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Equações Exatas e Fatores Integrantes

Vinı́cius Fratin Netto


Março de 2016

1 Contextualização e Definições
Suponha que queiramos resolver esta equação diferencial:

2xy + (x2 + 2y)y 0 = 0. (1)


Até agora, conhecemos apenas o método da separação de variáveis. Infelizmente, esta
equação diferencial não tem como ser escrita na forma desejada para este método. Para
resolvê-la, precisamos de outro método.
Considere a função F (x, y) = x2 y + y 2 . Lembrando que, para uma função de duas
variáveis G(x, y),
∂G ∂G
dG = dx + dy,
∂x ∂y
e, portanto,
d ∂G ∂G dy
G(x, y) = + ,
dx ∂x ∂y dx
aplicando em F (x, y), temos que

d ∂F ∂F dy
F (x, y) = + = 2xy + (x2 + 2y)y 0 .
dx ∂x ∂y dx

Com essa informação, podemos reescrever a equação (1) como

(F (x, y))0 = 0,

e, portanto, integrando em x nos dois lados, temos que a solução implı́cita da equação é

F (x, y) = C.

É natural que se pergunte como sabı́amos de antemão que a função F (x, y) teria as
propriedades ilustradas no exemplo acima. A resposta é: o exemplo foi feito pensando nela
primeiro e, depois, montando a equação diferencial, apenas para propósitos de exemplo. Mas,
caso apenas a equação diferencial nos fosse dada, como poderı́amos proceder? A ideia para

1
esta aula é mostrar para que tipo de equações diferenciais podemos encontrar esta função
(chamada de função potencial) e como podemos encontrá-la.
Dada uma equação da forma

M (x, y)dx + N (x, y)dy = 0,

dizemos que esta é uma equação exata se existe uma função F (x, y) , chamada de poten-
cial, tal que
Fx = M
e
Fy = N.
Se a equação está definida em um conjunto aberto e simplesmente conexo D ⊂ R2 , com
M (x, y) e N (x, y) e suas derivadas parciais primeiras contı́nuas, então existe uma função
potencial F (x, y) se, e somente se,
My = Nx .
Esta condição é chamada de condição de reciprocidade de Euler.
A última parte pode ser parcialmente justificada pelo Cálculo II, onde aprendemos que, se
uma função G(x, y) é contı́nua, tem derivadas parciais primeiras contı́nuas e, além disso, tem
derivadas parciais segundas contı́nuas, então as derivadas parciais mistas são comutativas,
ou seja,
Gxy = Gyx .
Assim, se M = Fx , N = Fy e M e N são contı́nuas com derivadas parciais primeiras contı́nuas,
então (Fx )y = My = Nx = (Fy )x . Essa é uma condição necessária para a equação ser exata. A
equação estar definida para um domı́nio simplesmente conexo torna essa condição necessária.
Assim, se essas condições são cumpridas, basta fazermos essa verificação.

2 Método para Resolução de Equações Exatas


Vamos considerar que uma equação diferencial

M (x, y)dx + N (x, y)dy = 0

é exata se, e somente se,


My = Nx
e, portanto, existe uma função potencial F (x, y) tal que

Fx = M (2)

e
Fy = N. (3)

2
Nosso objetivo é encontrar F (x, y). Para isso, perceba que a condição (2) nos diz que
podemos encontrar F (x, y) integrando ambos os lados em x. Assim,
Z Z
Fx (x, y)dx = F (x, y) = M (x, y)dx.

No entanto, há um detalhe sutil nesta última integral: M é uma função de x e de y, então,
quando integrarmos em x, a ”constante”de integração é, em geral, não apenas um número
real, mas sim uma função de y. Isto acontece pois a derivada parcial em x elimina qualquer
função que depende só de y que é somada à função. Então, podemos escrever que
Z
F (x, y) = M (x, y)dx + g(y).

