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terísti

elevad
A, questão do Júri matér
dos q
bunaii
HELENO CLAUDiO FRAGOSO com a
Professor na Faculdade de Direito Cândido maçãe
Mendes (Estado da Guanabara)
fazem
O
SUMARIO: 1. Apresentação. 2. Origens do Júri. 3. O Júri inglês. menta
4. O sistema' francês. 5. O Júri no Brasil. 6. O Júri como, garantia de valece
liberda(le. 7. O Júri cOmQ realização de justiça. 8. A deformação do Júri. cujas
9. A judicatura camo tunçii.otécnica. 10. Matéria de fato e matéria de Não s
direito,' questões técnicas. 11. Apreciação da prova; influências estranhas. miniSl
12. Instituição em decadência. 13. ConclusãO. cerca(
cluinc
1. A instituição de juízes leigos em priuoípio, a acusação feita ao réu, sob que s
matéria criminal tem suscitado larga juram~nto, era julgada pelo sistema. das blico.
controvérsia, fr.eqüentemente renovada ordálias' (prova da água fervente, da na Jl
em paíSes como o nosso, que adotam o água fria, duelo judiciário). O Júri de gados
Tribunal do Júri. Será dificil-trazer no- acusação parece ter sido estabelecido por tiça.
vos argumentos, motivo pelo qual não HENRIQUE 1.1, duque da Normândia, em visad(
temos' pretensão de originalidade, mas, 1164 ("Constitl,ltion of Clarendon", 10 desco
sim, de apresentar uma resenha do de-
bate que tem sido travado há mais de um
Bon. II). Com ª' abolição das ordálias,
pelo Concílio de I,.atrão, em 1215, 'tôdas
te, a(
vestig
século entre os partidários dó'<l'ribunal as acusações passaram a ser julgadas tJ
popular e os que a êle se opõem; pelo mesmo Júri de acusação, acrescido Justi<
de novos membros. Ràpidamente, porém, ram
2. Muitos crêem que a instituição julga
de jurados remonta ao processo penal ro- distinguiu-se o Júri de· acusação do Júri
de jUlgamento, sendo êste constituído p.e- tiça
mano, com o sistema das quaestiones,l borot
não faltando os que jprocuram reconhe- los novos membros que se aCrescia ao pri-
meiro Júri. Esta distinção, que já havia tinad
cê-la nos heliastas gregos. 2 Tais antece- penetrado na prática judiciária, foi .esta- ofem
dentes, porém, nada têm a ver com o Júri belecida por lei, em '1352, institui:ridd, as- julga
mOderno,3 pois !São apenas formas de vras
participação do povo nos julgamentos, as sim, o sistema de dois iuris. Posterior-
tiça

I,
<J.uais se explicam pela deficiência do apa- mente, já no século XVI, os jurados de
acusação passaram a distinguir-se das' sões.
I.elho judiciário, constituindo manifesta- testemunhas. algUI
-ções primitivas da administração da em ;
)..,*tiça. A instituição do Júri tornou-se fa-
subrr:
, O desenvolvilnento histórico do Júri,
>como hOje o conhecemos, encontra seu
têrmo inicial no procedimento inquisitó-
mosa na Inglaterra e está intimamente
ligada ao espírito do direito inglês. Pas-
sou ao continente com a l.egislação penal
i WICl
afirn
introduzida pela Revolução francesa, ten- " as
rio que .era' praticado na França, na
época carolíngia. Homens justos e dig- do sido, porém, grandemente alterada; e
em nenhum lugar, nem mesmo nos Es-
I " bli(
" cor
nos deveriam, sob juramento, dàr notícia " pre
aos juízes ambulantes do soberano fran- tadOs Unidos, para onde foi levada, pro-
duziu os excelentes r.esultados que na " cor
cês do que havia ocorrido no distrito "qUE
desde sua última viag.em: os primeiros Inglaterra, sem dúvida, prodUZiU e pro-
duz. " tiCl
jurados eram, assim, denunciantes no " teIl
processo criminal e testemunhas no pro- 3. Isto se deve, certamente, à ín- " jur
cesso civil. O sistema da inquiSitio pas- dole do povo inglês, ao sistema peculiar " cec
sou à Inglaterra com a invasão norman- de seu direito e à disciplina que cerca o "im'
da, onde evoluiu consideràvelmente. A funcionamento do Júri na Inglaterra. " Cô:
l1:stes fatôres devem ser considerados pe- devi,
1 MANZINI, "Derecho Procesal Penal", los que pretendem transplantar a outros
trad., Buenos Aires, 1951, voI. II, pág. 180. meios de cultura uma instituição ligada 4
2 A Helleia. na Grécia antiga, compunha- a fatôr.es históricos e peculiares a um inglê
-se de mais de 500 hellastas e se destinava ao povo, cujas instituições jurídicas diferem E
julgamento de certos crimes. BIGORIE DE tão fortemente das que vigoram no di- pág.
LANCHAMPS afirma que o comparecimento aos
julgamentos fazia-se pela paga (mistos dlkastO'o reito continental e no que seguiu a in- fense
kos), e não por amor à Justiça ("Du jury en fluência dêste. €
mati?~re criminelle", Paris, 1863, pág. 9). cuté€
O povo inglês é conhecido pelo seu idéia
s HÉLIO TORNAGHI, "Instituições de Pro-
cesso Penal", Rio de Janeiro, 1959, vol. II, pá- exagerado espírito de obediência às leis ment
gina 281. do país. RADBRUCH refere como carac-
DOUTRINA . 21

