De Vilarejo À Cidade Conurbada: A Expansão de Sarandi Condicionada Pela Ação de Três Agentes Imobiliários e Pelo Parcelamento Rural

Você também pode gostar

Você está na página 1de 12

DE VILAREJO À CIDADE CONURBADA: A EXPANSÃO DE SARANDI CONDICIONADA PELA

AÇÃO DE TRÊS AGENTES IMOBILIÁRIOS E PELO PARCELAMENTO RURAL

FROM VILLAGE TO CONURBATED TOWN: THE EXPANSION OF SARANDI DIRECTED BY THE


ACION OF THREE ESTATE AGENCIES AND RURAL DIVISION

Laisa E. M. Ströher1 Resumo: O município de Sarandi insere-se em um projeto


Gisela B. de Souza2 de colonização regional do norte paranaense, no qual
estava previsto como um pequeno vilarejo para abrigar
aproximadamente 2.200 habitantes. Contrariando, no
entanto, o projeto, este município conta atualmente com
cerca de 82.842 habitantes. Este crescimento expressivo
foi direcionado principalmente pela ação de agentes
imobiliários e seu resultado tem sido descrito como um
tecido urbano caótico. O presente artigo tem como
finalidade demonstrar que, apesar da aparência de caos, a
morfologia urbana de Sarandi está intimamente ligada ao
seu projeto de colonização, principalmente ao seu
parcelamento fundiário rural projetado, tendo como
principal agentes da sua expansão urbana três loteadoras.

Palavras-chave: Evolução urbana. expansão urbana.


morfologia. morfogênese. Sarandi.

Abstract: Sarandi's municipality is inserted in a regional


project of colonization, which predicted the town as a
small village to settle about 2200 inhabitants. However,
against the project, nowadays the town has approximately
82842 people. This meaningful growth, was mainly
directed by the action of estate agents, without any urban
1 control, which has been described as chaotic urban fabric.
Instituto CasaMundo Arquitetura e Urbanismo. Avenida
João Paulino Vieira Filho, 672, sala 404, Maringá-PR, CEP The aim of this paper is to show that despite of this chaotic
87020-015 (endereço para correspondência). E-mail: appearance, the urban morphology of Sarandi is closely
laisaeleonora@gmail.com related to its colonization project, mainly the project of
2 rural division, having as principal authors of its urban
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual de Maringá. Avenida Colombo, expansion three companies.
5790, Maringá-PR, CEP 87020-900. E-mail:
gbsouza2@uem.br Keywords: Urban evolution. urban expansion.
morphology. morphogenesis. Sarandi.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


De vilarejo à cidade conurbada: a expansão de Sarandi condicionada pela ação de três agentes imobiliários e
64 pelo parcelamento rural

1. INTRODUÇÃO atividades agrícolas – interligadas por um eixo


ferroviário, com o intuito de promover o
O surgimento do município de Sarandi insere-se escoamento da produção.
no processo de colonização do Norte do Estado do
Paraná, empreendido na primeira metade do século Este planejamento determinava uma distância
XX, sob o direcionamento da Companhia de Terra média de 100km entre as quatro “grandes
Norte do Paraná (CTNP), denominada cidades” – Londrina, Maringá, Cianorte e
Umuarama – que serviriam de “núcleos de
posteriormente Companhia Melhoramentos Norte
maior importância”; entre elas, seriam
do Paraná (CMNP). De acordo com Rego e
fundadas cidades de médio porte e
Meneguetti (2006: 171), o planejamento da patrimônios, distanciados em no máximo 15
colonização desta região visava a venda de glebas quilômetros um do outro, de modo a
destinadas, sobretudo, ao plantio de café, estabelecer centros comerciais e
vinculando-o ao projeto fundiário rural. A peça chave abastecedores intermediários (REGO E
para viabilização de tal empreendimento estaria na MENEGUETTI, 2006:171).
formação de uma rede de cidades – a qual serviria de
suporte e apoio para a população voltada às

Mapa 01: Propriedade loteada pela CMNP com as cidades loteadas por esta companhia.
Fonte: Souza et al., 2009, adaptado pela autora.

