caso o da sua própria sociedade e/ou de sua co1nunidade
profissional). Desculpando- 111cpela itnprecisão da analogia. diria que ele
se pensa no interior de unia "representação coletiva'': expressão essa. afi-
nal, be1n fan1iliar ao cientista social e que. de cer~o 111odo , dá t11naidé1a
aproxi1nada daqu ilo que entendo por "idio1na'' de u1na disciplina. Co1no
pode111osinterpretar isso en1 conexão con1 os exen1plos etnográficos?
Diria inicial1nente que a textualização da cultura, ou de nossas observa-
ções sobre ela, é uni en1preendin1cnto bastante con1plexo. Exige que nos
dcspojcn1os de alguns hábitos de escrever, válidos para diversos gêneros
de escrita, n1asque para a construção de un1 discurso que esteja discipli-
nado por aqui lo que se poderia chaniar de"( nicta)tcoria social'' nen1scn1-
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R OBERTO CARDOSO DE ÜLIVElRA. Ü TRABALHO DO ANTROPÓLOGO
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grafia traz uma inegável contribu ição para a teoria soc ial. Marcus &
Cushn1an observa1n,relativamente à influência de Geertz na antropologia,
que, com ele, a "etnografia tornou-se u111meio de falar sobre teoria, filo-
sofia e episten1ologiasirnultaneamente ao cu1npri1nento de sua tarefa tra-
dicional de interpretar diferentes rnodos de vida"( l 982 :37). Evidentemente
que no elevar a produção do texto ao nível de reflexão sobre o Esc rever,
a disciplina está orientando sua ca1ninhada para aquelas instâncias meta-
teóricas que poucos alcançara1n realizar. Talvez o exe1np lo 1nais conheci-
do dentre os antropólogos vivos sej a o de Lév i-Strauss e no â111bit o de
seu n1étodo estruturalista , ainda que de reduzida eficác ia na pesqu isa
etnográfica. Con1 Geertz e sua antropologia interpretativa, verifica-se o
surgi1nentode un1aprática 1n etateórica e1nprocesso de padronização, em
que pesem alguns esco1Tegõesde seus adeptos para o inti1n is1no, há pou-
co 1nencionado. Entendo que o bo1n texto etnográfico, para ser elabora-
do, deve ter pensadas as condições de sua produção, a par tir das etapas
iniciais da obtenção dos dados (o Olhar e o Ouvir), tal não quer dizer que
ele deva se en1aranhar na subjet ividade do autor/pesquisador. Antes, o
que está em jogo é a "intersubje tividade" - esta de caráter epistêm ico -,
graças à qual se a1i icula1n nun11nes1n o "horizonte teórico" os rne1nbros de
sua co1n unidade profissional. E é o reconhecirnento dessa intersubjetividade
que torna o antropólogo 1no derno u1ncientista social menos ingênuo. Te-
nho para 1ni111 que talvez seja essa un1a das mais fortes contribuições do
paradig1na henn enêutico para a disciplina.
Conclusão
Exa n1inados o O]har , o Ouvir e o Esc reve r, a que co nclusões pod e-
1nos chegar? Como procurei 1nostrar desde o início, essas "facu ldades"
do espírito tê111características be1n precisas quand o exercitadas na órbita
das ciências sociais e, de urn 1nodo todo especial, na da antropolo gia. Se
o Olhar e o Ouvir constituem a nossa "percepção" da realidad e focaliza-
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R1~v1ST/\ l)L ANTROPOLOGJ 1\, SAo P ,\ ULO , US P, 1996, v . 39 nº 1.
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ROBERTO CARDOSO OE ÜLIV~IRA. Ü TR ABALHO DO ANTROPÓLOGO
Notas
A prin1eira versão desla co nferênc ia f oi desti nada à Aula Inaugura l do ano
acadêmico de 1994, re lat iva ao s cursos do In stitu to de F ilosofia e Ciências
Hu1nanas (IFCH) da Un ivers idad e Estad ual de Cam pin as (Unicai np ). Ap re-
se nte versão, que agora se publica, foi ela borad a para un1a co nfe rência n1i-
nistrada a u1na platéia n1ultidisciplinar na Funda ção Joaq ui1n Nabuco , en1
Recife, e1n 24 de n1aio do mes1no ano, e1n se u Institut o de Tropicologia.
