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Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/6cd2c4a6745adb2a8025822e00407c51

Processo:

2066/15.0T8PNF.P1

Descritores: TEMPO DE TRABALHO


TEMPO DE DESCANSO
GPS
PRIVACIDADE
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INJÚRIA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Área Temática: .
Sumário: I - O momento limite entre o ‘tempo de trabalho’ e o ‘tempo de descanso’ é
aquele em que o trabalhador adquire o domínio absoluto e livre da gestão da sua vida
privada.
II - A disponibilidade do trabalhador ao serviço do empregador, 24 horas por dia, 6 dias
por semana, viola o direito do trabalhador “ao repouso e aos lazeres”, pessoais e
familiares, previsto no artigo 59.º, n.º 1, alínea d), da Constituição da República
Portuguesa (CRP).
III - O controlo do trabalhador através do dispositivo de geolocalização (GPS, PDA e
Telemóvel) instalado no veículo/reboque que lhe estava afecto, incluindo para fins
particulares, 24 horas por dia, 6 dias por semana [“a escravatura electrónica” do século
XXI], viola, também, o direito do trabalhador à privacidade, previsto no artigo 26.º, da
CRP.
IV - A desorganização da vida pessoal e familiar do trabalhador, os danos causados à sua
saúde, por interrupção ou falta de dormir o tempo necessário (num período de 3 anos e
5 meses), e a falta de privacidade, constituem o direito a ser indemnizado por danos não
patrimoniais, no montante de €30.000,00.
V - As expressões “deficiente e arrogante, mentirosa e porco” dirigidas pelo trabalhador aos
sócios da empresa, sua empregadora, tendo natureza injuriosa e difamatória,
constituem justa causa de despedimento.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2066/2015.0T8PNF.P1
Origem: Comarca Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho J2.
Relator - Domingos Morais – Registo 731
Adjuntos – Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:


I – Relatório

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1. – B… apresentou o formulário a que reportam os artigos 98.º-C e 98.º-D, do Código de
Processo de Trabalho (CPT), na Comarca Porto Este-Penafiel-Juízo Trabalho J2..
- C…, Lda., frustrada a conciliação na audiência de partes, apresentou o articulado para
motivar o despedimento, alegando, em resumo, que o autor, na sequência da nota de
culpa que lhe foi, oportunamente, notificada, foi despedido com justa causa, por
violação do disposto no artigo 128.º, nº 1 alíneas a), c) e e), e nº 2 do Código do Trabalho,
Terminou, concluindo: “Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se a V. Exa. que se
digne julgar regular e lícito o despedimento do autor promovido pela ré.”.
2. - Notificado, o autor apresentou contestação/reconvenção, impugnando,
parcialmente, a factualidade alegada pela ré, e concluindo: “deve ser julgado injustificado
ou ilícito e sem justa causa o despedimento promovido pela entidade patronal e julgada
procedente a reconvenção condenando-se a entidade patronal C…, Ldª a pagar ao
trabalhador B… todos os salários que este deixar de auferir desde a data do despedimento
até à data da sentença, bem como a indemnização pela cessão do contrato de trabalho no
montante de 45 dias por cada ano completo e proporcional no caso de fracção de ano de
trabalho, neste momento no montante de 2.383,33€; bem como o montante de 989,92€ a
titulo de credito por ferias não gozadas; bem como o montante de 73.000,00€ a titulo de
créditos salariais pelo trabalho suplementar prestado nos dias descanso obrigatório,
complementar e feriados, compensação pela falta de descanso compensatório, trabalho
suplementar prestado além das 8 horas por dia em dia normal de trabalho, ou em
alternativa caso se entenda não ser de qualificar como trabalho suplementar a
disponibilidade nos termos supra alegados, o mesmo valor, ou outro que se entender
conveniente a fixar segundo o prudente arbítrio do tribunal a titulo de indemnização pela
violação do direito ao descanso, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação
até efectivo e integral pagamento.”.
3. - A ré respondeu pela improcedência do pedido reconvencional.
4. - Admitido o pedido reconvencional, proferido o despacho saneador e realizada a
audiência de julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão:
“Pelo exposto, decido julgar a presente acção/reconvenção parcialmente procedente, por
parcialmente provada, e em consequência:
I) Julgo regular e lícito o despedimento do Trabalhador B… promovido pela Empregadora C…,
Lda.
II) Condeno a Empregadora a pagar ao Trabalhador:
a) A quantia de €275 (duzentos e setenta e cinco euros) a título de retribuição por férias não
gozadas, acrescida de juros de mora, à taxa legal contados desde o dia de citação da
Empregadora até efectivo e integral pagamento.
b) A quantia de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros) a título de indemnização pela violação
do direito ao descanso do Trabalhador no período compreendido entre 25 de Abril de 2011 e
28 de Fevereiro de 2013, acrescida de juros de mora, à taxa legal contados desde o dia de
citação da Empregadora até efectivo e integral pagamento.
III) Absolvo a Empregadora dos demais pedidos contra ela formulados.
Absolvo o Trabalhador do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Custas em dívida a juízo por Trabalhador e Empregadora na proporção do respectivo
decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o Trabalhador.

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Valor da acção: €76.373,15.”.
5. – O autor, inconformado, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“I - Nos termos do artigo 635 do C: P. civil na falta de especificação, o recurso abrange tudo o
que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente. e nas conclusões da
alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso,
pelo que em face da complexidade do recurso o recorrente não restringe o objecto do recurso
às presentes conclusões onde apenas fazendo um sumário dos fundamentos do presente
recurso de modo a sintetizar a discordância da decisão recorrida, os fundamentos de recurso
e qual a decisão que entendemos dever ser proferida.
II - Quanto à validação do despedimento foram incorretamente julgados os factos 18, 19, 25 a
28, 32, 35 a 39 merecendo a resposta que se apontou nestas alegações em face de uma
análise critica das supra transcritas afirmações das testemunhas das testemunhas D… na
sessão de 25/2/2016 ao minuto 05:33 a 08:35; E… ouvida na sessão de 25/2/2016 do minuto
06:52 a 09:28; F… ouvida na sessão de 25/2/2016 no minuto 10:19 ao minuto 15:28; G…,
ouvido no dia 25/2/2016 ao minuto 05:10 a 6:50; D…, na sessão de 25/2/2016 ao minuto
09:14 a 11:30 H… sessão de 25/2/2016, dos minutos 03:40 a 5:19 I…, motorista na ré ouvido
na sessão de 25/2/2016 do minuto 03:25 a 08:42: J…, motorista na ré ouvido na sessão de
25/2/2016 do minuto 02:17 a 09:58 e K…, funcionário e irmão do D… dependente da ré
patronal ouvido na sessão de 03/3/2016 do minuto 03:44 a 06:47, mereciam as respostas que
se deixaram expressas nos artigos 7º, 12º, 20 e 26 destas alegações.
III - Relativamente à reconvenção foi incorretamente julgado o facto 47, na parte em que dá a
entender que o trabalhador podia escolher livremente o local para se encontrar em
disponibilidade como decorre do depoimento da testemunha, L…, ouvida na sessão de
3/3/2016 o minuto 29:46 ao minuto 31:34 , conjugado com o documento de folhas 547 a 578
e com os factos provados 44,45 e 46, merecendo a seguinte resposta corretiva - 47) No
período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com excepção
do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, o Trabalhador, fora
do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da Empregadora,
prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública, o
trabalhador tinha de estar contactável e disponível, na Rua …, …, Felgueiras, junto à sua
residência, podendo deslocar-se excepcionalmente para outro local mediante autorização
prévia da entidade patronal, desde que lhe permitisse o referido contacto e disponibilidade
por parte da Empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem por esta
atribuídos a qualquer hora do dia ou da noite.
IV - A respeito da importância estratégica da manutenção do PDA ligado nos locais escolhidos
pela ré patronal podemos ainda citar a entidade patronal no processo disciplinar que moveu
ao trabalhador M…, constante do III volume a folhas 547 a 578, onde a fls 571 dos presentes
autos diz o seguinte "são diversas assituações em que não obstante ser sua obrigação
estar disponível para efectuarqualquer serviço que seja necessário, verificou-se que o
arguido estava no estadode "indisponível", não cumprindo assim as tarefas para si
designadas, comprejuízo para a arguente, que, não tendo um reboque que, pelo
sistema delocalização de GPS esteja no estado de "disponível" não recebe o
serviço,perdendo assim de obter essa receita e prejudicando igualmente a imagem
daarguente perante as companhias de seguro com quem tem protocolos".

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V - A regra resultante dos factos provados n.º 44º, 45º e 46º de disponibilidade permanente do
trabalhador 24 horas por dia 6 dias por semana, constitui presunção judicial com vista à
afirmação positiva da matéria dos artigos 45º e 46º da contestação reconvenção que merecia
a resposta indicada 69 e 70 destas alegações, ainda que conjugada com o depoimento da
testemunha L… ouvida na sessão de 3/3/2016 das 14:43:08 às 16:24:02 a este respeito ainda
do minuto 15:41 ao minuto 61:04 e com o documento de folhas 547 a 578.
VI - Os factos alegados nos artigos 30º, 35º, 36º, 43º, 48º e 50 da contestação reconvenção que
foram incorretamente julgados não provados, merecendo pelas mesmas razões e com os
mesmos fundamentos da conclusão anterior a resposta de provados.
VII - O cargo de motorista de reboque apesar de implicar direção de um reboque, não
constitui cargo de direção a que se refere a alínea a) do n.º 1 do artigo 218º do Código do
Trabalho, pelo que a isenção de horário de trabalho apenas se podia justificar e integrar na
alínea c) do n.º 1 do referido artigo 218º do Código do Trabalho, porém esta norma exige a
falta de controlo imediato de superior hierárquico o que em face da matéria comprovada nos
factos 44 a 46, fica afastado, pois a entidade patronal sabia a todo o tempo, por causa do
PDA e do GPS onde se encontrava exatamente o trabalhador e se este estava ou não a fazer
um serviço de reboque e qual a estrada em que neste caso estava a seguir e respetivo sentido,
ou se por algum motivo tinha parado ou seguido um trajeto que não era o mais indicado.
VIII - O acordo de isenção de horário de trabalho para além de devidamente justificado, que
ao caso não seria aplicável por falta de cabimento legal, teria de ser remetido ao Ministério
do Trabalho nos termos do n.º 3 do artigo 218º do Código do Trabalho, o que a entidade
patronal não alegou nem demonstrou.
IX - Não se aplicando o regime de isenção de horário de trabalho e não cabendo a respetiva
disponibilidade imposta, vigiada, controlada a tempo inteiro pela entidade patronal e em
local pré determinado por esta, na isenção de horário de trabalho, fica ao alcance do artigo
193º n.º 1 do Código do Trabalho "tempo durante o qual o trabalhador permanece adstrito à
realização da sua prestação, que é não só conduzir o reboque quando ativado no PDA ou
chamado, como estar sempre à escuta ou alerta e próximo, para prestar o serviço.
X - Citando a própria entidade patronal no referido processo disciplinar a respeito dos
atrasos do motorista M… a ligar o PDA e o telemóvel no final do dia de descanso semanal
lemos o seguinte (pág 576 e 577 III Volume): "Sabe também, ou pelo mesmo tem obrigação
de saber, que não pode, de motepróprio, sem o consentimento prévio da sua entidade
patronal, ligar e desligar asua disponibilidade (ou seja, estar ao serviço ao trabalho)
quando lhe interessare lhe der mais jeito. Nem começar a trabalhar quando apenas
acordou.É de facto muito original esta justificação. E Também sabe, ou tem a
obrigaçãode saber que não estando disponível para o trabalho, não lhe é entregue
nenhumserviço de reboque, e não tendo a arguente disponível no mesmo raio de acção
outro reboque, perde aquele serviço, o que se traduzirá necessariamente quer
emprejuízo patrimonial quer em termos de imagem da arguente."(……)"nenhuma
entidade patronal pode ter nos seus quadros um trabalhador quedeixa o trabalho e
entra ao trabalho quando lhe apetece, sem dar contapreviamente e sem prestar
qualquer explicação posteriormente, desconfiando-sepor via disso que o arguido tenha
interiorizado a ilicitude do seu comportamento".
XI - Vemos assim que é a própria entidade patronal que chama "trabalho" ao intervalo

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entre serviços de reboque em que o trabalhador tem de estar disponível, independentemente
da hora do dia ou da noite e que não pode "deixar" e "entrar" quando lhe " apetece" ou
"quando apenas acorda.
XII - Faz parte da atividade económica exercida pela patronal ter reboques com PDA ligado
em disponível no maior numero de pontos possível, devidamente espalhados, de modo a
apanhar o maior numero de serviços possível e granjear fama junto das seguradoras, como
sendo a empresa nesta zona (pelo menos N… e O…) que oferece serviços de reboque mais
próximos e portanto mais rápidos aos seus segurados.
XIII - Faz parte das funções dos seus motoristas ligarem o PDA, o GPS e o telemóvel do
respetivo reboque, logo que cessam as 24 horas de descanso semanal, conforme bem se diz
no processo disciplinar de folhas 547 a 578.
XIV - Não se pode deixar de considerar a referida disponibilidade 24 horas por dia 6 dias por
semana junto do reboque no local previamente combinado, com o PDA, GPS e telemóvel
ligado, como tempo de permanência adstrito à realização do trabalho, a que se refere o
artigo 197.º n.º 1 do Código do Trabalho.
XV - O exagero de disponibilidade exigido pela ré patronal, a nosso ver escusado e
manifestador de desprezo pelas pessoas, de 24 horas por dia 6 dias por semana (144 horas
por semana), representa em termos práticos um sofrimento e um atentado à dignidade do
trabalhador, vida familiar e social mais do quadruplo em relação a por exemplo um pedido
de disponibilidade de pouco mais de metade do tempo (16 horas por dia cinco dias por
semana 80 horas semanais).
XVI - Um critério para achar uma justa compensação para a referida disponibilidade poderá
passar por um valor de 2,00€ hora pelo período das 24h00 às 08h00, 4,00€ hora pela
primeira hora fora daquele período e 5,00€ pelas demais horas em que se acentua a
dificuldade de conciliação da vida familiar com a atividade profissional, lazeres e realização
pessoal, o que dá um valor médio, dia ante o quadro da relação de trabalho em concreto
descrito com esgotamento total da disponibilidade do trabalhador para si ou de liberdade
individual 24 horas por dia 6 dias por semana, de 55,00€ dia,
XVII - Com referência ao 2º dia de descanso semanal e exigência de disponibilidade do mesmo
24 horas por dia, todas as semanas, cremos que pela perda de liberdade, humilhação e
sofrimento que o mesmo inculca, não será indemnizável por menos de 150,00€ por cada dia
das 52 semanas do ano - cremos que se justificaria um valor inferior, se calhar um terço do
que apontamos, se estivéssemos a falar num dia de 6 em 6 semanas, mas a ré patronal
desrespeita por completo o direito a descanso dois dias por semana, há muito consagrado e
insiste reiteradamente num único dia, o que ainda mais acentua a dificuldade de conciliação
da vida familiar com a actividade profissional, lazeres, realização pessoal e vida social dos
seus trabalhadores.
XVIII - O critério do segundo dia de descanso semanal será aplicável neste quadro igualmente
aos feriados, que se fossem respeitados pela entidade patronal constituíram uns pequenos
momentos de liberdade em tão dominadora e possessiva relação laboral.
XIX - Seguindo este critério, que apesar de poder merecer um ou outro acerto em melhor juízo
de equidade, nos parece minimamente razoável para o caso concreto em face das exigências
exageradas, tirânicas e desumanas da ré patronal de permanência dos motoristas de
reboque adstritos à realização de prestação de serviço 24 horas por dia 6 dias por semana