Portanto, para determinarmos a função potencial, precisamos determinar g(y). Para isso,
usamos a equação (3) e obtemos que
Z Z
∂ 0 0 ∂
Fy = M (x, y)dx + g (y) = N (x, y) ⇒ g (y) = N (x, y) − M (x, y)dx
∂y ∂y
Esta última equação tem uma restrição: o lado esquerdo depende apenas de y. Desta
forma, o lado direito também deve depender só de y. Mas como podemos demonstrar que
isso acontece? A ideia é a seguinte: para demonstrar que uma função não depende de x,
podemos calcular a derivada em x e, caso obtenhamos zero, mostraremos que a função não
tem dependência em x! Procedendo com esta ideia, derivamos em x dos dois lados:
Z
∂ 0 ∂ ∂ ∂
g (y) = 0 = N (x, y) − M (x, y)dx.
∂x ∂x ∂x ∂y
Como M (x, y), por hipótese, é contı́nua e tem derivadas parciais primeiras contı́nuas, as
derivadas parciais mistas podem ser comutadas. Assim, temos que
Z Z
∂ ∂ ∂ ∂ ∂
N (x, y) − M (x, y)dx = Nx − M (x, y)dx.
∂x ∂x ∂y ∂y ∂x
Sabendo que a derivada de uma integral na mesma variável recupera a função:
Z
∂ ∂ ∂
Nx − M (x, y)dx = Nx − M (x, y) = Nx − My .
∂y ∂x ∂y
Percebam onde chegamos: por hipótese, nossa equação diferencial é exata e, portanto,

My = Nx ⇒ Nx − My = 0,

como querı́amos demonstrar! Assim, concluı́mos que a solução implı́cita da nossa equação
diferencial é dada por Z
F (x, y) = M (x, y)dx + g(y),

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onde

Z Z  Z 
0 ∂ ∂
g (y) = N (x, y) − M (x, y)dx ⇒ g(y) = N (x, y) − M (x, y)dx dy
∂y ∂y
Z Z
= N (x, y)dy − M (x, y)dx.

Naturalmente, é possı́vel proceder de forma análoga a partir da equação (3), ao invés da


equação (2). Para isso, apenas integramos em y, ao invés de x:
Z
Fy = N (x, y) ⇒ F (x, y) = N (x, y)dy.

Novamente, como N (x, y) é uma função de x e de y, se integrarmos em y, a ”constante”de


integração é, na verdade, uma função de x. Portanto,
Z
F (x, y) = N (x, y)dy + g(x).

Utilizando a equação (2), temos que


Z

Fx = N (x, y)dy + g 0 (x) = M (x, y),
∂x
e, assim, Z
0 ∂
g (x) = M (x, y) − N (x, y)dy.
∂x
O lado esquerdo depende apenas de x. Para demonstrarmos que o lado direito também
depende apenas de x, derivamos em y dos dois lados e devemos obter zero em ambos. De
fato, Z
∂ 0 ∂ ∂ ∂
g (x) = 0 = M (x, y) − N (x, y)dy.
∂y ∂y ∂y ∂x
Supondo as mesmas condições de continuidade de antes, podemos comutar as derivadas
parciais. Assim,
Z Z
∂ ∂ ∂ ∂ ∂
M (x, y) − N (x, y)dy = My − N (x, y)dy.
∂y ∂y ∂x ∂x ∂y
Sabendo que a derivada da integral de uma função na mesma variável recupera a função,
temos que Z
∂ ∂ ∂
My − N (x, y)dy = My − N (x, y) = My − Nx .
∂x ∂y ∂x
Como, por hipótese, nossa equação diferencial é exata,

My = Nx ⇒ My − Nx = 0,

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como querı́amos demonstrar! Assim, temos que a função potencial é dada por
Z
F (x, y) = N (x, y)dy + g(x),

onde
Z Z  Z 
0 ∂ ∂
g (x) = M (x, y) − N (x, y)dy ⇒ g(x) = M (x, y) − N (x, y)dy dx
∂x ∂x
Z Z
= M (x, y)dx − N (x, y)dy

