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A ARTE DE CONTAR
HISTÓRIAS COM MÚSICA
e m 9 p a s sos
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ÍNDICE

Pra c omeçar 4
In trod ução/ C omo su rgem a s hi s t ó r i a s 5
A i mportânci a d e ou v i r e conta r h i s t ó r i a s 6
S obr e a ar te d e conta r hi stóri a s 7
O cam i nho d o conta d or d e hi st ó r i a s c o n t e m po râ n e o 8
9 passos / Passo 1 – C onh eça se u pú bl i c o 9
Passo 2 – B u squ e sua p róp ri a l i n g u a g e m 10
Passo 3 – Es col ha o tex to – co m po n h a s e u r e pe r t ó r i o 11
Passo 4 - As si mi l e a h i stóri a e t ra ba l h e o t e x t o 12
Passo 5 - Aprend a a u sa r a v oz 13
Passo 6 - So l te o corp o e entre g u e - s e a o pu bl i c o 14
Passo 7 – D esp erte em v ocê o s u j e i t o m u s i ca l 15
Passo 8 – I nsi ra a músi ca em s u a pe r f o r m a n c e 16
Passo 9 – Cri e sua p erf orma nce 18
Tex to - Bô n u s - Crie s e u e s pe tá cu lo de c on tação de hist órias c om m úsica 19

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PRA COMEÇAR
Por meio deste e-book, pretendo compartilhar com todos os interessados na arte
de contar histórias com música, a experiência vivida por mim ao longo de 40 anos
dedicados à infância por meio da palavra. Da palavra cantada por via da canção; da
palavra dramatizada, por meio do teatro; da palavra escrita mediante a autoria de
livros infantis; da palavra falada, por intemédio da arte de contar histórias.

Na introdução, disponibilizo fundamentação teórica sobre o tema e, a seguir, 9


passos para a criação de sua performance. Aos mais entusiasmados, ofereço, no final
deste livro, um texto-bônus intitulado: “Crie seu espetáculo de contação de histórias
com música.”

Consciente do caráter introdutório deste documento frente a riqueza e a com-


plexidade do assunto, desejo que o leitor desfrute das ideias aqui apresentadas e
que estas lhe sirvão de estímulo ao seu ingresso ou ao seu aprimoramento na arte
de contar histórias.

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INTRODUÇÃO

COMO SURGEM AS
HISTÓRIAS?
Segundo Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Sapiens – uma breve história
da humanidade”, as histórias começam a ser contadas entre 70 e 30 mil anos atrás
aproximadamente, quando o homo sapiens protagonizava a revolução cognitiva,
dando origem à linguagem verbal. Gestos, gritos e grunhidos cedem lugar à palavra,
sofisticando gradualmente a comunicação entre pessoas, tribos e comunidades. As-
sim, os humanos podem não somente narrar verbalmente suas próprias experiências
ou as de outrem, mas também falar sobre coisas inexistentes. Ao longo de milênios,
narrativas ficcionais ajudam a fundar diferentes sociedades, culturas, religiões, im-
périos, reinados, governos e instituições.

Histórias oriundas da experiência humana, vividas e contadas por pessoas sim-


ples, a exemplo de camponeses, amas e marujos, vão, de geração em geração, ga-
nhando materialidade e, conforme seus diferentes temas e usos sociais, apresentam
distintas estruturas e formas narrativas, dando origem aos contos populares, mitos,
lendas, fábulas, poemas, contos de fadas, entre outros.

Essas distintas categorias do conto tradicional, a quem Paul Sébillo, em 1881,


chamou de Literatura Oral, ao lado de provérbios, orações, brinquedos cantados,
parlendas, acalantos, fábulas, entre outras categorias, compõem a tradição oral de
um povo, uma nação ou comunidade.

As narrativas tradicionais, somadas às histórias autorais – surgidas a partir do


século XVI com o advento da cultura livresca –, constituem a matéria-prima da arte
de contar histórias.