Neste contexto foram implantadas diversas Contrariando o projeto original da CMNP, a


cidades no Norte do Paraná polarizadas por essas cidade de Sarandi conta atualmente com um número
quatro cidades, entre elas Sarandi, próxima à cidade de 82842 habitantes (IBGE, 2010) e um dos maiores
sede de Maringá. Data de 1935 o início da ocupação índices de crescimento demográfico do Brasil, de
da área que corresponde atualmente ao município, 4,56% ao ano (IBGE, 2000). Este expressivo
quando foram adquiridos por imigrantes dos estados crescimento deve-se principalmente à proximidade
de São Paulo, Minas Gerais e do Nordeste, os ao pólo da região metropolitana3 à qual pertence, a
primeiros lotes de terras. Em maio de 1947, é cidade de Maringá, com a qual Sarandi é conurbada.
fundado o núcleo urbano em Sarandi, projetado pela O principal atrativo à ocupação da cidade reside no
CMNP para abrigar cerca de 2200 habitantes, custo do solo urbano que é consideravelmente
classificado como um patrimônio (ou vila), localizado reduzido em relação à Maringá.
entre os núcleos urbanos de maior porte dentro do
projeto regional: Maringá e Marialva, com função de
cidade.
3
Lei Complementar Estadual nº83/1998: Criou a Região
Metropolitana de Maringá.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


Ströher e Souza
65

Espacialmente, o resultado deste expressivo sentido definido por Castex (1995), que o propõe
crescimento urbano – direcionado principalmente como uma atualização e ampliação do campo de
pela ação de agentes do mercado imobiliário – se atuação dos estudos morfológicos. Neste sentido,
expressa por: desordenamento e segmentação da não se trata apenas de descrever o tecido urbano,
expansão urbana; formação de bairros periféricos, mas também de evidenciar suas transformações e
bem como, pelo atendimento desigual, entre as seus problemas temporais, os agentes sociais que
áreas centrais e aquelas mais dispersas, no que promoveram as alterações no tecido, as mudanças
concerne à infraestrutura e aos serviços públicos. de referências e de comportamentos.
Um diagnóstico do Plano Diretor de Maringá (1991)
destaca aspectos da urbanização de Sarandi, cuja Em sua forma atual, [o estudo da forma
expansão, segundo este documento, pode ser urbana] descreve o processo de transformação
considerada, do tecido construído da cidade. Ele trata de
uma estrutura hierarquizada, ela mostra as
alterações, os desaparecimentos, como um
[...] caótica, pois se deu obedecendo à lógica
signo se destrói e muda de significado, a
exclusiva da especulação imobiliária, que
reconstrução de uma outra estrutura por um
muitas vezes não respeitou, sequer o princípio
processo de crescimento e desenvolvimento.
preliminar da manutenção das diretrizes do
Parece que devemos preferir o termo
sistema viário. A resultante deste processo é
morfogênese (o estudo do processo de
um tecido urbano desarticulado, apoiado em
formação e transformação do espaço
padrão de parcelamento bastante inadequado,
construído) ao invés de morfologia (estudo das
e num sistema viário no qual é de difícil
formas). A morfogênese estuda um objeto em
percepção a hierarquia (Plano Diretor de
vias de modificação e não um objeto estático
Desenvolvimento de Maringá, 1991)
[...]. (CASTEX, 1995:79)