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alcançamos para os 193 dias de trabalho prestados 24 horas por dia em dia de descanso
semanal e feriados e 815 dias de trabalho em dia da semana em que o trabalhador esteve
adstrito ao exercício das sua atividade, alcançamos o valor de 73.775,00€ ou seja 775,00€
acima do peticionado a este respeito.
XX - O valor de 100,00 € mensais atribuído pelo tribunal pela violação do direito ao repouso,
liberdade individual, realização pessoal , conciliação da vida familiar e social que a exigência
de disponibilidade junto ao reboque 24 horas por dia 6 dias por semana com o PDA , GPS e
telemóvel ligado, constitui um valor irrisório de 0,24 € hora, longe de compensar a referida
violação dos direitos de personalidade do trabalhador constitucionalmente consagrados e
legalmente protegidos.
XXI - Violou a decisão recorrida entre outros o disposto no artigo 197º n.º 1, 203º, 211º e 218º
n.º 1 al c) e 219º n.º 3 do Código do Trabalho, 59º da Constituição da Republica Portuguesa e
483º, 562º, 564º e 566º do código Civil.
XXII - Deve ser dado provimento ao recurso substituindo-se a decisão recorrida por outra que
julgue injustificado o despedimento e procedente a reconvenção, condenando-se a ré patronal
no pedido reconvencional e no resultante da declaração de nulidade do despedimento.
Assim se fará Justiça.”.
6. – A ré contra - alegou, concluindo:
“1. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção
acerca de cada facto.
2. Tal como vem sido entendido na vária jurisprudência publicada, a reapreciação da matéria
de facto tem que ser feita com o devido cuidado, uma vez que a livre convicção do julgador
na decisão sobre a matéria de facto assenta nos princípios da imediação, da oralidade e do
contraditório a que a Relação não tem acesso.
3. Os poderes dados à Relação sobre a alteração da matéria de facto provada em 1ª instancia
têm que se cingir a casos de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos
de prova e aquilo em que foi dado como provado.
4. No fundo, o que o Recorrente pretende é transformar este recurso num novo julgamento -
o que não pode ser de todo.
5. Procedendo-se à audição dos depoimentos, parece-nos obvio não existir desconformidade
entre as respostas dadas à matéria de facto e àquilo que se produziu, em termos de prova,
em audiência de julgamento.
6. E se atentarmos à motivação sobre a resposta dada à matéria de facto é inolvidável que o
Tribunal de 1ª instância decidiu de forma ponderada, fundamentada e criteriosa, analisou
criticamente as provas, com base nas quais formou a sua convicção.
7. Não havendo razão para que seja alterada a matéria de facto dada como provada e ora
impugnada pelo Recorrente.
8. O tribunal apreciou criticamente o depoimento de cada uma das testemunhas, credibilizou-
os em função da sua razão de ciência e motivação, e fê-lo de forma correta de acordo com os
imperativos e normativos legais. Pelo que em situação alguma, merece reparo a apreciação
da prova.
9. As conclusões de recurso delimitam o objeto do recurso.
10. Das conclusões formuladas extrai-se que o recorrente não questiona a adequação da
sanção de despedimento para o comportamento adotado e descrito na matéria dada como

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provada.
11. O recorrente apenas se insurge quanto à fixação da matéria dada como provada, não se
insurgindo, porém, se a sanção de despedimento é desadequada e desproporcional face aos
concretos comportamentos adotados pelo recorrente e plasmados nos vários pontos
assentes.
12. A medida da sanção tem que ser apreciada à luz das imposições de prevenção geral e
especial.
13. A conduta adotada pelo recorrente foi gravíssima, violadora do mais elementar dever de
respeito e urbanidade perante a sua entidade patronal, tento mais que os mesmos foram
adotados na presença de outros funcionários, sendo os comportamentos aptos a
desautorizar o sócio gerente e sócia da recorrida.
14. Ademais, o recorrente além de já ter sido alvo de outro processo disciplinar (mais leve)
condenado a uma pena de suspensão, ao não assumir as suas faltas e não ter revelado
arrependimento, não poderá beneficiar de qualquer atenuação da culpa, o que obstaculiza
ao restabelecimento da relação de confiança quebrada com a empresa, não sendo exigível
para a empresa mante-lo ao seu serviço.
15. Atenta a censurabilidade da conduta do recorrente, é de concluir que, pela sua gravidade,
tais condutas são de molde a quebrar irremediavelmente a relação de confiança que a
natureza da concreta relação de trabalho em causa pressupõe, não sendo de exigir do
empregador a subsistência da relação laboral.
16. O recorrente confunde disponibilidade para o trabalho com trabalho efectivamente
prestado além do período normal de trabalho que é de 40 horas semanais.
17. Impunha-se ao recorrente alegar e provar que realizou trabalho efetivo além do período
normal de trabalho para ter direito à remuneração por trabalho suplementar.
18. A mera disponibilidade para trabalhar não confere, por si só, o direito a trabalho
suplementar que tenha efetivamente prestado trabalho.
19. O tempo de disponibilidade não é tempo de trabalho.
20. “Como se vem entendendo na nossa jurisprudência, sem vozes discordantes conhecidas,
se o trabalhador permanece no local de trabalho e está disponível para trabalhar, esse
período de tempo deve considerar-se como tempo de trabalho; se o trabalhador permanece
disponível ou acessível para trabalhar mas fora do seu local de trabalho ou do local
controlado pelo empregador (por exemplo, no seu domicílio), podendo ainda que de forma
limitada, gerir os seus interesses e desenvolver catividades à margem da relação laboral,
apesar de se encontrar disponível para trabalhar, esse período de tempo não pode em regra
considerar-se tempo de trabalho não podendo, por conseguinte, entender-se como tempo de
trabalho o chamado “tempo de localização”, ou seja, aquele em que o trabalhador não tinha
que estar presente fisicamente na empresa, mas apenas contactável e disponível, podendo
encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua escolha e interesse, desde
que lhe permitisse o referido contacto”.
TERMOS EM QUE:
Deve improceder, in totum, o recurso interposto, mantendo-se a douta decisão recorrida.
Com o que, e como sempre, se fará JUSTIÇA”.
7. - O M. Público, junto deste Tribunal, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. - Fundamentação de facto

1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:


1.1. - “FACTOS PROVADOS

1) A Empregadora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica, com intuito lucrativo,
à assistência a veículos na estrada, vulgarmente designada de serviços de reboque, tendo
como objecto social a assistência a veículos na estrada, transporte de mercadorias por conta
de outrem, manutenção e reparação de veículos automóveis e comércio de automóveis.
2) O Trabalhador exercia desde 25 de Abril de 2011, sob autoridade e fiscalização da
Empregadora, a função de motorista, assim categorizado, consistindo as suas funções na
condução de reboques e assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na
via pública.
3) Cumpriu como horário de trabalho, a partir de 16 de Setembro de 2014, 8 horas diárias,
de Segunda a Sexta-feira, entre as 8h30m e as 12.00 horas da parte da manhã e das 13h às
17.30 horas da parte da tarde.
4) Por decisão proferida em 4 de Maio de 2015 pela Empregadora foi ordenada a instauração
de um processo disciplinar ao Trabalhador.
5) Foi elaborada a nota de culpa, cuja cópia consta de fls.60 a 63, onde constavam os factos
que lhe eram imputados, notificada ao Trabalhador, e onde lhe foi comunicada a intenção de
aplicação de uma sanção disciplinar.
6) A remessa da nota de culpa foi efectuada através de carta registada com aviso de recepção,
datada de 5 de Maio de 2015.
7) Após, foi remetido ao Trabalhador, em 15 de Maio de 2015, por carta registada com aviso
de recepção, aditamento à nota de culpa, cuja cópia consta de fls. 67 a 70, onde foi
comunicada a intenção de despedimento.
8) O Trabalhador respondeu à matéria vertida na nota de culpa e no seu aditamento, por
carta registada datada de 27 de Maio de 2015, cuja cópia consta de fls. 73 a 75, não tendo
requerido qualquer diligência de prova.
9) Em 4 de Junho de 2015, por carta registada com aviso de recepção, foi remetido ao
Trabalhador novo aditamento à nota de culpa, cuja cópia consta de fls. 77 a 79.
10) Tendo desta vez o Trabalhador sido suspenso preventivamente das suas funções, sem
perda de retribuição.
11) Por carta registada datada de 24 de Junho de 2015, cuja cópia consta de fls. 99 e 100, o
Trabalhador respondeu ao aditamento de 4 de Junho de 2015 à nota de culpa, não tendo
requerido qualquer diligência de prova.
12) No âmbito do procedimento disciplinar foram ouvidas as declarações das testemunhas
indicadas pela Empregadora.
13) No relatório final e respectivas conclusões elaborado pelo instrutor nomeado, cuja cópia
consta de fls. 101 a 120, este propôs a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.
14) A Empregadora aceitou a proposta apresentada pelo instrutor do processo disciplinar e
por decisão de 10 de Julho de 2015 decidiu aplicar ao Trabalhador a sanção disciplinar de
despedimento com justa causa, comunicando tal decisão ao Trabalhador por carta registada
com aviso de recepção recepcionada pelo Trabalhador em 13 de Julho de 2015.
15) No dia 26/03/2015, pelas 08h40, foi solicitado à Empregadora um serviço de grua a
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realizar com a sua viatura Volvo .. – LS - .., a efectuar na …, serviço esse que foi atribuído pela
Empregadora ao Trabalhador, através de instrução dada pela funcionária E….
16) O Trabalhador referiu à funcionária E… que só fazia o serviço se ela arranjasse alguém
que lhe viesse explicar como funcionava aquela grua.
17) A Empregadora enviou outro funcionário para efectuar aquele serviço de grua.
18) Ainda nesse mesmo dia 26 de Março de 2015, na parte da manhã, encontrando-se o
gerente da Empregadora, P…, junto dos mecânicos a tratar de assuntos relativos a reparações
dos seus reboques, o Trabalhador dirigiu-se ao mesmo, seu patrão, e em tom exaltado e
ameaçador disse-lhe que iria ter graves problemas com ele por causa de um acidente
rodoviário em que o Trabalhador tinha sido interveniente ao serviço da Empregadora,
conduzindo uma viatura com a matrícula .. – LH - ... – alterada a redacção nos termos infra
fundamentados:
“18) Em data indeterminada, na parte da manhã, encontrando-se o gerente da
Empregadora, P…, junto dos mecânicos a tratar de assuntos relativos a reparações dos
seus reboques, o Trabalhador aproximou-se e discutiram ambos num tom exaltado,
sobre problemas mecânicos de um determinado veículo, que não foi possível
identificar.”
19) O gerente da Empregadora perguntou ao Trabalhador, em tom também exaltado, se era
por causa dos travões, e o Trabalhador disse que era uma coisa mais grave, tendo ambos
discutido, não tendo sido possível apurar em concreto o demais teor da discussão. - alterada
a redacção nos termos infra fundamentados:
“19) O que consta do teor do ponto 18) .”.
20) O referido em 18) e 19) ocorreu na presença do funcionário da Empregadora G…, bem
como de D…, H… e K…, sendo o D… sócio gerente e o H… e o K… funcionários de uma
sociedade que explora uma oficina de reparação de automóveis que partilha instalações com
a aqui Empregadora.
21) No dia 11 de Maio de 2015, pelas 14.00 horas, o Trabalhador deslocou-se ao escritório da
Empregadora, onde se encontrava a funcionária E… e o funcionário G… (que é também filho
dos sócios da Empregadora) e entregou o seu livrete individual de controlo, como é prática
fazê-lo sempre que o mesmo se encontre totalmente preenchido.
22) Na mesma altura pediu ao funcionário G… que lhe entregasse cópias dos penúltimo e
antepenúltimo livrete individual de controlo, tendo aquele informado que viesse mais tarde
porque só a sua mãe (D. F…) é que lhos poderia entregar.
23) Cerca das 15h10, o Trabalhador voltou ao escritório da Empregadora, e solicitou à D. F…
(sócia da Empregadora e esposa do gerente desta) cópias do penúltimo e antepenúltimo
livrete individual de controlo, encontrando-se ali também a funcionária E….
24) A esta solicitação respondeu-lhe a D. F… que para lhe dar as cópias teria que consultar o
seu advogado.
25) O Trabalhador, em tom mais elevado de voz, disse à D. F… que ela tinha de lhe passar
uma declaração a declarar que não lhe tinha dado as cópias que ele tinha pedido, ao que a
D. F… respondeu que não passava sem falar com o advogado, porque estava a correr contra
o Trabalhador um processo disciplinar, e que logo que conseguisse falar com o mesmo agiria
em conformidade e que se o advogado desse indicações para entregar ao Trabalhador as
cópias por ele pedidas que ela o faria.

