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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL

Câmpus de Três Lagoas - CPTL


Departamento de Ciências Exatas - DEX

ALGEBRA I

Prof. JOSÉ BERTOLOTO JUNIOR.

2007
.

BERTOLOTO Jr.; José


“ALGEBRA I”
José Bertoloto Junior, Três Lagoas/MS 2007
Baseado em notas de aulas do Prof. Dr. Antonio Carlos Tamarozzi e
Prof. Dra. Eugenia Brunilda Opazo Uribe.
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
1.Lógica; 2.Conjuntos; 3.Números Inteiros.
Resumo

Introdução à Lógica Matemática


Lógica proposicional - Sentenças abertas - Quantificadores, Argumentos, Téc-
nicas de demonstração.

Teoria Elementar dos Conjuntos


Conceitos, Relação de Pertinência e Relação de inclusão
Operações com conjuntos e suas propriedades.

Números Inteiros
Propriedades dos inteiros, Princípio de indução Aritmética em Z (Múltiplos
e divisores), Algoritmo da divisão, Congruências, Máximo divisor comum, Mí-
nimo múltiplo comum, Números primos, Teorema Fundamental da Aritmética,
Equações Diofantinas.
Sumário

1 Introdução à Lógica Matemática 4


1.1 Lógica Proposicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.1.1 Proposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.1.2 Conectivos Lógicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.1.3 Tabelas-Verdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.1.4 Tautologias e Contradições . . . . . . . . . . . . . . . . 13
1.1.5 Implicação Lógica e Equivalência Lógica. . . . . . . . . . 15
1.1.6 Recíproca, Contrária e Contrapositiva de uma Proposição
Condicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.1.7 Negação de Operações Lógicas . . . . . . . . . . . . . . 19
1.1.8 EXERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.2 Argumentos Lógicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.2.1 Valor Lógico de um Argumento . . . . . . . . . . . . . . 25
1.2.2 EXERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.3 Sentenças Abertas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.4 Quantificadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
1.4.1 Quantificador Existencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
1.4.2 Quantificador Universal . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
1.4.3 Quantificação em sentenças de duas variáveis . . . . . . . 33
1.4.4 Negação de Quantificadores . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.4.5 EXERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.5 Condições Necessária e suficiente . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
1.6 Teoremas e Demonstrações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

1
SUMÁRIO 2

1.6.1 Corolários e Lemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41


1.6.2 Contra-exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
1.6.3 Demonstrações usando a Contra-positiva . . . . . . . . . 44
1.6.4 Demonstração por redução ao absurdo . . . . . . . . . . 45
1.6.5 Demonstração por equivalências . . . . . . . . . . . . . . 46
1.6.6 EXERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

2 Uma introdução a Teoria dos Conjuntos 49


2.1 Conjunto universo e conjunto vazio . . . . . . . . . . . . . . . . 50
2.2 Inclusão de Conjuntos. Subconjuntos . . . . . . . . . . . . . . . 50
2.3 Igualdade de Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.4 Diferença entre Conjuntos
Conjunto Complementar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
2.5 Operação com Conjuntos:
União e intersecção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
2.6 O Conjunto das Partes de um conjunto . . . . . . . . . . . . . . 58
2.7 A Cardinalidade de um conjunto . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
2.8 Produto Cartesiano de Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
2.9 Representação gráfica do
Produto Cartesiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
2.10 Algumas Propriedades do
Produto Cartesiano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
2.11 Produto Cartesiano de vários Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . 67
2.12 Simplificação de Expressões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
2.13 EXERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

3 Indução Finita 76
3.1 Primeiro Princípio de Indução finita . . . . . . . . . . . . . . . . 77
3.2 Segundo Princípio de Indução Finita . . . . . . . . . . . . . . . . 84
3.3 EXERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
SUMÁRIO 3

4 Divisibilidade 88
4.1 Congruência módulo n . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
4.2 Aplicações de congruências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
4.3 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
4.4 Sistemas numéricos de base b, onde b ≥ 2 . . . . . . . . . . . . 102
4.5 Critérios de divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.5.1 Máximo Divisor Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
4.5.2 Mínimo Múltiplo Comum . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
4.6 EXERCÍCIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113
Capítulo 1

Introdução à Lógica
Matemática

1.1 Lógica Proposicional

1.1.1 Proposição
Definição 1.1

Proposição é uma sentença declarativa que deve exprimir um pensamento de


sentido completo.

Observação 1.1

• Uma Proposição pode ser escrita na forma simbólica ou na linguagem


usual.

• As proposições que consideraremos são aquelas perfeitamente declarativas,


afirma-se ou nega-se. Desta forma não consideraremos as interrogativas,
as exclamativas, as imperativas, etc.

• Designaremos as proposições por letras minúsculas: p, q, r, etc.

Exemplo 1.1

1. São Proposições:

4
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 5

p : João é rico. q : O número 8 é par.


π
r : 3+4=7 s : tg = 1
√ 4
t: 3<π eπ<5 u : A terra é plana.

2. Não são proposições:

p : Onde você vai? q : Ele foi diretor da escola.


r : Os estudantes jogam bola. s : 3x2 − x = 2

t: 3+π

As proposições admitem um dos valores lógicos: Verdadeiro (V) ou Falso


(F), obedecendo aos princípios fundamentais da lógica:

1. Princípio da Não Contradição: Uma proposição não pode simultanea-


mente ser verdadeira e falsa.

2. Princípio do Terceiro Excluído: Toda proposição ou é só verdadeira


ou é só falsa, nunca ocorrendo um terceiro caso.

As proposições podem ser simples ou compostas.


Proposição Simples: é a que não contém nenhuma outra proposição como
parte integrante de si mesma; por exemplo, as proposições p, q, r e s do exem-
plo 1.1 são proposições simples.
Proposição Composta: é formada por duas ou mais proposições rela-
cionadas por conectivos lógicos; por exemplo, a proposição t do exemplo 1.1 é
uma proposição composta. As proposições compostas são denotadas por letras
maiúsculas: P, Q, R, etc.
P (p, q, r, s, ...) indica que a proposição composta P é formada pelas proposições
simples p, q, r, s, ...

1.1.2 Conectivos Lógicos


A partir de proposições dadas podemos construir outras por meio dos conectivos
“não”, “e”, “ou”, “se...então”, “...se e somente se”, da seguinte forma:
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 6

Negação

Notação: ∼ p (lê-se: “não p”)

Exemplo 1.2

p : João é rico. ∼ p : João não é rico.


q : O número 8 é par. ∼ q : O número 8 não é par.
π π
r : tg = 1 ∼ r : tg 6= 1
4 4

A expressão “não é verdade” também é usada para obter a negação de uma


proposição. Por exemplo:
∼ p : Não é verdade que João é rico.

Conjunção

Uso do conectivo “e”. A partir de duas proposições obtemos uma terceira.


Notação: p ∧ q (Lê-se: p e q)

Exemplo 1.3

p : João é estudante.
q : Pedro é professor.
p ∧ q : João é estudante e Pedro é Professor.

Exemplo 1.4

p:2<3
q:3>5
p∧q : 2<3 e 3>5

Disjunção

Com o conectivo “ou”, dadas duas proposições, formamos uma terceira.


Notação: p ∨ q (lê-se: p ou q)

Exemplo 1.5
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 7

p : João é estudante.
q : Pedro é professor.
p ∧ q : João é estudante ou Pedro é professor.

Exemplo 1.6

p : A = {x ∈ R | x ≤ 3}
q : A = {x ∈ R | x ≥ 5}
p ∧ q : A = {x ∈ R | x ≤ 3} ou A = {x ∈ R | x ≥ 5}

Observação 1.2

Não utilizamos o conectivo “ou” no sentido de exclusão: “ou ocorre isto ou ocorre
aquilo”. Assim, por exemplo “Gosto de pera ou gosto de maçã” é verdadeira
mesmo que a pessoa em questão goste das duas frutas.

Condicional (→)

Utilizando o conectivo “se..., então...”, formamos uma terceira proposição.


Notação: p → q (lê-se: “se p, então q”)

Exemplo 1.7

p : Carlos estuda.
q : Carlos passará de ano.
p → q : Se Carlos estuda, então Carlos passará de ano.

Exemplo 1.8

p : Marta é rica.
q : Marta é feliz.
p → q : Se Marta é rica, então Marta é feliz.
Na proposição condicional, a proposição p é chamada de antecedente e a
proposição q é chamada de conseqüente, mas, sem que efetivamente q seja
conseqüência de p.

Exemplo 1.9
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 8

p: 2+3=1
q : A Terra é plana.
p → q : Se 2 + 3 = 1, então a Terra é plana.

Exemplo 1.10

p : João é magro.
q : Carlos é careca.
p → q : Se João é magro, então Carlos é careca.

Bicondicional (↔)

Dadas duas proposições, formamos uma terceira proposição chamada bicondi-


cional, utilizando o conectivo “...se, e somente se...”.
Notação: p ↔ q (Lê-se: “p se, e somente se q”)

Exemplo 1.11

p : O triângulo ABC é um triângulo retângulo.


q : O triângulo ABC tem um ângulo reto.
p ↔ q : O triângulo ABC é um triângulo retângulo se, e somente se o triângulo
ABC tem um ângulo reto.

Exemplo 1.12

p : n é um número par.
q : n é divisível por 2.
p ↔ q : n é um número par se, e somente se n é divisível por 2.