terísticas do sentido inglês do direito a severamente punida na Inglaterra. O


elevada moralidade do povo britânico em Criminal Justice Act, de 1925, chega a
matéria de impostos, o elevado número punir com multa de 1:50 o fato de foto-
dos que se confessam culpados nos tri- grafar ou desenhar para publicação, em
bunais, e, especialmente, suas relações qualquer Tribunal (criminal ou civil),
com a polícia, considerando justa a afir- qualquer das pessoas implicadas no pro-
macão que os inglêses freqüentemente cesso judicial. 7
fazem: "We are a law-abiding people".4 O Júri inglês, em seu funcionamento,
O direito inglês distingue-se funda- não se compara com o Tribunal que obe-
mentalmente do direito escrito, que pr.e- dece ao sistema francês. A pronúncia
valece no continente: é a common law, por um Júri de acusação, chamado
cujas peculiaridades são b.em conhecidas. Grand Jury, composto por 12 a 24 pes-
Não só a magistratura, como tôda a ad- soas, decidindo por maioria de 12, estêve
ministração da justiça na Inglaterra, é em vigor na Inglaterra até 1933, quando
cercada de alta dignidade e respeito, in- foi abolido. O Júri de julgamento (único
cluindo-se aí a atuação dos advogados, agora existente) , chamado Petty .Tury, é
que se .exerce com profundo espírito pú- composto de 12 jurados, que decidem do
blico. Daí afirmar ALBERT MORRIS que fato e do direito, apresentando o veredicto
na Justiça criminal americana os advo- de "culpado" ou "não culpado" (guilty
gados pretendem a vitória e não a jus- ou not guilty). 8 Jurado somente pode
tiça. ao passo que, na Inglaterra, o fim ser o homem ou mulher, acima de 21
visado ·pela acusação e pela defesa é a anos, que tenha propriedades ou rendas
descoberta da verdade. 5 Freqüentemen- acima de no por ano ou seja locatário
te, acusação e defesa colaboram na in- de casa com aluguel mínimo de f:20 por
vestigação e na prova. ano. ou 1:30, se fôr em Middlesex. 9 O
Uma demonstracão do respeito pela processo é oral: o Júri somente pOde
Justiça é dada ~s medidas que vigo- considerar a prova que diante dêle é pro-
ram para, proteg.er ã;-independência dos duzida. Após os d.ebates, o juiz presi-
julgamentos. A Suprema Côrte de Jus- dente faz um resumo do cas"o, indicando
tiça (Supreme Court ofJudic?-ture) ela- o direito aplicável, analisando e critican-
bOl:eu a teoria da contempt of court, des- do a prova apresentada, e inclusive acon-
tinada, a pr.evenir e a punir qualquer selhando os jurados sôbre seu valor, emi-
ofensá ou influência estranha sôbre o tindo, assim, sua opinião sôbre o caso,
jUlgamento. inclusive através de pala- embora deva esclarecer que sua opinião
vras e escritos que possam desviar a Jus- não é obrigatória.1° A decisão deves.er
tiça de seus fins oü interferir nas deci- unânime. O veredicto dos jurados não é
sões. A imprensa não pode, de forma final, pois o juiz pode, caso discorde dêle.
alguma, comentar ou criticar, a não ser pedir que o conselho d.e sentença o re-
em limites muito estreitos, as questões considere. Caso isto não se faça, o juiz
submetidas aos tribunais. LORD HARD- pode dissolver o Júri e convocar outro,
WIGKE, em meados do século XVIII, já havendo casos que foram julgados quatro
afirmava: "Nada é mais importante para vêzes. 11 Outrossim, quando o réu se con-
"as Côrtes e tribunais, que evitar a pu- fessa culpado, o jUiz pode dispensar o
"blicação de notícias inexatas; nada tem
"conseqüências mais perniciosas do que
"prevenir o .espírito do público pró ou 7 JEAN DUHAMEL menciona a sentença
que condenou o redator em chefe de um grande
"contra uma das partes, enquanto a jornal a três meses de prisão e o jornal à multa
"questão se· acha sub judice. Tais prá- pesadíssima de dez mil libras esterlinas, por
" ticas podem entravar a atenção de tes- contempt of cour!o pelo fato de ter notieiado,
em 4 de março de 1949, de forma escandalosa e
"temunhas e influir sôbre a opinião de sensacionalista, a prisão de pessoa suspeita de
"iurados. E para que todos possam pro- crime, com manchetes enormes e fot.ografias,
"ceder com tôdas as garantias possíveis, "formando um conjunt.o que desonra o jorna-
lismd inglês" (Caso Hugh). Ob. cit., pãg. 101.
"importa manter a pureza e clareza das 8 Na Escócia, porém os jurados têm uma
"Côrtes de Justiça".6 A participação in- terceira possibilidade. podendo afirmar "não
devida da imprensa nos julgamentos é provado" (not proven>. o que não eximirã o
culpado de novo julgamento, se surgirem novas
provas.
4 G. RADBRUCH, "EI espiritu deI derecho 9 KENNY's, "Outlines of criminal law",
inglês". trad., Madri, 1958. pãg. 25. 17." ed. preparada por J. W. C. TURNER, Cam-
. 5 ALBERT MORRIS. "Criminology", 1935, bridge, 1958, pãg. 567 .
pãg. 283: "the aim of both prosecutor and de- 10 KENNY. ob. cit., pág. 572: "(Tlle
fense is to uncover the trnth". judge) not only directs them as to any points
6 Apud JEAN DUHAMEL, "La justice dis- oí law that are involved in tlle case. but also
cutée", Paris. 1955. pãg. 100. Para Se ter uma advises them. thongh not imperatively. as to
idéia da Justiça inglêsa. basta dizer que rara- the bearing and value oí the evidence".
mente surge lá um processo de babeas corpus. 11 KENNY, ob. cIt., pág. 573.
22 REVISTA FORENSE