O presente artigo tem como finalidade


3.DISCUSSÃO E RESULTADOS
demonstrar que, apesar do título de urbanização
caótica atribuído à Sarandi, a constituição da sua
A leitura do mapa exibido na sequência (Mapa
forma urbana está intimamente ligada ao fato desta
02) permite observar a estrutura fundiária rural
cidade estar inserida em um plano de colonização,
original do município de Sarandi, cuja configuração
no qual o parcelamento fundiário rural projetado e
segue o padrão de parcelamento da CMNP: as
as grandes infraestruturas regionais previstas,
propriedades rurais localizam-se nos vales e
constituíram-se nos fatores condicionantes da sua
possuem áreas semelhantes, tendo como limites os
morfologia urbana. Neste contexto, destacam-se
cursos d’água e as estradas rurais localizadas nos
como principais atores da produção do espaço
espigões entre aqueles (Carvalho, 2000: 60).
urbano as incorporadoras que tiveram maior
Destaca-se que, ao redor do núcleo urbano, foram
capacidade de acumular terras – 03 imobiliárias, em
projetadas propriedades rurais de tamanho
específico – e que promoveram um crescimento de
reduzido, as quais, junto com o vilarejo constituíam o
caráter fortemente especulativo.
que se chamava de Gleba Patrimônio. De acordo com
Delsdet Pereira de Souza4, o intuito desta
2.MÉTODOS
diferenciação do parcelamento fundiário rural era
viabilizar uma maior dinâmica à vida do patrimônio,
Os métodos de pesquisa empregados no
induzindo, através da variação dimensional, uma
presente artigo foram, primeiramente, o
ocupação de caráter mais familiar, com atividades
levantamento de dados no cadastro imobiliário
produtivas ligadas a hortifrutigranjeiros. Na
municipal (loteamentos aprovados ano a ano e os
sequência, procurar-se-á demonstrar que grande
agentes imobiliários responsáveis por cada
parte dos atuais loteamentos urbanos de Sarandi
loteamento) e, posteriormente, o cotejamento
insere-se na estrutura destas pequenas propriedades
entre: a forma e a evolução dos loteamentos; a
rurais contidas na Gleba Patrimônio.
configuração do parcelamento rural original; e, por
último, a análise histórica da implantação de grandes
infraestruturas regionais ao longo do tempo –
desenvolvida com base em fotografias aéreas e
mapas de diferentes épocas. A fundamentação 4
Delstet Pereira de Souza é funcionário da CMNP desde
teórica do estudo foi realizada através de uma leitura 1966. Entrevista concedida em junho de 2009. O termo de
da cidade com relação a sua morfogênese, no consentimento encontra-se em posse da autora.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


De vilarejo à cidade conurbada: a expansão de Sarandi condicionada pela ação de três agentes imobiliários e
66 pelo parcelamento rural

Mapa 02: Parcelamento rural original do município de Sarandi, 1954.


Fonte: Acervo cartográfico da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (2009).
Organização: Autora.

Até a década de 1960, Sarandi contava apenas Observa-se, que originalmente, ambos eram
com o patrimônio fundado pela CMNP e um acessados por uma estrada que ligava as cidades de
povoado chamado Vila Vera Cruz (de iniciativa Londrina e Maringá, a atual Avenida Maringá, e,
privada e desvinculada do projeto de colonização posteriormente, também passaram a conectar-se
regional), como áreas destinadas à ocupação urbana também pela ferrovia (1953). Em 1965, foi
(Fotografia 01). De acordo com José Lazaro Pereira5 inaugurada a via que passaria a ter maior
(2008), antigo morador do município, estes importância na conexão regional, a rodovia BR-376,
assentamentos também eram conhecidos como hoje o principal acesso à cidade.
“quilômetro 118” e “quilômetro 115”, Os primeiros estabelecimentos do patrimônio
respectivamente, valores que representavam a (Fotografias 02 a 05) dos quais se tem registro,
distância destes até Londrina. Estes assentamentos foram instalados logo nos primeiros anos de
foram traçados com arruamento e parcelamento fundação de Sarandi: uma venda de secos e
demarcados, tendo o núcleo principal, parcelado molhados (cujo início do fucionamento não possui
pela CMNP, lotes de 560 a 600m² (Mapa 03) e a Vila data precisa) e um comércio de mercadorias que
Vera Cruz terrenos de 1000m². data do ano de 1949 (ROZEIRA, 1999:11). Quanto aos
As imagens em seqüência (Fotografia 01) equipamentos institucionais tem-se: em 1950 foi
mostram a localização do patrimônio Sarandi e da fundada a primeira Igreja; em 1953 foi construída a
Vila Vera Cruz na década de 1950 e 1960, assim como, Estação Ferroviária; e, em 1958, foi instalada uma
as estruturas regionais às quais estavam vinculadas. Agência dos Correios (SARANDI, 1987).

5
Entrevista concedida em junho de 2008. O termo de
consentimento encontra-se em posse da autora.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


Ströher e Souza
67

Fotografia 01: Imagens aéreas de 1953 e 1963 com destaque para os patrimônios Sarandi e Vila Vera Cruz, bem como para as
estruturas regionais.
Fonte: Acervo iconográfico do Instituto Ambiental do Paraná (2008), modificado pela autora.

Fotografia 02: Um dos primeiros estabelecimentos Fotografia 03: Construção da primeira Igreja.
comerciais de Sarandi, um armazém de secos e molhados. Fonte: PMS (2008).
Fonte: PMS (2008).