Exemplo 1.13

p : A Terra é plana.

q : 2 é um número racional.

p ↔ q : 2 é um número racional se, e somente se a Terra é plana.
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 9

1.1.3 Tabelas-Verdade
Tabela-verdade é uma tabela onde figuram todos os possíveis valores lógicos das
proposições.
Para uma única proposição simples p, temos os valores lógicos possíveis V ou
F:

p
V
F

Quando lidamos com duas proposições, as combinações possíveis são as


seguintes:

p q
V V
V F
F V
F F

Negação

Regra: ∼ p é verdadeira (falsa) sempre que p é falsa (verdadeira).

p ∼p
V F
F V

Como fica a tabela verdade de uma proposição composta que surgiu de duas
outras através de conectivos? Vejamos.
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 10

Conjunção

Regra: A conjunção de duas proposições (p ∧ q) é verdade sempre que p e q


são verdadeiras, do contrário será falsa. A tabela-verdade é:

p q p∧q
V V V
V F F
F V F
F F F

Disjunção

Regra: A disjunção de duas proposições (p ∨ q) é falsa se, e somente se, p e q


são falsas. A tabela-verdade é:

p q p∨q
V V V
V F V
F V V
F F F

Notemos que (p ∨ q) será verdadeira se ao menos uma das proposições, p ou


q, o for.

Condicional

Regra: A condicional (p → q) é falsa se, e somente se, p é verdadeira e q é


falsa. A tabela-verdade é:
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 11

p q p→q
V V V
V F F
F V V
F F V

Bicondicional

Regra: A bicondicional (p ↔ q) é verdadeira se, e somente se, p e q são


verdadeiras ou se p e q são falsas. A tabela-verdade é:

p q p↔q
V V V
V F F
F V F
F F V

Exemplos

Exemplo 1.14

1. Construir a Tabela verdade das seguintes proposições compostas:

(a) p∧ ∼ q

p q ∼q p∧ ∼ q
V V F F
V F V V
F V F F
F F V F
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 12

(b) (p∧ ∼ q) → (∼ p ∨ q)

p q ∼p ∼q p∧ ∼ q ∼ p∨q (p∧ ∼ q) → (∼ p ∨ q)
V V F F F V V
V F F V V F F
F V V F F V V
F F V V F V V

(c) (p → q) → p

p q p→q (p → q) → p
V V V V
V F F V
F V V F
F F V F

(d) (p∧ ∼ q) ∧ (r∨ ∼ r)

p q r ∼q ∼r p∧ ∼ q r∨ ∼ r (p∧ ∼ q) ∧ (r∨ ∼ r)
V V V F F F V F
V V F F V F V F
V F V V F V V V
V F F V V V V V
F V V F F F V F
F F V V F F V F
F V F F V F V F
F F F V V F V F
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 13

2. Sabendo que p é verdadeira, q é verdadeira e r é falsa, determinar os


valores lógicos das seguintes proposições:

(a) (p ∧ (q ∨ r)) → (p → (r ∨ q))

p q r q∨r p ∧ (q ∨ r) r∨q p → (r ∨ q) (p ∧ (q ∨ r)) → (p → (r ∨ q))


V V F V V V V V

(b) (q → r) ↔ (∼ q ∨ r)

q r ∼q q→r ∼q∨r (q → r) ↔ (∼ q ∨ r)
V F F F F V

1.1.4 Tautologias e Contradições


Definição 1.2

Tautologia é uma proposição composta cujo valor lógico é sempre a verdade,


quaisquer que sejam os valores lógicos das proposições que a compõe.

Exemplo 1.15

A proposição (p∨ ∼ p) é uma tautologia, como pode ser visto na tabela-verdade:

p ∼p p∨ ∼ p
V F V
F V V

Definição 1.3

Contradição é uma proposição composta cujo valor lógico é sempre falso, quais-
quer que sejam os valores lógicos das proposições que a compõe.
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 14

Exemplo 1.16

A proposição (p∧ ∼ p) é uma contradição, como pode ser visto na tabela-


verdade:

p ∼p p∧ ∼ p
V F F
F V F

Observação 1.3

Uma proposição composta que não é uma tautologia e não é uma contradição,
será chamada de indeterminação.

Exemplo 1.17

Construa a tabela verdade das proposições compostas a seguir e verifique se


as mesmas são tautologias, contradições ou indeterminações:

(a) ((p ∨ q) →∼ p) → (q ∧ p)

p q ∼p p∨q q ∧ p (p ∨ q) →∼ p ((p ∨ q) →∼ p) → (q ∧ p)
V V F V V F V
V F F V F F V
F V V V F V F
F F V F F V F

A proposição dada é uma indeterminação.

(b) ∼ (p ∨ q) ↔ (∼ p∧ ∼ q)
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 15

p q ∼p ∼q p∨q ∼ (p ∨ q) ∼ p∧ ∼ q ∼ (p ∨ q) ↔ (∼ p∧ ∼ q)
V V F F V F F V
V F F V V F F V
F V V F V F F V
F F V V F V V V

A proposição dada é uma tautologia.

(c) ∼ (∼ (p ∧ q)) ↔ (∼ p∨ ∼ q)

p q ∼p ∼q p∧q ∼ (p ∧ q) ∼ (∼ (p ∧ q)) ∼ p∨ ∼ q ∼ (∼ (p ∧ q)) ↔∼ p∨ ∼ q


V V F F V F V F F
V F F V F V F V F
F V V F F V F V F
F F V V F V F V F

A proposição dada é uma contradição.

1.1.5 Implicação Lógica e Equivalência Lógica.


Dadas as proposições compostas P e Q, diz-se que ocorre uma implicação
lógica entre P e Q quando a proposição condicional P → Q é uma tautologia.
Notação: P ⇒ Q (lê-se: “P implica Q”, ou “Se P então Q”).

Observação 1.4

Os símbolos (→) e (⇒) tem significados diferentes:


O primeiro (→) representa uma operação entre proposições, dando origem
a uma nova proposição p → q cuja tabela-verdade contém tanto V como F.
Enquanto que, o símbolo (⇒) indica uma relação entre duas proposições, e
neste caso a tabela verdade tem sempre o valor lógico V.
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 16

Exemplo 1.18

1. Podemos mostrar que (p ∧ q) ⇒ p, analisando a tabela verdade:

p q p∧q (p ∧ q) → p
V V V V
V F F V
F V F V
F F F V

2. Mostraremos que (p ∧ q) ⇒ (p ∨ q)

p q p∧q p∨q (p ∧ q) → (p ∨ q)
V V V V V
V F F V V
F V F V V
F F F F V

Dadas as proposições compostas P e Q, diz-se que ocorre uma equivalência


lógica entre P e Q (ou que P e Q são logicamente equivalentes) quando
suas tabelas-verdade forem idênticas. Neste caso representamos por P ⇔ Q.

Exemplo 1.19

1. Mostrar que (p → q) ∧ (q → p) e p ↔ q são equivalentes.


1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 17

p q p→q q→p (p → q) ∧ (q → p) p ↔ q
V V V V V V
V F F V F F
F V V F F F
F F V V V V

2. Mostrar que ∼∼ p ⇔ p, isto é, a dupla negação equivale à afirmação.

p ∼p ∼∼ p
V F V
F V F

1.1.6 Recíproca, Contrária e Contrapositiva de uma Proposição


Condicional
Consideremos a proposição condicional p → q. Podemos formar outras proposições
condicionais contendo p e q:

q → p, ∼ p →∼ q, ∼ q →∼ p

Estas são chamadas de recíproca, contrária (ou inversa) e contrapositiva da


proposição condicional p → q, respectivamente.
Note que a contrapositiva é a recíproca da contrária.

Exemplo 1.20

Seja T um triângulo. Consideremos as proposições:


1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 18

p : T é equilátero.
q : T é isósceles.

A partir delas, podemos formar as seguintes condicionais:

p → q : Se T é equilátero, então T é isósceles.


q → p : Se T é isósceles, então T é equilátero.
∼ p →∼ q : Se T não é equilátero, então T não é isósceles.
∼ q →∼ p : Se T não é isósceles, então T não é equilátero.

Vejamos a tabela-verdade destas quatro proposições:

p q p→q q→p ∼p ∼q ∼ p →∼ q ∼ q →∼ p
V V V V F F V V
V F F V F V V F
F V V F V F F V
F F V V V V V V

A tabela verdade acima mostra que são logicamente equivalentes:

(a) Uma proposição condicional (p → q) e a sua contrapositiva (∼ q →∼ p),


isto é,

(p → q) ⇔ (∼ q →∼ p)

(a) A recíproca (q → p) e a contrária (∼ p →∼ q) de uma proposição condi-


cional (p → q), isto é,

(q → p) ⇔ (∼ p →∼ q)
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 19

A mesma tabela-verdade mostra também que uma proposição condicional


(p → q) e sua recíproca (q → p) ou a sua contrária (∼ p →∼ q) não são
logicamente equivalentes.

1.1.7 Negação de Operações Lógicas


Negação da Negação

A negação da negação de uma proposição é equivalente à própria proposição.


De fato, construindo a tabela-verdade verificamos tal equivalência:

p ∼p ∼∼ p
V F V
F V F

Assim podemos escrever que ∼ (∼ p) ⇔ p.

Exemplo 1.21

Dizer: “Não é verdade que 3 não é um número primo.”


É o mesmo que dizer: “3 é um número primo”.

Negação da conjunção

A negação de uma conjunção é logicamente equivalente a uma disjunção. Pode-


mos comprovar este fato pela seguinte tabela-verdade:

p q ∼p ∼q p∧q ∼ (p ∧ q) ∼ p∨ ∼ q
V V F F V F F
V F F V F V V
F V V F F V V
F F V V F V V

Logo podemos escrever: ∼ (p ∧ q) ⇔∼ p∨ ∼ q.