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26) Perante esta resposta, o Trabalhador, aos berros, disse que ela tinha de lhe passar a
declaração.
27) A D. F… disse ao Trabalhador para que falasse mais baixo e deixasse de importunar a E…,
que tinha medo de ficar sozinha no escritório por causa do Trabalhador, até porque a E…
recentemente é que tinha entrado ao serviço da Empregadora, e que quando quisesse tratar
de algum assunto se deveria dirigir directamente a ela (D. F…) ou ao seu marido (Sr. G…), os
donos da empresa.
28) O Trabalhador, enquanto saía do escritório, virou-se para a sua patroa, a D. F…, e para a
funcionária E… e disse-lhes que eram mentirosas e que iam pagar caro por isso.
29) No dia 13 de Maio de 2015, o filho dos donos da Empregadora, G…, também funcionário
da Empregadora, encontrava-se na oficina existente nas instalações da Empregadora, onde
também se encontravam D…, K… e H….
30) O Trabalhador aproximou-se então do G… e perguntou-lhe, referindo-se à casa de banho
dos clientes, se achava que aquela casa de banho estava em condições para ser utilizada,
pois até tinha o tampo da sanita partido, situação de que eram testemunhas todos os
mecânicos que lá estavam.
31) O G… disse ao Trabalhador que devia dirigir-se ao escritório e falar com os patrões,
porque naquele local ele era um simples empregado como o Trabalhador e nada mais.
32) De imediato o Trabalhador respondeu ao G… que não sabia se ele era empregado ou não
e que não falava com os patrões porque “a tua mãe é uma deficiente e arrogante e o teu pai
nem sabe falar”.
33) No dia 1 de Junho de 2015, entre as 8h15 e as 8h30, o Trabalhador apresentou-se ao
trabalho nas instalações da Empregadora sitas em …, Lousada, e o gerente da Empregadora,
Sr. G…, questionou-o sobre o que é que estava ali a fazer, pois deveria ficar em casa mais um
dia a gozar férias, tendo o Trabalhador respondido que estava ali para trabalhar e que ía ter
de lhe pagar o dia se não que lhe tivesse enviado uma carta registada a avisar.
34) De seguida, o Trabalhador foi ver as casas de banho e reclamou que estavam sujas, tendo
o gerente da Empregadora respondido que se achasse que não estavam limpas que se
queixasse à ACT.
35) De seguida, enquanto o gerente da Empregadora ajudava outros funcionários a carregar
viaturas para entrega, o Trabalhador manteve-se sempre junto a este e em tom e postura
desafiadora ia-lhe dizendo que já tinha um patrão melhor, que tinha estado a trabalhar para
outro patrão “durante as férias e paga muito melhor do que você”.
36) Perante esta postura, o gerente da Empregadora disse ao Trabalhador que o deixasse
trabalhar e saiu para o parque descoberto para ajudar os funcionários nas tarefas que
estavam a realizar.
37) O Trabalhador continuou no encalço do gerente da Empregadora, e depois de ver um dos
reboques da Empregadora acidentado disse “muito gozo me dá ver os vossos reboques todos
partidos, deviam era estar todos assim”, ao que respondeu o gerente da Empregadora que
não se preocupasse porque a empresa tinha seguro contra todos os riscos.
38) O Trabalhador continuou virado para o gerente da Empregadora, dizendo-lhe “és um
porco” e “quando me mandares embora vou-te partir todo”, tudo isto sempre próximo do
gerente da Empregadora, em voz alta.
39) O gerente da Empregadora decidiu deixar o local e foi para o escritório.

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40) O Trabalhador foi condenado em processo disciplinar que lhe foi movido pela
Empregadora por decisão de 2 de Abril de 2015, na sanção disciplinar de suspensão do
trabalho por um período de 2 dias com perda de retribuição, a qual foi cumprida nos dias 16
e 17 de Abril de 2015.
41) No processo disciplinar referido em 40), cujo relatório final consta de fls. 128 a 136 e cujo
teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o Trabalhador foi condenado pela prática dos
seguintes factos:
- No dia 23 de Fevereiro de 2015, pelas 11.40 horas, o Trabalhador estava ao serviço de
reboque da Empregadora em Lousada, quando recebeu indicação para um serviço passado
via GPS pela Seguradora S… – Companhia de Seguros, S.A., e que consistia em proceder ao
reboque de uma viatura marca Fiat, modelo …, a carregar na Rua …, nº.., em Lousada e
descarregar na Reparadora T…, sita no Lugar de …, também em Lousada.
- O Trabalhador recusou efectuar esse serviço de reboque, tendo esse serviço sido efectuado
por outro reboque.
- No dia 20 de Fevereiro deslocou-se às instalações da Empregadora, sitas em Lousada, uma
empresa denominada U…, S.L., para proceder ao carregamento de um contentor frigorífico,
tarefa que estava a ser levada a cabo pelo funcionário da Empregadora I…, que procedia ao
transporte utilizando uma grua.
- E foi então que o Trabalhador se aproximou do seu colega, dizendo-lhe que este não
percebia nada do que estava a fazer, tendo aquele lhe retorquido que fizesse o Trabalhador
melhor, ao que este rematou dizendo que não estava lá para ensinar burros.
42) Em 19 de Agosto de 2015 os sócios da Empregadora, P… e F…, apresentaram queixa-
crime contra o Trabalhador, cuja cópia consta de fls. 138 a 145 e cujo teor se dá aqui por
integralmente reproduzido.
43) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014 o
Trabalhador exerceu, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Empregadora, a função de
motorista, consistindo as suas funções na condução de reboques e assistência a viaturas
impossibilitadas de transitar regularmente na via pública.
44) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, por
regra, só era permitido ao Trabalhador folgar por semana um dia, que era o Sábado ou o
Domingo alternados, únicos períodos, além das férias, em que lhe era permitido ter o
telemóvel da Empregadora desligado, assim como o dispositivo de localização.
45) O Trabalhador (com excepção do Sábado ou Domingo alternados em que folgava e do
período de férias), no período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de
2014, estava permanentemente, durante 24 horas por dia, seis dias por semana, sujeito a
monitorização e controle pela Empregadora, que pelo dispositivo de localização sabia
exactamente onde ele estava, em que estrada ou local estava, se estava parado ou em
marcha, sendo todo o equipamento, nomeadamente o reboque, os acessórios (GPS, PDA e
Telemóvel) e em geral todas as ferramentas para o trabalho fornecidos pela Empregadora, a
quem pertenciam, sendo da conta desta todos os gastos com o equipamento, nomeadamente
com a deslocação do reboque, abastecimento, portagens, e manutenção.
46) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com
excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, nos
restantes dias o Trabalhador tinha de ter o dispositivo de localização ou o PDA e o telemóvel

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ligados 24 horas por dia, seis dias por semana.
47) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com
excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, o
Trabalhador, fora do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da
Empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na
via pública, não tinha que estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora, mas
apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer
outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto e
disponibilidade por parte da Empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe
fossem por esta atribuídos a qualquer hora do dia ou da noite.
48) A partir de 16 de Setembro de 2014 o Trabalhador passou, sob a autoridade, direcção e
fiscalização da Empregadora, a exercer as funções de motorista na base da Empregadora,
sita em …, Lousada, passando a partir de então a cumprir um horário de trabalho de 8 horas
diárias, de Segunda a Sexta-feira, entre as 8h30m e as 12.00 horas da parte da manhã e das
13h às 17.30 horas da parte da tarde, pelo que, a partir daquela data, fora do período em
que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da Empregadora, prestando assistência a
viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na via pública, o Trabalhador passou a
ter de estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora.
49) Em 1 de Março de 2012 a Empregadora e o Trabalhador celebraram o acordo que
intitularam de “acordo de isenção de horário de trabalho” cuja cópia consta de fls. 194 e cujo
teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
50) No período compreendido entre 1 de Março de 2013 e 31 de Agosto de 2013 a
Empregadora pagou ao Trabalhador a quantia de €100,00 por mês a título de prémio por
isenção de horário de trabalho.
51) No período compreendido entre 1 de Setembro de 2013 e 31 de Agosto de 2014 a
Empregadora pagou ao Trabalhador a quantia de €137,50 por mês a título de prémio por
isenção de horário de trabalho.
52) No ano de 2012 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 24 de Agosto a
2 de Setembro e desde 16 de Dezembro a 30 de Dezembro.
53) No ano de 2013 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 1 de Abril a 7
de Abril; desde 10 de Junho a 16 de Junho e desde 1 de Setembro a 15 de Setembro.
54) No ano de 2014 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 14 de Abril a 20
de Abril de 2014; desde 1 de Setembro a 15 de Setembro; no dia 6 de Novembro e desde 9 de
Dezembro a 12 de Dezembro.
55) No ano de 2015 o Trabalhador gozou férias nos seguintes períodos: desde 12 de Janeiro a
16 de Janeiro; no dia 23 de Janeiro; desde 19 de Maio a 31 de Maio.
56) À data da comunicação por parte da Empregadora ao Trabalhador da decisão de
despedimento, qual seja, 13 de Julho de 2015, o Trabalhador auferia a retribuição mensal
base de €550,00.
57) A Empregadora, em Julho de 2015, pagou ao Trabalhador a quantia de €200 a título de
férias não gozadas.
***
FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a descoberta da
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verdade material e da boa decisão da causa constantes dos articulados juntos aos autos, e
designadamente, não se provou que:
- No dia 26/03/2015, o Trabalhador se tenha negado a realizar o serviço de grua que lhe foi
atribuído pela Empregadora, alegando que não sabia trabalhar com a grua e que o faria
apenas se levasse outro colega com ele para manobrá-la.
- Ao negar o Trabalhador fazer aquele serviço alegando que não sabia trabalhar com a grua
fê-lo de forma injustificada, procurando assim furtar-se ao cumprimento das suas obrigações
profissionais.
- No dia 26 de Março de 2015 o Trabalhador dirigiu-se ao gerente da Empregadora P… e
ameaçou-o que ele iria ter graves problemas com a justiça devido a um acidente rodoviário
que o Trabalhador sofreu quando, ao conduzir a viatura de matrícula .. – LH - .. da
Empregadora, embateu na traseira de outra viatura, bem como que o ía meter na cadeia.
- No dia 11 de Maio de 2015, pelas 14.00 horas, quando o Trabalhador se deslocou ao
escritório da Empregadora, apenas estava lá a funcionária E….
- O Trabalhador está a ser vítima de perseguição com vista ao seu despedimento desde
Setembro de 2014.
- Era colocado isolado, junto a um reboque, estacionado na base ou sede da entidade
empregadora em …, Lousada, proibido de falar com quem quer que fosse a maior parte do
tempo, quer com pessoal de escritório quer com pessoal das oficinas, que deveria, no
entendimento da entidade empregadora, merecer o desprezo de toda a gente, que se com ele
falasse mereceria retaliações por parte da empregadora.
- Tudo isto com vista a que o Trabalhador se despedisse, por carecer de fundamento para o
despedir.
- O Trabalhador recebia vários telefonemas a indagar porque é que tinha ido pela auto-
estrada em vez da estrada normal ou porque é que tinha parado quando numa viagem mais
longa parava para ir à casa de banho.
- O Trabalhador acordava pelo menos uma vez a meio da noite para fazer um serviço de
reboque.
- Não lhe era permitido jantar fora de casa sem prévia autorização da entidade
empregadora.
- Não podia ir jantar fora porque não podia sair da sua área de serviço.
- Quando ia a casa de familiares tinha de pedir autorização.
- O Trabalhador tem no mínimo um crédito de férias não gozadas entre 2012 e 2015 de 39
dias úteis.
- O Trabalhador trabalhou para a Ré nos seguintes dias de descanso semanal obrigatório,
compensatório e feriados:
2011

Abril sábado dia 30, feriado dia 25,


Maio Domingo dias 8 e 22, sábado dias 14 e 28,
Junho Domingo dias 5 e 19, sábado dias 11 e 25, feriados dias 10 e 23
Julho domingo dias 3, 17 e 31 , sábado dias 9 e 23,
Agosto Domingo dias 14 e 28, sábado dias 6 e 20, feriado dia 15
Setembro Domingo dias 11 e 25, sábado dias 3 e 17
Outubro Domingos dias 9 e 23, sábado dias 1, 15 e 29, feriado dia 5
13/39
Novembro Domingo dias 6 e 20, sábado dias 12 e 26 e feriado dia 1.
Dezembro Domingo dias 4 e 18, sábado dias 10 e 24, feriados dias 1 e 8.
2012

Janeiro Domingo dias 1, 15 e 29, sábado dias 7 e 21


Fevereiro Domingo dias 12 e 26, sábado dias 4 e 18
Março Domingo dias 11 e 25, sábado dias 3, 17 e 31
Abril Domingo dias 8 e 22, sábado dias 14 e 28, feriados 6 e 25
Maio Domingo dias 6 e 20, sábado dias 12 e 26, feriado dia 1
Junho Domingo dias 3 e 17, sábado dias 9 e 23, feriado dia 7
Julho Domingo dias 1, 15 e 29, sábado dias 7 e 21.
Agosto Domingo dia 12, sábado dias 4 e 18, feriado dia 15
Setembro Domingo dias 9 e 23, sábado dias 15 e 29,
Outubro Domingos dias 7 e 21, sábado dias 13 e 27, feriado dia 5
Novembro Domingo dias 4 e 18, sábado dias 10 e 24, feriados dias 1.
Dezembro Domingo dias 2, 16 e 30, sábado dias 8 e 22 e feriado dia 25.
2013

JaneiroDomingo dias 13 e 27, sábado dias 5 e 1 , feriado dia 1


Fevereiro Domingo dias 10 e 24, sábado dias 2 e 16.
Março Domingo dias 10 e 24, sábado dias 2, 16 e 30 e feriado 29.
Abril Domingo dias 7 e 21, sábado dias 13 e 27 e feriado 25.
Maio Domingo dias 5 e 19, sábado dias 11 e 25, feriado dia 1.
Junho Domingo dias 2, 16 e 30, sábado dias 8 e 22, feriado dia 10
Julho Domingo dias 14 e 28, sábado dias 6 e 20.
Agosto Domingo dias 11 e 25, sábado dias 3, 17 e 31, feriado dia 15.
Setembro Domingo dias 8 e 22, sábado dias 14 e 28,
Outubro Domingos dias 6 e 20, sábado dias 12 e 26.
Novembro Domingo dias 3 e 17, sábado dias 9 e 23, feriado dia 1.
Dezembro Domingo dias 1, 15 e 29, sábado dias 7 e 21 e feriado dia 25.
2014