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


De vilarejo à cidade conurbada: a expansão de Sarandi condicionada pela ação de três agentes imobiliários e
68 pelo parcelamento rural

Fotografia 04: Fotografia de um trecho da estrada que Fotografia 05: Construção da Antiga Estação Ferroviária
ligava Maringá à Londrina, a atual Av.Maringá (sem data). (1953).
Fonte: Acervo iconográfico PMS (2008). Fonte: Acervo iconográfico PMS (2008).

O projeto do núcleo urbano é de autoria do urbano que conduzia ao centro da cidade, onde se
Engenheiro Wladimir Babkow, com levantamentos abria a praça principal e se erguia a igreja”. Observa-
topográficos do Engenheiro Alexandre Rasgulaeff e se que o traçado do patrimônio foi quase que
cálculos analíticos de Shigeoki Yokyama (SARANDI, totalmente implementado de acordo com o projeto
1987). De acordo com Rego e Meneguetti (2006:103), original. Somente a praça central sofreu alteração:
o desenho idealizado para o patrimônio de Sarandi originalmente esta seria segmentada pelas vias, no
seguia o esquema básico das cidades projetadas por entanto esta foi construída sem tais interrupções.
esta companhia: “diante da estação se estabelecia
uma praça, dela nascia ortogonalmente o eixo

Mapa 03: Projeto original do núcleo urbano de Sarandi projetado pela CMNP em 1947.
Fonte: Acervo Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (2009).
Organização: Autora.

Segundo Rozeira (1999:33), em 1951, o legalmente, uma cidade. Contudo, ressalta-se que
município de Sarandi transformou-se em Distrito 58% dos seus loteamentos foram aprovados antes
Administrativo do município de Marialva. Apenas mesmo de Sarandi “tornar-se uma cidade”, quando
em 1981, houve a emancipação, tornando-se, esta ainda pertencia a Marialva, conforme

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


Ströher e Souza
69

demonstrado no Mapa 04, elaborada com base nos implantação de lavouras mecanizadas, que
dados do cadastro imobiliário municipal (SARANDI, acelerou o processo de êxodo rural no país; uma
2008). forte geada que atingiu a região norte do Paraná –
O maior crescimento, em termos de expansão destruindo grande parte dos cafezais – bem como,
territorial, na cidade de Sarandi aconteceu a abertura da rodovia 376, facilitando o acesso
principalmente a partir de 1975 (Mapa 04). Alguns regional à cidade.
dos fatores que contribuíram para tal são: a

Mapa 04: Mapa de evolução dos loteamentos urbanos de Sarandi até 1980, sobreposto ao parcelamento fundiário rural
original.
Fonte: Informações do Cadastro Imobiliário – PMS (2008), sobrepostas à base cartográfica do parcelamento rural da CMNP
(1954).
Organização: Autora.

Até 1975, a ocupação ocorreu polarizada pelo substituição progressiva de propriedades rurais
núcleo urbano projetado pela CMNP: expandiram-se inteiras por loteamentos urbanos. As áreas ocupadas
pequenas porções nas suas proximidades, bem até metade da década de 1970 representam hoje a
como ao norte para além da BR-376 recém- centralidade urbana de Sarandi.6
inaugurada (Mapa 04). A expansão urbana foi Entre 1975 e 1980, a expansão avançou em
claramente condicionada pelo parcelamento rural, diversos sentidos, orientada principalmente
resultante da substituição de pequenas pelas duas principais estruturas regionais – a
propriedades rurais (chácaras) inseridas dentro da ferrovia e a rodovia – e condicionada pelo
Gleba Patrimônio por novos parcelamentos urbanos
parcelamento rural. Cabe destacar, contudo,
– como pode ser constatado por meio do mapa
abaixo, no qual se sobrepõem à estrutura fundiária
original a evolução dos loteamentos urbanos até 6
Observa-se que a Vila Vera Cruz permanece ainda hoje isolada,
1980. Com poucas exceções, a grande maioria dos bem como, que a antiga estrada que ligava os núcleos de Maringá
loteamentos em Sarandi resultou deste processo de e Marialva (atual Av.Maringá) perdeu sua importância na
estruturação urbana com a abertura da rodovia.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