1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 20

Exemplo 1.22

Sejam as proposições:

p : Pedro estuda matemática.


q : Pedro estuda física.
p ∧ q : Pedro estuda matemática e física.
∼ (p ∧ q) : Não é verdade que pedro estuda matemática e física.
∼ p∨ ∼ q : Pedro não estuda matemática ou Pedro não estuda física.

A negação da Disjunção

A negação de uma disjunção é logicamente equivalente a uma conjunção:

p q ∼p ∼q p∨q ∼ (p ∨ q) ∼ p∧ ∼ q
V V F F V F F
V F F V V F F
F V V F V F F
F F V V F V V

Assim, podemos escrever ∼ (p ∨ q) ⇔∼ p∧ ∼ q.

Exemplo 1.23

Admitindo as proposições p e q do exemplo 1.22. Então:

p ∨ q : Pedro estuda matemática ou física.


∼ (p ∨ q) : Não é verdade que pedro estuda matemática ou física.
∼ p∧ ∼ q : Pedro não estuda matemática e Pedro não estuda física.
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 21

Negação da Condicional

A negação da condicional é logicamente equivalente a uma conjunção. De fato,


dado uma condicional p → q pela tabela-verdade mostramos que esta é equiva-
lente a ∼ (p∧ ∼ q), veja:

p q p→q ∼q p∧ ∼ q ∼ (p∧ ∼ q)
V V V F F V
V F F V V F
F V V F F V
F F V V F V

Comprovado que realmente p → q ⇔∼ (p∧ ∼ q) e considerando que ∼


(p → q) ⇔∼ (∼ (p∧ ∼ q)), e a equivalência, ∼ (∼ (p∧ ∼ q)) ⇔ p∧ ∼ q,
podemos concluir que:
∼ (p → q) ⇔ p∧ ∼ q

Ou seja, a negação de uma condicional é uma disjunção formada pela “partida”


da condicional e a negação de sua “chegada”.

Exemplo 1.24

Sejam (p : Marta é rica.) e (q : Marta é feliz.). Temos (p → q : Se marta é


rica então Marta é feliz.) e a negação desta condicional fica da seguinte forma:
(∼ (p → q) : Marta é rica e Marta não é feliz.)

Negação da Bicondicional

Mostraremos através da tabela abaixo que ∼ (p ↔ q) ⇔ p ↔∼ q.


Esta provado, então, que ∼ (p ↔ q) ⇔ p ↔∼ q, porém isto não significa
que podemos estabelecer uma única equivalência entre negações de proposições
lógicas. Tente encontrar outras equivalências, por exemplo, para a negação da
bicondicional.
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 22

p q ∼q p↔q ∼ (p ↔ q) p ↔∼ q
V V F V F F
V F V F V V
F V F F V V
F F V V F F

1.1.8 EXERCÍCIOS
1. Dizer o valor lógico de cada sentença abaixo:

(a) 2 + 5 6= 6 ou 3 − 1 = 25;
(b) Se 2 + 4 = 8 então 2 + 6 = 9;
(c) Se x2 − 8x + 48 = 0 então x − 2 = 4;

(d) ∀ x ∈ R , −x2 ≤ 0 e ∀ x ∈ R , x2 = |x|;
(e) (x − y)2 ≥ 0 se, e somente se, todo triângulo equilátero é isósceles.
(f) Se 2 + 2 = 4, então não é verdade que 2 + 1 = 3 e 5 + 5 = 10;
(g) mdc(3, 6) = 1 ⇔ 8 é um número primo ;

(h) x = 2 ⇔ x=4 ;
(i) Se 0 ≤ x < 2 então x2 < 8 ;
(j) Se x < 0 então |x| = −x ;
7
(k) As retas de equações 3x − y = e 6x − 2y = 1 são paralelas ou são
2
perpendiculares ;
(l) Se a equação x3 + x2 − ax + 2a = 0 tem 1 como raiz então a = −1 ;
2x
(m) A reta de equação = 2y − 1 passa pelo ponto (-1,2) ou é paralela
3
2x − 1
à reta de equação = 2y ;
3
p 1 p 1
(n) Não existe número racional , q 6= 0 tal que < < .
q 13 q 12
2. Estude os valores lógicos das proposições seguintes, se o valor lógico é F,
dê as negações:
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 23

(a) Todo paralelogramo é quadrado;


(b) Algum triângulo retângulo é isósceles;
(c) Nenhum múltiplo de 2 é 7;
(d) Existe equação do segundo grau que possui 3 raízes.
(e) Para qualquer número natural x, existe um natural y tal que x+3y =
6;
(f) Nenhum número real x é tal que x2 + 1 = 0;
(g) Todo número real x é tal que seu quadrado é não negativo.

3. Sendo p: "Está chovendo", q: "Ele usa um guarda chuva", escreva na


linguagem simbólica.

(a) Se está chovendo, então ele usa um guarda chuva;


(b) Se ele usa um guarda chuva, então está chovendo;
(c) Se não está chovendo, então ele não usa um guarda chuva;
(d) Se ele não usa um guarda chuva, então não está chovendo;
(e) Para ele usar um guarda chuva é necessário estar chovendo;
(f) Para ele usar um guarda chuva é suficiente estar chovendo;
(g) A condição necessária e suficiente para ele usar um guarda chuva é
estar chovendo.

4. Escreva a proposição recíproca e a contrapositiva de cada proposição:

(a) Se ele é um bom poeta, então ele é pobre ;


(b) Se um número é par, então o seu quadrado é par ;
(c) Se ela estudasse, então ela passaria de ano ;
(d) Se um polígono é um quadrado, então ele é um retângulo .

5. Escreva a proposição contrapositiva de cada uma das proposições:

(a) p → q ;
1.1. LÓGICA PROPOSICIONAL 24

(b) q → p ;
(c) ∼ p → q ;
(d) p →∼ q ;
(e) ∼ q → p ;
(f) q →∼ p ;
(g) ∼ p →∼ q ;
(h) ∼ q →∼ p ;
(i) q∨ ∼ p .

6. Julgue as proposições condicionais a seguir (como verdadeiras ou falsas) e


também as respectivas recíprocas.

(a) Se x = 3 então x2 = 9 ;
(b) Se x é um número inteiro, a equação 2x − 5 = 0 não tem solução ;

(c) Se x é im número real, a sentença x = x2 é uma identidade ;
1
(d) Se x > 0 é um número real, então 6 1 ;
x
(e) Se x > 0 e y > 0 então x < y .
2 2

7. Analise se as seguintes condicionais podem ser tornadas implicações.

(a) Se 2x + 4 = 0 então x2 − 8x + 12 = 0 ;
(b) Se x2 − 1 = 8 então 2x − 1 = 5 ;

(c) Se x + 2 = x − 4 então x + 2 = (x − 4)2 .

8. Analise se as seguintes bicondicionais podem ser tornadas equivalências.

(a) x4 = y 2 se, e somente se x12 = y 6 ;


(b) 3x − 5 = 7 se, e somente se x2 − 8x + 16 = 0 ;
(c) (x − 3)2 − 1 = 0 se, e somente se(x − 4)2 = 0 ;
√ √ √
(d) x − 3 + x + 12 = x + 21 se, e somente se x2 + 20x − 96 = 0 ;
1.2. ARGUMENTOS LÓGICOS 25

√ √ √
(e) 4x + 16 − x+1 = 9 − x se, e somente se 20x2 + 16x = 0 ;

9. Simplificar:

(a) ∼ (p ↔ ∼ q) ;
(b) ∼ (∼ p ↔ q) ;
(c) ∼ (∼ p → ∼ q).

10. Verificar que vale a lei associativa (p ∧ q) ∧ r ≡ p ∧ (q ∧ r) .

11. Escreva a operação de disjunção p ∨ q em termos de ∼ e ∧.

12. Verificar se a operação condicional é distributiva em relação à conjunção,


isto é, será verdade que: p → (q ∧ r) ≡ (p → q) ∧ (p → r) ?

1.2 Argumentos Lógicos


A partir de uma seqüência de proposições p1 , p2 , . . . , pn , muitas vezes é
possível estabelecer uma nova proposição q chamada de conclusão.
A este processo chamamos de argumentação lógica, e denotamos por

p1 , p2 , . . . , pr ` q (1.1)

onde as proposições p1 , . . . , pr são chamadas premissas e q a conclusão


do argumento.
Um argumento é portanto um sistema da forma (1.1), onde se admitem as
proposições p1 , . . . , pr verdadeiras e estuda-se a possibilidade de q também
ser verdadeira.

1.2.1 Valor Lógico de um Argumento


Dizemos que o valor lógico de um argumento p1 , p2 , . . . , pr ` q é
verdadeiro (ou válido) se todas as vezes que as premissas p1 , . . . , pr forem
simultaneamente verdadeiras então q também é verdadeira. Do contrário temos
1.2. ARGUMENTOS LÓGICOS 26

um argumento chamado falso (ou sofisma). Em outras palavras, admite-se que o


argumento é sempre verdadeiro, exceto quando existir duas ou mais proposições
contraditórias, então analisa-se se a conclusão pode ser considerada verdadeira,
caso seja então temos o valor lógico válido, caso não seja temos o valor lógico
falso ou sofisma.

Exemplo 1.25

O argumento p , p → q ` q é válido.
De fato, supondo p e p → q verdadeiras, então q será também verdadeira
(conclusão). Lembrando que em uma condicional se a partida p é verdadeira para
que a condicional seja verdadeira devemos ter a chegada q também verdadeira.
Então podemos concluir que q é verdadeira.