Janeiro Domingo dias 12 e 26, sábado dias 4 e 18, feriado dia 1


Fevereiro Domingo dias 9 e 23, sábado dias 1 e 15.
Março Domingo dias 9 e 23, sábado dias 1, 15 e 29.
Abril Domingo dia 6, sábado dias 12 e 26, feriado dia 25
Maio Domingo dias 4 e 18, sábado dias 10 e 24, feriado dia 1.
Junho Domingo dias 1, 15 e 29, sábado dias 7 e 21, feriado dia 10
Julho Domingo dias 13 e 27, sábado dias 5 e 19
Agosto
Domingo dias 10 e 24, sábado dias 2, 16 e 30 e feriado dia 15.
- O Trabalhador, desde 25 de Abril de 2011 até 16 de Setembro de 2014, trabalhou para a Ré
todos os dias do calendário com excepção dos dias sábados 07 e 21 e os Domingos nos dias
01,15 e 29 de Maio de 2011; sábados 04 e 18 e os Domingos nos dias 12 e 26 e o feriado dia
13 de Junho de 2011; sábados nos dias 02, 16 e 30 e os Domingos nos dias 10 e 24 de Julho de
14/39
2011; sábados nos dias 13 e 27 e os Domingos nos dias 07 e 21 de Agosto de 2011; sábados
nos dias 10 e 24 e os Domingos nos dias 04 e 18 de Setembro de 2011; sábados nos dias 08 e
22 e os Domingos nos dias 02, 16 e 30 de Outubro de 2011; sábados nos dias 05 e 19 e os
Domingos nos dias 13 e 27 de Novembro de 2011;sábados nos dias 3, 17 e 31 e os Domingos
nos dias 11 e 25 de Dezembro de 2011;sábados nos dias 14 e 28 e os Domingos nos dias 08 e
22 de Janeiro de 2012; sábados nos dias 11 e 25 e os Domingos nos dias 05 e 19 e o feriado de
dia 21 de Fevereiro de 2012; sábados nos dias 10 e 24 e os Domingos nos dias 04 e 18 de
Março de 2012; sábados nos dias 07 e 21 e os Domingos nos dias 01, 15 e 29 de Abril de 2012;
os sábados nos dias 05 e 19 e os Domingos nos dias 13 e 27 de Maio de 2012; sábados nos
dias 02, 16 e 30 e os Domingos nos dias 10 e 24 e o feriado de dia 13 de Junho de 2012;
sábados nos dias 14 e 28 e os Domingos nos dias 08 e 22 de Julho de 2012;sábados nos dias
11 e 25 e os Domingos nos dias 05, 19, 24 ao 31 de Agosto de 2012; 1 e 2 de Setembro e
sábados dias 01, 08 e 22 e os Domingos dias 16 e 30 de Setembro de 2012; sábados nos dias
06 e 20 e os Domingos nos dias 14 e 28 de Outubro de 2012; sábados nos dias 03 e 17 e os
Domingos nos dias 11 e 25 de Novembro de 2012; sábados nos dias 01, 15 e 29 e os Domingos
nos dias 09 e 23 de Dezembro de 2012; sábados nos dias 12 e 26 e os Domingos nos dias 06 e
20 de Janeiro de 2013, sábados nos dias 09 e 23 e os Domingos nos dias 03 e 17 e o feriado de
dia 12 de Fevereiro de 2013; sábados nos dias 09 e 23 e os Domingos nos dias 03, 17 e 31 de
Março de 2013; sábados nos dias 06 e 20 e os Domingos nos dias 14 e 28 de Abril de 2013;
sábados nos dias 04 e 18 e os Domingos nos dias 12 e 26 e o feriado do dia 30 de maio de
2013; sábados nos dias 01, 15 e 29 e os Domingos nos dias 09 e 23 e o feriado do dia 13 de
Junho de 2013; sábados nos dias 13 e 27 e os Domingos nos dias 07 e 21 de Julho de 2013;
sábados nos dias 10 e 24 e os Domingos nos dias 04 e 18 de Agosto de 2013; sábados nos dias
07 e 21 e os Domingos nos dias 01, 15 e 29 e dias 1 a 8, de Setembro de 2013; sábados nos
dias 05 e 19 e os Domingos nos dias 13 e 27 de Outubro de 2013; sábados nos dias 02, 16 e 30
e os Domingos nos dias 10 e 24 de Novembro de 2013, sábados nos dias 14 e 28 e os
Domingos nos dias 08 e 22 de Dezembro de 2013 sábados nos dias 11 e 25 e os Domingos nos
dias 05 e 19 de Janeiro de 2014; sábados nos dias 08 e 22 e os Domingos nos dias 02 e 16 de
Fevereiro de 2014; sábados nos dias 08 e 22 e os Domingos nos dias 02, 16 e 30 e o feriado do
dia 04 de Março de 2014; sábados nos dias 05 e 19 e os Domingos nos dias 13, 20 e 27 e o
feriado de dia 18 de Abril de 2014; sábados nos dias 03, 17 e 31 e os Domingos nos dias 11 e
25 de Maio de 2014; sábados nos dias 14 e 28 e os Domingos nos dias 08 e 22 e os feriados
dos dias 13 e 19 de Junho de 2014; sábados nos dias 12 e 26 e os Domingos nos dias 06 e 20
de Julho de 2014; sábados nos dias 09 e 23 e os Domingos nos dias 03, 17 e 31 de agosto de
2014 e 1 a 15 de Setembro de 2014.
- O Trabalhador, entre 25 de Abril de 2011 e 16 de Setembro de 2014 prestou à Empregadora
em dia normal, um total de 13200 horas de trabalho suplementar, correspondente a 16 horas
x 825 dias.
- O Trabalhador, entre 25 de Abril de 2011 e 16 de Setembro de 2014, trabalhou para a
Empregadora 85 Domingos, 89 Sábados e 30 feriados.”.
2.2. – Atenta a referência, no ponto 49), ao documento intitulado “Acordo de isenção de
horário de trabalho”, as suas cláusulas 2.ª e 4.ª são do seguinte teor:
“Ambas as Outorgantes acordam que a Segunda (o trabalhador) passará a estar isenta de
horário de trabalho na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos

15/39
normais de trabalho”. (2.ª). “O trabalho é efectuado a partir da residência do funcionário
(quando há) tendo à sua disponibilidade para todas as deslocações a viatura de trabalho”.
(4.ª).
III. – Fundamentação de direito

1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de
Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do
Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, os
objectos dos recursos estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes, supra
transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já
submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode
criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que
se recorre.
2. – Objecto do recurso da ré.

- A modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto.


- A (i)nexistência de justa causa de despedimento.
- O tempo de trabalho, o período de descanso e o trabalho suplementar.
- A violação dos direitos de personalidade do trabalhador.
- O valor da indemnização
3. – A modificabilidade da decisão de facto

3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), o
Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os
factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem
decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente
obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele
realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa
da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das
provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do
recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda
o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos
excertos que considere relevantes; (…)”. (sublinhado nosso).
3.2. – Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, o autor alegou
“Entendemos que foram incorretamente julgados os factos 18, 19, 25 a 28, 32, 35 a 39, 47,
que mereciam a resposta que adiante passamos a expor”, indicando prova testemunhal,
para a respectiva alteração, como os depoimentos das testemunhasD…, F…, E…, G…, H…,
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I…, J…, K…, L…, nos termos a seguir expostos.
Assim, nada obsta ao seu conhecimento, com as excepções infra mencionadas.
3.3. – Apreciados os meios de prova indicados pelo recorrente, incluindo a audição dos
depoimentos das testemunhas que serviram de suporte à motivação da decisão sobre a
matéria de facto, ora impugnada, adiantamos, desde já, que a decisão de facto recorrida
não nos merece qualquer censura, excepto nos artigos infra alterados: 18.º e 19.º.
Na verdade, ponderada a prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, e
respeitados os princípios da imediação, da oralidade e da apreciação livre da prova - cf.
artigo 607.º, n.º 5, do CPC -, a Mma Juiz, formou a sua convicção acerca dos factos
inseridos nos pontos ora impugnados, nos seguintes termos:
“A convicção probatória do Tribunal, ao dar como provados os factos supra enumerados,
teve por base, por um lado, o acordo das partes, plasmado através da posição assumida nos
respectivos articulados, e, por outro a análise crítica e conjugada dos meios de prova
produzidos, devidamente analisados e ponderados à luz das regras da lógica e da experiência
comum.
(…).
Relativamente aos factos provados sob os itens 18) a 20) teve-se em consideração o
depoimento da testemunha D…, chapeiro, que explora uma oficina de reparação de
automóveis, partilhando instalações com a Empregadora, actualmente na qualidade de sócio
gerente da sociedade W… presente, sendo que à data de Março de 2015 explorava a referida
oficina na qualidade de sócio-gerente da sociedade V…, Lda, e que presenciou tais factos,
tendo-os relatado de forma credível e coerente.
No que respeita aos factos provados sob os nºs 21) e 22), foram relevantes os depoimentos da
funcionária E…, já identificada, bem como da testemunha G…, empregado de escritório na Ré
e filho dos legais representantes desta, ambos testemunhas presenciais dos factos apurados, e
ainda o depoimento de parte do Trabalhador, que confessou tal factualidade, conforme
consta da acta de fls. 271.
Quanto aos factos constantes dos pontos 23) a 28), teve-se em consideração os depoimentos
das testemunhas E… e F…, sócia da Empregadora, esposa do legal representante da mesma,
nela exercendo as funções de empregada de escritório e que, não obstante, teve um
depoimento que se nos afigurou sério e credível, tendo tido intervenção directa nos factos
apurados.
Relativamente aos factos provados descritos sob os pontos 29) a 32) resultaram da
conjugação do depoimento de parte do Trabalhador (que em parte os confessou, conforme
consta da acta de fls. 271) e dos depoimentos das testemunhas G…, D…, já identificados, e
H…, este último à data dos factos sócio-gerente da V…, e que, juntamente com a testemunha
D…, explorava uma oficina de reparação de automóveis, partilhando instalações com a
Empregadora, tendo o G… tido intervenção directa nos factos apurados, enquanto as outra
duas testemunhas os presenciaram, depondo de forma credível, isenta, coerente e objectiva.
No que respeita ao facto constante do ponto 33) foi essencial o depoimento de parte do
Trabalhador (que o confessou, conforme resulta da acta de fls. 272), bem como as
declarações de parte do legal representante da Empregadora, P….
Já quanto aos factos provados sob os nºs 34) a 39), foram relevantes as declarações de parte
do legal representante da Empregadora, e os depoimentos das testemunhas J… e J…, ambos

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motoristas e funcionários da Empregadora, o primeiro deste 2007 e o segundo desde
Setembro de 2012, e ainda K…, mecânico, funcionário da sociedade V… entre 2005 e 2015,
tendo entretanto passado a ser funcionário da sociedade W…, testemunhas essas que se
encontravam no local e que presenciaram os factos, tendo ouvido parte da troca de palavras
ocorrida entre o Trabalhador e o Legal representante da Empregadora no dia 1 de Junho de
2015. (…).
No que se refere aos factos 43) a 48), para o Tribunal formar a sua convicção quanto aos
mesmos teve em consideração o que resultou da conjugação dos depoimentos prestados
pelas testemunhas L…, esposa do Trabalhador; X…, filha do Trabalhador; Y…, vizinho do
Trabalhador desde há cerca de 3 anos; Z…, primo por afinidade do Trabalhador e vizinho do
mesmo desde 2009; AB…, vizinho do Trabalhador desde 2001; AC…, prima por afinidade do
Trabalhador (é casada com a testemunha Z…), e vizinha do mesmo entre 2009 e 2016 e AD…,
tia por afinidade do Trabalhador; depoimentos esses que, no seu conjunto, devidamente
analisados e ponderados à luz das regras da lógica e da experiência comum, permitiram ao
Tribunal apurar, nos moldes em que fixou os factos provados, a disponibilidade exigida pela
Empregadora ao Trabalhador no cumprimento do seu contrato de trabalho, com dois
períodos distintos, sendo um entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, em que o
Trabalhador trabalhava a partir da sua residência e outro entre 16 de Setembro de 2014 até
à data do seu despedimento, em que aí já passou a cumprir um horário de trabalho de 8
horas diárias e a trabalhar a partir das instalações da Empregadora.
Da conjugação de tais depoimentos resultou ainda que no primeiro período assinalado,
compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com excepção do
Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, o Trabalhador, fora do
período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da Empregadora, não tinha
que estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora, mas apenas contactável e
disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer outro local da sua
escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto e disponibilidade por parte
da Empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem por esta atribuídos
a qualquer hora do dia ou da noite. Importa ainda referir que foi impossível ao Tribunal
apurar, em concreto, as horas em que o Trabalhador, nesse período compreendido entre 25
de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, conduziu reboques, pois que não obstante ter
determinado a realização de uma perícia aos Livretes Individuais de Controlo disponíveis e a
páginas de caderno de registo de serviços de transporte ou reboque, preenchidos pelo
Trabalhador, conforme resulta de tal perícia e consta mesmo da mesma a fls. 77 “É possível
verificar que existe um sem número de incompatibilidades nos registos efectuados, levando a
crer que o trabalhador fazia um registo pouco credível das acções que efectivamente
desenvolvia (…).
(…) torna-se humanamente impossível determinar com um elevado grau de probabilidade o
tempo de trabalho realmente realizado fora dos períodos discriminados como condução e
mesmo estes poderão ser postos em causa a partir do momento em que existem registos
durante os períodos de condução. A forma como o trabalhador foi preenchendo os livretes
individuais é demonstrativo de uma aprendizagem em crescendo, uma vez que os serviços
prestados durante as horas de disponibilidade foram diminuindo em número ao longo do
ano de 2013. (…) tais registos eram produzidos de forma aleatória e não correspondem em

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todo à verdade””.
Assim, sendo certo que os excertos da gravação pessoal, transcritos pelo autor no corpo
das alegações de recurso, são uma parte da prova testemunhal prestada em audiência
de julgamento, não podem, contudo, ser valoradas de per si, sendo necessário
formular um juízo global que abarque todos os elementos de prova em presença,
nomeadamente, os depoimentos integrais prestados sobre a factualidade impugnada,
bem como a perícia, ordenada pelo Tribunal da 1.ª instância, aos Livretes Individuais de
Controlo disponíveis e a páginas de caderno de registo de serviços de transporte ou
reboque, preenchidos pelo Trabalhador.
3.4. - Apreciemos.
3.4.1. – Pontos 18.º e 19.º.