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A IMPORTÂNCIA DE OUVIR
E CONTAR HISTÓRIAS
As histórias existem para tornar a vida das pessoas mais interessante, rica de
significados e plena de sentidos.
Fanny Abramovich, em seu livro “Literatura infantil – gostosuras e bobices” diz:
“Ouvir e contar histórias é viver um momento de gostosura, de prazer, de divertimen-
to dos melhores... É encantamento, maravilhamento, sedução...”.
Segundo a autora, a história contada é o livro da criança que ainda não lê, o que
torna as narrativas orais um excelente meio de formar leitores. Ser leitor é descobrir
o mundo através da palavra escrita. Ser um bom ouvinte de histórias é desvendar a
beleza e os mistérios da vida por meio da oralidade.
Ouvir e contar histórias pode ser uma boa forma de ampliar a consciência, agu-
çar a sensibilidade e alargar a percepção e a compreensão do mundo, do outro e de
si mesmo. Os contos tradicionais, por exemplo, além de seu valor literário, tratam
de temas de ordem antropológica, mítica e psíquica, auxiliando-nos no processo
de autoconhecimento. Segundo Bruno Bettelheim, os contos de fadas trazem em si
representações simbólicas do psiquismo infantil que podem auxiliar a criança no
processo de maturação de sua vida afetiva e emocional.
Ouvir histórias é fundamental para a formação de toda criança. O bebê, por
exemplo, ao ouvir a voz da mãe, do pai ou do cuidador contando uma história ou
cantando a ele uma canção, além de sentir-se amado e acolhido, ingressa mais pron-
tamente no mundo da linguagem e do pensamento simbólico.
As crianças, ao procurar traçar mentalmente uma rede de significados a partir das
ideias, imagens verbais e sonoras, formas e cores, sentimentos e emoções presentes
nas performances narrativas, ampliam a rede de conexões neuronais estimulando
assim o desenvolvimento de sua inteligência, seu senso crítico e sua sensibilidade
estética.
São inúmeras as motivações que podem levar uma pessoa a se interessar pela
arte de contar histórias. Cabe a cada um, ao longo de sua jornada, descobrir e forta-
lecer suas relações mais íntimas com essa arte.

6
SOBRE A ARTE
DE CONTAR HISTÓRIAS
Contar histórias é suscitar imagens na tela mental do espectador por meio da
palavra, do corpo, da voz, dos gestos e das expressões.
Por isso é, antes de mais nada, uma performance. O termo performance provém
do latim e significa “tomar forma”, “dar forma”. Ela acontece quando o ato de se co-
municar coincide com o ato de receber a comunicação e refere-se ao modo como
alguém se comunica em público. Assim, o contador de histórias é um performer que,
por meio do corpo e da voz, busca criar com o público uma relação de empatia e
retroalimentação.
A narrativa oral assenta-se sobre o tripé Texto, Narrador e Público, chamados por
Elaine Gomes (2018) de eixos narrativos.
A princípio temos o texto, matéria-prima desta arte. Seja autoral ou oriundo da
tradição oral, pertencente a este ou àquele gênero literário, o texto estará sempre
sujeito à leitura e à interpretação particular do narrador, o segundo eixo narrativo.
Este, ao converter o texto em linguagem narrativa, imprime nele sua “digital” de
acordo com sua própria história de vida, personalidade, referências socioculturais e
suas habilidades técnicas e artísticas. Cabe ao narrador a tarefa de mediar a relação
entre o texto/história e o público, terceiro eixo narrativo. Sem o público não é possí-
vel existir o evento performático. É ele que complementa o circuito da comunicação,
recebendo e assimilando, conforme sua sensibilidade e visão de mundo, aquilo que
lhe foi apresentado.
Se o público será ou não tocado pela performance, dependerá da capacidade do
narrador de fazê-lo sentir que tudo aquilo que ele viu e ouviu está no lugar de algo
que lhe pertence, seja uma imagem, uma lembrança, uma sensação, uma ideia, um
sentimento ou uma emoção. Algo de sua vida deve estar refletido na história e/ou na
performance do narrador. Somente assim a narrativa alcançará seus objetivos mais
nobres: envolver, sensibilizar e encantar a plateia.