Júri e proferir a sentença. Se após os menta dos crimes de imprensa, tendo


debates o iuiz entender que a prova é sido mencionado como órgão do Poder
insuficiente, pode absolver o réu de pla- JUdiciário pela Constituição de 1824. O
no, dissolvendo o Júri. Cód. de Proc. Criminal, de 1832, admitiu
Vê-se, pois, que o Júri inglês é lar- o Júri de acusação ao lado do pequeno
gamente controlado pelo presidente, cuja Júri, sistema alterado pela lei de 3 de de-
atuação é por todos louvada. Por outro zembro de 1841, que aboliu o grande Júri.
lado, o sistema das provas legais, que vi- Com a lei n.o 2.033, de 20 de setembro
gora na Inglaterra, e as regras especiais de 1871, foi o Tribunal popular regula-
sôbre a admissibilidade das provas, rigo- mentado de forma definitiva. Mantido
rosament.e controladas pelo juiz, consti- pelas Constituições de 1891 e 1934, foi o
tuem notável limitação do Júri inglês e Júri grandemente alterado Delo dec.-lei
o distinguem nitidamente dos tribunais n.o 167, de 5 de janeiro de 1938, que su-
populares que, em outros países, procuram primiu a soberania dos veredictos. Com a
imitá-lo. 12 Constituição de 1946 (art. 141, § 28), r.eS-
4. Foi o Júri introduzido na França surgiu na forma conhecida em nosso di-
reito anterior, sendo hOje regulamentado
·com a Revolução de 1789, tendo sido, po- pela lei n.O 263, de 23 de fevereiro de
rém, grandemente alterado. Embora se 1948.
mantivesse a oralidade do processo -
que é, em v.erdade, essencial ao julga- 6. O primeiro grande argumento a
mento pelo Tribunal popular - dispen- favor do Júri é de índole política: afirma-
sou-se a unanimidade e pretendeu-se li- -se que o Tribunal popular é uma garan-
mitar a r,esposta dos jurados à matéria tia de liberdade contra a opressão, a in-
de fato, proibindo-se, com a lei de 1881, justiça e a tirania dos soberanos, e que
que o presidente do Júri resumisse os de- é da essência da democracia o julgamen-
bates. 13 Suprimiu-s.e o grande Júri, ou to do povo pelo povo. BLACKSTONE di-
Júri de acusação (do qual se teve, porém, zia: "The jury is the bulwark 01 northern
curta experiência, entre 1791 e 1808). liberty and the glory 01 the English law".
Pela extraordinária influência da legisla- A luta a favor dos jurados, como con-
ção e da cultura jurídica dêsse país, o quista política de liberdade, encontra no-
Júri, como adotado na França, difundiu- tável expressão na .eloqüência de CAR-
-se largamente, tendo sido levado à Itália RARA,15 que afirmava serem os jurados
pela dominação francesa, em 1797. 14 uma "dedução lógica de todo regime- de
5. No Brasil, surgiu o Júri com a govêrno livre". Inspirava os defensores
lei de 18 de junho de 1822, para o julga- do Júri nessa fase, aos quais sobr~vam
razões, o temor .:Qela arbitrariedade e sub-
serviência da magi:str-atura, nomeada pe-
12 Na "Enciclopédia Britânica", no verbete los gov.ernantes e dÓcU""àos seus desejos,
"practice and Procedure", vol. 18. pág. 406 (edi- sempre pronta a legalizar a tirania e a
ção de 1951), lê-se o seguinte: "Embora seja o
"Júri, na teoria legal. absoluto na matéria de injustiça do poder público.
"fato, êle é na prática largamente controlado É sob influência de tal concepção que
"pelos juízes. No julgamento, o juiz não ape- o Júri surge na França, como conquista
"nas decide quanto à relevância da prova a ser
"produzida, e quanto à admissibilidade das per- liberal, e é tão-sàment.e com base nestas
"guntas apresentadas às testemunhas, mas tam- idéias que muitos autores se manifesta-
"bêm aconselha o Júri sôbre a significação ló- vam e se manifestam a favor da' institui-
"gica das provas admitidas sôbre as questões
"a serem apreciadas pelo Tribunal. As regras ção, como o nosso RUI. BARBOSA. O
"sôbre a admissão das provas, grandemente ba- nosso legislador constituinte de 1946, Dor
"seadas na lógica escolástica, algumas vêzes uma reação até certo ponto explicável
"difíceis de aplicar e completamente desconhe-
"cidas do direito continental, aliadas ao direito (pOis vínhamos de uma ditadura), cedeu
"que tem o juiz inglês de apreciar a prova a êste argumento, que poderíamos cha-
"(negado aos juízes franceses) e de expressar mar de romântico, introduzindo o jUlga-
"sua pr6pria opinião sôbre o seu valor (negado
"aos juízes americanos), reduz a certo ponto a mento pelo Júri entre os direitos e ga-
"independência e limita as possibilidades de rantias individuais, justificando-o, assim,
"êrro do Júri". ' pelo aspecto político.
13 Sempre se exigiu, porém, na França, O Júri foi, s.em dúvida. um baluarte
uma certa maioria para as decisões. Esta maio-
ria era de 10, na lei de 1791 e no Code Brno contra a prepotência dos soberanos e êste
nlaire do ano IV; e até que entrou em vigor o foi seu grande significado histórico. 16
·Cód. de Instrução Criminal, em 1808; de 8, nas
,leis de 4 de março de 1831 e 28 de abril de
1832. e de 9, com o decreto' de 4 de março de 15 CARRARA, "Programa", § 916. CAR-
1848. Hoje vigora na França o sistema do MIGNANI, porém. opunha-se ao Júri, por julgar
·escabinado. inadmissível a decisão imotlvada.
14 Por esta razão, MANZINI, "Tratado", 16 O julgamento pelos pares é uma das
dt., pág. 181. diz que o Júri, introduzido na imposições consagradas pela Magna Charta
Itália, era uma "impostura francesa". (1215), no capítulo 39: "No freemau shall be
DOUTRINA 23

tendO' Desapa~eceram, porém, nos governos mo- é exercida, ,é por q"em é exercida a Jus-
poder dernos e nas organizações judiciárias em tiça, bem,colino na formação e origem dos
~24. O
vigor, os fundamentos políticos outrora ju.• . ,,:Assim i $e pronuncia MANUEL
~dmitiu
invocados pelos defensores da instituição, LOJi'EZ::'REY ~ROJO.19 Um corpo de
).equeno Com as garantias atualmente outorgadas . jurados, que teniharil instrução superior ou
i de de- aos magistrados e com a indepengência determinada renda, certamente não re-
,de Júri. que lhes é assegurada, ninguém ousaria presenta o po'\lo. Pode representá-lo um
,etembro temer a opressão e a tirania do Executivo, juiz independente; e culto, identificado
regula- As respostas a êste argumento são, as- com a consciência ético-jurídica da' Na-
MantidO sim, decisivas e tetminantes: ção. FERRI também dizia que não se
34, foi o '(a) Com o sistema de garantias ou- pode verdadeirarmente cqmpreender como
, dec.-lei. torgado pelas Constituições modernas 12 jurados, tomados ao ,azar, possam re-
, que su·· aos magistrados, a administração da presentar realmente a consciência popu-
5. Com ~L justiça deixou de ser uma questão po- lar, que tão freqüentemente protesta e
28)~,eS­ lítica e se converteu numa função téc- se revolta contra suas respostaS. 20
nos, ji- nica. Esta objeção foi .enunciada por (d) A independência do jurado é
,amentado SOLER, ao afirmar: "Num país onde o um mito. Não iresiste nem à tirania po-
,ereiro de "Poder Judiciário é independente dos lítica, nem à tirania do povo. Segundo
"outros departamentos do Govêrno ... o GARóFALO, na Inglaterra, nos séculos
yumento a "problema d.e instituir juizes permanen- XVI e XVII e na França, durante a Re-
~: afirma- "tes ou populares deixa de ser político volução e a Restauração, ,d Júri foi quase
lma 'garan- "e se converte em técnico",17 sempre o fiel servidor do mais poderoso:
:ssão, a ln- (b) FERRI, que foi, com seus com- êle se curva a tôdas as tiranias: às do
mos, e que panheiros da Escola Positiva, um dos trono e às da populaça. 21 Entre nós,..MO
) julgamen- mais tenazes opositores do Júri, na mes- interior, o Júri sempre foi submisso aos
~STONE di- ma ordem de idéias, afirmava que a ad- chefes políticos.
01 northern ministração da justiça é questão de ci- (e) Afirmava, ainda, FERRI que
:nglish ww". ência, que não pode ser resolvida, nem não há paralelo em sustentar que' o ci-
como con- com o ideal democrático, nem com o dadão, (assim como vota, deve julgar. O
~ncontra no- aristocrático, mas, apenas, COm o crité- cidadão vota para escolner um represen-
;ia de cAR- rio da cap~cid~de científica. 18. ; , tante, alguém q}Le tenha capacidade e
n os juradoS (o) So teoricamente os Jura~os re- competência supdstas, para fazer as leis:
lo regime de pr~sentam o po~o. Levados ao Tr~l?~al,_ a analogia do argumento levaria à e1e1-
)S defensores deIxam de sentir e atuar c~mo parcela çãodos magistrados e não ao Júri.
ais sobr!wam do povo, "como um pouco d'agua do m a r , '-- '
:iedade e sub;;;'", recolhida num vaso deixa de sentif "0--_ A pobreza e improcedência dêste ar-
nomeada pe- movimento das marés" (GABRIEL TAR- g~ é declarada, de forma insuspei-
, seus desejos, DE) . Afirma-se, por outro lado, que a ta, por um defensor do Júri, que é HÊ-
)a tirania e a índole democrática da Justiça não reside LIO TORNAGHI: "Que o Júri seja hoje
somente na forma de partiCipação popu- "uma garantia individual é coisa que
conc\., ~fí.o~ue lar, mas, especialmente, na maneira como "não mais se pode sustentar. .As razões
:omo conqUlsta "históricas que, em pleno feudalismo, fi-
lm base, nestas " zeram 'com que êle assumisse o papel de
No mesmo sentido, NÉLSON HUNGRIA, " paládio da liberdade, dando a todos um
se manif~st!l:­ 17
"Comentários ao Código Penal", Rio de Janeiro,
vor da instltul- 1949, vol. I, pág. 39. Ci. ainda, J. FREDERICO "julgamento por seus pares, desaparece-
BARBOSA. O MARQUES, "O Júri no Direito Brasileiro", São "ram nas sociedades modernas. Não há,
Paulo, 1955, pág. 47: "O Júri, levado ao conti- "pois, motivo para que figure ~~ Cons-
lte de 194?, }lor "nente europeu como reação à magistratura
lonto expllcave1 .. das monarquias absolutistas, perdeu seu as- "tituição, no capitulo "Dos direitos e das
iitadura) cedeu o< pecto político depois que o Judiciário adquiriu "garantias individuais". Fôsse essa a
"independência em face do Executivo; e des- única razão de ser do Júri e êle deveria
:>od,Bríamos cha- .. pido daquela auréola quase mística de "pala.
!luzindo o julga- "dlum da liberdade", para ser apreciado objeti- ser imediatamente abolido".22
)S direitos e ~a­ .. vamente como um dos órgãos da Justiça penal,
.. a sua inferioridade se tornou patente. Entre
lficando-o, asslm, .. o julgamento inspirado na lei e na razão, no 19 MANUEL LOPEZ-REY ARROJO, "Que
"direito e no conhecimento técnico, e aquêle es el delito?", Buenos Aires, 1947, pág. 216.
rida.um balu~rte .. ditado pelo arbítrio e pela intuição cega, não
.. há hesitação possível". 20 FERRI, "Sociologie Criminelle". pág. 538'.
s soberanos e este, 21 GARóF ALO, "Criminologie", trad., Pa-
icado hi.stórico. 16 , 18 FERRI, "Sociologie Criminelle", trad., ris, 1890, pág. 396. Assim também PARMELEE,
Paris. 1914, pág. 532. "Criminologia", trad., Madri, 1925, pág. 320.
22, HÉLIO' TORNAGHf, "Instituições", cit.,
'ama" § 916. CAR- arrested, or detained in prison, or deprived of pág. 308. Tanto é indepe'üdente o juiz togado
"e ao' Júri, por julgar his freehold or ontlawed or banished, or in any que os governantes, ao procurarem ter uma jus·
way molested; and we will not set forth against tiça dócil e sUbmiss?, estabelecem tribunais de
,)tl\'ada. hlm Dor send agalnst him, nnleSs by the lawful
< pares é· uma das exceção e especiais, como o famigerado Tribunal
'(~ela -r.lal~na Charta jud!,rement of his peers and by the law of the de Segurança Nacional. Cf. J. FREDERICO
Jand", MARQUES, "O Júri", cit., pág. 48.
":So freeman shall' be
.,
24 REVISTA FORENSE