O recorrente entende que “mesmo fazendo fé neste depoimento – D… -, a matéria dos


pontos 18 e 19 merecia apenas a seguinte resposta:
18) Ainda nesse mesmo dia 26 de Março de 2015, na parte da manhã, encontrando-se o
gerente da Empregadora, P…, junto dos mecânicos a tratar de assuntos relativos a reparações
dos seus reboques, o Trabalhador este e entidade patronal discutiram num tom exaltado
tendo aquele dito que iria ter graves problemas com ele sobre um carro.
19) O gerente da Empregadora perguntou ao Trabalhador, em tom também exaltado, se era
por causa dos travões, e o Trabalhador disse que era uma coisa mais grave, tendo ambos
discutido, não tendo sido possível apurar em concreto o demais teor da discussão.”.
Ora, da audição do depoimento da testemunha D…, conclui-se:
a) Não conseguiu concretizar a data da alegada discussão entre o autor e o sócio gerente
da ré, P… – “Foi março ou abril, por aí, já foi à tanto tempo, não posso, datas não” - ;
b) Nunca usou a expressão “tom ameaçador” – “Isso foi numa voz exaltada que tiveram um
para o outro”;
c) Não conseguiu identificar o veículo objecto da discussão: - “Naquele momento não
estava lá carro nenhum. O Sr B… falou na altura parece que era o LH ou D era assim uma
coisa mas não sei a matrícula”; e
c) Afirmou que não sabia qual era o objecto da discussão: “ o patrão disse-lhe se era um
problema de travões, ou se teve o acidente por causa dos travões ou não sei o quê, e o Sr B…
disse, não os travões não é, um problema ainda mais grave, foi o que eu ouvi e não lhe disse
mais nada. E eu nem fiquei a saber o que era, nem porquê nem porque não”.
Assim, os pontos 18 e 19 da matéria de facto passam a ter a seguinte redacção:
“18) Em data indeterminada, na parte da manhã, encontrando-se o gerente da
Empregadora, P…, junto dos mecânicos a tratar de assuntos relativos a reparações dos
seus reboques, o Trabalhador aproximou-se e discutiram ambos num tom exaltado,
sobre problemas mecânicos de um determinado veículo, que não foi possível
identificar.
19) O que consta do teor do ponto 18). ”.
3.4.2. – Pontos 21.º, 22.º, 23.º e 24.º .
O recorrente alega que “Relativamente aos factos 21 e 23, como estes factos apesar de
indicados na fundamentação da decisão disciplinar, não constituem notoriamente
qualquer ilícito disciplinar, mas apenas a um pedido de cumprimento de uma obrigação
expressa na lei e constante do próprio rosto dos referidos livretes individuais de
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controlo, portanto em relação à qual a entidade patronal não poderia sequer alegar
desconhecimento, não precisamos de nos pronunciar.
Quanto ao facto 24 é desfavorável à entidade patronal, na medida em que traduz
expressamente incumprimento de dever legal manifesto, sob a capa de necessidade de
aconselhamento jurídico, justificando e explicando de algum modo um elevar de voz,
referido no facto 25, pelo que apesar de indicado na fundamentação também não
constitui notoriamente ilícito do trabalhador mas da entidade patronal.”.
Como se constata, apesar de o recorrente indicar os pontos 21, 22, 23 e 24 no
requerimento de impugnação da matéria de facto, não só não indicou qualquer meio
probatório para a sua alteração, como não indicou qual a proposta de alteração.
Deste modo, neste particular, rejeita-se a impugnação sobre os pontos 21, 22, 23 e 24
dos factos dados como provados.
3.4.3. – Pontos 25.º, 26.º, 27.º e 28.º.

O recorrente entende que “A dar credibilidade a estes depoimentos – E… e F… - o


primeiro de uma funcionária de escritório,e o segundo da mulher do sócio gerenteque se
arroga com prerrogativas de só dar cópia dos livretes individuais de controlo quetêm
instruções bem expressas no rosto no sentido desse dever, depois de falar com
oadvogado, cremos que a resposta a dar seria de:
25) Começaram a falar mais alto e o trabalhador, em tom mais elevado de voz,disse à D.
F… que ela tinha de lhe passar uma declaração a declarar que nãolhe tinha dado as
cópias que ele tinha pedido, ao que a D. F… respondeu quenão passava sem falar com o
advogado, porque estava a correr contra otrabalhador um processo disciplinar, e que
logo que conseguisse falar com omesmo agiria em conformidade e que se o advogado
desse indicações paraentregar ao Trabalhador as cópias por ele pedidas que ela o faria.
26) Perante esta resposta, o Trabalhador, em tom elevado, disse que ela tinha de lhe
passar a declaração.
27) A D. F… disse ao Trabalhador para que falasse mais baixo e deixasse deimportunar a
E…, que tinha medo de ficar sozinha no escritório por causa doTrabalhador, até porque a
E… recentemente é que tinha entrado ao serviço daEmpregadora, e que quando
quisesse tratar de algum assunto se deveria dirigirdirectamente a ela (D. E…) ou ao seu
marido (Sr. F…), os donos daempresa.
28) O Trabalhador, enquanto saía do escritório, virou-se para a sua patroa, a D. F…, e
para a funcionária E… e disse-lhes que estavam a mentir e que iampagar caro por isso.”.
Ouvidos os depoimentos das testemunhas indicadas à matéria de facto em causa – E… e
F… -, consideramos que a decisão de facto recorrida não nos merece qualquer censura.
Na verdade, a testemunha F... afirmou que o autor se lhe dirigiu, no escritório da ré, num
tom exaltado, a pedir fotocópias dos LICS (livretes individuais de controlo), tendo-lhe
respondido que só lhas podia dar depois de consultar o advogado. E as duas referidas
testemunhas afirmaram que, ao sair do escritório, o autor as apelidou de “mentirosas”.
Deste modo, nesta parte, improcede a pretensão do recorrente.
3.4.4. – Ponto 32.

Sobre o ponto 32, o recorrente alega que “As narrativas destas testemunhas – G…, D… e H…
- primeiro filho dos sócios da E.P. e os segundosdependentes da E.P. no uso do espaço da
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oficina, são incoerentes e divergemsubstancialmente.
O primeiro não consegue lembrar-se da hora, nem era de tarde ou de manhã, mas fala apelas
que o arguido disse que a sua mãe era arrogante e deficiente e que o seu pai nãoconseguia
falar.
O segundo refere que era de manhã, e refere que o arguido disse ao G… que não ia
aoescritório que não se davam que eram arrogantes.
O terceiro diz que era hora do almoço e que o arguido disseque eram ambos unsinocentes,
uns incompetentes que não interessava falar nada.”.
Ouvidos os respectivos depoimentos, consideramos que a redacção do ponto 32 não
nos merece qualquer censura, pois, confirmaram que o recorrente, nas instalações do
empregador e na presença das três testemunhas, mencionando os sócios da empresa
ré, os apelidou de “deficientes” e “arrogantes”, que “nem falar sabiam”.
Deste modo, também nesta parte, improcede a pretensão do recorrente.
3.4.5. – Pontos 33 e 34.

Sobre estes pontos, o recorrente limita-se a tecer simples comentários de natureza


técnico/jurídica, sem indicar qualquer meio probatório para a sua alteração, nem qual a
proposta de alteração.
Assim, também aqui se rejeita a impugnação sobre os pontos 33 e 34 dos factos dados
como provados.
3.4.6. – Pontos 35 a 39.

No que reporta aos pontos 35 a 39, o recorrente alega que “A afirmação dos factos 35 a 39
colheu fundamentação na declaração de parte do representante legal da empregadora, nos
depoimentos das testemunhas I… e J… e ainda K…,” propondo que “os referidos fatos 35º a
39º deveriam passar para a lista de factos não provados”.
Ora, ouvidos os respectivos depoimentos, consideramos que a redacção dos pontos 35 a
39 não nos merece qualquer censura, pois, confirmam o comportamento do recorrente
vertido nos indicados pontos da matéria de facto. Aliás, se pecam por defeito, tais
pontos, é não conterem o português vernáculo que as testemunhas ouviram do
recorrente [K...: “ isso é que me dá um gozo ver esta merda tudo fodido é pena não estarem
todos assim, isso é que era ficava todo contente”], enquanto “perseguia”, dentro das
instalações da empresa, o sócio gerente da ré.
Deste modo, também nesta parte, improcede a pretensão do recorrente.
3.4.7. – Ponto 47.

Sobre este ponto, indicando o depoimento da mulher, L…, o recorrente propõe a


seguinte redacção:
“47) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com
excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e doperíodo de férias, o
Trabalhador, fora do período em que, como motorista, tinhaque conduzir o reboque da
Empregadora, prestando assistência a viaturasimpossibilitadas de transitar regularmente na
via pública, o trabalhador tinha deestar contactável e disponível, na Rua …, …, Felgueiras,
junto àsua residência, podendo deslocar-se excepcionalmente para outro local mediante
autorização prévia da entidade patronal, desde que lhe permitisse o referido contacto e
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disponibilidade por parte da Empregadora, a fim de realizaros serviços de reboque que lhe
fossem por esta atribuídos a qualquer hora do diaou da noite.”.
Ora, ouvidos os depoimentos prestados sobre o teor deste ponto [cf. despacho de
motivação, supra transcrito], incluindo a mulher do recorrente, L…, entendemos que a
redacção do ponto 47 não nos merece qualquer censura, pois, reflete o que as
testemunhas, no seu conjunto, disseram sobre essa matéria.
Assim, também nesta parte, improcede a pretensão do recorrente.
3.4.8. – Artigos 30º, 35º, 36º, 43º, 45º, 46.º 48º e 50 da contestação/reconvenção
O recorrente entende ainda que foi “incorrectamente julgada a matéria de facto alegada
nos artigos 30º, 35º, 36º, 43º, 45º, 46.º, 48º e 50 a contestação reconvenção do trabalhador”,
pelo que “Somados os dias de trabalho supra referidos nos pontos 69º e 70º, que é o que
entendemos deve ser a resposta à matéria dos artigos 45º e 46º da contestação
reconvenção, em face da prova produzida, nomeadamente dos factos assentes 44º, 45º e
46º da sentença, dos documentos de folhas 547 a 578 e afirmações ai contidas da
entidade patronal supra citadas, dos depoimentos entre outros da testemunha L… e
presunção legal de dias de trabalho decorrente dos dias regra afirmados”, temos que ao
todo o trabalhador no período entre 25 de Abril de 2011 e 15 de Setembro de 2014,
trabalhou um total de 1008 dias, 81 Domingos (17 em 2011, 25 em 2012, 22 em 2013 e
17 em 2014), 85 Sábados (18 em 2011, 24 em 2012, 25 em 2013 e 18 em 2014), 27
Feriados em dias de semana (6 em 2011, 8 em 2012, 6 em 2013 e 7 em 2014) e 815 dias
uteis (173 em 2011, 236 em 2012, 242 em 2013 e 164 em 2014 até 15 de Setembro),
descansando 96 Domingos, 91 sábados e 45 dias de férias.”.
Ora, analisados os elementos de prova indicados pelo recorrente - os documentos de
folhas 547 a 578 e depoimento da testemunha L… – consideramos que são insuficientes
para dar como provada a matéria alegada nos artigos 45º e 46º da
contestação/reconvenção, ou seja, “que ao todo o trabalhador no período entre 25 de Abril
de 2011 e 15 de Setembro de 2014, trabalhou um total de 1008 dias, 81 Domingos (17 em
2011, 25 em 2012, 22 em 2013 e 17 em 2014), 85 Sábados (18 em 2011, 24 em 2012, 25 em
2013 e 18 em 2014), 27 Feriados em dias de semana (6 em 2011, 8 em 2012, 6 em 2013 e 7
em 2014) e 815 dias úteis (173 em 2011, 236 em 2012, 242 em 2013 e 164 em 2014 até 15 de
Setembro),”.
Na verdade, os documentos de folhas 547 a 578 dos autos, mais não são do que citações
opinativas da “entidade patronal no processo disciplinar que moveu ao trabalhador M…”,
acerca do seu (M…) comportamento enquanto ao serviço da ré, e cujo valor probatório,
para o efeito pretendido – alteração da decisão de facto – é insignificante. E o
depoimento da testemunha L… não versa sobre o número concreto de dias que o
recorrente terá trabalhado ao serviço da ré, no período de no período entre 25 de Abril
de 2011 e 15 de Setembro de 2014.
Além disso, a presunção judicial obedece a regras próprias que o recorrente não
fundamentou.
Na verdade, embora, aparecendo no Código Civil, no capítulo das provas, é comum
dizer-se que as presunções não são, propriamente, meios de prova, mas meios lógicos
ou mentais ou afirmações formadas em regras da experiência e pressupõem a existência
de um facto conhecido (base das presunções), cuja prova incumbe à parte que a

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presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais; provado esse facto
intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o Julgador (no caso de presunções
judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador,
para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida, das quais resulta que um
facto é consequência típica de outro (vide Vaz Serra, Rev. Leg. e Jurisprudência, n.º 108;
pág. 352).
No caso dos autos, o recorrente partindo dos factos vertidos nos pontos “44º, 45º e 46º da
sentença” e das citações opinativas da ré, constantesde folhas 547 a 578 dos autos,
conclui “que ao todo no período entre 25 de Abril de 2011 e 15 de Setembro de 2014,
trabalhou um total de 1008 dias”.
Acontece, porém, que nesse silogismo, para além da duvidosa bondade da base da
presunção, falta uma premissa essencial, que é a de se saber se o recorrente faltou, ou
não, ao serviço naquele período de tempo. E, se sim, quando, e qual o número de faltas.
Assim sendo, também nesta parte, improcede a pretensão do recorrente.
Em síntese: no que reporta à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, atentos
os fundamentos expostos, improcede a pretensão do recorrente, com excepção dos
pontos 18 e 19, como supra referido.
4. - A (i)nexistência de justa causa de despedimento.