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O CAMINHO PARA SE TORNAR
UM CONTADOR DE HISTÓRIAS
Como já vimos, o contador de histórias contemporâneo é aquele que desenvolve
habilidades e competências técnicas e artísticas para contar histórias. Paralelamente
aos estudos contínuos – uma vez que essa arte está em constante processo de trans-
formação –, a prática da contação deve ser um permanente laboratório de pesquisa
e descobertas. Teoria e prática devem trilhar juntas o caminho que leva à excelência
da performance narrativa.
É recomendável que este percurso seja orientado e dirigido por profissionais da
área, pois a contação de histórias possui uma linguagem específica dentro da arte,
sujeita, como qualquer outra, a regras, códigos e princípios que norteiam sua prática.
Mas, afinal, em que consiste este percurso?
Por meio de aportes teóricos, bem como de um conjunto de práticas orientadas,
o aluno poderá desenvolver e aprender diferentes técnicas de contação de histórias;
trabalhar o corpo e a voz; conhecer, analisar e escolher textos de valor literário e ade-
quados à narrativa oral para compor seu repertório; aprender a se comunicar com o
público; tornar-se um leitor crítico, consciente e conhecedor de obras e autores; criar
seu próprio estilo narrativo e, principalmente, ser resiliente com os próprios erros e
humilde com as próprias conquistas.
Calma! Parece muita coisa, mas não desista antes de começar! Além desse per-
curso ser uma oportunidade única de autopercepção e desenvolvimento pessoal,
o estoque de conhecimento e experiências não precisa vir todo de uma vez. Um
workshop aqui, uma palestra ali, uma prática acolá, um e-book aqui e agora!
A seguir, apresentamos 9 passos para a criação de sua contação de
histórias com música, além de um texto-bônus sobre a criação de seu
espetáculo.

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9 PASSOS
Passo 1 - Co nh eça seu p úb l i co

Geralmente, o contador de histórias possui um repertório amplo e diversificado


para contemplar públicos de todas as idades e diferentes ambientes socioculturais.
Uma atividade muito comum à maioria dos narradores orais contemporâneos é,
por meio de ações voluntárias ou remuneradas (caso dos projetos culturais financia-
dos por órgãos governamentais ou da iniciativa privada), apresentar-se em hospitais,
casas de repouso, casas de detenção, casas-lares, albergues, entre outros espaços
onde o público geralmente apresenta algum grau de vulnerabilidade social, psicoló-
gica ou problemas relacionados à saúde física. Tais situações requerem do narrador
habilidade especial no trato com o público, equilíbrio emocional, preparo técnico e
especial sensibilidade na elaboração de sua performance.
O contador de histórias contemporâneo que atua profissionalmente em escolas,
centros culturais, congressos de arte e de educação, feiras e lançamentos de livros,
encontros literários e eventos artísticos, entre outros contextos educativos e cultu-
rais, encontra públicos mais heterogêneos e com demandas mais diversificadas, exi-
gindo dele grande perspicácia na escolha de repertório e uma especial habilidade
para manter o interesse e a atenção da plateia devido à sua pluralidade de interes-
ses.
Em todos os casos, conhecer antecipadamente o perfil psicológico do público,
procurar saber mais sobre o seu contexto sociocultural, e até mesmo conhecer pre-
viamente o espaço físico onde se dará o evento, é uma forma de o contador de his-
tórias sentir-se seguro e confiante, garantindo o sucesso de sua performance.

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Passo 2 - Busqu e sua p róp ri a l i n g u a g e m

Entende-se por narrativa simples aquela que prescinde de qualquer recurso que
vá além dos três eixos já citados: história, narrador e público.
No entanto, outras linguagens artísticas vêm sendo utilizadas pelos narradores con-
temporâneos, compondo um rico mosaico de formatos e estilos de performance nar-
rativa.
O uso do livro e suas ilustrações, bonecos, fantoches, teatro de sombra, dobradu-
ras e todo tipo de acessórios e adereços cênicos tem sido recorrente nas contações
de histórias.
A música é uma linguagem que guarda especial afinidade com a arte de contar
histórias. Em momento oportuno, falaremos mais sobre isso.
O estilo de um contador de histórias contemporâneo também é marcado pela
forma com que trata o texto literário, fonte de sua narrativa.
Considerando que a história é “o que” está sendo contado pelo escritor, e o texto
é o “como” ele conta a história, durante o processo de migração da arte literária para
a oralidade, a história pode vir a ser “descolada” do texto ganhando a sintaxe própria
do narrador. Neste caso, o estilo da performance aproxima-se do estilo narrativo do
contador tradicional.
Quando o narrador é fiel ao texto literário e constrói uma performance mais
técnica, com base na elaboração de gestos e expressões vocais, faciais e corporais,
reflete maior identificação com o estilo do contador contemporâneo.
Assim, é desejável que o narrador domine ambas as técnicas e, dependendo do
texto e do público, escolha a melhor forma de contar a história.
Diante de diferentes desafios, ambas as formas requerem do contador preparo e
dedicação, pois o que importa, ao fim e ao cabo, é que aconteça a comunicação, e a
performance seja capaz de envolver e encantar o público.
A seguir, discorreremos acerca da arte de contar histórias a partir de uma visão
mais purista desta arte que apregoa a fidelidade ao texto e maior rigor técnico no
preparo da performance narrativa.
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Passo 3 - Es col h a o tex to / com po n h a s e u r e pe r t ó r i o