Exemplo 1.26

p∧q ` p
Tendo p ∧ q verdadeiro, então , por definição de conjunção, p e q são ambas
verdadeiras, em particular p é verdadeiro, que é a nossa conclusão.

Exemplo 1.27

p∧q ` p∨q
Nós temos p ∧ q uma proposição verdadeira, ou seja p e q são ambas ver-
dadeiras. Assim, por exemplo, q é verdadeira. Daí, decorre da definição de
disjunção, que p ∨ q é verdadeira.

Exemplo 1.28

Já o argumento p ∨ q ` p ∧ q é um sofisma.
De fato, considerando p uma proposição falsa e q uma proposição verdadeira,
temos as premissas p ∨ q verdadeira enquanto que a conclusão p ∧ q é falsa.
A linha seguinte resume nossa argumentação:
1.2. ARGUMENTOS LÓGICOS 27

p q p∨q p∧q
F V V F

1.2.2 EXERCÍCIOS
1. Testar a validade dos argumentos seguintes e justificar:

(a) Se eu estudar então não serei reprovado em matemática.


Se eu não jogar basquete então estudarei.
Fui reprovado em matemática.
CONCLUSÃO: Joguei basquete.
(b) Se gosto de matemática então estudarei.
Ou estudo ou sou reprovado.
CONCLUSÃO: Se eu reprovo então não gosto de matemática.
(c) Se Londres não fica na Dinamarca então Paris não fica na França.
Paris fica na França.
CONCLUSÃO: Londres fica na Dinamarca.
(d) Se não chover eu não tomo banho.
Choveu.
CONCLUSÃO: Tomei banho.
(e) Se eu vou às compras então não faz sol.
Se lavo o carro faz sol.
Lavei o carro.
CONCLUSÃO: Não fui às compras.
(f) No aniversário de minha esposa trago-lhe flores.
É aniversário de minha esposa ou eu trabalho até tarde.
Eu não trouxe flores para minha esposa hoje.
CONCLUSÃO: Hoje trabalhei até tarde.

2. Repetir o problema anterior para os seguintes argumentos:

(a) p → q , r → ∼ q ` (r → ∼ p);
1.2. ARGUMENTOS LÓGICOS 28

(b) t → r , t ∧ v, ∼ r ` s ;
(c) p → ∼ q, q → ∼ r, p ∨ ∼ r ` (∼ q ∨ ∼ r) ;
(d) q → ∼ p, ∼ (∼ p) ` q ;
(e) p ∨ (q → p) ` p ∨ ∼ q ;

3. Quando possível, estabelecer uma conclusão para cada grupo de proposições


abaixo (premissas):

(a) Se eu ligar o rádio não ouço o telefone.


Se não ligar o rádio toca a campainha.
Não tocou a campainha.
(b) Se uma planta for arbusto então ela não produz flor.
Se a planta não faz árvore então então é arbusto.
A planta produziu flor.
(c) Se o sol não está quente então vou à praia.
O sol está quente.

4. Provar que x = 0 dadas as seguintes premissas:

(a) x 6= 0 então x = y ;
(b) x = y então x = z ;
(c) x 6= z .

5. Provar “a"dadas as premissas: ∼ a → b , b → c , ∼ c.

6. Provar a ↔ v dadas as premissas: t → a , v → t , a → m , v ∨ ∼


m.

7. Provar ∼ t dadas as hipóteses (premissas): p → s , p ∧ q , s ∧ r → ∼


t , q → r.

8. Demonstrar s dadas as hipóteses: t → r , ∼ r , t ∨ s.

9. Admitindo p ∨ q e ∼ r ∨ ∼ q, verifique ∼ p → ∼ r.
1.3. SENTENÇAS ABERTAS 29

1.3 Sentenças Abertas


Consideremos sentenças do tipo: x é um número primo, ele joga bola, etc. Não
podemos dar-lhes um valor lógico, há uma certa indeterminação. Desta forma
estas sentenças não são proposições. Elas tornam-se proposições se substituirmos
as variáveis x, y, z, ele, ela, etc. por um valor ou nome conhecido.
Chama-se sentença aberta com uma variável em um conjunto A ou
apenas sentença aberta em A, uma expressão s(x) tal que s(a) é falsa ou
verdadeira para todo a ∈ A. Em outras palavras, s(x) é uma sentença aberta em
A se, e somente se, s(x) admite um valor lógico (verdadeiro ou falso) sempre que
substituirmos a variável x por qualquer elemento a do conjunto A. O conjunto
A é chamado de conjunto universo ou domínio da variável x. Dado um
elemento a de A, se s(a) torna-se verdadeira, então dizemos que a satisfaz ou
verifica s(x). A sentença aberta com uma variável em A é chamada de função
proposicional em A

Exemplo 1.29

(a) x + 1 > 8

(b) x + 5 = 9

(c) x + 7 < 5

(d) x é primo.

(e) x é um múltiplo de 3.

(f) x2 − 5x + 6 = 0.

Chama-se conjunto verdade (ou conjunto solução) de uma sentença aberta


s(x) em um conjunto A, o conjunto de todos os elementos a ∈ A que satisfazem
s(x), isto é, tais que s(a) é uma proposição verdadeira. Este conjunto representa-
se por V .

V = {x | x ∈ A e s(x) é verdadeira} ⊂ A
1.3. SENTENÇAS ABERTAS 30

Exemplo 1.30

(a) s(x) : x + 1 > 8, A = N


V = {x | x ∈ N e x + 1 > 8} = {x | x ∈ N e x > 7} = {8, 9, 10, ...}

(b) s(x) : x + 5 = 9, A = N
V = {x | x ∈ N e x + 5 = 9} = {4}

(c) s(x) : x + 7 < 5, A = N


V = {x | x ∈ N e x + 7 < 5} = ∅

(d) s(x) : x é primo , A = N


V = {x | x ∈ N e x é primo }

(e) s(x) : x é um multiplo de 3 , A = N


V = {x | x ∈ N e x é multiplo de 3 } = {0, 3, 6, 9, ...}

(f) s(x) : x2 − 5x + 6 = 0, A = N
V = {x | x ∈ N e x2 − 5 + 6 = 0} = {2, 3}

Observação 1.5

1. O Conjunto Verdade de um sentença aberta depende do universo adotado.


Mudando o universo, o conjunto verdade pode mudar também.

2. Podem ocorrer três casos:

(a) s(x) é verdadeira para todo x ∈ A, neste caso, diremos que s(x)
exprime uma condição universal. (V = A)
(b) s(x) é verdadeira para algum x ∈ A, neste caso, diremos que s(x)
exprime uma condição possível. (V ⊂ A)
(c) s(x) é falsa para todo x ∈ A, neste caso, diremos que s(x) exprime
uma condição impossível. (V = ∅)
1.4. QUANTIFICADORES 31

3. As sentenças abertas podem ser definidas com mais de uma variável.

Exemplo 1.31

x + y = 10, onde A = R × R
x2 + 2y + 3z = 18, onde A = R3

4. Em Matemática, as equações e as inequações são sentenças abertas que


exprimem relação de igualdade e desigualdade, respectivamente, entre duas
expressões com variáveis. Mas, o conceito de sentença aberta é muito mais
amplo que o conceito de equação ou inequação; assim, “x divide y”, “x é
primo com y”, “y é múltiplo de x”, etc., são sentenças abertas, sem serem
equações nem inequações.

1.4 Quantificadores
Vimos que uma sentença aberta carece de valor lógico V ou F. Mas podemos
transformar uma sentença aberta em proposição utilizando quantificadores.

1.4.1 Quantificador Existencial


O quantificador “algum” ou “existe” é chamado quantificador existencial. Indica-
se com o símbolo ∃ precedendo a sentença aberta: ∃ x, s(x) ou ∃ x ∈ A, s(x).
O símbolo (∃ x) pode ser lido como:
“Existe x”, “existe algum elemento x” ou “existe pelo menos um x”.

Exemplo 1.32

(a) s(x) : x > x2 , A = R (não tem valor lógico)


∃ x ∈ R, x > x2 (tem valor lógico verdade)
V = {x | x ∈ R e x > x2 } = (0, 1) ⊂ A

(b) s(x) : x2 ≤ 9
1.4. QUANTIFICADORES 32

∃ x ∈ R, x2 ≤ 9 (V)
V = {x | x ∈ R e x2 ≤ 9} = [−3, 3] ⊂ A

(c) x2 ≥ 4
∃ x ∈ R, x2 ≥ 4 (V)
V = {x | x ∈ R e x2 ≥ 4} = (−∞, −2) ∪ (2, ∞) ⊂ A

Observação 1.6

O quantificador existencial ∃ indica que a sentença aberta possui pelo menos um


elemento do conjunto que a torna verdadeira, podendo eventualmente ter outros
elementos.

1.4.2 Quantificador Universal


O quantificador “para todo” ou “para qualquer” é chamado quantificador univer-
sal. Indica-se com o símbolo ∀ precedendo a sentença aberta: ∀ x, s(x) ou
∀ x ∈ A, s(x).
O símbolo ∀ x pode ser lido: “para qualquer x...” ou “para todo x...”