Com estas duas opções ilustradas, temos a possibilidade de começar integrando em x ou


em y. A escolha depende do que é mais conveniente num dado problema.
Como um exemplo, vamos resolver a equação (1) com este método:
2xy + (x2 + 2y)y 0 = 0.
O primeiro passo é escrever a equação na forma que o método exige. Assim, multiplicando
tudo por dx,
2xydx + (x2 + 2y)dy = 0,
onde reconhecemos que M (x, y) = 2xy e N (x, y) = x2 + 2y. Agora, verificamos se a equação
é exata testando se My = Nx . De fato,
My = (2xy)y = 2x = (x2 + 2y)x = Nx .
Com isso, podemos optar por começar integrando em x ou em y para obter a função potencial.
Vamos começar integrando em y. Lembrando que queremos encontrar uma função F (x, y)
tal que Fx = M (x, y) e Fy = N (x, y), temos que
Z
Fy = N (x, y) = x + 2y ⇒ F (x, y) = (x2 + 2y)dy
2
(4)
2 2
= x y + y + g(x).
Resta descobrir g(x). Para isso, usamos o fato de que Fx = M (x, y). Derivando (4) em x,
obtemos que
Fx = (x2 y + y 2 + g(x))x = 2xy + g 0 (x) = M (x, y) = 2xy,
de onde temos que
2xy + g 0 (x) = 2xy ⇒ g 0 (x) = 0 ⇒ g(x) = C.
Assim, a função potencial é dada por
F (x, y) = x2 y + y 2 + C,
e, portanto, a solução implı́cita para a equação diferencial (1) obtida através de
(F (x, y))0 = 0 ⇒ F (x, y) = C.
Sendo assim, a solução é
x2 y + y 2 = C,
onde a constante arbitrária da função potencial foi absorvida pela outra constante.

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3 Fatores Integrantes
Suponha que queiramos resolver a seguinte equação diferencial:

(y + e−x y 3 )dx + (1 + 3xe−x y 2 )dy = 0 (5)

Uma resolução através do método de separação de variáveis parece inviável. Portanto, po-
demos testar se a equação é exata e ver se chegamos em algo que nos ajudará. Desta forma,

My = (y + e−x y 3 )y = 1 + 3e−x y 2 ,

Nx = (1 + 3xe−x y 2 )x = 3y 2 (e−x − xe−x )


e, portanto,
My 6= Nx ,
que implica que a equação (5) não é exata. Isto pode parecer um beco sem saı́da, mas
suponha que um passarinho hipotético nos tenha sugerido que devemos multiplicar toda a
equação por ex . Aceitando a sugestão do nosso amigo, temos que
 
−x 3 −x 2
x
e (y + e y )dx + (1 + 3xe y )dy = (ex y + y 3 )dx + (ex + 3xy 2 )dy = 0. (6)

Podemos checar novamente o critério de exatidão da equação, com Mnova (x, y) = ex M (x, y)
e Nnova (x, y) = ex N (x, y):

Mnovay = (ex y + y 3 )y = ex + 3y 2 ,

Nnovax = (ex + 3xy 2 )x = ex + 3y 2


e, portanto,
Mnovay = Nnovax .
Nossa nova equação é exata! Desta forma, podemos continuar a resolução utilizando
o método visto anteriormente. Vem a pergunta: como descobrimos que multiplicar por ex
(chamado de fator integrante) tornaria a equação exata?

4 Método do Fator Integrante


Quando estamos diante de uma equação diferencial que não é exata, podemos tentar encon-
trar algum fator integrante µ(x, y) que, ao multiplicarmos a equação por este fator, que torne
ela exata. Infelizmente, não é possı́vel obter um método genérico para sempre encontrar um
fator integrante que torne qualquer equação diferencial exata. Caso isto fosse verdade, to-
das as equações diferenciais poderiam ser resolvidas por este método, o que não é verdade.
Porém, podemos impor uma restrição: supondo que o fator integrante dependa apenas de x
ou de y, podemos aumentar a classe de equações que podemos resolver.

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Vamos começar considerando uma equação diferencial da forma

M (x, y)dx + N (x, y)dy = 0

que não é exata, ou seja,


My 6= Nx .
Vamos começar supondo que µ(x, y) = µ(x), ou seja, que nosso fator integrante depende
apenas de x. Assim, multiplicando toda a equação por µ(x),

µ(x)M (x, y)dx + µ(x)N (x, y)dy = 0

Agora, temos que nossa nova M (x, y) é dada por M 0 (x, y) = µ(x)M (x, y) e a nova N (x, y)
é dada por N 0 (x, y) = µ(x)N (x, y). Com isso, para a nova equação ser exata, é preciso que

My0 = Nx0 .