7. Um novo ·argumento, porém, sur- Por outro lado, é um equívoco supor que dam(
giu, em defesa do Júri, apr.esentando, sem o jurado pode decidir, sobrepondo-'se à· ~<. que'
dúvida, maior consistência. Afirma-se .Lei, apenas com o senso comum. As ques- \ latin
que, por meio do Tribunal popular, a tões judiciais são sempre complexas e canO:
Justiça toma contato com a terra, pene- exigem um senso pouco comum para re- uma
trando o julgamento de considerações solvê-las. 25 ciom
éticas, psicológicas, ,econômicas, etc. per- (c) O profissionalismo do juiz to- dend
mitindo que se introduza a eqüidade nas gado é, sem dúvida, paralisado ou dimi- fenô:
decisões. O juiz togado, diz-se, perde-se nuído pela publicidade do processo, pela belec
no mundo dos Códigos e dos parágrafos, motivação da sentença e pelos recursos que
tornando-se um frio aplicador da lei. O que contra ela podem ser opostos. 26 O titui,
jurado, que não conhece a lei, julga com juiz togado não decide em única instân- forro
o seu senso comum, colocando-se acima cia; não decide por sim ou não, como' o porq
da lei, para realização da verdadeira ius- Júri. Não decide de acôrdo com provas
tiça, ajustando-a ao caso concr.eto. legaiS, firmando sua convicção pela livre limii
Esta argumentação é, em tese, sedu- apreciação da prova, como o Júri. Não di do
tora. É curioso notar que ela surgiu re- julga, porém, como o Júri, por íntima dos,
centemente, não apar,ecendo nos grandes convicção: deve dar as razõ.es por que
defensores do Júri do século passado e da decide; deve informar ao acusado e à so- disp
primeira parte dêste, salvo poucas exce- ciedade quais as razões pelas quais con-
ções. COIliStitui uma dúvida levantada dena ou absolv.e, vale dizer, quais as pro- tam
contra os juízes togados e sua forma de vas recolhidas e qual o valór dessas pro- fessi
fazer justiça, no plano pràpriamente téc- vas. E de sua decisão cabem recursos,
nico .e humano de sua realização. todos tendentes a garantir a plenitude da glat
Há um fundo de verdade na afirma- defesa e a correção da sentença. indf
ção de que o juiz preocupa-se apenas com (d) Não é verdade qu.e haja insen- din
,,\"',!>,.w.:r '
o cumprimento da lei, ou seja, com a rea- sibilidade do julgador profissional. CAR-
lização da justiça como s.e acha cristali- NELUTTI afirma ser mais freqüente do zido
zada na norma. E tal justiça pode não que se supõe a influência do direito na- nós,
corresponder à hipótese em julgamento. tural nas decisã.es judiciais, porque o ria.
Não se pode, outrossim, menosprezar o juiz, antes de decidir, enquadra o fato no expl
temor do profissionalismo do juiz togado, plano ético e conduz freqüentemente a adrr
o qual pode dar-lhe certa insensibilidade apreciação da prova no sentido da reali- Júrl
aos problemas humanos que a prática do zação da Justiça. A acusação de insensi-
crime lhe apresenta. Responde-se, po- bilidade é, geralmente, inspirada na maior aos
rém, ao argumento, com as seguintes oh- severidade do juiz. togado. Esta consti- / soa,
j.eções: tui, porém, apenas,como diz JOSÉ FRE- c

DERICO MARQUES, o repúdio à impu- serr:


