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by guilherme nucci - http://www.guilhermenucci.com.br/artigo/realidade-da-soberania-dos-veredictos-tribunal-juri

A realidade da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri


O Tribunal do Júri é um órgão colegiado do Poder Judiciário, composto por um juiz togado, que o preside, e vinte
e um jurados, dos quais sete são sorteados, aleatoriamente, para compor o Conselho de Sentença (a turma
julgadora do mérito da causa). A função do magistrado de carreira é presidir a sessão, resolvendo as questões
de direito que lhe forem apresentadas e conduzindo os trabalhos até atingir o ápice do julgamento, ocorrente em
sala especial, quando os jurados proferem seu veredicto. São sete jurados, logo, as decisões são tomadas por
maioria de votos. Os juízes leigos respondem a um questionário, proposto pelo juiz presidente, com a anuência
das partes.

Há princípios constitucionais regentes da instituição do júri, a saber: a) plenitude de defesa; b) sigilo das
votações; c) soberania dos veredictos; d) competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º,
XXXVIII, CF).

O Código de Processo Penal regula o funcionamento geral do Tribunal do Júri, porém, sem jamais se olvidar dos
seus princípios constitucionais indeclináveis.

Pretendemos dar enfoque, neste texto, à soberania dos veredictos. Por que foi inserido o princípio na
Constituição Federal? Qual o seu alcance? É devidamente respeitado pelo Judiciário togado?

Em primeiro lugar, segundo observam vários autores nacionais e estrangeiros, cuidando do Tribunal do Júri, a
soberania dos veredictos é instrumento de eficiência e respeito à instituição do colegiado popular, chamado a
julgar causas criminais de relevância. Júri, sem soberania, não é Júri, como sempre se disse. Aliás, nada mais
verdadeiro. Fossem os jurados chamados ao fórum para proferir um julgamento, que poderia ser reformado,
quanto ao mérito, pelo Tribunal togado, teríamos, na verdade, um Conselho Popular, emitindo pareceres sobre
casos práticos, na maior parte das vezes, sem a menor valia para a magistratura de carreira. Afinal, esta não
sobrevive de votos, pouco importando, pois, o que o povo pensa em relação a determinado crime. Por isso, a sua
inserção na Constituição Federal, como cláusula pétrea, permite a sobrevivência útil do Tribunal do Júri.

Quanto ao alcance, volta-se a soberania dos veredictos a ordenar um comando duplo: ao legislador e ao juiz.
Soberano é aquele que detém o poder supremo, máximo, não havendo condições de receber ordem de quem
quer que seja. Portanto, veredicto soberano é o intangível. Em suma, a decisão proferida pelo Conselho de
Sentença deve ser a derradeira. Leis não podem alterar tal propositura. Decisões de juízes togados, idem.

Mas todos podem errar, dirão alguns. Juízes equivocam-se em suas decisões, no dia-a-dia. Como fazer para
reparar esses desvios? Para isso, existem os recursos. No processo penal, garante-se o duplo grau de jurisdição
como um princípio de status constitucional, absorvido do Pacto de San José da Costa Rica. Logo, contra a
decisão tomada pelos jurados, torna-se possível o ingresso de apelação (art. 593, III, d, CPP). As demais
hipóteses de apelação, no contexto do júri, voltam-se ao conteúdo da sentença relativo ao juiz togado (art. 593,
III, a, b e c, CPP).

Entretanto, se o Tribunal togado der provimento ao apelo, nada mais faz que remeter o feito a novo julgamento,
que será realizado por outro Conselho de Sentença diverso. Portanto, é o povo revendo a decisão do povo.
Reafirma-se a soberania do veredicto popular e dá-se a devida importância ao duplo grau de jurisdição.

Outras situações podem desencadear novo júri: a) protesto por novo júri; b) habeas corpus. O primeiro
destina-se a casos em que, por um delito, o réu tenha sido condenado a vinte anos ou mais de reclusão. Terá
nova oportunidade. O segundo volta-se a situações de anulação, por vício insanável. Entretanto, novamente será
o Júri a julgar o caso. Nenhuma violação à soberania dos veredictos.

Superado o seu alcance, cujo fito é garantir a sua eficiência como instituição, resta-nos a análise do respeito à
sua aplicação. Pensamos que a realidade diverge da teoria. Muitos Tribunais, compostos por magistrados
togados, insistem em reavaliar o caso julgado pelo Júri, à luz de sua própria doutrina e, quando não, de sua
jurisprudência. Ora, não é esta a sua função. Somente se pode dar provimento à apelação, no contexto do júri,

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se os jurados decidirem manifestamente (notoriamente, flagrantemente, patentemente) contrário à prova dos


autos. No mais, se o veredicto está de acordo ou em desacordo à jurisprudência reinante naquele Câmara ou
Turma ou em relação a outros Tribunais, pouco importa. Jurados são juízes leigos, que não têm a menor
obrigação de conhecer a jurisprudência dominante. Aliás, nem os operadores do Direito a conhecem com
absoluta segurança.

Se positiva ou negativa a soberania, cuida-se de um problema político-institucional. Assim foi a decisão do


constituinte de 1988. Somente se pode alterar tal postura em nova Assembléia Nacional Constituinte.

Outro dado relevante, já por nós defendido em obras que cuidam do tema (Código de Processo Penal
comentado, Manual de processo penal e execução penal e júri – princípios constitucionais), diz respeito à revisão
criminal. Estamos convictos que a decisão do Tribunal togado, ingressando no mérito da condenação proferida
pelos jurados, com trânsito em julgado, para absolver, afastar qualificadoras ou outras causas de aumento,
modificando, pois, o conteúdo original do veredicto é, sem dúvida, ofensiva à soberania proclamada pela
Constituição. Se alguma prova nova surgisse, o caminho seria ingressar com revisão criminal e o Tribunal
determinar que outro júri se realizasse para apreciar, novamente, o caso. A prática, no entanto, demonstra o
contrário. Sem qualquer prova nova, bastando um simples pedido do interessado, vários são os casos em que se
revê o decidido pelo Tribunal Popular, alterando, quanto ao mérito, o veredicto. Que soberania é essa? Que
poder supremo é esse? Argumenta-se que mais vale atropelar um princípio regente da instituição do júri do que
manter um inocente no cárcere… Ora, mas quem vai dizer, afinal, em última análise, que o réu é inocente? O
correto seria dar provimento à revisão criminal, se houver indício de erro grave, para encaminhar o caso a outro
julgamento pelo Tribunal Popular. Se inocente ou culpado, a decisão é do povo. Isto é soberania. O restante é
argumentação jurídica para enfraquecer a instituição. Aliás, ad argumentandum, tantos são os casos de revisão
criminal alterando o veredicto popular que poderíamos afirmar o seguinte: se houvesse possibilidade de o
Ministério Público ingressar com revisão criminal contra decisões absolutórias, proferidas pelo Tribunal do Júri,
teríamos, na prática, transformado esta instituição em órgão meramente consultivo. Respeitar a decisão popular
é cumprir a Constituição Federal. A realidade da soberania dos veredictos ainda está distante de ser atingida.

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