Exemplo 1.33

(a) s(x) : n + 3 > 2, A = N


∀ n ∈ N, n + 3 > 2 (V)
V = {n | n ∈ N e n + 3 > 2} = N

(b) s(x) : x2 ≥ 0, A = R
∀ x ∈ R, x2 ≥ 0 (V)
V = {x | x ∈ R e x2 ≥ 0} = R
1
1. s(x) : ≤ 1, A = R
x
1
∀ x ∈ R, ≤ 1 (F)
x
1
V = {x | x ∈ R e ≤ 1} = (−∞, 0) ∪ (1, ∞) = R/[0, 1]
x
1.4. QUANTIFICADORES 33

1.4.3 Quantificação em sentenças de duas variáveis


Podemos quantificar as sentenças da forma s(x, y) de maneira análoga ao caso
de uma variável. Porém, cada variável exige um quantificador.

Exemplo 1.34

Para a sentença 2x + y = 6 no conjunto universo N × N, podemos obter as


seguintes proposições:

a : ∀ x ∈ N, ∃ y ∈ N | 2x + y = 6

b : ∀ x ∈ N | ∀ y ∈ N, 2x + y = 6

c : ∃ x ∈ N | ∀ y ∈ N, 2x + y = 6

d : ∃ x ∈ N | ∃ y ∈ N, 2x + y = 6

A proposição a acima é falsa, porque, por exemplo para x = 4 é impossível


obter algum y ∈ N que satisfaça 2x + y = 6. Uma forma de tornar a uma
proposição verdadeira, é escrever a proposição a0 : ∀ x ∈ N, ∃ y ∈ Z | 2x + y =
6.
Com maior razão ainda, a proposição b é falsa, como também é a proposição
c.
Quanto à proposição d temos uma afirmação verdadeira pois x = 1 e y = 4
satisfazem 2x + y = 6, por exemplo.

Exemplo 1.35

suponha agora s(x, y) : x2 + y 2 = 1 no conjunto universo [0, 1] × [0, 1], ou seja,


estamos admitindo x ∈ [0, 1] e y ∈ [0, 1].
Aqui são verdadeiras as proposições:

∀ x ∈ [0, 1], ∃ y ∈ [0, 1] | x2 + y 2 = 1

∃ x ∈ [0, 1], ∃ y ∈ [0, 1] | x2 + y 2 = 1


1.4. QUANTIFICADORES 34

e são falsas,
∃ x ∈ [0, 1] | ∀ y ∈ [0, 1], x2 + y 2 = 1

∀ x ∈ [0, 1], ∀ y ∈ [0, 1] | x2 + y 2 = 1

1.4.4 Negação de Quantificadores


Consideremos os seguintes exemplos de proposições:
p : Todo aluno da Universidade Federal mora em Três Lagoas.
q : Existe um mês do ano que inicia com a letra p.
É fácil observar que as negações destas proposições são:
∼ p : Existe um aluno da Universidade Federal que não mora em Três lagoas.
∼ q : Qualquer que seja o mês do ano, ele não inicia com a letra p.
Em geral, vale que:

• A negação do quantificador ∀ é o ∃.

• A negação do quantificador ∃ é o ∀.

Na prática, se a sentença refere-se a uma propriedade P que a incógnita x


do conjunto universo A verifica, digamos:
∀ x ∈ A, x tem a propriedade P
a negação torna-se:
∃ x ∈ A | x não tem a propriedade P .
Da mesma forma que a negação de
∃ x ∈ A | x tem a propriedade P , é simplesmente
∀ x ∈ A, x não tem a propriedade P .

1.4.5 EXERCÍCIOS
1. Coloque V (ou F) para a proposição verdadeira (ou falsa) sendo x ∈
{0, 1, 2, 3, 4, 5}.

(a) ∀ x, x + 2 > 4;
1.4. QUANTIFICADORES 35

(b) ∃ x | 3x − 1 = 14;
(c) ∃ x | x2 − 1 = 3;
(d) ∀ x, x − 5 < 1;
(e) ∼ [∃ | x, x − 2 > 6];
(f) ∼ [∀ x, x + 4 < 2].

2. Sendo A = {1, 2, 3, 4, 5, 6}, coloque um quantificador adequado para que


a sentença fique uma proposição verdadeira.

(a) x + 4 = 8;
(b) x2 − 5x + 6 = 0;
(c) 5x + 4 = 4;
(d) −x2 + 8x = 0;
(e) x2 − 8x < 0;
(f) 2x > 12.

3. Coloque o valor V ou F para cada proposição:

(a) ∃ x ∈ N , ∃ y ∈ R | x + y = 3
(b) ∀ x ∈ N , ∃ y ∈ R | x + 2y = 3
(c) ∃ x ∈ N , ∃ y ∈ R | 3x − y = 5
(d) ∼ [∀ x ∈ N , ∃ y ∈ R | x2 + y 2 = 25]
(e) ∃ x ∈ R , ∃ y ∈ N | x + y = 3
(f) ∃ x ∈ R | ∀ y ∈ N , x + 2y = 3
(g) ∃ x ∈ R | ∀ y ∈ N , 3x − y = 5
(h) ∼ [∃ x ∈ R | ∀ y ∈ N , x2 + y 2 = 25]

4. Sendo A = {2, 3, 4} e B = {1, 2, 3, 4, 5}, estude as proposições:

(a) ∀ x ∈ A , ∃ y ∈ B | 2x + y = 9
1.4. QUANTIFICADORES 36

(b) ∃ x ∈ A | ∀ y ∈ B , 2x + y = 9
(c) ∀ x ∈ A , ∀ y ∈ B , 2x + y = 9
(d) ∃ y ∈ B | ∀ x ∈ A , 2x + y = 9
(e) ∀ y ∈ B , ∃ x ∈ A | 2x + y = 9
(f) ∃ y ∈ B , ∃ x ∈ A | 2x + y = 9

5. Negue as posições:

(a) Todo aluno mau é bom menino;


(b) ∀ x , x + 3 > 8
(c) ∃ x | x − 2 = 5
(d) [∀ x , x + 2 5 5] ∧ [∃ x | x2 − 5 = 4]
(e) [∃ x | x2 = 16] ∧ [∀ x , x − 1 = 8]
(f) ∀ x , ∀ y , cos(x + y) = cos x cos y − sin x sin y
(g) ∃ x , ∃ y | log xy = log x. log y
(h) ∀ x , ∃ y | x + 2y = 8
(i) [∀ x , p(x) → q(x)]

6. Escrever simbolicamente, usando quantificadores:

(a) Todo número inteiro é par ou ímpar;


(b) Existem números inteiros que são pares e ímpar;
(c) Todo número inteiro elevado ao quadrado é sempre não negativo.

7. Escreva a negação de cada proposição:

(a) Todo chinês é baixinho;


(b) ∀ x , x2 − 2x − 1 6= 0;
(c) ∀ x ∈ Z, x + 7 < x + 3;
(d) ∃ x ∈ N | x + 7 = 0;
1.4. QUANTIFICADORES 37

p
(e) ∃ x ∈ R+ , ∃ y ∈ R+ | (xy)2 6= |x||y|;
(f) ∀ x ∈ R , ∀ y ∈ R , xy 6= 0;
(g) ∃ x ∈ R | ∀ y ∈ R , x2 = y 2.

8. Sabemos que existem 8 maneiras de tornar uma sentença aberta de duas


variáveis, por exemplo y = −x2 em R × R, em uma proposição. De fato,
basta variarmos os quantificadores ∃ e ∀ com as variáveis x e y. Para
nosso exemplo, julgue como verdadeira ou falsa cada uma das proposições
obtidas e justifique.

9. Utilizar o quantificador de maior abrangência possível para as seguintes


sentenças abertas. Justifique sua escolha. Atente para o conjunto universo
A de cada caso.

(a) −x2 + 5x − 6 = 0 em A = Z;
(b) 2x − 3y = 6 em A = R;
(c) −x2 + 2x + 2 < 0 em A = R;
(d) |x + y| ≤ |x| + |y| em A = R × R;
x+y
(e) −y+x
= −1 em A = R × R;
1
(f) ≤ 1 em A = Z∗ ;
x
√ √ √
(g) x + y = x + y em A = R+ × R+ ;
x2 y 3
(h) y2
= x2 y em A = Z∗ × Z∗ .

OBS:

(a) Z∗ significa os inteiros não nulos.


(b) R+ significa os reais não negativos.
1.5. CONDIÇÕES NECESSÁRIA E SUFICIENTE 38

1.5 Condições Necessária e suficiente


Uma implicação lógica P ⇒ Q é lida como “P implica Q”. Mas é comum
também utilizarmos as seguintes nomenclaturas:

“P é condição suficiente para Q”


“Q é condição necessária para P ”

Suponhamos que a proposição P seja uma condição suficiente para a proposição


Q, de acordo com o que foi dito acima, devemos ter P ⇒ Q, verdadeiro. Agora
se a mesma P for também uma condição necessária para Q, temos P ⇒ Q
verdadeira. Desta maneira, temos que a afirmação “P é necessária e suficiente
para Q ” significa que vale a equivalência lógica P ⇔ Q.
Muitos resultados na matemática aparecem sob a forma:

Teorema 1.1 Uma condição necessária e suficiente para P é Q.

Vejamos os exemplos a seguir:

Exemplo 1.36

(i) Uma condição necessária e suficiente para um número a ser positivo é que
−a seja negativo.
x
(ii) Seja x um número inteiro. Uma condição necessária e suficiente para
2
ser um número inteiro é que x seja par.

(iii) Uma condição necessária e suficiente para que |x| ≤ k é que −k ≤ x ≤ k.