4.1. - No que concerne à decisão de mérito, sobre a (i)licitude do despedimento, o êxito


do recurso passava, em parte, pela alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, mantida a decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância, no que reporta ao
teor da nota de culpa e seus aditamentos, pouco mais há a considerar, perante o acerto
da decisão recorrida, atenta a matéria de facto provada, a qual fundamenta a existência
de justa causa de despedimento.
4.2. - A sentença recorrida pronunciou-se nos seguintes termos:
“(…), os apurados comportamentos do Trabalhador foram assumidos perante outros
funcionários da Empregadora, sendo aptos a desautorizar o sócio-gerente e a sócia daquela
perante os trabalhadores que os presenciaram.
Acresce que se tratou de condutas despropositadas e sem causa aparente, já que nenhum
motivo válido se apurou que de alguma forma as pudesse justificar.
O apurado comportamento do Trabalhador foi, pois, culposo e ilícito, uma vez que ele devia,
porque podia, ter atuado em conformidade com os deveres a que, enquanto trabalhador, se
encontrava vinculado, e só não o fez por sua própria vontade e de modo consciente.
Verificada a existência de um comportamento ilícito e culposo por parte do Trabalhador, terá
de se ponderar se o respectivo despedimento, sanção máxima disciplinar, é proporcional à
gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor.
A gravidade do comportamento do Trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo
devem ser apreciados, como já referimos supra, na perspectiva de um “bom pai de família”,
isto é, de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade,
devendo o Tribunal atender, ainda, atento o disposto no art.º 351º, nº 3 do Código do
Trabalho, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade
empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus
companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Pelo exposto, concluímos que o Trabalhador, com o seu comportamento grave e culposo, pôs
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em crise a permanência da confiança em que se alicerçava a relação de trabalho, não sendo
exigível à empresa Empregadora que o mantivesse ao seu serviço, em virtude de dúvidas
sérias e legítimas quanto à conformidade do comportamento do Trabalhador no futuro,
tornando-se prática e imediatamente impossível a manutenção da relação laboral, pelo que
se preenche a justa causa de despedimento.
Nesta medida, procede o pedido da Empregadora quanto a ser julgado regular e lícito do
despedimento do Trabalhador por ela promovido e, consequentemente, improcedem os
pedidos reconvencionais do Trabalhador relativos à declaração de ilicitude do despedimento
que foi promovido pela sua Empregadora, à condenação da Empregadora a pagar-lhe todos
os salários que ele deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença e
à indemnização pela cessação do contrato de trabalho.”.

4.3. - Concordando nós, em termos globais, com o decidido na 1.ª instância, neste
particular, importa ainda referenciar o seguinte:
A ré acusou o autor de ter violado os deveres previstos no artigo 128.º, n.º 1 alíneas a), c)
e e), e nº 2, e enquadrou tal comportamento no artigo 351.º, n.º 1, n.º 2 alíneas a), c), d),
e) e i) e n.º 3, ambos do Código de Trabalho (CT).
O artigo 128.º, n.º 1, alínea a), dispõe:
“1 – Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:
a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho
e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;”.
Por sua vez, o artigo 351.º, n.ºs 1 e 2, alínea i), determina:
“1 – Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que,
pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência
da relação de trabalho.
2 – Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos
do trabalhador:
i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por
lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não
pertencente a estes, seus delegados ou representantes;”.
O contrato de trabalho é uma fonte de direitos e de deveres para as partes contratantes
(cf. artigo 126.º e segs. do CT).
Dos deveres do trabalhador ressalta o dever de respeito, de urbanidade e probidade
para com colegas de trabalho e representantes da empresa, previsto no citado artigo
128.º.º, n.º 1, alínea a) do CT.
4.4. - O conceito de justa causa, formulado no citado artigo 351.º, compreende, de
harmonia com o entendimento generalizado tanto na doutrina como na jurisprudência,
três elementos:
a) Um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador,
b) Outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da
relação laboral e
c) Na existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta
impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Além disso, o n.º 3, do artigo 351.º, dispõe que “ Na apreciação da justa causa, deve

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atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador,
ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às
demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
No dizer de A. Mota Veiga, Direito do Trabalho, 2.º vol., 1987, pág. 218, “a gravidade do
comportamento deve ser apreciada em termos objectivos e concretos, relativamente à
empresa, e não com base naquilo que o empresário subjectivamente considere como tal.
Assim, a gravidade deve ser apreciada em face das circunstâncias que rodeiam a conduta do
trabalhador, dentro do ambiente da própria empresa”.
Para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é necessário que seja
grave em si mesmo e nas suas consequências.
Tanto a gravidade como a culpa devem ser apreciadas em termos objectivos e concretos,
de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal,
em face do caso concreto e segundo critérios de objectividade e razoabilidade.
Como escreve Jorge Leite, in Direito do Trabalho, Lições policopiadas, FDUC, pág. 417, “A
gravidade do comportamento é um conceito objectivo-normativo e não subjectivo-normativo,
isto é, a valoração do comportamento não deve ser feita segundo os critérios subjectivos do
empregador ou do juiz, mas segundo o critério do empregador razoável, tendo em conta a
natureza deste tipo de relações, caracterizadas por uma certa conflitualidade, as
circunstâncias do caso concreto e os interesses em presença”.
Por fim, a impossibilidade, tomado este termo no sentido de inexigibilidade, e não a
simples dificuldade, de subsistência da relação laboral deve, também, ser valorada
perante o condicionalismo da empresa e ter em vista o critério acima referido, de não
ser objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador sanção menos grave.
No seu estudo subordinado ao título “Justa causa de despedimento: conceito e ónus da
prova”, publicado na Revista Direitos e Estudos Sociais, Ano XXX, Janeiro/Março de 1988,
págs. 1 a 68, Bernardo Lobo Xavier formula as seguintes conclusões: “feita a necessária
averiguação, o Juiz só poderá dar o despedimento como válido se considerar provados os
factos susceptíveis de - num critério de normalidade - implicarem a impossibilidade prática
da relação, em termos, portanto de não poder fazer um juízo de inadequação, entre o quadro
de facto e a rescisão do contrato. É claro que o Juiz considerará o despedimento como nulo
quando não se apurem os factos suficientes para fazer supor a impossibilidade das relações
ou quando se comprovem outros factos capazes de descaracterizar os factos apurados como
aptos a conduzir a essa impossibilidade ou, de qualquer modo, possa emitir um prognóstico
de viabilidade da relação”.
A inexigibilidade de permanência do contrato de trabalho envolve “um juízo de prognose”
sobre a viabilidade da relação laboral, a realizar segundo um padrão essencialmente
psicológico - o das condições mínimas de suporte de uma vinculação duradoura, que
implica frequentes e intensos contactos entre os sujeitos.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que,
nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e
patrimoniais, que ele importa, seja de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a
sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do
empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma
insuportável e injusta imposição ao empregador (cf. Monteiro Fernandes, em "Direito do

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Trabalho", 8.ª edição, vol. I, págs. 461 e segs.; Menezes Cordeiro, em "Manual de Direito
do Trabalho", 1991, págs. 822; Lobo Xavier, em "Curso de Direito do Trabalho", 199, págs.
488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, em "Colectânea de Leis do Trabalho", 1985, págs.
249; Mota Veiga, em "Direito do Trabalho", II, págs. 128).
A jurisprudência tem considerado verificar-se a impossibilidade prática de subsistência
da relação laboral, por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o
desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta
quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador (cf., entre outros, Acórdãos
Doutrinais n.º 360/1421; Acórdãos S.T.J., CJ, ano II, tomo III, pág. 303 e o ano III, tomo III,
pág. 277; Acórdão do STJ, de 2014.11.19, base de dados DGSI).
Na verdade, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos reveste-se, neste
campo, de especial significado, por estar em causa o desenvolvimento de um vínculo
caracterizado pela natureza duradoura e pessoal das relações dele emergentes, relações
essas que devem desenvolver-se em ambiente de confiança recíproca entre o
trabalhador e o empregador.
Deste modo, é necessário que o comportamento do trabalhador não seja susceptível de
destruir ou abalar essa confiança, de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a
idoneidade futura da sua conduta.
4.5. – Avaliemos o caso dos autos, à luz das normas e da doutrina citadas.
Ora, está provado, além do mais, que:
- No dia 11 de Maio de 2015, enquanto saía do escritório da ré, depois de uma altercação
com a sócia da empresa, num tom de voz exaltado, o autor virou-se para a sua patroa, a D.
F…, e para a funcionária E… e disse-lhes que eram mentirosas e que iam pagar caro por isso.
- No dia 13 de Maio de 2015, o filho dos donos da empresa, G…, também funcionário da
mesma, encontrava-se na oficina existente nas instalações da ré, e após uma troca de
palavras com o autor sobre as instalações sanitárias, o G… disse ao autor que devia dirigir-se
ao escritório e falar com os patrões, porque naquele local ele era um simples empregado
como ele.
- De imediato o autor respondeu ao G… que não sabia se ele era empregado ou não e que
não falava com os patrões porque “a tua mãe é uma deficiente e arrogante e o teu pai nem
sabe falar”.
- No dia 1 de Junho de 2015, após o comportamento do autor descrito nos pontos 33 a 37,
“continuou virado para o gerente da Empregadora, dizendo-lhe “és um porco” e “quando me
mandares embora vou-te partir todo”, tudo isto sempre próximo do gerente da Empregadora,
em voz alta.”.
As expressões proferidas pelo autor, nas circunstâncias em que o foram, são injuriosas e
difamatórias? E sendo, constituem, só por si, justa causa de despedimento?
Nos termos do artigo 180.º - Difamação -, do Código Penal, “1 - Quem, dirigindo-se a
terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular
sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal
imputação ou juízo, é punido … .”.
E o artigo 181.º - Injúria -, do mesmo diploma, estatui: “1 - Quem injuriar outra pessoa,
imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos
da sua honra ou consideração, é punido ...”.

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Honra “é a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à
rectidão, à lealdade, ao carácter ...”.
Consideração “é o património do bom nome, do crédito, da confiança que cada um pode ter
adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o objecto exterior da honra, já que provém
do juízo em que somos tidos pelos outros".
A consideração será o merecimento que o indivíduo tem no seu meio social, isto é, a
reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, que é o mesmo que dizer, a
forma como a sociedade vê o cidadão - a opinião pública. (Vid. Cód. Penal de 1982, vol. 2,
pág. 196, de Leal Henriques e Simas Santos).
Segundo o Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa, “Porco” é “Homem sujo, insulto
aplicado a uma pessoa suja, com indelicadeza ou falta de escrúpulos”.
“Mentiroso” é aquele “que ou o que tem o costume de mentir”, isto é, “dizer ou manifestar o
contrário do que sabe, crê ou pensa”, “induzir em erro”.
No contexto dos autos, a resposta à primeira pergunta é afirmativa, isto é, as expressões
proferidas pelo autor dirigidas aos sócios da empresa ré [deficiente e arrogante, mentirosa
e porco], sua empregadora, nas circunstâncias em que o foram, têm natureza injuriosa e
difamatória.
E, assim sendo, são suficientemente graves para pôr em causa a manutenção do
contrato de trabalho?
Temos entendido que a gravidade de expressões injuriosas proferidas por um
trabalhador, no âmbito duma empresa, não pode ter o mesmo valor quando dirigidas a
outro trabalhador ou a membros da direcção ou da administração dessa mesma
empresa, sob pena do princípio da gradação de valores (morais, sociais, laborais e
outros) ser letra morta.
Assim, a valoração máxima da gravidade de expressões injuriosas/difamatórias deve ser
considerada quando essas expressões forem dirigidas contra quem tem o poder de
direcção e fiscalização do agente prevaricador.
A gradação valorativa da gravidade das expressões proferidas pelo autor, no contexto
supra descrito, está directamente relacionada com a consequência imediata e impossível
da subsistência da relação de trabalho.
No caso concreto dos autos, as referidas expressões injuriosas/difamatórias, revestem a
suficiente gravidade para impossibilitar a subsistência da relação de trabalho, dado que
com a objectiva quebra de confiança, deixou de existir o suporte psicológico mínimo
para o desenvolvimento da relação laboral, entre o empregador e o autor recorrente.
Assim, nesta parte, improcede o recurso do autor.
5. - O tempo de trabalho, o período de descanso, o trabalho suplementar.
5.1. - Além do mais, o autor pede que a ré seja condenada a pagar-lhe o “ o montante de
73.000,00€ a título de créditos salariais pelo trabalho suplementar prestado nos dias
descanso obrigatório, complementar e feriados, compensação pela falta de descanso
compensatório, trabalho suplementar prestado além das 8 horas por dia em dia normal de
trabalho, ou em alternativa caso se entenda não ser de qualificar como trabalho suplementar
a disponibilidade nos termos supra alegados, o mesmo valor, ou outro que se entender
conveniente a fixar segundo o prudente arbítrio do tribunal a titulo de indemnização pela
violação do direito ao descanso, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação

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até efectivo e integral pagamento”, tudo reportado ao trabalho prestado pelo autor,
apenas, no período compreendido entre 25 de Abril de 2011 e 15 de Setembro de 2014,
dado que, a partir de 16 de Setembro de 2014, está assente que o autor passou a
cumpriu um horário de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, entre as 8h30m e as
12.00 horas da parte da manhã e das 13h às 17.30 horas da parte da tarde, e
relativamente ao trabalho prestado após o dia 16 de Setembro de 2014, o autor não
alegou nem peticionou qualquer verba a título de trabalho suplementar.
O autor contabilizou o valor de €73.000,00, grosso modo, partindo de uma simples
operação aritmética, qual seja, das vinte e quatro horas do dia descontou as oito
correspondentes ao período normal de trabalho e classificou as dezasseis (16) restantes
como “trabalho suplementar”, multiplicando-as por seis dias por semana, com excepção
dos períodos de férias, num total de 825 dias.
5.2. - A ré, na resposta à contestação/reconvenção do autor, infirma que “o Autor tivesse
exercido a sua atividade ao serviço da Ré “24 horas por dia, seis dias por semana”, porque,
até Setembro de 2014 (altura em que passou ao regime de horário normal de trabalho), o
Autor esteve ao serviço da Ré em regime de isenção total de horário de trabalho, e portanto
de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, aliás como o próprio
admite, e conforme DOC. 1 que se junta”.
5.3. - Sobre esta matéria está provado o seguinte:
“43) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014 o
Trabalhador exerceu, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Empregadora, a função de
motorista, consistindo as suas funções na condução de reboques e assistência a viaturas
impossibilitadas de transitar regularmente na via pública.
44) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, por
regra, só era permitido ao Trabalhador folgar por semana um dia, que era o Sábado ou o
Domingo alternados, únicos períodos, além das férias, em que lhe era permitido ter o
telemóvel da Empregadora desligado, assim como o dispositivo de localização.
45) O Trabalhador (com excepção do Sábado ou Domingo alternados em que folgava e do
período de férias), no período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de
2014, estava permanentemente, durante 24 horas por dia, seis dias por semana, sujeito a
monitorização e controle pela Empregadora, que pelo dispositivo de localização sabia
exactamente onde ele estava, em que estrada ou local estava, se estava parado ou em
marcha, sendo todo o equipamento, nomeadamente o reboque, os acessórios (GPS, PDA e
Telemóvel) e em geral todas as ferramentas para o trabalho fornecidos pela Empregadora, a
quem pertenciam, sendo da conta desta todos os gastos com o equipamento, nomeadamente
com a deslocação do reboque, abastecimento, portagens, e manutenção.
46) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com
excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, nos
restantes dias o Trabalhador tinha de ter o dispositivo de localização ou o PDA e o telemóvel
ligados 24 horas por dia, seis dias por semana.
47) No período compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, com
excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e do período de férias, o
Trabalhador, fora do período em que, como motorista, tinha que conduzir o reboque da
Empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente na

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via pública, não tinha que estar presente fisicamente nas instalações da Empregadora, mas
apenas contactável e disponível, podendo encontrar-se na sua residência ou em qualquer
outro local da sua escolha e interesse, desde que lhe permitisse o referido contacto e
disponibilidade por parte da Empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe
fossem por esta atribuídos a qualquer hora do dia ou da noite.
49) Em 1 de Março de 2012 a Empregadora e o Trabalhador celebraram o acordo que
intitularam de “acordo de isenção de horário de trabalho” cuja cópia consta de fls. 194 e cujo
teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
50) No período compreendido entre 1 de Março de 2013 e 31 de Agosto de 2013 a
Empregadora pagou ao Trabalhador a quantia de €100,00 por mês a título de prémio por
isenção de horário de trabalho.
51) No período compreendido entre 1 de Setembro de 2013 e 31 de Agosto de 2014 a
Empregadora pagou ao Trabalhador a quantia de €137,50 por mês a título de prémio por
isenção de horário de trabalho.”.
As cláusulas 2.ª e 4.ª do documento intitulado “Acordo de isenção de horário de trabalho”,
referido no ponto 49), são do seguinte teor:
“Ambas as Outorgantes acordam que a Segunda passará a estar isenta de horário de
trabalho na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de
trabalho”. (2.ª). “O trabalho é efectuado a partir da residência do funcionário (quando há)
tendo à sua disponibilidade para todas as deslocações a viatura de trabalho”. (4.ª).