De vilarejo à cidade conurbada: a expansão de Sarandi condicionada pela ação de três agentes imobiliários e
70 pelo parcelamento rural

que ao comparar a evolução urbana com o “espinha de peixe”, altamente hierarquizado e


mapa das imobiliárias responsáveis por cada condicionado por parcelas rurais de tamanho maior
loteamento (Mapa 05), é possível constatar que (sítios). Em termos de morfologia, a expansão do
neste período alguns parcelamentos foram território durante toda década de 1970 se deu
através de loteamentos de traçado regular, com
menos condicionados pelo parcelamento rural
quadras retangulares, seguindo o padrão inicial,
que no período anterior, já que alguns porém, com lotes menores (de 330 a 370m²) que os
parcelamentos foram resultado do dos dois núcleos iniciais.
remembramento de um grande número de A capacidade de acumular terra oriunda do
pequenas propriedades por uma mesma somatório de diversas propriedades rurais explica
imobiliária, o que proporcionou uma maior em parte o sucesso das maiores incorporadoras de
liberdade de proposição do traçado urbano em Sarandi, como a Construtora Vicky e Imobiliária Sol,
relação à parcela rural. principais agentes imobiliários da década de 1970 e
Nesses cinco anos, expansão se desenvolveu a de toda história de Sarandi, conforme representado
noroeste, no interstício entre a rodovia e a estrada no mapa anterior (Mapa 05). A partir dos dados do
que estabelecia o limite norte da Gleba Patrimônio cadastro imobiliário municipal (PMS, 2008),
(atual Rua Jozo Marangoni), em direção a Maringá, constata-se que a Construtora Vicky é a empresa que
atingindo o limite entre as duas cidades. Também se executou o maior número de loteamentos no
iniciou a ocupação a sudeste, no interstício entre a município e foi a responsável por 54,3% da área
rodovia e a linha férrea, assim como, para além parcelada em solo urbano em Sarandi,
desta. Além de marcar a efetivação da conurbação compreendendo uma área de 587,39 hectates e mais
com a cidade de Maringá, é também nesse momento de treze mil lotes urbanos. Além desta, duas outras
que a expansão – que se iniciou como uma mancha tiveram grande importância na configuração do
contínua – se modifica, com o surgimento de um espaço urbano de Sarandi, a Imobiliária Sol Ltda e a
grande loteamento descontínuo a malha urbana, a Wegg Empreendimentos Ltda, com a produção de
nordeste, o Jardim Universal (Mapa 04). Este 3.762 e 1.302 lotes, respectivamente. Estas três
estabelece uma nova tendência de expansão, incorporadoras juntas foram responsáveis por cerca
desarticulada do traçado existente, que ultrapassa de 72% da área urbana loteada pela iniciativa privada
os limites da Gleba Patrimônio e configura uma no município.
forma urbana ramificada – com o traçado em

Mapa 05: Mapa evidenciando as loteadoras responsáveis por cada loteamento existente em Sarandi.
Fonte: Cadastro Imobiliário Municipal – PMS, 2008 apud Plano de Habitação de Interesse Social (PHLIS) – PMS (2008).
Organização: Autora.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


Ströher e Souza
71

Figura 11: Mapa de evolução urbana de Sarandi, sobreposto ao parcelamento fundiário rural original. Fonte: Informações do
Cadastro Imobiliário – PMS (2008), sobrepostas à base cartográfica do parcelamento rural da CMNP (1954).
Organização: Autora.