Notemos que em todos estes exemplos (e em todas as afirmações que en-


volvem o termo “necessário e suficiente”) temos duas afirmações condicionais.
No exemplo 1.36, ítem (iii) acima, tais afirmações são as seguintes:

Se |x| ≤ k então −k ≤ x ≤ k e
Se −k ≤ x ≤ k então |x| ≤ k.
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 39

1.6 Teoremas e Demonstrações


Teoremas são proposições matemáticas compostas e que, em geral, são dadas
nas formas de implicação ou equivalência lógica:

P ⇒ Q ou P ⇔ Q.

P é dita a hipótese do teorema enquanto Q é a tese.


Sabemos que P ⇔ Q ≡ (P ⇒ Q) ∧ (Q ⇒ P ), o que mostra que todo
teorema consiste em proposições na forma condicional P ⇒ Q.
Demonstrar um Teorema na forma P ⇒ Q significa apresentar um argu-
mento válido cuja conclusão seja P → Q. Portanto, demonstrar um Teorema
na forma P ⇒ Q consiste em mostrar que, em todas as situações em que P for
verdadeira, Q também será verdadeira.

Exemplo 1.37

Teorema 1.2 Se dois números inteiros são pares então sua soma é par.

Sejam m e n dois números inteiros pares quaisquer. Estudando alguns casos


particulares de m e n, observamos que a afirmação é satisfeita:

m n m+n
2 2 4
2 4 6
4 6 10
10 8 18

Mas esta verificação de alguns casos permite no máximo acreditarmos que a


afirmação é verdadeira. A demonstração efetiva deve ser feita de uma única vez,
abrangendo todos os casos.
Devemos provar que, em todos os casos onde a hipótese for verdadeira, isto
é, que m e n são pares, então m + n é par.
Para tanto, devemos definir precisamente um número inteiro par. De maneira
geral, dizemos que n ∈ Z é par se n = 2k, onde k é um outro número inteiro.
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 40

Assim sendo, a demonstração do Teorema 1.2, fica assim:


Demonstração:
Sejam m e n números inteiros pares, então podemos escrever m = 2k e
n = 2l, onde k e l são números inteiros.
Temos m + n = 2k + 2l = 2(k + l). Logo m + n = 2k 0 , onde k 0 é um número
inteiro, porque k 0 = k + l e a soma de dois números inteiros é um número inteiro.
Assim, m + n satisfaz a definição de ser um número par e portanto a tese de
que m + n é par é verdadeira.

Será que o Teorema que acabamos de demonstrar poderia ser escrito na forma
de equivalência: “Dois números inteiros são pares se, e somente se, a soma dos
dois é um número par.”
Para validar esta afirmação deveríamos provar a recíproca do Teorema 1.2
de exemplo 1.37: todas as vezes em que dois números inteiros somados for par
então tais números são pares, isto é

m, n ∈ N, m + n par ⇒ m, n pares . (1.2)

Contudo tal afirmação não é verdadeira. Por exemplo, m = 5 e n = 3 tornam


verdadeira a afirmação que m + n é par, entretanto não são pares.
A técnica de demonstração empregada no Exemplo 1.37 foi a direta. Isto
significa que provamos que o conjunto dos números inteiros pares é fechado para
a operação de adição, sem usar técnicas sofisticadas.
Vejamos outra ilustração de um Teorema cuja demonstração pode ser feita
diretamente:

Teorema 1.3 O conjunto Q é fechado para a operação de adição.

Demonstração:
Sejam r, s ∈ Q, verificaremos que r + s ∈ Q.
Como
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 41

nm o
Q= | m, n ∈ Q , n 6= 0 ,
n
m
temos que existem m, n, p, q ∈ Z com n 6= 0 e q 6= 0 tais que r = e
n
p
s= .
q

Daí,

mq + np
r+s= ,
nq
e chamando x = mq + np e y = nq, verificamos que r + s = x/y, com
x, y ∈ Z e y 6= 0. Ou seja, r + s ∈ Q

1.6.1 Corolários e Lemas


O termo Corolário é empregado para designar um Teorema que resulta de um
Teorema anterior já provado e que, geralmente, é uma conseqüência imediata do
mesmo.
Como exemplo consideremos o seguinte Teorema:

Teorema 1.4 Se dois números inteiros são ímpares, então seu produto é um
número ímpar.

Lembrando que n ∈ Z é chamado ímpar se n for sucessor de um número


par, ou seja, n = 2k + 1, onde k ∈ Z. Antes de demonstrar o Teorema 1.4,
observemos que segue como resultado imediato deste Teorema, o seguinte:

Corolário 1.1 Se dois números inteiros são ímpares então seu produto não é
um múltiplo de 4.

Fazendo jus ao nome Corolário, este resultado tem de fato uma demonstração
imediata a partir do Teorema 1.4.
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 42

Demonstração:
Dados dois números inteiros ímpares, digamos m e n, então o produto m · n
é ímpar pelo Teorema 1.4. Portanto m · n não pode ser múltiplo de 4 já que um
número múltiplo de 4 também é múltiplo de 2, logo par.

Vemos portanto que é suficiente provarmos o Teorema 1.4, já que a demons-


tração do corolário segue “quase de presente”. A Demonstração do Teorema 1.4,
por sua vez, fica assim:
Demonstração:[Teorema 1.4]
Sejam m e n dois números inteiros ímpares quaisquer, então podemos escre-
ver m = 2k + 1 e n = 2l + 1, com k e l números inteiros. Assim,

m · n = (2k + 1)(2l + 1) = 4kl + 2k + 2l + 1 = 2(2kl + k + l) + 1,

ou seja m · n pôde ser escrito como m · n = 2k 0 + 1, onde k 0 é o número


inteiro k 0 = 2kl + k + l. Portanto m · n é um número ímpar por satisfazer a
definição de tal.

Quando se estuda uma teoria matemática é muito comum deparar com uma
proposição antecedido da palavra Lema. Isto ocorre porque, para demonstrar
um teorema, as vezes, utilizam-se várias afirmações auxiliares. Então, para não
“carregar” a demonstração, é comum enunciar estes resultados auxiliares sob a
forma de Lemas.

1.6.2 Contra-exemplos
As vezes, demonstrar que proposições são falsas requer menos trabalho que provar
a veracidade de proposições verdadeiras. Isto ocorre devido a equivalência lógica
∼ (p → q) ≡ ∼ q ∧ p verificada anteriormente. Desta forma, para provar que
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 43

uma proposição condicional p → q é falsa, basta simplesmente mostrar que a


negação da tese ocorre conjuntamente com a hipótese. Ou seja que p e ∼ q
podem ser ambas verdadeiras.

Exemplo 1.38

Verificamos que a condicional

m, n ∈ N, m + n par ⇒ m, n pares
| {z } | {z }
p q

é falsa simplesmente mostrando uma ocorrência da possibilidade ∼ q ∧ p,


tomando: m = 5 e n = 3.
O procedimento de apresentar simplesmente um exemplo para mostrar que
uma determinada proposição é falsa, pode ser feito sempre que a proposição
admitir o quantificador “qualquer ” (∀). Porque afinal provamos que ∼ (∀x ∈
A, p(x)) ≡ ∃ x ∈ A |∼ p(x). Foi o que ocorreu na proposição citada, já que
pode ser escrita como:

∀ m, n ∈ N, m + n par ⇒ m, n pares

e verificamos que

∃ m, n ∈ N | m + n é par e m, n são ímpares.

Consideremos agora a seguinte proposição:

Proposição 1.1 Todo número da forma f (n) = n2 + n + 41 onde n ∈ N é um


número primo.

Qual será o valor lógico desta proposição? Considerando alguns valores de n:

f (0) = 41, f (1) = 43, f (2) = 47, f (3) = 53, f (4) = 61, f (5) = 71

obtemos apenas números primos.


1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 44

Mas, como já observado, esta construção não é suficiente para provar a


proposição. Tanto que, nossa proposição é, na verdade, FALSA!
Para provarmos sua falsidade é bastante apresentarmos um contra-exemplo,
isto é, exibirmos um número n tal que f (n) não é primo. Observemos que

f (40) = 402 + 40 + 41 = 40(40 + 1) + 41 = 41(40 + 1) = 412

e portanto f (40) não é primo, pois é divisível por 41.

1.6.3 Demonstrações usando a Contra-positiva


Nesta seção usaremos o fato de que qualquer que seja a proposição condicional
p → q então esta é equivalente à sua contra-positiva ∼ q →∼ p.
Para esta prática consideremos o seguinte exemplo:

Teorema 1.5 Se o quadrado de um número inteiro é par, então tal número é


par.

A demonstração direta desta proposição exige que, de uma igualdade do tipo


n = 2k(n, k ∈ Z), possamos obter também n como múltiplo de 2. Tal exigência
2

apresenta-se impraticável. Porém, considerando a proposição contra-positiva da


afirmação do Teorema, podemos reescrevê-la como:

Teorema 1.6 (Contra-positiva do Teorema 1.5) Se um número inteiro não


é par então seu quadrado não é par.

Com este enunciado a demonstração do nosso Teorema fica simples:


Demonstração:
Seja n um número inteiro ímpar, então existe k ∈ Z tal que n = 2k + 1.
Assim, n2 = (2k +1)2 = 4k 2 +4k +1 = 2(2k 2 +2k)+1, ou seja n2 é um número
ímpar. Como n é um número inteiro arbitrário, o Teorema está demonstrado.


1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 45

1.6.4 Demonstração por redução ao absurdo


Como na seção anterior, tratamos de uma alternativa para a demonstração de
condicionais p → q. Este tipo de demonstração baseia-se na equivalência lógica:

p → q ≡ (p∧ ∼ q) → f (1.3)

onde f designa a proposição logicamente falsa (contradição).