(a) Os defeitos, os vícios e as fa- nidade.
lhas do Júri jamais dariam solução às (e) A lei não é um emaranhado frio
gun
deficiências do juiz togado. de parágrafos, de que o juiz séja .e5cravo. bat'
(b) As soluções extralegais, dadas A ciência penal moderna orienta-se de- exiE
pelOS jurados, desprestigiam a Justiça. cisivamente no sentido da especial valo- Bra
geram a intranqüilidade .e solapam as ração da culpabilidade, o que proporciona
instituições. 23 Dizia BENTHAM que é ao julgador cada vez maiores recursos téc- mel
melhor pôr o remédio na lei do que na nicos para a realização da Justiçã. A teo- O j
sublevação da lei. Entre nós, muitas ab- ria normativa da culpabilidade, a não- bre
solvições ,escandalosas e aparentemente -exibilidade de outra conduta, a analo- seg
injustificadas, como o famoso caso Olga gia in banam partem, a antijuridicidade dêr
Sueli, e, mais recentemente, o caso do material, constituem recursos técnicos que sen
padre Hosannah, trazem a confiança na temperam, muita vez, o rigor do texto. ma'
impunidade, a desconfiança na tutela ju- mu
rídica, a descrença no poder público e 8. Invertendo, agora, o .método de lon
são de conseqüências imprevisíveis. A nossa .exposição, vamos examinar, com a ma
isto se reteria AFRANIO PEIXOTO: "O possível objetividade, os seríssimos argu- pre
"mal do Júri é que desmoraliza a Jus- mentos apresentados pelOS que se opõem à
"tiça, dando a insegurança social e a instituição do Júri, começando com uma ent
"tendência à barbárie, de cada um se verdadeira preliminar. Est
" defender. .. Cada criminoso desculpado: Afirma-se que o Júri é instituição pe- ex!:
"multidão de culpados em perspectiva".24 culiar ao povo inglês, exigindo um funda- são

23 FERRI, "Sociologie Criminelle", pág. 532., 25 GAVIOLA, "O processo pelo Júri", ln
24 AFRÂNIO PEIXOTO, "Criminologia", "REVISTA FORENSE", vol. 83, ,pág. 244. pág
São Paulo, 1936, pág. 262. 26 FERRI, ob. cit., pág. 546.
lpor que: dameríto psicólógico, cúlturaI e Jurídico,. tàm a liberdád.e. Não' eXiste no Brasil lei
ldo-"se à' que dificilmente se encontra nos países que permita apurar a responsabilidade
As ques- latinos, e, menos ainda, nos ibero-ameri-' pelos crimes praticádos através da im-
)lexas e. canos. 21 Como acima ficou dito (n. o 3), prensa. Muito menos existe entr,e nós
para re- uma série de peculiaridades cerca o fun,.. consciência da verdadeira missão da im-
cionamento do Júri na Inglaterra, po- prensa e são muitos; os jornais e revistas
juiz to- d~ndo-se dizer que o Júri inglês é um que viv,em do sensacionalismo em tôrno
m dimi- fenômeno histórico. O Júri que se esta- a~ c~me, influen;:iando, assim, a opinião
,so, pela beleceu na França é uma contrafação do pubhca e a decisao dos jurados. A cam-
recursos que existia na Inglaterra; 28 é uma ins- panha feita impunemente pela imprensa
OS.26 O tituição mutilada e deformada que, de no recente caso Aida Cúri dispens,a maio-'
instân- forma àIguma, pode atender aos seus fins, reS comentários. Se' o sensacionalismo
como o porque: é a forma patOlógica da imprensa. então,
1 provas (a) A função do juiz-presidente foi no Brasil, ~~a certa imprensa está quase
ela livre limitada e desvirtuada, sendo-lhe impe- sempre enferma .
.ri. Não dido compensar as deficiências dos jura- A ?r~lidade 90 processo é, sem qual-
, ínt';'''7Ja
por 1e dos, advertindo-os, aconselhando-os ou quer duvIda possIvel, um dos mais genuí-
dispensando-os; nos e importantes elementos do julga-
I e à so- (b) O juiz não pode aplicar imedia- menta p.elo Júri. O sistema da oralidade
ais can- tamente a pena quando o réu se con- faz com que as declarações perante os
as pro- fessa culpado; tribUllais só sejam válidas, quando feitas
sas pro- (c) O jurado não está, como na In- oralmente. Entre nós, salvo casos excep-
recursos, glaterra, protegido contra as influências' cionais, os jurados não ouvem as teste-
itude da. indevidas da imprensa e dos meios de munhas e os peritos, tomando co~i­
divulgação; mento de suas declarações escritas atra-
a insen- (d) O núm.ero de jurados foi redu- vés da longa, monótona e enfadonha lei-
I. CAR- zido para nove Ou para sete, como entre' t~ra feita ~lo juiz-presidente, a quem
tente do nós, e a decisão dá-se por simples maio- nao se p.ermIte sublinhar o que é impor-
eito na- ria. A condenação por 4 x 3 é a própria; tante. ( Como diz JO$É FREDERICO
arque o expressão da duvida .e jamais poderia ser MARQUES, com extrema precisão "o
fato no admitida; "convencimento' do jurado, para ser' sin-
nente a (e) A oralidade, que é essencial ao "cera, deve brottt r do cantata direto com
ia reali- Júri, foi suprimida, estando hoje limitada " a prova. D.epOIs de ouvir o que narram
insensi- aos debates; ____c:_._ "as te:stemunhas .e'ésclarecem os peritos;
la maior (f) O jurado é escolhido .entre pes- "depolS de presenciar a reprodução dos
, consti- soas que não estão em condições de de- "fatos feita ao vivo é que o juiz leigo,
~É FRE-
à impu- sempenhar a difícil tarefa de julgar. _._~ _essas Iip.p~essões, terá de tudo uma
É inegáv.el a procedência dêstes ar- .. v~::;~panoramlCa, que lhe norteie a de-
lado frio gumentos, que não se destinam a com- "cisão. O julgamento através de peças
,escravo. bater o Júri, mas o simulacro de Júri que "probatórias mumificadas no procedi-
a-se de- eXiste em muitos países inclusiv.e no "mento escrito, é um julgamento anali-
iaI v~r-·,
Brasil. ' "tico e escolástico, dedutivo e 'frio, que
porcÍ0_ ,<I. A unanimidade da decisão é um ele- " por isso mesmo, não se casa com as qua~
rsos téc- me:nto de seguro contrôle dos veredictos.' :; ~ida~e~ do Júri, onde o bom senso e a
. A teo- O Julgamento conforme de 12 pessoas sô- . ,IntUlçao, co~ocados em plano predomi-
a não- bre os mesmos fatos é indício de maior :: na~t~, é que inspirarão o juízo sôbre a
L analo-
segurança .e certeza :da decisão. A ten- especIe. O processo formativo da con-
dicidade dência, porém, nos Estados Unidos, é no "vicção do jurado sõmente na oralidade
licos que sen~id? de s'll:bstituir a unanimidade pela :: plepa. ;,ncontra seu clima e ambiente
[) texto. ma~orIa ~e CInCO ~extos, ou seja 10, pois proprIO.:9 . .
mUltas vezes um so jurado impede e pro- . A oralidade, entre nos, e apenas do
,todo de longa inutilm.ente o julgamento. Uma d,ebate feito pelas partes, o qual é neces-
" com a maioria substancial é sem dúvida im- sariamente tendencioso, visando cada
)S argu- prescindível e reclamáda por todos.' uma à vitória de sua causa.
opõem à A influê12cia pe~niciosa da imprensa, 9. A função de julgar é uma função
lm uma entre nós, nao preCIsa de demonstração. técnica, sendo o resultado de um exame
Es~amos long.e de sonhar com o regime crítico muito compLexo: 30 administrar
.ição pe- e~lStente na Ingla:t~rra, em qu~ a repres- justiça penal é hoje tarefa muito mais
l funda- sao aos abusos da Imprensa nao lhe afe- delicada e difícil, que ~xige um número
Júri" ln 21 MANUEL LOPEZ-REY ARROJO ob cit.,
244. ' 29 J. FREDERÍCO MARQUES, ob. cit.,
pág. 215. . ' . pág. 1'38.
28 FERRI, ob. cit., pág. 532. 30 FERRI, ob. clt., pág. 550.
26 REVISTA FORENSE