Desenvolvendo, temos que

My0 = (µ(x)M (x, y))y = µ(x)My ,

Nx0 = (µ(x)N (x, y))x = µ0 (x)N (x, y) + µ(x)Nx


e, portanto,

My0 = Nx0 ⇒ µ(x)My = µ0 (x)N (x, y) + µ(x)Nx


µ(x)My − µ(x)Nx
⇒ µ0 (x) =
N (x, y) (7)
0
µ (x) My − Nx
⇒ =
µ(x) N

O resultado (7) nos diz duas coisas: a primeira é que, como o lado esquerdo depende apenas
de x, o lado direito também deve depender apenas de x. Ou seja, se MyN−Nx depende apenas
de x, então conseguimos encontrar um fator integrante que depende de x. A segunda é que
é possı́vel obter este fator integrante resolvendo a equação separável obtida em (7) e, assim,
multiplicar a equação diferencial por este fator e proceder com o método visto anteriormente.
Podemos proceder de maneira análoga supondo um fator integrante µ(x, y) = µ(y), ou
seja, um fator integrante que depende apenas de y. Multiplicando a equação diferencial
original por µ(y), temos que

µ(y)M (x, y)dx + µ(y)N (x, y)dy = 0

e, portanto, M 0 (x, y) = µ(y)M (x, y) e N 0 (x, y) = µ(y)N (x, y). Para que a equação seja
exata, precisamos ter que
My0 = Nx0 .

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Desenvolvendo, obtemos que

My0 = (µ(y)M (x, y))y = µ0 (y)M (x, y) + µ(y)My ,

Nx0 = (µ(y)N (x, y))x = µ(y)Nx .


e, assim,

My0 = Nx0 ⇒ µ0 (y)M (x, y) + µ(y)My = µ(y)Nx


µ(y)Nx − µ(y)My
⇒ µ0 (y) =
M (x, y) (8)
0
µ (y) Nx − My
⇒ = .
µ(y) M

De forma análoga, o resultado (8) nos diz que o lado direito deve depender apenas de y para
termos um fator integrante que depende apenas de y. Além disso, podemos obter este fator
integrante resolvendo a equação separável obtida no resultado (8). Assim, multiplicando
a equação por este fator, podemos proceder com a resolução utilizando o método visto
anteriormente.
Para finalizar este texto, vamos resolver o exemplo (5):

(y + e−x y 3 )dx + (1 + 3xe−x y 2 )dy = 0.

Vamos supor que a equação admita um fator integrante µ(x, y) = µ(x). Multiplicando,
temos que
µ(x)(y + e−x y 3 )dx + µ(x)(1 + 3xe−x y 2 )dy.
Para a equação ser exata, My0 = Nx0 . Portanto,

My0 = (µ(x)(y + e−x y 3 ))y = µ(x)(1 + 3e−x y 2 ),

Nx0 = (µ(x)(1 + 3xe−x y 2 ))x = µ0 (x)(1 + 3xe−x y 2 ) + µ(x)(3y 2 (e−x − xe−x ))


e, assim,

µ(x)(1 + 3e−x y 2 ) = µ0 (x)(1 + 3xe−x y 2 ) + µ(x)(3y 2 (e−x − xe−x ))


⇒ µ0 (x)(1 + 3xe−x y 2 ) = µ(x)(1 + 3x−x y 2 − 3e−x y 2 + 3xe−x y 2 )
⇒ µ0 (x)(1 + 3xe−x y 2 ) = µ(x)(1 + 3xe−x y 2 )
µ0 (x) 1 + 3xe−x y 2
⇒ = =1
µ(x) 1 + 3xe−x y 2
Z Z

⇒ = dx
µ
⇒ ln|µ| = x + C
⇒ µ(x) = Cex

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Finalmente chegamos ao fator integrante! Como queremos apenas um fator integrante,
e não uma famı́lia deles, podemos escolher a constante C como quisermos. Assim, vamos
escolher C = 1. Portanto,
µ(x) = ex .
Então, ao multiplicar toda a equação por µ(x) = ex , conseguimos transformá-la em uma
equação exata e, assim, podemos utilizar o método das equações exatas para resolvê-la!

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