A equivalência p → q ≡ (p∧ ∼ q) → f pode facilmente ser verificada através
da tabela-verdade. Veja:

p q f ∼q p∧ ∼ q p∧ ∼ q → f p→q
V V F F F V V
V F F V V F F
F V F F F V V
F F F V F V V

Note que a sexta e sétima colunas são idênticas.


Segundo a equivalência 1.3, a tarefa de demonstrar uma proposição do tipo
p → q, pode ser feita mostrando que a hipótese de p∧ ∼ q conduz à f , isto é
conduz a uma contradição.
No início de uma demonstração deste tipo, é costume dizer “suponhamos por
absurdo que vale p∧ ∼ q e vamos obter uma contradição f ”.
Vejamos um exemplo:

Teorema 1.7 3 + 2 é um número irracional.

Podemos reescrever este Teorema na forma condicional.

Teorema 1.8 (Forma condicional do Teorema 1.7) Se 3 é um número racional


√ √
e 2 é um número irracional então 3 + 2 é um número irracional.

Demonstração:

Suponhamos por absurdo que 3 é um número racional, 2 um número irra-

cional, mas que 3 + 2 seja um número racional. Vamos obter a partir daí uma
contradição.
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 46

√ √
Ora, temos 3 +2 = r, onde r é um número racional o que dá 2 = r − 3.

Portanto o número 2 pode ser escrito como a soma dos números racionais r
e −3, e assim trata-se também de um número racional(conforme Teorema 1.7).

Uma contradição porque 2 é irracional.

1.6.5 Demonstração por equivalências


Algumas proposições, dadas por igualdades ou desigualdades de números reais,
podem ser demonstradas por operações equivalentes, até que se atinja uma ex-
pressão que possa ser qualificada como verdadeira ou falsa. Assim, como as
proposições inicial e final serão equivalentes, vamos ter a proposição inicial ver-
dadeira se, e somente se, a expressão final for.

Exemplo 1.39
p √ √
Demonstrar que 4 + 2 3 = 1 + 3.
Demonstração:
Temos que:

q q
√ √ √ √
4 + 2 3 = 1 + 3 ⇔ ( 4 + 2 3)2 = (1 + 3)2
√ √
⇔ 4+2 3= 1+2 3+3
√ √
⇔ 4+2 3= 4+2 3
⇔ 0=0

Como a proposição 0 = 0 é claramente verdadeira, também vai ser a proposição


inicial, ou seja,
q
√ √
4+2 3 =1+ 3

Exemplo 1.40
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 47

n n+1
Demonstrar que: ∀ n ∈ N, <
n+1 n+2
Temos que:

n n+1
< ⇔ n(n + 2) < (n + 1)2
n+1 n+2
⇔ n2 + 2n < n2 + 2n + 1
⇔ 0<1

Como 0 < 1 é uma proposição verdadeira, também será nossa proposição


n n+1
original que afirma < , ∀ n ∈ N.
n+1 n+2


Observação 1.7 (Atenção!)

Na demonstração por equivalências, devemos ter cuidado na certificação de


que cada passo é equivalente ao passo seguinte. Lembrando que numa equiva-
lência p ⇔ q deve-se assegurar p ⇒ q e q ⇒ p.

1.6.6 EXERCÍCIOS
1. Verificar se as proposições a seguir são falsas ou verdadeiras e utilize al-
gum método para demonstrar. Lembre que, em muitos casos um contra-
exemplo é suficiente para demonstrar a falsidade de uma proposição.

(a) Se n é par então n + 2 é par;


(b) Se n2 + 2 é um número par então n é par;

3
(c) O número 2 − é irracional;
5
(d) Todo número inteiro múltiplo de 6 é par;
(e) Se xy = 1 onde x e y são inteiros então x = y = 1;
(f) O produto de dois números irracionais é um número irracional;
(g) Dados quaisquer x, y ∈ R, o número x2 −4xy+4y 2 nunca é negativo;
1.6. TEOREMAS E DEMONSTRAÇÕES 48

(h) Todo triângulo retângulo têm dois ângulos agudos ;


(i) Para quaisquer a, b ∈ R, a − 2ab + b2 nunca é negativo ;
√ √ √
(j) x + y = x + y se, e somente se, x = y = 0;
(k) Para todo k ∈ N, k 2 + k é um numero par ;
n(n + 1)
(l) Se n é um número natural, então ∈ N;
2
(m) Se x2 − y 2 com x e y naturais não-nulos, for um número natural
primo então x e y são consecutivos. (Dica: Fatore x2 − y 2 e use o
item (n) a seguir);
(n) Se x + y = 1 onde x, y ∈ N, então x = 0 ou y = 0;
2x + 1
(o) Se > 1, então x > 2;
x−1
(p) Se x é um número real tal que 4 ≤ x2 ≤ 9, então x pertence ao
intervalo [2 , 3].

2. Repita o exercício anterior para as recíprocas das proposições condicionais.


Capítulo 2

Uma introdução a Teoria dos


Conjuntos

Um conjunto A é uma “coleção” ou “família” de elementos ou objetos.


Dados um conjunto A e um objeto qualquer x (que pode ser até mesmo
outro conjunto), a única pergunta cabível em relação a eles é a seguinte: x é ou
não é um elemento do conjunto A? No caso afirmativo, diz-se que x pertence
ao conjunto A e escrevemos x ∈ A. Caso contrário, escreve-se x ∈
/ A.
A matemática se ocupa primordialmente de números e do espaço. Portanto,
os conjuntos mais freqüentemente encontrados, na matemática são os conjuntos
numéricos, as figuras geométricas (que são conjuntos de pontos) e os conjuntos
que derivam destes, como os conjuntos de funções, de matrizes, etc.
Conjuntos permitem dar aos conceitos e às proposições uma maior precisão,
generalidade e simplificação. Os conjuntos substituem as “propriedades” e as
“condições”. Assim ao invés de dizermos “o número x satisfaz a propriedade P ”
podemos escrever simplesmente x ∈ B, para algum conjunto adequado B.
Por exemplo, é mais simples escrever x ∈ {2n, n ∈ Z} do que dizer “x é um
inteiro par”. Chamando B = {2n, n ∈ Z} a proposição: “Se x e y são números
pares então x + y é um número par” pode simplesmente ser escrita como:

“Se x, y ∈ B então x + y ∈ B”.

49
2.1. CONJUNTO UNIVERSO E CONJUNTO VAZIO 50

2.1 Conjunto universo e conjunto vazio


Ao tratar uma determinada classe de conjuntos, é comum fixarmos um conjunto
maior, que abrange todos os membros desta classe. Tal conjunto, geralmente
denotado por U, é chamado o conjunto universo para a referida classe.
Dá-se o nome de conjunto vazio, àquele que não possui nenhum elemento.
O conjunto vazio, denotado por ∅, pode ser definido também, por qualquer
propriedade contraditória. Por exemplo, ∅ = {x ∈ U | x 6= x}.
Em muitas situações na matemática é importante saber que um determinado
conjunto X não é vazio. Para mostrar que este conjunto X não é vazio, basta
simplesmente encontrar um objeto x tal que x ∈ X.
Outros conjuntos curiosos são os unitários. Dado um objeto x qualquer, o
conjunto unitário {x} tem como único elemento esse objeto x.
Atenção: Note que x e {x} não são a mesma coisa. Por exemplo ∅ 6= {∅},
pois {∅} é um conjunto que possui o elemento ∅. Por isso tem sentido escrever
∅ ∈ {∅}, neste caso.

2.2 Inclusão de Conjuntos. Subconjuntos


Definição 2.1

Dados A e B conjuntos de um mesmo universo U. Dizemos que “A está


contido ou é igual a B” e representamos por A ⊆ B se a seguinte proposição
condicional for verdadeira.

Se para todo x ∈ A então x ∈ B. (2.1)

Observação 2.1

(1) Note que para não valer A ⊆ B é suficiente que ∃ x ∈ A | x ∈


/ B. Neste
caso escrevemos A 6⊆ B.

(2) É claro que se U é um conjunto universo para uma determinada classe de


elementos então A ⊆ U para todo conjunto A neste universo.
2.3. IGUALDADE DE CONJUNTOS 51

(3) Também para todo conjunto B sempre temos ∅ ⊆ B. Isto ocorre porque
a condicional 2.1 é verdadeira já que x ∈ ∅ sempre é falso.

(4) Quando A ⊆ B dizemos que A é um subconjunto de B, ou ainda que A


é uma parte de B.

2.3 Igualdade de Conjuntos


Definição 2.2

(1) Dados A e B subconjuntos de um conjunto universo U. Dizemos que


A = B se A ⊆ B e B ⊆ A. Quando uma destas condições não se verifica
dizemos que A 6= B.

(2) Quando A ⊆ B mas B 6⊆ A dizemos que “A está contido propriamente


em B”, ou que “A é um subconjunto próprio de B” fato representado por
A ⊂ B.

Outras notações freqüentemente utilizadas na linguagem de conjuntos são:

• B ⊇ A que quer dizer A ⊆ B;

• B 3 x que quer dizer x ∈ B;

• B ⊃ A que quer dizer A ⊂ B;

• A, B ⊆ X que quer dizer A ⊆ X e B ⊆ X.

Demonstraremos duas propriedades quase imediatas da inclusão de conjuntos:

Proposição 2.1 : Sejam A, B e C subconjuntos de um mesmo conjunto uni-


verso U. Valem as seguintes propriedades:

(i) A ⊆ A, propriedade reflexiva.