maior de conhecimentos cada dia. 31 A técnica dos qu.esitos tenha' permitido es-
Justiça penal orienta-se no sentido da tabelecer questões simples sôbre os fatos,
especialização do juiz; da cultura técnica o juízo sôbre a culpabilidade e a antiju-
nas ciências penais e auxiliares; de uma ridicidade é, por certo, eminentemente
indagação antropológica e pSicológica jurídico.
acurada do homem delinqüente, além de É claro, porém, que não serão apenas
.exigir, para apreciação da prova, expe- as questões de direito que deixarão os
riência e espírito crítico, que o jurado jurados em dificuldad.es, mas também as
raramente possui. ALTAVILLA, opondo- questões técnicas, o que lhes torna prà-
-se ao Júri, afirmava que "ao jurado falta ticamente impossível analisar a prova
"tôda cultura técnica, falta aquêle ôlho pericial. Questões de criminalística e
"clínico, que só uma longa experiência médico:"legais são questões científicas e
"pode criar, d.e maneira que se deixa nelas o jurado leigo jamais poderia ori-
"guiar pelo seu natural bom senso, o entar-se com segurança. Mesmo diante
"qual, por vêzes, o leva muito longe da dos altos padrões do Júri inglês, KENNY
" verdade".32 chega a dizer que nos assuntos científicos
Ninguém pode esperar que o leigo complicados, como o da sanidade mental
possa decidir assuntos que lhe são estra- do acusado, o jUlgamento pelo Júri teria
nhos, especialmente quando homens há- pouca superioridade sôbr.e o jUlgamento
beis e exnerimentados usam tôda a sua pelas ordálias, se não fôsse pela atuação
argúcia e' experiência para iludi-los. do juiz-presidente, ao apreciar a prova. 35
10. Não é possível separar a matéria 11. As dificuldades dos jurados não
de fato e a matéria de direito. Esta é se limitam às questões técnicas, jurídicas
uma das ilusõ.es introduzidas pelo siste- ou não: a apreciação dos fatos, diante
ma francês, tendo dado lugar a dúvidas de uma prova controvertida, oferece, mui-
intransponíveis, para a nítida separação tas vêzes, dificuldades muito mais gra-
dos conceitos. Os conceitos jurídicos são ves. Nada sabe o juiz leigo da teoria das
sempre conceitos normativos, e as nor- provas, nem da psicologia dos testemu-
mas jurídicas expressam sempr.e valores. nhos. Falta-lhe poder de atenção e não
Não é possível contemplar os fatos ou a ouve a leitura do processo, como deve-
realidade a que a norma se refere, fora ria. 36 Impressiona-se fàcilmente com
do prisma da valoração jurídica. que lhes coisas insignificantes, deixando de a,ten-
empresta significado e relevância para o tar em coisas de r.eal importância. ; To-
direito. FERRI, aliás,dizia que a distin- dos se lembram, no julgamento do caso
ção entre o fato e o direito é quimérica. Bandeira, a impressão causada nos jura-
O Júri se ocupa do delito, que é um fato dos pela exibição da camisa que a vítima
jurídico. 33 Entre muitas opiniões nesse vestia no momento do crime. Como diz
sentido, basta reproduzir a de BETTIOL, ALTAVILLA, a segurança ,de um denun-
pela clareza e segurança na colocação do ciante, o tom em que falà um acusado,
probl.ema: "A apreciação de qualquer fato uma contradição insignificante, podem
"juridicamente relevante importa por si persuadi-lo a absolver ou a condenar.
"mesma em um juízo de valoração ju- Os advogados, no Júri, tudo fazem
"rídica, mesmo que sé não encontr.e um para induzir os jurados a superestimar
"preceito legal particular em que se pos- detalhes de somenos e emprestando a
"sa enquadrar o próprio fato. Repito, máxima r.elevância a fatos secundários,
"portanto, qu.e essa pOSSibilidade de dis- que beneficiam o réu. Conforme seu
"tinguir o fato do direito, como se pu- maior ou menor talento nesse torneio,
"déssemos. com tal cimitarra de Buda, muitas vêzes atingem o fim colimado.
"separar dois mundos diferentes, é coisa É impr,essionante comparar a defesa que
"relegada ao campo da mitologia jurídi- é feita perante o Júri, com a que se faz
"ca, ao campo das concepções qu.e já ti- ante o juiz togadO. No Júri todos os re-
"veram seu prestígio, mas a que faltam cursos são lícitos, desde que sirvam para
"hoje quaisquer títulos para serem to- convencer os jurados. GARõFALO já 1
"madas em consideração".34 Embora a dizia qu.e freqüentemente os advogadOS t-
tudo fazem para introduzir a dúvida no i
31 ASúA, "EI juez penal", in "EI Crimi,
espírito dos jurados, afirmando fatos 1
nalista", tomo III, pág. 101: "O juiz leigo fica ç
"sem papel na Justiça criminal de hoje. Pro-
"nuncio-me em resoluta repulsa ao jurado". 35 KENNY, ob. cit., pág. 566.
32 ALTAYILLA, "Psicologia Judiciária", 36 PARMELEE, ob. cit., pág. 318.
Coimbra, 1944, voI. 4, pág. 325.
33 FERRI, ob. cit., pág. 543. CARRARA proclamava que se devia terminar J
34 Apud J. FREDERICO MARQUES, ob. "con questa ipocrisia dei 'giuratl giudicl esclu- ~,
cit., pág. 143. O mesmo autor observa que slvamente deI fatto, Ipocrlsla che ,lcsta 11 riso". j
DOUTRINA' .