Apresentamos agora quatro critérios fundamentais que ajudarão você a escolher


o que contar para seu público.
O primeiro critério, de natureza afetiva, é o grau de identificação que você esta-
belece com o texto e com a história que ele conta. É preciso que aquilo que ali está
sendo contado encontre ressonância em sua alma, em seu coração.
O segundo critério é a qualidade literária do texto. Dela depende, em grande
medida, o encantamento da plateia. O texto bem escrito pressupõe a presença de
elementos como: musicalidade, poder de síntese, cadência, ritmo, unidade e coesão,
clareza de ideias, articulação verbal, imagens verbais e sonoras, metáforas surpreen-
dentes, passagens poéticas e inspiradoras, originalidade na sintaxe, poder de comu-
nicação com o leitor e, claro, uma boa história.
O terceiro critério é a adequação da história/texto às peculiaridades do público
a que se destina. A faixa etária, o contexto sociocultural, as condições físicas e psi-
cológicas dos espectadores, bem como a realidade do espaço físico onde se dará a
performance, são questões relevantes para a escolha do tema, dos gêneros e estilos
literários da obra selecionada.
O quarto critério é o potencial do texto para ser narrado oralmente. Vamos lem-
brar que literatura e contação de histórias são linguagens distintas. Assim, por me-
lhor que seja sua qualidade literária, um texto nem sempre é passível de migrar de
uma para outra linguagem artística.
Por fim, a composição de repertório deve ser diversificada e representar você e
sua visão de mundo, seu gosto estético, suas convicções e pensamentos. Lembre-se:
o seu repertório somado à sua performance definirá o seu estilo, sua marca, sua im-
pressão digital na arte de contar histórias.

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Passo 4 - As si mi l e a hi stóri a e t ra ba l h e o t e x t o

Uma vez feita a escolha do texto baseada nos critérios aqui sugeridos, chegou a
hora de transportá-lo da palavra escrita para a oralidade. Antes, porém, é necessário
que o narrador dedique uma boa parte de seu tempo à assimilação da história e ao
estudo do texto.
Já vimos que o texto literário carrega implicitamente uma história e dela é in-
separável. A história, no entanto, pode remanescer ao texto literal ganhando nova
sintaxe na voz do narrador. Isso significa que texto e história podem ser trabalhados
separadamente.
As primeiras leituras do texto possibilitarão ao leitor/narrador a assimilação
da história (sequência dos acontecimentos) e a compreensão da trama (relações de
causas e efeitos). Oportunizará sua familiaridade com o tema, o reconhecimento das
personagens e seus traços psicológicos, a localização no tempo e no espaço da his-
tória.
Uma vez incorporados a história e o enredo, novas leituras devem ser feitas,
agora de forma mais atenta e minuciosa, pois chegou a hora de o contador voltar-se
à sua análise e estudo.
Perceber o estilo narrativo do autor ajudará o narrador a encontrar o tom de sua
performance. Destacar as paisagens verbais e sonoras e suas intenções, deixando-
-as desfilar várias vezes e de forma sequencial em sua própria tela mental, além de
facilitar sua memorização, torna mais eficiente sua tarefa de evocar essas mesmas
imagens na mente dos espectadores durante a narrativa.
Observar a estrutura e a sintaxe, a cadência rítmica, as pausas, a dinâmica, enfim,
a musicalidade do texto, é pré-requisito para o narrador construir sua “embocadura”,
ou seja, definir a forma como o enunciará ao público.
Neste ponto, noções básicas de técnica vocal como: respiração, articulação,
entonação, ressonância, projeção, dinâmica, aquecimento e desaquecimento vocal,
permitem ao narrador imprimir ritmo, clareza e fluidez à narrativa.
Por fim, o texto deve perpassar o corpo do narrador. Gestos, expressões e movi-
mentos devem fluir espontaneamente a serviço do texto, com economia e precisão.
Nessa hora, a consciência corporal do artista pode ser definitiva para o sucesso da
comunicação.
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Passo 5 - Aprend a a usa r a v oz