Na década de 1980, foram aprovados dois que a expansão urbana se caracterizava até então:
grandes loteamentos (Mapa 06), de autoria da trata-se de um loteamento aprovado a sudeste, o
Construtora Vicky, ao norte, dando continuidade a Jardim Monterrey, que não segue o desenho do
lógica de expansão ramificada iniciada no final do parcelamento rural. Este é formado por parcelas
período anterior, condicionada pelas parcelas rurais irregulares de três propriedades rurais diferentes,
em forma de sítios e sem articulação com o traçado como é possível notar ao observar o traçado rural
viário existente. O dimensionamento do original (Mapa 06). Nesta década os lotes tiveram
parcelamento segue o padrão da década anterior, seu dimensionamento consideravelmente diminuído,
com lotes e quadras regulares retangulares, com com lotes de variação de 200 a 300m²,
área dos lotes entre 300 a 370m². predominando terrenos com 250m².
Durante a década de 1990, o território de Sarandi Durante os anos de 2000, foram aprovados mais
sofreu um segundo momento de grande expansão – sete loteamentos, sendo dois destes localizados
quanto ao número de loteamentos aprovados – com descontinuamente em relação à malha urbana
o surgimento de mais de 28% dos loteamentos existente, um a sudeste e outro a sudoeste. Um
existentes hoje. De acordo com Ivo Caleffi (2007), destes não possui correspondência com o
atual presidente da Coordenadoria Metropolitana de parcelamento rural, o Jardim das Torres, que é
Maringá, um dos motivos dessa intensa ocupação na constituído por porções irregulares de duas
década de 1990, esteve relacionado a um aumento propriedades do parcelamento rural original –
expressivo no valor do IPTU, em Maringá, “e pela remanescentes rurais resultantes do parcelamento
especulação imobiliária engendrada com objetivos do Jardim Monterrey (Mapa 06). Nesse período os
bem claros de mandar os pobres da cidade, cantar lotes possuem uma variação maior em seu
em outra freguesia (CALEFFI, 2007)”. dimensionamento, com lotes entre 250 a 420m².
A expansão na década de 1990 ocorreu tanto no Na década de 1990, as principais loteadoras
sentido de ocupação de vazios entre regiões já foram a Construtora Vicky, a Empresa Design
ocupadas – remanescentes da Gleba Patrimônio –, Incorporadora e Construção Civil e a Wegg
quanto em direção a áreas novas a noroeste e Empreendimentos, já nos anos 2000, são a Wegg
sudoeste, com o parcelamento de sítios rurais. Nesse Empreendimentos e a VY Incorporadora (PMS,
período, ocorreu uma exceção à tendência da forma 2008).

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


De vilarejo à cidade conurbada: a expansão de Sarandi condicionada pela ação de três agentes imobiliários e
72 pelo parcelamento rural

Tabela 1 – Produção de lotes urbanizados por Incorporadora Imobiliária. Sarandi, 2008


Número de Número de
Loteadora Incorporadora Loteamentos Área Lotes
Construtora Vicky Ltda 20 5.873.968,40 14.437
Imobiliária Sol Ltda 12 1.464.263,20 3.762
Wegg Empreendimentos Ltda 2 495.242,44 1.302
Design Incorporação e Const. Civil Ltda 1 381.822,39 783
Monolux Construções Civis 2 310.325,52 807
VY Incorporadora 1 258.456,00 362
Imobiliária Ypei Ltda 1 211.024,00 397
Demais Loteadoras 18 1.246.346,89 2.692
Loteamentos de Oriundo de Iniciativas de Pessoas Físicas 14 577.752,63 1.274
TOTAL 71 10819201,47 25816
Fonte: Informações do Cadastro Imobiliário – Prefeitura Municipal de Sarandi (2008) apud Plano de Habitação Local de
Habitação de Interesse Social – PMS (2008:155).
Organização: Observatório das Metrópoles – núcleo região metropolitana de Maringá.

Mapa 07: Mapa destacando as praças existentes atualmente em Sarandi.


Fonte: Secretaria do Meio Ambiente – Sarandi (2008).
Organização: Autora.
Acompanhando esse cenário, destaca-se a concerne à doação de áreas públicas. De acordo
existência de vários loteamentos que não previram com o proprietário da Construtora Vicky,
áreas públicas, como pode ser demonstrado no Engenheiro Civil Vicente Yukiaki Yabiku7, até a
mapa abaixo (Mapa 07), sendo ainda hoje reduzido aprovação da Lei 6766/1979, a negociação da
número de praças existentes atualmente em porcentagem de área a ser destinada ao município
Sarandi. Um dos fatores que influenciou esse era realizada informalmente entre a loteadora e o
cenário é a inexistência de uma lei federal que Prefeito, que normalmente girava em torno de 10%
regulasse sobre o parcelamento do solo urbano até da área total do loteamento, bem inferior ao
1979, quando foi aprovada a Lei Federal 6766, mínimo de 35% que aquela prevê.
porém, mesmo depois esta regulamentação, são
7
observáveis novos loteamentos irregulares no que Entrevista concedida em setembro de 2009. Termo de
Consentimento encontra-se em posse da autora.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