I es- completamente imagJnáries. Na Ingla- . O ésc.Uâdo @ aihda o sistema que


atos, terra, porém, tais expedientes são defesos vigora na Alem~a, na Suíça, na Itália,
tiju- ao ap.vogado, que não pode recorrer ao na Noruega,: na lRússia oe na Iugoslávia.59
lente jõgo das emoções, levando o Júri a apie- Não exíste Júri émqualquer pais da Amé-
dar-se da sorte do réu e de sua família. 57 ,rica latina (com e'xceção do México, pa:ra
lenas O próprio juiz togadp, após a atuação de os crimes de imprensa). Desconhecem-
o os hábeis advogados, tem, muitas vêzes, di- -no também a HO'landa'~ a Espanha e Por-
mas ficuldades no exame da prova, e na busca tugal.
prà- da verdade. Os jurados, que não têm Nos EstadoslUnidos, é notável a opb-
)rova contato direto com a prova e que somen- sição feita ao Júri por grandes criminó-
ca ,e te ouvem os debates, julgam em estado logos. BARNES e TEETERS, enfàtica-
:as e de perpleXidade e. constantement.e erram. mente, sustentam a tese de que "o moder-
ori- Estão os jurados: sujeitos a tôda sorte no julgamento pelo Júri 'é um dos muitos
iante de influências. Uma vez sorteada a lista anacronismps que tumultuam o nosso sio$-
m~ de jurados, começa uma infindável "ca- tema de direito criminal e de filosofia
ífict? ~~
bala", com as lamentações que a todos penal. Pensamos que êle deve ser com-
lenta. são feitas pela mãe, os filhos, a mulher e pletamente abolido".4Q Em obra anterior,
teria parentes do réu. Isto é verdadeira pra- BARNES havia dito que "o menos que se
nento ga. S,em saber se vai julga:r o caso, o pode dizer é que o Júri é pouco mais ci-
uação jurado que consta da lista mensal é "ca- entífico do' que ;asantigas ordálias e due-
)va. 85 tequizado" por tôdas as formas. E quan- los judiciários, I, e que o I elemento de
s não tos não cedem a tais influências? Faci- chance que envolve é tão grande como
ídicas lita o aliciamento dos jurados o fato de naquelas .velhas prátieas".41
iiante o assassino aguardar longos anos pelo O grande Jú:ri foi abolido em q~
, mui- julgamento, sofrendo as ansiedades do todos os EstadosdaUil.ião Americana.
gra- proc.esso, inspirando compaixão e pieda- Na Justiça federal e em vários Estados,
ia das de. E, como dizia LANZA, a piedade é conced.e-se hoje ao réu o priVilégiO de
temu- mãe da clemência e do perdão. escolher entre o julgamento pelo Júri e
e não A justiça que, fazem os jurados, em / pelo juiz togado. Nos Estados em que
deve- tais, condições, é apenas uma caricatura ; esta prática .está em vigor há vários anos,
com de justiça, decidindo por sim ou não e como em' Maryla'rid: Connecticut, Wis-
aten- sem ter: sequer o espírito disciplinado por consin e Michigall, os resultados são sur-
To- um sentimento de responsabilidade e de preendentes. ALBERJ' MORRIS informa
D caso cuidado, que a necessidade de umaffiõti:; - que 90% dos casos-i;m M,!L~land e 70%
: jura- vação ,faz surgir no espírito do homem dos casos em 9onnectl(~u~ sao Julgados, por
vítima de inteligência e de consciência (ALTA;;;--....escolha do re~, p~lo JUIZ togado. 42, Por
no diz VILLA) olltroJado, o numero de casos subtraldo ao
lenun- . julgamênto pe~o Júri, por confessar-se
:usado, ,12. 'o Júri é uma instituicão em culpado o réu, é imenso, especialmente
pode~, d~cadência· no mundo int~iro, com exce- pelos acôrdos entre acusação e defesa,
:nar.! çao da Inglaterra. São poucos os autor.es para que o acusado se eonf.esse culpado
fazem que se animam a defendê-la. Vem o Júri de crime menos grave, para eVitár, desta
~stimar desaparecendo, paulatinamente, da le- forma. o- julgamento' pelO JÚrÍ. WOOD
.ndoa gislação p.enal, dando lugar ao escabina- . e' WAITE afirmam que "a proporção de
ldários, do, que é, ao contrário,' instituição em " condenações por crime, que resultam da
le seu franco desenvolvimento. "confissão d.e culpa, em vez de julga-
;orneio, íNa França, pátria das liberdades in-. "mento pelo Júri, é apenas assombrosa.
imado. dividuais, o Júri desapareceu desde 1941,! "Em alguns lugares, sobe a 95%. A mé-
~sa que sendo :substituído pelo escabinado, que
se faz foi acolhido também pelo recent.e Código 39 Muitos autores, porém, têm-se insurgido
: os re- de Proc. Penal ANDRÉ VITU, reprodu- contrá o escabinado, pretendendo entregar à
m para zindo a opinião dOminante na doutrina, Justiça criminal.
magistratura ordinária tôda a administração da
!LO já Cf. - PETROCELLI, "Per la
reconhece que "la preuve tirée des statis- soppressione della Corte d'Assise", in "Saggi di
\Togados tiques établissait que la justice criminelle Diritto penale", Pádua, 1952, pág. 612: "II tempo
\Tida no issue de la réforme operée en 1941, do..: l1a superato sia te ragioni cl1e ispirarono in
fatos nnait finalement de meilleurs résultats Italia l'istituto dei giurati, sia quelle, invero
assai piil modeste e dlscntibili, che condnssero
qu' auparavant" .38 all'lbrido attnale sistem.a deWassessorato".
40 BARNElõi. e TEETE~S, "New Horlzons
ln Crirhinology", 1943, pág'l 363: "'Ve think It
37 GARóFALO, ob. cit.. pág. 391. shonld be completeJy abolisbed".
38 ANDRÉ VITU, "La cour d'assizes dans 41 BARNES, "Tp.e rep!.ession of crime",
terminar Je Code de· Procedure Pénale", in "Revue de 1926, pág. 185. -
lei esdu.' Science. Criminelle et de Droit Pénal Comparé", 42 ALBERT MORRIS, "Criminology", 1935,
iI riso". 1959, !l.? 3,. pág. 1, pág. 286.
28 REVISTAli'ORENSE