5.4. – Na sentença recorrida, citando o estudo de Albino Mendes Baptista, publicado na


"Revista de Direito e Estudos Sociais", Ano XLIII, Janeiro-Março de 2002, pág. 29 e segts.),
sobre o “Tempo de trabalho efectivo, tempos de pausa e tempo de terceiro tipo”, a propósito
do acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, de 3 de Outubro de 2000
(acórdão SIMAP - Proc. 303/98, Col. I-7963), a Mma. Juiz consignou:
“(…), o trabalho suplementar, como decorre do artigo 226º, nº 1, do CT, é "todo aquele que é
prestado fora do horário de trabalho”.
Perante este entendimento, por nós subscrito na íntegra, não vemos que a factualidade
provada suporte a conclusão de que o Trabalhador prestou, “grosso modo” 16 horas por dia
de trabalho suplementar.
É certo que o Trabalhador, com excepção do Sábado ou Domingo alternado em que folgava e
do período de férias, tinha de ter o dispositivo de localização ou o PDA e o telemóvel ligados
24 horas por dia, seis dias por semana e, nessa medida, entendemos que se encontrava em
regime de disponibilidade permanente.
Mas, de entre o núcleo funcional da prestação que lhe estava cometida, aquela
disponibilidade do Trabalhador circunscrevia-se, naturalmente, à obrigação de ter o
dispositivo de localização ou o PDA e o telemóvel ligados e a atendê-lo por forma a permitir o
contacto por parte da Empregadora, a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem
por estar atribuídos.
Esta factualidade permite concluir que na prestação laboral do Trabalhador havia momentos
de trabalho efectivo, em que o Trabalhador, como motorista, tinha que conduzir o reboque
da Empregadora, prestando assistência a viaturas impossibilitadas de transitar regularmente
na via pública, e havia momentos de autodisponibilidade, durante os quais o Trabalhador

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apenas tinha de estar contactável e, nessa medida podia, ainda que de forma limitada, gerir
os seus próprios interesses e desenvolver actividades à margem da relação laboral que
mantinha com a Empregadora.
Somos assim a concluir que a comprovada disponibilidade permanente não pode, por si só,
conferir ao Trabalhador o reclamado direito retributivo, na exacta medida em que tal mera
disponibilidade não se reconduz a “tempo de trabalho” para efeitos meramente retributivos.
Ou seja, incumbia ao Trabalhador a alegação e prova dos concretos períodos de tempo
prestados em laboração – isto é, a conduzir reboques – para além dos limites diários e
semanal legalmente estabelecidos.
Dito de outro modo, ficando à margem do “tempo de trabalho” o (s) período (s) em que
“apenas” se encontrava contactável e disponível, e considerando que o período normal de
trabalho era de 40 horas semanais, ao Trabalhador cabia alegar e provar, por se tratar de
facto constitutivo do direito que invoca (à reclamada remuneração do trabalho suplementar),
que realizou trabalho efectivo para além desse período normal ou em dias de descanso
semanal ou complementar.
Não foi esse o caso, uma vez que o Trabalhador se limitou a invocar a disponibilidade
permanente para a prestação desse acrescido trabalho, nada tendo alegado – e
consequentemente provado – sobre a sua efectiva produção.
Não tendo alegado aqueles elementos de facto e, consequentemente, provado, - alegou
simplesmente uma disponibilidade permanente de 24 horas sobre 24 horas e peticionou o
pagamento da remuneração, como trabalho suplementar, de toda a prestação laboral
excedentária das 8 horas diárias – terá forçosamente, nesta parte, que soçobrar a acção.”.

5.5. – Quid iuris?


5.5.1. - Nos termos do artigo 197.º - Tempo de trabalho – do CT, “1 – Considera-se tempo de
trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece
adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no
número seguinte.
2 – Consideram-se compreendidos no tempo de trabalho:
a) A interrupção de trabalho como tal considerada em instrumento de regulamentação
colectiva de trabalho, em regulamento interno de empresa ou resultante de uso da empresa;
b) A interrupção ocasional do período de trabalho diário inerente à satisfação de
necessidades pessoais inadiáveis do trabalhador ou resultante de consentimento do
empregador;
c) A interrupção de trabalho por motivos técnicos, nomeadamente limpeza, manutenção ou
afinação de equipamento, mudança de programa de produção, carga ou descarga de
mercadorias, falta de matéria-prima ou energia, ou por factor climatérico que afecte a
actividade da empresa, ou por motivos económicos, designadamente quebra de encomendas;
d) O intervalo para refeição em que o trabalhador tenha de permanecer no espaço habitual
de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de
necessidade;
e) A interrupção ou pausa no período de trabalho imposta por normas de segurança e saúde
no trabalho.”.
Conforme o artigo 198.º - Período normal de trabalho –, “O tempo de trabalho que o

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trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana,
denomina-se período normal de trabalho.”.
E nos termos do artigo 203.º - Limites máximos do período normal de trabalho -, “1 – O
período normal de trabalho não pode exceder oito horas por dia e quarenta horas por
semana.”.
Nos termos do artigo 199.º - Período de descanso -, “Entende-se por período de descanso o
que não seja tempo de trabalho.”.
E atento o disposto no artigo 213.º - Intervalo de descanso –, “1 – O período de trabalho
diário deve ser interrompido por um intervalo de descanso, de duração não inferior a uma
hora nem superior a duas, de modo que o trabalhador não preste mais de cinco horas de
trabalho consecutivo.”.
O artigo 200.º - Horário de trabalho -, estipula:
“1 – Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do
período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso
semanal.”.
2 – O horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal.”.
Por sua vez, o artigo 226.º - Noção de trabalho suplementar –, dispõe:
“1 – Considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho.
2 – No caso em que o acordo sobre isenção de horário de trabalho tenha limitado a
prestação deste a um determinado período de trabalho, diário ou semanal, considera-se
trabalho suplementar o que exceda esse período. 3 – Não se compreende na noção de
trabalho suplementar:
a) O prestado por trabalhador isento de horário de trabalho em dia normal de trabalho, sem
prejuízo do disposto no número anterior;
b) O prestado para compensar suspensão de actividade, independentemente da sua causa, de
duração não superior a quarenta e oito horas, seguidas ou interpoladas por um dia de
descanso ou feriado, mediante acordo entre o empregador e o trabalhador;
c) A tolerância de quinze minutos prevista no n.º 3 do artigo 203.º;
d) A formação profissional realizada fora do horário de trabalho que não exceda duas horas
diárias;
e) O trabalho prestado nas condições previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 257.º;
f) O trabalho prestado para compensação de períodos de ausência ao trabalho, efectuada
por iniciativa do trabalhador, desde que uma e outra tenham o acordo do empregador.”.
O artigo 227.º - Condições de prestação de trabalho suplementar -, determina:
“1 – O trabalho suplementar só pode ser prestado quando a empresa tenha de fazer face a
acréscimo eventual e transitório de trabalho e não se justifique para tal a admissão de
trabalhador.
2 – O trabalho suplementar pode ainda ser prestado em caso de força maior ou quando seja
indispensável para prevenir ou reparar prejuízo grave para a empresa ou para a sua
viabilidade.”.
E o artigo 228.º - Limites de duração do trabalho suplementar -, estabelece:
“1 – O trabalho suplementar previsto no n.º 1 do artigo anterior está sujeito, por trabalhador,
aos seguintes limites:
a) No caso de microempresa ou pequena empresa, cento e setenta e cinco horas por ano;

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b) No caso de média ou grande empresa, cento e cinquenta horas por ano;
c) No caso de trabalhador a tempo parcial, oitenta horas por ano ou o número de horas
correspondente à proporção entre o respectivo período normal de trabalho e o de
trabalhador a tempo completo em situação comparável, quando superior;
d) Em dia normal de trabalho, duas horas;
e) Em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou feriado, um número de
horas igual ao período normal de trabalho diário;
f) Em meio dia de descanso complementar, um número de horas igual a meio período normal
de trabalho diário.”.
E sobre o descanso diário, o artigo 214.º determina:
“1 – O trabalhador tem direito a um período de descanso de, pelo menos, onze horas
seguidas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos.
2 – O disposto no número anterior não é aplicável:
a) A trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção ou com poder de decisão
autónomo, que esteja isento de horário de trabalho;
b) Quando seja necessária a prestação de trabalho suplementar, por motivo de força maior,
ou por ser indispensável para reparar ou prevenir prejuízo grave para a empresa ou para a
sua viabilidade devido a acidente ou a risco de acidente iminente;
c) Quando o período normal de trabalho seja fraccionado ao longo do dia com fundamento
em característica da actividade, nomeadamente em serviços de limpeza;
d) Em actividade caracterizada pela necessidade de assegurar a continuidade do serviço ou
da produção, nomeadamente a referida em qualquer das alíneas d) e e) do n.º 2 do artigo
207.º, com excepção da subalínea viii) da alínea e), e em caso de acréscimo previsível de
actividade no turismo, desde que instrumento de regulamentação colectiva de trabalho
assegure ao trabalhador um período equivalente de descanso compensatório e regule o
período em que o mesmo deve ser gozado.
3 – Em caso previsto na alínea a) ou b) do número anterior, entre dois períodos diários de
trabalho consecutivos deve ser observado um período de descanso que permita a
recuperação do trabalhador.”.
Conforme dispõe o artigo 201.º - Período de funcionamento -, estabelece:
“1 – Entende-se por período de funcionamento o período de tempo diário durante o qual o
estabelecimento pode exercer a sua actividade.
2 – O período de funcionamento de estabelecimento de venda ao público denomina-se
período de abertura.
3 – O período de funcionamento de estabelecimento industrial denomina-se período de
laboração.
4 – O regime dos períodos de funcionamento consta de legislação específica.”.

5.5.2. - Para a interpretação destes conceitos jurídicos, é pertinente recorrer à Directiva


2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a
determinados aspectos da organização do tempo de trabalho, transposta, por via do
Código do Trabalho, para a ordem jurídica portuguesa [cf. artigo 2.º, alínea n), da Lei n.º
7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou este compêndio legal].
O artigo 2.º da Directiva define «tempo de trabalho» e «período de descanso» para efeitos

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desta Directiva:
«Para efeitos do disposto na presente diretiva, entende-se por:
1. “Tempo de trabalho”: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou
se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas
funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional;
2. “Período de descanso”: qualquer período que não seja tempo de trabalho;»
O direito dos trabalhadores a períodos mínimos de descanso diário e semanal está
consagrado no artigo 31.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
E sobre o “descanso diário”, o artigo 3.º da Directiva prevê: «Os Estados-Membros tomarão
as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de um período mínimo
de descanso de 11 horas consecutivas por cada período de 24 horas.»
A Comissão Europeia (CE) fez publicar no Jornal Oficial da União Europeia do dia 24 de
maio de 2017, série C, a Comunicação 2017/C- 165/01, pela qual procede à interpretação
da Directiva 2003/88/CE, de 4 de novembro (JOUE de 18/11), relativa a certos aspectos da
organização do tempo de trabalho (“Directiva relativa ao tempo de trabalho”).
E nos termos dessa Comunicação, “Quando os tribunais nacionais são chamados a decidir
sobre se o tempo pode ser considerado tempo de trabalho ou período de descanso, não
devem limitar a sua análise às disposições do direito nacional. Devem examinar as condições
que, na prática, se aplicam ao tempo de trabalho do trabalhador em questão.”.
Assim, “no que respeita à redação da diretiva, o Tribunal de Justiça declarou que, na
lógica desta última, a noção de tempo de trabalho é «entendida por oposição à de período
de descanso, estas duas noções excluindo-se mutuamente» e que a diretiva «não prevê uma
categoria intermédia entre os períodos de trabalho e os de descanso».”.
O Tribunal de Justiça decidiu a este respeito que os conceitos de «tempo de trabalho» e
de «período de descanso» «não devem ser interpretados em função das disposições das
diversas regulamentações dos Estados-Membros, constituindo conceitos de direito
comunitário que há que definir segundo características objetivas, tomando-se por referência
o sistema e a finalidade da referida diretiva, que visa estabelecer prescrições mínimas
destinadas a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores.
Com efeito, só essa interpretação autónoma é suscetível de assegurar a essa diretiva a sua
plena eficácia, bem como uma aplicação uniforme dos referidos conceitos no conjunto dos
Estados-Membros».
No dizer da referida Comunicação, “isto significa também que os Estados-Membros não
podem determinar unilateralmente o alcance destes conceitos. Esta constatação é
corroborada pelo facto de a diretiva não permitir qualquer derrogação do seu artigo 2.º, que
estabelece, entre outros, as definições de «tempo de trabalho» e de «período de descanso».”.