A fala é o som primordial da narração oral. Às suas pequenas e limitadas varia-


ções de altura (frequências sonoras) chamamos de entonação. A entonação atribui
musicalidade ao discurso narrativo.
A voz cantada, por sua vez, se realiza dentro de um espectro de frequências so-
noras mais extenso do que na fala. À combinação de diferentes alturas tonais (notas
musicais) e suas respectivas durações (ritmo), damos o nome de melodia.
A voz pode tornar-se um instrumento musical e artístico quando aplicada às artes
do canto e da contação de histórias.
O canto artístico requer da pessoa o desenvolvimento de algumas qualidades
como: adequada respiração, boa afinação, razoável projeção vocal e uma perfeita
articulação das palavras. Há que se desenvolver também o sentido melódico, rítmico
e harmônico, bem como a arte da interpretação.
Embora não seja uma condição para a prática da contação de histórias, é reco-
mendável que o narrador desenvolva também um trabalho vocal. Praticar o aqueci-
mento e o desaquecimento vocal, respirar corretamente, articular bem as palavras,
projetar adequadamente a voz e ter noções básicas de saúde vocal, são igualmente
importantes para a prática da narração oral.
Sempre é bom lembrar que a voz é a responsável pela materialização do texto
e, dependendo de sua qualidade e força expressiva, terá maior ou menor poder de
encantar a plateia.

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Passo 6 - Sol te o corp o e entre g u e - s e a o pú bl i c o

O corpo humano é energia, vibração, movimento; respiração, gesto, elasticidade,


força e expressão! O corpo em harmonia com a mente e a psique, é capaz de realiza-
ções inimagináveis! Quando em unidade com a energia do cosmos, o corpo é força,
é vitalidade!
Observemos a criança pequena quando goza de plena saúde, sua espontaneida-
de, seus movimentos expressivos e sua natural musicalidade. Um corpo brincante,
criativo e contagiante! É esse corpo que o contador de histórias, assim como todo
artista performático, precisa (re)conquistar.
É claro que um trabalho mais sofisticado de desenvolvimento da consciência
corporal sempre é bem-vindo pelos incontáveis benefícios que traz. Mas, para o ar-
tista de palco – e o contador de histórias contemporâneo é um artista de palco –, o
que importa é o desmantelamento da rigidez, o afrouxamento das tensões, a dilui-
ção da timidez e da vergonha do próprio corpo. Ele precisa comunicar claramente
intenções, ideias e sentimentos. Necessita brincar com outros corpos em comunhão
e harmonia. O corpo precisa ser leve e feliz!
Então, mãos à obra. Coloque música de diferentes gêneros e ritmos e dance. Solte
o seu corpo como há muito tempo não fazia. Alongue-se! Caminhe! Entregue-se ao
jogo e à brincadeira. Ria muito! Improvise! Resgate sua meninice! Divirta-se!
O contador de histórias deve ser, antes de mais nada, um mensageiro de boas
novas, transmitindo confiança e alegria, alimentando o sonho, a esperança e a magia
da vida.
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Passo 7 - De sp erte em v ocê o s u j e i t o m u s i ca l

A música guarda uma relação ancestral com a arte de contar histórias. Durante a
Idade Média europeia, os menestréis, artistas errantes que vagavam de uma cidade
a outra, entretinham o povo com suas canções, poemas e histórias acompanhados
de seus instrumentos musicais. Também havia os trovadores, músicos que divertiam
a nobreza com suas cantigas lírico-amorosas ou satíricas.
Hoje, muitos contadores de história inserem a música em suas performances
narrativas por meio da interpretação de canções, acompanhadas (ou não) de instru-
mentos musicais e/ou objetos sonoros.
É interessante observar que, mesmo na ausência de canções ou interpretações
instrumentais, o próprio discurso narrativo está impregnado de elementos musicais
como pulsação, andamento, cadência, colorido, entonação e dinâmica.
Uma narrativa oral com musicalidade é como uma árvore frondosa, carregada
de folhas verdes e deliciosos frutos. Daí a importância de o contador de histórias
musicalizar-se, desenvolver o sentido rítmico, melódico e harmônico, aprimorando
a acuidade auditiva, trabalhando a voz e o corpo e, quem sabe, aprendendo a tocar
um instrumento musical. E por que não? Basta dar um passo na direção certa, e o
caminho se fará ao caminhar.