"dia em todo o país é de 85%. As con- "competirem novidade com as ordálias e


"denações pelo Júri repres.entam· menos "os duelos judiciários. Sob o ponto de·
"de 15% do número total de condena-' "vista técnico da distribuição da justiçar
". ÇÕ€S".4S Daí ·dizer SUTHERLAND que "já não há em doutrina uma 'Só opinião
o problema do Júri não é considerado H· que se aventure a defender essa anti-
importante, como o foi anteriormente. 44 "galha, nos seus moldes clássicos, Com
MORRIS conclui que a eliminação do jul- "seus juízes, imprOvisados e escolhidos
gamento pelo Júri, com a confissão de "por sorteio, em gritante contraste com
culpa, colocou o trabalho dêste em plano "a natur,eza técnica e crítica do direito
secundário, .e que "a prática crescente de "e processo penais contemporâneos; com
"permitir ao réu recusar o jUlgamento "os seus veredicta sem qualquer motiva-
"pelo Júri em favor do julgamento ape- " ção e 'Sem uniformidade, dependendo da
"nas pelo juiz, está fazendo com que o "maior ou menor impressão causada pe-
" Júri se desvaneça até o desaparecimen- "los golpes teatrais dos advogados de de-
"to. ~le se move no sentido da extin- "fesa, acarretando a insegurança ,e o
" ção".45 O mesmo prognóstico vamos "descrédito da Justiça penal e afrou-
encontrar em RAYMOND MOLEY, quan- "xando a política de prevenção do crime
do escreve que "os fatos que se podem "pela ameaça da pena;' com a sua alar-
"averiguar mostram uma tão positiva "mante parcialidade em favor dos cha-
"tendência para o declínio dó uso do "mados passionais; com sua fácil permea-
"Júri, que não é mais o caso de perder- l<bilidade a interêsses e paixões de cará-
"mos nossos esforços argumentando sô- "ter espúrio, o Júri representa uma ins-
"bre a abolição de uma coisa que real- "tituição irremissivelmente falida".41
'.' mente está abolindo a si mesma; nem ~te julgamento do Tribunal popular,
"de propormos' substitutos ou .remédios sem dúvida, transitou em julgado. Em
"para uma instituição que está afetada síntese, o Júri está em contradição com
"de moléstia mortal. O Júri criminal a regra universal da vida pública ,e pri-
"talvez já esteja no crepúsculo das ins- vada, segundo a qual as tarefas devem
"tituições condenadas".46 ser executadas pelOS mais capazes (FER-
~ste declínio do Júri num país for- RI).
temente impregnado da tradição jurídica 13, Cumpre concluir. A d.efesa da
anglo-saxônica não pode deixar de ser instituição do Júri não pode lser levada
significativo. É o eco que se esperava ao a sério: é realmente uma instituiçíio ana-
r,epúdio que no mundo inteiro vem 'So- crônica e deficiente. O único -rugar do
frendo o Tribunal popular. É lamentá- mundo onde isto não ocorre é aquêle em
vel que a legislação brasileira, depOis do que é ela submetida a rigoroso' contrôle
progre::·so notável que representou o de- pelos juíz.es -togados, apresentando-se em
creto-lei n,o 167, que eliminou à sobera- circunstâncias exce'N.ionais.
nia do Júri, tivesse involuído a Um .estado A judicatura criminal evolui no sen-
de deplorável atraso na solução do pro- tido oposto: propõe-se a especialização
blema. Nem se pode deixar de mencio-
nar que a desastrosa experiência dos jú-
ris de economia popular dificilmente po- 41 NÉLSON HUNGRIA, ob, cit., pág. 39.
derá ser contestada. Já no século passado, MACEDO SOARES. no Su-
premo Tribunal Federal, declarava: "O Júri em
NÉLSON HUNGRIA, que é, entre nós, .. teoria é uma excrescência, uma superfetação
.. em qualquer organização judiciária séria. Na
o grande inimigo do Júri, com sua gran- "prática, êsse decantado paládio das liberdades
de autoridade, já colocou admiravelmente "públicas nunca passou, entre nós e entre todos
a questão, ao dizer: "A justiça exercida .. os demais povos da raça latina, de um tribu-
.. nal de inconscientes, completamente ignoran-
"pelo Tribunal do Júri deixou de ser, na .. tes dos princípios e das regras do direito e da
"atualidade, uma questão de carát,er po- .. técnica jurídica, a ponto de não entenderem
"lítico, para ser um problema exclusivo "os seus membros, em geral, os debates trava-
.. dos; nem os quesitos de fato propostos à sua
"de processualística penal. Presente- "solução pelo presidente; nem prestam atenção
"mente, o Júri (nas suas linhas tradi- "à leitura do processo, sempre fastidiosa; e de-
"cionais) é uma velharia que só pode .. cidem da autoria, da co-autoria, da tentativa,
"do crime falho, das circunstâncias justificati-
". vas, agravantes e atenuantes; resolvem as mais
"graves questões criminológicas com a maior
43 WOODWAITE, "Crime and its treat- .. severidade e cômica gravidade, e ficam con-
ment", 1941, pág. 236, ~'vencidos que decidiram- qu~stões de fato. como
44 SUTHERLAND, "Principios de Crimino- "lhes ensinam e doutrinam os partidários do
logia", trad., 1949, pág, 329. : .. Juri, e como se fôsse possível separar do fato
45 MORRIS, ob, cit" pág, 286: "It is mov- .. o direito, e indiferente ao jurado julgar do
ing toward extintion". .. crime sem prestar atenção à pena correspon-
.. dente. O Júri deve. ser abolido: reclamam-no
46 RA YMOND MOLEY, "Our crimInal .. a Justiça, o bom senso e a gravidade das Ins-
courts", pág, 112, cito por BARNES e TEETERS, .. tituições nacionais" ,.(uJurlsprudência do Su-
pág. 346, premo Tribunal Federal", 1899, pág. 357).
DOUTRINA 29
Irdálias e
ponto de,
:t justiça".
dos juízes e sua cultura técnica em ciên- um caminho para chegar-se à situação
) opiniãO! das r,elacionadas com o crime. As defi- ." desejável para a mâgistratura criminal.
ssa anti-. ciências, que se encontram' na própria . Já o temos, entre nós, na vigente Lei de
os. Com condição do· juiz profissional, vêm sendo"· Imprensa. . No estado presente de' nossa
,scolhidOE: compensadas em todos os centros dê legislação, não temos dúvida em apontar
as te com. avançada cultura jurídica, pela institui- ê..'lte caminho como 'o mais aconselhável
lo direito 'ção do escabinado, que reúne" juízes to- para resolver a tormentosa questão, dan-
eos; com, :gados e assessores leigos, na apreciação do à nossa .organização judiciária ele-
, motiva-· conjunta do fato e do direito. O escabi- mentos que a ,tomem mais ,eficiente na
dendo da nado .constitui solução de compromisso e realização dos fins da. Justiça punitiva.
/
lsada pe_.
c>s de de ..
nça ,e o
e afrou·.
do (r"-'1e
sua~ .r··
dos cha-
. permea·.
d.e cará··
uma ins··
.da".41
."popular,
tdo. Em
ição com
ca ,e pri ..
ts devem
es (FER··
/
!.efesa da
~r levada
ição ana··
lugar do
.quêle em
contrôle
do-se em ,'--
,
.• -.~
l no sen ..
~ializaçã()

,pá; 19 •
.ES. Il. Su-
o Júri em
uperfetação
séria. Na
liberdades
mtre todos
um tribu-
e ignoran-
ireito e da
mtenderem
,ates trava:·
,stos à sua
,m atenção
iiosa; e de-
tentativa.,
justificaU-
'm as mais
1 a maior
ficam con-
fato, como
ddãrios do
'ar do fato.
julgar do
correspon-
,clamam-no
:le das ins-
I
ia do Su-
357). :-~
Nota de Christiano Fragoso:

Esta é a versão original e integral do artigo


publicado na Revista Forense, n.º 193, jan./mar.
1961, p. 20-29. Aqui, Heleno Fragoso, com 35 anos,
tecia críticas ao Tribunal do Júri, passando a ser
visto, de modo geral, como um antagonista daquela
instituição. Em sua maturidade intelectual, todavia,
Heleno Fragoso reviu esta posição, como se vê em
sua entrevista concedida à Revista Veja em
dezembro de 1980, também publicada neste site
(www.fragoso.com.br), por entender que a justiça
popular não era pior do que a justiça técnica,
devendo, mesmo com suas vicissitudes, ser mantida.
Não há dúvida, no entanto, de que algumas críticas
por ele feitas se mantêm presentes, como, por
exemplo, a impropriedade de uma condenação
fundada em um quorum de 4 a 3.

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