5.5.3. – Assim sendo, no caso sub judice, no período compreendido entre 25 de Abril de
2011 até 15 de Setembro de 2014 (o trabalhador estava disponível, ao serviço do
empregador, durante 24 horas por dia, seis dias por semana), a ré violou todas as regras
sobre o tempo de trabalho e o período de descanso, supra enunciadas, ou seja, violou as
regras do tempo de trabalho e do período normal de trabalho, quer diário, quer semanal,
com consequência directa no que reporta à qualificação e cálculo desse trabalho como
trabalho suplementar.

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Na verdade, atenta a noção, condições de prestação e limites de duração definidos nos
citados artigos 226.º a 228.º do CT, só através de uma eventual interpretação analógica,
se poderia considerar trabalho suplementar, nos termos pretendidos pelo autor
(16h/dia, 825 dias), o trabalho por ele prestado entre 25 de Abril de 2011 até 15 de
Setembro de 2014.
Assim, na dúvida, por falta de concretos elementos de facto (por exemplo, sobre o
número (e tempo gasto) de viaturas assistidas e rebocadas nas 24 horas/dia pelo autor),
se a “disponibilidade permanente de 24 horas/dia” correspondia, ou não, a “tempo de
trabalho efectivo”, não pode ser qualificada, tal “disponibilidade permanente”, como
trabalho suplementar, nos termos pretendidos pelo autor recorrente.
Deste modo, afastada essa qualificação como trabalho suplementar, centremo-nos nas
consequências da violação das regras sobre o tempo de trabalho e do período normal de
trabalho, quer diário, quer semanal.

6. - A violação dos direitos de personalidade do trabalhador.


6.1. - Segundo a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de
1948, “Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação
razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas”. (artigo 24.º); e, como resulta
do disposto no artigo 16.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), estes textos
estão integrados no ordenamento jurídico português, o mesmo acontecendo com a
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aprovada pela Lei 65/78, de 13 de Outubro,
cujo artigo 2.º, n. 1, dispõe que "O direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei...".
Mas também a Constituição da República Portuguesa preceitua que “Todos os
trabalhadores têm direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de
trabalho, ao descanso semanal, …” (artigo 59.º), e que a integridade moral e física das
pessoas é inviolável (artigo 25.º, n.º 1), que todos têm direito à protecção da saúde
(artigo 64.º, n. 1) e que todos têm direito a um ambiente de vida humana, sadio e
ecologicamente equilibrado (artigo 66.º, n.º 1).
[Sobre o “período de descanso” como “um tempo de desconexão profissional”, vide João Leal
Amado, in “Trabalho sem fronteiras? – O papel da regulação”, págs. 113 e segs.;
Coordenação: Manuel M. Roxo; Editora Almedina, ano 2017].
Estamos, pois, perante direitos fundamentais, porque figuram entre os direitos,
liberdades e garantias (capitulo I, título II da Parte I) ou porque são direitos fundamentais
da natureza análoga (artigo 17 da Constituição), de natureza social (Capítulo II do Título
III). E é indiscutível que o direito ao repouso,
à tranquilidade e ao sono se insere no direito à integridade física e a um ambiente de
vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, enfim, no direito à saúde e à
qualidade de vida. Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, do Código
Civil, a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua
personalidade física ou moral, e nos termos dos artigos 14.º e segs. do CT são
salvaguardados os direitos de personalidade dos trabalhadores, nos quais se inclui o
direito ao repouso diário, ao limite máximo da jornada de trabalho e ao descanso
semanal – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa,
Anotada, págs. 273 e 274.

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A ré nega que, ao seu serviço, o autor tivesse exercido a sua actividade “24 horas por dia,
seis dias por semana”, até Setembro de 2014, dado que o serviço “foi prestado em regime
de isenção total de horário de trabalho, e portanto de não sujeição aos limites máximos dos
períodos normais de trabalho.”.
Ora, sobre as condições de isenção de horário de trabalho, o artigo 218.º do CT estatui:
“1 – Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre
numa das seguintes situações:
a) Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização
ou apoio a titular desses cargos;
b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só
possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho;
c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem
controlo imediato por superior hierárquico.
2 – O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras situações de
admissibilidade de isenção de horário de trabalho.
3 – O acordo referido no n.º 1 deve ser enviado ao serviço com competência inspectiva do
ministério responsável pela área laboral.”.
E o artigo 219.º - Modalidades e efeitos de isenção de horário de trabalho -, prevê:
“1 – As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de
trabalho:
a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho;
b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por
semana;
c) Observância do período normal de trabalho acordado.
2 – Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.
3 – A isenção não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou
complementar, a feriado ou a descanso diário.”.
Daqui resulta que a actividade desenvolvida pelo autor, ao serviço da ré, não se
enquadrava em nenhuma das situações previstas no citado artigo 218.º, n.º 1, do CT.
Se é verdade que a actividade desenvolvida pelo autor o era fora do estabelecimento da
ré, também é certo que o controlo dessa actividade era imediato, não só porque “sujeito
a monitorização e controle pela Empregadora, que pelo dispositivo de localização (GPS, PDA e
Telemóvel) sabia exactamente onde ele estava, em que estrada ou local estava, se estava
parado ou em marcha”, mas também porque a sua actividade estava dependente do
contacto directo da sede da ré, que lhe comunicasse qual a viatura e localização, para a
respectiva assistência e reboque: “O Trabalhador tinha que estar contactável e disponível
(…), a fim de realizar os serviços de reboque que lhe fossem por esta atribuídos a qualquer
hora do dia ou da noite.”. cf. ponto 47 dos factos provados.
Mas mesmo que, por mera hipótese, se entendesse que a actividade desenvolvida pelo
autor se enquadrava na alínea c) do n.º 1 do artigo 218.º, do CT, o “Acordo de isenção de
horário de trabalho”, referido no ponto 49 dos factos provados, violou o disposto no
artigo 219.º, n.º 3, no que reportava ao descanso diário de 11 horas, expressamente,
previsto no artigo 3.º da Directiva 2003/88 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4
de novembro de 2003, e no artigo 214.º, n.º 1 do CT.

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Mutatis mutandis, em relação ao período compreendido entre 25 de Abril de 2011 e 15 de
Setembro de 2014, pode-se dizer que se passou da “escravatura da senzala” dos séculos
XVI a IX”, para “a escravatura electrónica” do século XXI. A organização do trabalho por
turnos era o antídoto legal.
E porque se trata de um direito fundamental, de ordem e interesse público (a falta de
descanso de um motorista profissional potencia, significativamente, a ocorrência de
acidentes rodoviários), consagrado na Constituição da República Portuguesa, tal acordo
está ferido de nulidade, que se declara – cf. artigo 286.º do CC.

6.2. – Além disso, a ré violou, ainda, o direito à privacidade do autor, já que estava
obrigado a ter ligado o dispositivo de localização (GPS, PDA e Telemóvel), 24 horas por
dia, seis dias por semana, isto é, muito para além do período normal de trabalho, quer
diário quer semanal, legalmente previsto.
A este propósito, citando a Directiva 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de
24 de outubro de 1995, escrevemos no acórdão deste Tribunal da Relação, de
05.12.2016, publicado na página da dgsi:
“E no que reporta à intrusão na esfera privada, é afirmado na Directiva que “Os
dispositivos de geolocalização facultam a obtenção de um vasto manancial de dados
relativos ao utilizador, os quais permitem, consoante a extensão de dados a tratar, elaborar
perfis comportamentais ao rastrear as movimentações realizadas e, nessa medida,
identificar hábitos de vida pelos percursos efetuados, pelos locais frequentados, pelos
tempos de permanência. Os dispositivos de geolocalização, em particular o GPS, são
comummente definidos como sistemas de rastreamento de objetos e/ou pessoas e,
nessa medida, constituem uma ingerência na vidaprivada.”. (negritos nossos).
Mas mais: a CNPD considera que, no contexto laboral, o uso de dispositivos de
geolocalização, instalados em veículos automóveis ou em dispositivos móveis
inteligentes usados pelos trabalhadores, constitui um sério risco de invasão da
privacidade, entrando na esfera da sua vida pessoal e da sua privacidade . E, por isso,
constitui um tratamento de dados pessoais.
E esses dados, por dizerem respeito à vida privada dos trabalhadores, enquadram-se
no conceito de dados sensíveis, em conformidade com o disposto no artigo 7.º, n.º 1, da
Lei de Protecção de Dados.”.
Atenta a factualidade provada nos pontos 45, 46 e 47, a ré, através do dispositivo de
geolocalização(GPS, PDA e Telemóvel), localizava o veículo/reboque usado pelo autor,
incluindo para fins particulares, como lhe era permitido- “… ou em qualquer outro local
da sua escolha e interesse” – facto 47 -, 24 horas por dia e 6 dias por semana , isto é,
muito para além do período normal de trabalho diário e semanal, legalmente previsto.
Ou seja, sabendo a ré qual era a residência do autor, através do dispositivo de
geolocalização(GPS, PDA e Telemóvel) ficava a saber, por exemplo, se autor pernoitava
ou não em casa e, se não, qual a localidade e rua onde a pernoita ocorreu e a que
distância se encontrava da sua residência ou da sede da empresa.
Assim, a ré, através do dispositivo de geolocalização instalado na viatura/reboque, podia
elaborar os perfis comportamentais - diurnos e nocturnos - do autor e, dessa forma, ao
rastrear as movimentações realizadas, identificar os hábitos de vida do autor, pelos

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percursos efectuados, pelos locais frequentados e pelos tempos de permanência.
E estes factos, diga-se o que se disser, respeitavam, com toda a clarividência, à vida
privada do autor, quando ocorridos fora do período normal de trabalho, diário e
semanal, legalmente previsto(e só nesta circunstância, para o caso dos autos), e
enquadram-se na previsão do artigo 26.º da CRP:
“1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da
personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à
palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra
quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias
à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.”. (negritos nossos).
E da lei ordinária vertida no artigo 16.º do CT - Reserva da intimidade da vida privada -:
“1 - O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da
contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida
privada.
2 - O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a
divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes , nomeadamente
relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as
convicções políticas e religiosas.” (negritos nossos).
Em síntese: atento o teor dos pontos 45, 46 e 47 dos factos provados, no período
compreendido entre 25 de Abril de 2011 até 15 de Setembro de 2014, a ré violou o
direito do autor“ao repouso e aos lazeres” (pessoais e familiares), e o direito à privacidade,
previstos, respectivamente, no artigo 59.º, n.º 1, alínea d), e no artigo 26.º, ambos da CRP
– cf. artigos 16.º, 197.º, 198.º, 199.º e 214.º, n.º 1, todos do CT.
7. – O direito à indemnização e seu montante.

O autor pede a condenação da ré no pagamento da indemnização de € 73 000,00, “ ou


outro que se entender conveniente a fixar segundo o prudente arbítrio do tribunal a título de
indemnização pela violação do direito ao descanso”.
Nos termos do artigo 70.º, n.º 2, do Código Civil, o titular do direito subjectivo de
personalidade que foi ofendido, pode pedir ao lesante uma indemnização pelos danos
sofridos - cf. artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil.
O artigo 496.º (Danos não patrimoniais) dispõe:
“1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua
gravidade, mereçam a tutela do direito.
3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção,
em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”.
E o artigo 494.º (Limitação da indemnização no caso de mera culpa) prescreve:
“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada,
equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde
que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais
circunstâncias do caso o justifiquem.”.
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 499, “ O
Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais,
embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
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A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva
ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de
uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (…).”.
Ora, a ré, ao obrigar o autor a estar contactável através do dispositivo de localização
(GPS, PDA e Telemóvel) e disponível para executar as suas funções, 24 horas por dia, 6
dias por semana, com excepção do sábado ou domingo alternados em que folgava e do
período de férias, violou, de forma culposa e grave, não só o seu direito “ao repouso e aos
lazeres” (pessoais e familiares), como também o seu direito à privacidade.
Na verdade, é do senso comum (cf. artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), que a
disponibilidade de “24 horas/dia, 6 dias por semana”, conflitua, inevitavelmente, com
qualquer organização da vida pessoal (por exemplo, ao nível de actividades lúdicas, de
lazer, de convívio com amigos, de celebração de eventos) ou familiar (por exemplo, ao
nível do acompanhamento dos filhos, de programação de passeios, de visitas e
celebração de aniversários).
Mas, mais grave, são os danos causados à saúde por interrupção ou falta de dormir o
tempo necessário (num período de 3 anos e 5 meses), com todas as consequências
conhecidas daí inerentes, como a indisposição física e psíquica pessoais (e ao nível do
relacionamento com terceiros), e, sobretudo, o risco acrescido para a circulação
rodoviária, dado tratar-se de motorista de viatura de reboque para viaturas imobilizadas,
com actividade diurna e nocturna.
Além disso, a obrigatoriedade de ter ligado o dispositivo de localização (GPS, PDA e
Telemóvel), 24 horas por dia, seis dias por semana, isto é, muito para além do período
normal de trabalho, quer diário quer semanal, viola o direito à privacidade.
Consideramos, pois, que o autor deve ser indemnizado pelos danos não patrimoniais
sofridos.
No que reporta ao quantum indemnizatório, tendo em conta a natureza dos direitos
violados - direitos fundamentais do trabalhador subordinado -, a duração dessa violação
- 3 anos e 5 meses -, mas, sobretudo, a dimensão diária e semanal da disponibilidade do
trabalhador – 24h/dia, 6 dias/semana, num total de 144 horas semanais - consideramos
justa a indemnização de €30.000,00 por danos não patrimoniais.
Em conclusão: nesta parte, com excepção do quantum indemnizatório, mantemos a
decisão recorrida, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes.
IV. – A decisão

Atento o exposto, acordam os Juízes, que compõem esta Secção Social do Tribunal da
Relação do Porto, julgar:
1. - A apelação parcialmente procedente, no que reporta à impugnação da decisão sobre
a matéria de facto, alterando a mesma, quanto à redacção dos pontos 18) e 19) dos
factos provados, nos termos supra descritos.
2. - A apelação parcialmente procedente, no que reporta ao valor da indemnização por
danos não patrimoniais, e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, nessa
parte, a qual é substituída pelo presente acórdão que condena a ré:
- A pagar ao autor a indemnização por danos não patrimoniais, no montante de
€30.000,00 acrescido dos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
3. - No mais, mantem-se a sentença recorrida.
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As custas do recurso de apelação são a cargo do autor e da ré, na proporção de 85% e
15%, respectivamente.

Porto, 2018-01-24
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

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