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Passo 8 - I n si ra a músi ca em s u a pe r f o r m a n c e

Já falamos sobre a presença implícita dos elementos musicais no discurso nar-


rativo. Agora vamos falar da sonoplastia e da presença da música na contação de
histórias sob a forma de canção e música instrumental.
A canção é uma categoria de linguagem composta por outras duas categorias de
linguagem: a verbal e a musical (música e letra). Ela possui várias funções, tais como:
ilustrar ou destacar momentos da narrativa, apresentar personagens, reforçar conte-
údos e potencializar emoções e sentimentos.
A canção pode ser autoral ou vinda da tradição oral. Geralmente vem acompanha-
da de instrumentos musicais (de corda, sopro ou percussão) mas pode ser cantada à
capela (sem acompanhamento musical). A variedade de ritmos e gêneros da canção
tem o poder de despertar na plateia diferentes sensações. Sua presença atribui ao
espetáculo ritmo, dinâmica e alegria. Costuma contagiar o público, renovando cons-
tantemente seu interesse e, não raramente, possibilitando sua participação efetiva
no espetáculo por meio do canto ou da percussão corporal.
A música instrumental é executada por instrumentos musicais e também pela voz
humana quando esta reproduz ou improvisa melodias (sem letra) ou efeitos vocais.
É geralmente usada como pano de fundo para algumas passagens do texto que se
queira ilustrar ou destacar. De forte apelo emocional, a música instrumental pode
ser executada pelo próprio narrador (caso ele toque um instrumento), ou por um mú-
sico ou um conjunto de músicos responsáveis pela trilha sonora do espetáculo. Sua

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presença nas narrativas orais é rara, se comparada com a canção, mas pode exercer
um grande poder de encantamento junto ao público.
A sonoplastia explora as possibilidades expressivas do som e tem como função
criar imagens sonoras que despertem o imaginário do espectador. É aconselhável
que sua execução seja acústica (executada ao vivo), feita pelo próprio narrador ou
por músico ou músicos acompanhantes, evitando a sonoplastia gravada.
Sons de trovão, batidas de porta, sons de animais, de vento, cachoeira, chuva,
entre outros, são muito bem-vindos em uma contação de histórias pois, uma vez
contextualizados, criam diferentes ambiências sonoras acentuando a dramaticidade
da narrativa. Tais sons podem ser emitidos pela voz humana – nas chamadas onoma-
topeias – ou por instrumentos musicais de corda, sopro ou percussão.
Os instrumentos de percussão, especialmente os de efeito (idiofones), são muito
recomendáveis para imitar sons da natureza, de animais e objetos. Eles podem ser
encontrados em lojas de instrumentos musicais, feiras de artesanato ou em lojas de
produtos diversos. O contador de histórias que deseja sonorizar sua performance
deve ficar atento às oportunidades de aquisição desses instrumentos para, aos pou-
cos, constituir seu acervo sonoro.
Objetos diversos também podem ser usados na sonoplastia de um espetáculo
narrativo. Garrafões de água, potes de iogurte, talheres, molhos de chaves e semen-
tes, entre outros materiais, quando manipulados adequadamente, tem o poder de
evocar imagens sonoras interessantíssimas.
A construção de instrumentos musicais a partir de materiais recicláveis é um
universo à parte, e a ele o narrador deve dar atenção especial se o seu objetivo é
surpreender e encantar a plateia.
Para além do canto, da música instrumental e da sonoplastia, o universo da Tra-
dição Oral Brasileira – poemas, adivinhas, brinquedos cantados, parlendas, trava-lín-
guas, entre outros gêneros da cultura popular brasileira e de outros povos – pode
enriquecer, e muito, o seu espetáculo de contação de histórias. Atividades musicais
e lúdicas tornarão sua performance original, dinâmica e interativa.
Por fim, o diálogo entre músicas, efeitos sonoros e narrativas orais, enriquece a
performance do contador de histórias e aumenta seu fascínio junto ao público.