Ströher e Souza
73

possibilidade de certa continuidade no tecido


4.CONCLUSÃO urbano. Os novos parcelamentos realizados em
substituição a sítios rurais – característicos,
A partir do exposto, percebe-se que, apesar do sobretudo, a partir da década de 1980 –,
aparente caos, a expansão urbana foi de fato entretanto, acabaram por gerar uma expansão
polarizada pela proximidade de Maringá, porém a urbana descontínua, de forma ramificada e com um
forma urbana resultante foi amplamente traçado altamente hierarquizado.
condicionada por um parcelamento fundiário rural A atuação das empresas Vicky, Sol e Wegg foi
preexistente projetado pela CMNP, pelas grandes também determinante nessa expansão. Autoras de
infraestruturas regionais que se inseriram em seu 72% dos loteamentos de Sarandi foram
território e pela atuação de três empresas responsáveis pelo direcionamento da expansão
loteadoras. Neste sentido, a ocupação das áreas urbana, definindo as tendências que foram
para além da Gleba Patrimônio – área de chácaras seguidas pelas demais ações imobiliárias, destaca-
que visava, no projeto fundiário original, a presença se, por exemplo, que a ocupação do parcelamento
de um número maior de moradores em torno do dos sítios rurais foi iniciada pela Construtora Vick.
vilarejo original – marca uma mudança significativa Direcionado por estes agentes privados, o
na forma urbana da expansão de Sarandi. Dentro crescimento da cidade foi fruto da especulação
dos limites daquela gleba, o tamanho diminuto das imobiliária, com loteamentos criados sem que
parcelas rurais e a quantidade significativa de houvesse uma preocupação quanto à concepção
estradas rurais que permitiam seu acesso urbanística, nem um direcionamento do poder
garantiram, até o final da década de 1970, a público para tal.

Figura 13: Síntese dos principais aspectos da morfogênese de Sarandi.


Fonte: Informações do Cadastro Imobiliário – Sarandi (2008).
Organização: Autora.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.


De vilarejo à cidade conurbada: a expansão de Sarandi condicionada pela ação de três agentes imobiliários e
74 pelo parcelamento rural

REFERÊNCIAS REGO, L. & MENEGUETTI, K. A forma urbana das


cidades de médio porte e dos patrimônios fundados
CARVALHO, L.D.M. de. O posicionamento e o traçado pela Companhia Melhoramentos Norte do Paraná.
urbano de algumas cidades implantadas pela Rev.Acta Scientiarum Technology, 27 (2) 167-173,
Companhia de Terras Norte do Paraná e sucessora, 2006.
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. 2000. ROZEIRA, Milton. Projeto Resgate Histórico: Sarandi,
UEM, 2000 – Dissertação. (Mestrado) – sua Terra sua Gente. Prefeitura Municipal de Sarandi.
Departamento de Geografia, Universidade Estadual Sarandi, 1999.
de Maringá, 2000. SARANDI, Prefeitura Municipal. Plano de Habitação
FIGUEIREDO, L. C. Sarandi: Um Espaço Produzido por de Interesse Social: Diagnóstico Habitacional.
Marialva e Maringá. UFSC, 1997 – Dissertação Sarandi, 2008.
(Mestrado) – Departamento de Geografia, SARANDI, Prefeitura Municipal. Sarandi, Cidade
Universidade Federal de Santa Catarina, 1997. Progresso!. Sarandi,1987.
CALEFFI, João Ivo. Exposição Oral no Encontro da SARANDI, Prefeitura Municipal. Cadastro Imobiliário.
CODEM: Maringá, maio de 2007. Sarandi, 2008.
CASTEX, J. Histoire de la forme Urbaine. In: Castex et SOUZA, D. P. de. Entrevista concedida a autora em
al. Histoire Urbaine, anthropologie de l'espace. Paris: junho de 2009.
CNRS Editions, 1995. SOUZA, G. B. ; et al. . Morphogenesis of Rurban
IAP – Instituto Ambiental do Paraná. Acervo Landscapes. Research on the spatial and cognitive
iconográfico, 2008. implications of the denomination of small rural
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. county-towns as. In: 16th ISUF, 2009, Procedings of
Censo Demográfico, 2000 e 2010. 16th ISUF. Guangzhou: South China University of
MARINGÁ, Prefeitura Municipal. Plano Diretor Technology, 2009.
Integrado de Desenvolvimento de Maringá, 1991; YABIKU, V. Y. Entrevista concedida a autora em
2008. setembro de 2009.
PEREIRA, J. L.. Entrevista concedida a autora em
junho de 2008.

Revista Tecnológica Maringá, v. 20, p. 63-74, 2011.

Você também pode gostar