2 Aqui fa ço u1na disti nção entre "se ntid o" e "s ignifica ção": o prilneiro termo
destinado a dar conta do hori zo nte se mânti co do "nativ o" (co 1no no exem -
plo de que estou n1e va lend o), enquant o o segu ndo tenn o serve para desig-
nar o horizo nte do antr opó logo (qu e é co nst ituíd o por sua discip lina). E ssa
distinção se apóia em E.D. Hir sc h Jr. ( 1967:21 l), que, por sua vez, apóia-se
na lóg ica fregeana.
3 Esse é u1n te1na que tenh o exp lora do seg uidmn ente em dife rentes pubh ca-
ções, poré1n indi ca ria apenas a mai s rece nte: UJna co nferência mini strada na
U niversidade Fede ral do Paraná, no ân1bito do Seminá rio "C iência e Socie-
dade: A Crise dos M ode los", rea lizado na cidad e de Cu riti ba, e1n 9 de no-
ve 1nbro de l993 (cf. Cardoso de Ol iveira, 1994).
4 O tít ul o da ed ição or ig inal é Works and tives: th e anthr opolog ist as autho r
(cf. G ee rtz, 1988) . Há unia tradução espanho la, publi ca da em Ba rce lo na.
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R EVISTA DI ~ A NT ROPOLOGIA , SAo P AULO, USP, 1996, v. 39 nº 1.
6 Par a un1a boa idé ia sobre a varieda de de posições no inter ior do 1novi-
n1ento hen nenêutico , vale consultar os e nsa ios contidos e111Jan1es Clifford
& Geo rge
.... E. Marcus, 1986 .
7 De u1na perspectiva crí tica, ainda que sin1pütica a essas n1onografias ex-
perin1entais , leia-se o artigo ela ant ropó loga Te resa Caldeira ( 1988); já ele
u1na perspectiva n1enos favorável , ver, por exc 1nplo , o arti go- rese nha de
Wilson Trajan o Filho ( 1988), e o de Ca rlos Fausto ( 1988) an1bos publica -
do s no Anuârfr J Antropológi co; e o de Marí za Pe irano, "O enco ntr o etno-
gniJ ico e o diálogo teórico" (c f. Pe irano, 1991). Para u1na apreciação mais
ge nérica dessa antropo log ia pós-1noderna , onde se procura aponta r tan -
to seus aspecto s posi tivos (no que se refe re à co ntribui ção do paradign1a
hern1cnêutico para o enriqu ccin1ento da rnatriz disciplinar da antropologia)
quanto os aspectos negativos daquilo que considero ser o "de scnvo 1ví-
1ncnto perverso " desse paradigrna, (cf. Cardoso de Ol ive ira, 1988b; ve r-
são fin al de co n fcrência proferida no Centro de Lógica, Episten1ologia e
História da Ciência da Un ican1p, e1n 1986, cuja pri1neira publica ção foi feita
no Anuário Anrropolôi i co, 86, con forrne Cardoso de Oliv e ira , 1988a).
8 CL Louis Dun1ont , "La valcur chez les n1odernes ct che;, lcs autres '', in
Dun1ont, 1983, cap.7.
9 Editado pela Vozes, e n1 198 1, o volun1c é unia hoa intr odução à antropolo-
gia soc ial que rccon1cndo ao alu no interessado na disciplina, prccísan1en-
Lc por não se tratar de un1 n1anual, poré1n de un1 livro de reflexão sobre o
fazer antropológ ico, apoiada na rica exper iência de pesquisa do autor. Jú
nun1a direção un1 pou co dif erente , posicionand o-se co ntra certos exage-
ros anti-relativistas, Cliflo rd Gccrtz esc rev e seu "An ti anti-relativisrno''
( 1988a:5- l 9), que vale a pena co nsultar.
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R OBERTO CARDOSO DE OLIV EIRA. 0 TRABALHO DO ANTROPÓLOGO
11 Eu faço u1na distinçã o entre "at itude relativ ista" , que cons idero ser ineren-
te à postura antropo lógica, e "relativism o" com o ideolog ia cien tífica . Ess e
relat i vismo, por seu ca ráter radi cal e abs oluti sta, não conseg ue visualizar
adequadainente questões de moralidade e de eticidade , sobrepondo, por
exe mplo , "hábito " a "nonn a 1noral" e justificando esta por aque le. Tiv e a
ocas ião de tratar de sse te1na mai s detalhadatnente em outr o lugar (cf. Car-
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