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Passo 9 - Cr i e sua p erf orma nce

É preciso entender os termos “história” e “narração” quando se trata de uma


storytelling, ou seja, uma contação de histórias. A história (story) é a substância, a
essência, o tema, as personagens, os lugares, é o conteúdo daquilo que está sendo
contado. A contação (telling) é a forma objetiva da narrativa, é o “como” a história
será contada, é a performance do narrador.
Uma vez trabalhados o texto e a história, é chegado o momento de o narrador
compor sua performance, ou seja, colocar o corpo e a voz em movimento.
Algumas questões devem ser observadas no momento de criar a performance.
Vamos a elas:
1. A opção entre a narrativa simples e a narrativa em diálogo com outras lingua-
gens artísticas (teatro de bonecos, de sombra, música, dobradura, etc.);
2. A adequação de outras linguagens artísticas ao texto e à história;
3. A definição da forma de contar a história: com ou sem fidelidade ao texto;
4. A vocalização do texto segundo seu ritmo, dinâmica e imagens verbais e sono-
ras (no caso de sua reprodução ipsis litteris);
5. A memorização do texto;
6. O mapeamento de gestos e expressões;
7. O estabelecimento do uso do espaço (com ou sem movimentação; em pé ou
sentado).
8. O uso ou não de figurinos e adereços (chapéu, capa, manto, etc.);
9. A escolha pela participação ou não da plateia;
10. A realização de ensaios tantos quantos forem necessários para se alcançar o
total domínio da performance.
Estas questões não esgotam o assunto, pois outras variantes podem compor o
processo de criação de uma performance narrativa.
Ressaltamos que a boa qualidade do espetáculo dependerá do preparo vocal e
corporal do narrador, do domínio do texto e da história, de sua sensibilidade ao con-
tar a história e de sua capacidade de empatia com o público.
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TEXTO-BÔNUS
C r i e seu esp etá cu l o d e conta çã o d e h i s t ó r i a s c o m m ú s i ca

Entende-se por “espetáculo de contação de histórias” um evento artístico que


compreende um conjunto de narrativas orais que apresentam entre si unidade e co-
erência temática e de estilo performático.
O espetáculo pode ter um ou mais contadores de histórias, ter a presença de um
ou mais músicos, utilizar recursos ou técnicas de outras linguagens artísticas, lançar
mão de cenário, figurinos, sonoplastia, adereços e até mesmo de uma direção cênica,
aproximando-se da linguagem teatral. Entretanto, tais elementos não são impres-
cindíveis pois, para que o espetáculo de contação de histórias aconteça, basta que
existam os três eixos narrativos: texto, narrador/performer e público.
De qualquer forma, alguns elementos são fundamentais na criação de um espe-
táculo, tais como:
1) a presença de um tema ou argumento que “amarre” as narrativas entre si;
2) a elaboração de um roteiro que defina a ordem dos acontecimentos e dê en-
cadeamento entre histórias, músicas e brincadeiras cantadas (quando for o caso);
3) uma duração mínima que permita ao espectador a sensação de estar fazendo
parte de uma “viagem” no tempo e no espaço, com começo, desenvolvimento e
conclusão (entre 20 e 60 minutos);
4) a criação de uma estética própria que dê unidade e coesão ao espetáculo;
5) a presença de um ritmo que garanta a dinâmica e o fluir dos acontecimentos,
evitando pausas ou interrupções;
6) a direção cênica que marque a movimentação no espaço e que pode ser reali-
zada pelo próprio narrador.
Certamente este assunto não se esgota nessas poucas linhas. A produção de
um espetáculo de contação de histórias requer do artista-performer-narrador um
especial esmero em sua elaboração, considerando seu maior nível de complexidade
e seu caráter profissional.
Nada impede, porém, o exercício da criação de um espetáculo por estudantes e
leigos pois, na arte de contar histórias com música “não há caminho, o caminho se
faz ao caminhar” (Antônio Machado).
Espero que este e-book tenha despertado em você, marinheiro de primeira
viagem, principiante ou profissional na arte de contar histórias, o desejo de inserir a
música em sua performance narrativa.
Espero poder contribuir ainda mais, compartilhando com você, semanalmente, ativi-
dades práticas relacionadas aos temas aqui apresentados.
Fique comigo nas redes sociais e, juntos, desbravaremos este fantástico mundo
da contação de histórias com música!

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FICHA TÉCNICA
Autoria: Rosy Greca
Revisão de textos: Cláudia Ortiz
Projeto gráfico: Giulia Fontoura
Fotografias: Bianca Siqueira, Mariza Tezelli
Produção: Cântaro Arte-Educação e Cultura

2019
Rua Santa Catarina, 65, sala 803 A
Curitiba-PR
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