(ii) Se A ⊆ B e B ⊆ C então A ⊆ C, propriedade transitiva.


2.4. DIFERENÇA ENTRE CONJUNTOS
CONJUNTO COMPLEMENTAR 52

Demonstração:

(i) Dado qualquer x ∈ A, a condicional x ∈ A ⇒ x ∈ A é verdadeira, logo


realmente A ⊆ A.

(ii) Suponhamos verdadeiro que A ⊆ B e B ⊆ C, mostraremos que A ⊆ C.

Dado qualquer x ∈ A, então a condição A ⊆ B mostra que x ∈ B. Agora,


como B ⊆ C vamos ter x ∈ C. Conclusão: ∀ x ∈ A temos x ∈ C. Isto mostra
que A ⊆ C.

Observação 2.2

Consideremos A um conjunto e P uma propriedade relativa aos elementos de A.


Podemos construir subconjuntos de A da seguinte forma:

B = {x ∈ A | x satisfaz P } .

Exemplo 2.1

(1) Seja A = Z e B = {x ∈ Z | x ≥ 0}. Notemos que B = N

(2) Seja A = Z e B = {x ∈ Z | x é par }. Temos que


B = {..., −6, −4, −2, 0, 2, 4, 6, ...}, ou ainda B = {2x | x ∈ Z}.

(3) Seja A = R e B = {x ∈ R | x2 − 3x + 2 < 0}, então B é o intervalo


aberto (1, 2).

2.4 Diferença entre Conjuntos


Conjunto Complementar
Definição 2.3 Sejam A e B subconjuntos de um mesmo conjunto universo U.
Então:
2.4. DIFERENÇA ENTRE CONJUNTOS
CONJUNTO COMPLEMENTAR 53

(i) A diferença entre A e B é por definição o seguinte conjunto:

A\B ={x∈A|x∈
/ B} .

(ii) Caso B ⊆ A então A \ B é também chamado o complementar de B em


A e é representado por {A B isto é A \ B = {A B.
(iii) Denotamos por B { o complemento de B em U, ou seja B { = {U B.

Observação 2.3

Note que para um conjunto B qualquer e x ∈ U arbitrário vale uma, e


somente uma das probabilidades: x ∈ B ou B {.

Proposição 2.2 : Sejam A, B subconjuntos de um conjunto universo U, então:


(i) Se A ⊆ B então B { ⊆ A{.
(ii) (A{){ = A.

Demonstração:
(i) Suponhamos A ⊆ B e mostraremos que B { ⊆ A{. Dado x ∈ B {, como
B { = U \ B = {x ∈ U | x ∈
/ B} temos x ∈
/ B. Em relação a A temos duas
possibilidades para x: x ∈ A ou x ∈
/ A. Se x ∈ A como A ⊆ B teríamos x ∈ B,
o que é impossível já que tínhamos x ∈ / A, isto é x ∈ A{.
/ B. Portanto x ∈
Provamos portanto que ∀ x ∈ B { então x ∈ A{, o que dá B { ⊆ A{.
(ii)Provaremos inicialmente que (A{){ ⊆ A. Se x ∈ (A{){, então x ∈
/ A{.
Existem duas possibilidades para x: x ∈ A ou x ∈ A{. Como x ∈ A{ contraria
/ A{, podemos concluir que x ∈ A. Assim (A{){ ⊆ A.
o fato de que x ∈
Provemos agora que A ⊆ (A{){. Seja x ∈ A, então certamente x ∈
/ A{, de
modo que x ∈ (A{){. Portanto A ⊆ (A{){. Está concluído a demonstração de
que A = (A{){.


2.5. OPERAÇÃO COM CONJUNTOS:
UNIÃO E INTERSECÇÃO 54

2.5 Operação com Conjuntos:


União e intersecção
Uma operação sobre um determinado conjunto de elementos E é uma forma
de associar elementos de E de modo a obter outro elemento de E . Assim, por
exemplo quando E = N, a soma e o produto são operações em E, enquanto a
subtração não é uma operação em E, já que, por exemplo, para os elementos 2
e 3 em N, temos 3 − 2 ∈ N, mas 2 − 3 ∈
/ N.
Consideremos agora E um conjunto de conjuntos. Dados dois elementos de
E, que aqui são dois conjuntos, digamos A e B, existem duas formas simples de
obter um terceiro conjunto a partir deles; basta construirmos da seguinte forma:

A ∪ B = {x ∈ U | x ∈ A ou x ∈ B} ,

chamado conjunto união (ou reunião) de A e B.

A ∩ B = {x ∈ U | x ∈ A e x ∈ B} ,

chamado conjunto interseção de A e B.


A seguir enunciamos algumas propriedades imediatas da união e da interseção:

Proposição 2.3 : Para quaisquer subconjuntos A e B de um universo U valem


as propriedades:
(i) A ⊆ A ∪ B, B ⊆ A ∪ B;
(ii) A ⊇ A ∩ B e B ⊇ A ∩ B;
(iii) Propriedades reflexivas: A ∪ A = A e A ∩ A = A;
(iv) Propriedades comutativas: A ∪ B = B ∪ A e A ∩ B = B ∩ A.

Demonstração:
(i) Para provarmos que A ⊆ A ∪ B consideremos x ∈ A, então é verdadeira
a afirmação x ∈ A ou x ∈ B, o que mostra termos x ∈ A ∪ B. Portanto,
A ⊆ A ∪ B. Analogamente B ⊆ A ∪ B.
(ii) Verifiquemos que A ⊇ A ∩ B, ou seja, A ∩ B ⊆ A.
2.5. OPERAÇÃO COM CONJUNTOS:
UNIÃO E INTERSECÇÃO 55

Consideremos x ∈ A ∩ B. Então, como A ∩ B = {x ∈ U | x ∈ A e x ∈ B},


podemos escrever x ∈ A e x ∈ B . Em particular, sempre é verdadeiro que
x ∈ A. Portanto, A ∩ B ⊆ A. Analogamente prova-se que A ∩ B ⊆ B.
(iii) Mostraremos que A ∪ A = A. Dado x ∈ A ∪ A, temos x ∈ A ou x ∈ A
e certamente podemos afirmar que x ∈ A; ou seja A ∪ A ⊆ A. Agora dado
x ∈ A é verdadeira a afirmação x ∈ A ou x ∈ A e podemos escrever x ∈ A ∪ A.
Logo A ⊆ A ∪ A. Temos assim, A = A ∪ A. É também imediato verificar que
A = A ∩ A.
(iv) Para verificarmos que A ∪ B ⊆ B ∪ A consideraremos x ∈ A ∪ B, então
x ∈ A ou x ∈ B. Então também é correto afirmar x ∈ B ou x ∈ A o que
significa termos x ∈ B ∪ A. Similarmente verificaremos que B ∪ A ⊆ A ∪ B.
Juntando as conclusões temos, de fato, A ∪ B = B ∪ A. A verificação de que
A ∩ B = B ∩ A também é imediata.

Proposição 2.4 Para quaisquer que sejam os subconjuntos A ,B e C do uni-


verso U, valem as propriedades:

(a) Propriedades associativas:

(i) Associativa da união: (A ∪ B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C)


(ii) Associativa da interseção: (A ∩ B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C)

(b) Propriedades distributivas:

(i) Distributiva da união pela interseção: A∪(B∩C) = (A∪B)∩(A∪C)


(ii) Distributiva da interseção pela união: A∩(B∪C) = (A∩B)∪(A∩C)

Demonstração:
Seja x ∈ (A ∪ B) ∪ C então x ∈ A ∪ B ou x ∈ C. Estudemos as duas
possibilidades: Se x ∈ A ∪ B então x ∈ A ou x ∈ B. Se x ∈ A então
x ∈ A ∪ (B ∪ C) e caso x ∈ B temos x ∈ B ∪ C e também se verifica que
2.5. OPERAÇÃO COM CONJUNTOS:
UNIÃO E INTERSECÇÃO 56

x ∈ A ∪ (B ∪ C). A segunda possibilidade é que x ∈ C. Neste caso x ∈ B ∪ C


e certamente x ∈ A ∪ (B ∪ C).
Acabamos de ver portanto que (A∪B) ∪C ⊆ A∪(B ∪C). Para verificarmos
a inclusão contrária tomamos x ∈ A ∪ (B ∪ C). Então x ∈ A ou x ∈ (B ∪ C).
Se x ∈ A então x ∈ A ∪ B e podemos afirmar que x ∈ (A ∪ B) ∪ C. Se
x ∈ B ∪ C então x ∈ B ou x ∈ C. Se x ∈ B então x ∈ A ∪ B e certamente
x ∈ (A ∪ B) ∪ C. Se x ∈ C também teremos x ∈ (A ∪ B) ∪ C. Logo
A ∪ (B ∪ C) ⊆ (A ∪ B) ∪ C e juntando com o que provamos acima, podemos
dizer que vale a igualdade: A ∪ (B ∪ C) = (A ∪ B) ∪ C.
A demonstração da associatividade da interseção é deixada como exercício.
Para provarmos as distributividades vamos verificar inicialmente que

A ∩ (B ∪ C) ⊆ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C)

Para tanto, consideremos um arbitrário x ∈ A∩(B ∪C), então, por definição,


x ∈ A e x ∈ B ∪ C. De x ∈ B ∪ C podemos escrever x ∈ B ou x ∈ C. Mas,
sempre vale x ∈ A, o que nos permite dizer que x ∈ A e x ∈ B ou x ∈ A e
x ∈ C, isto é, x ∈ (A ∩ B) ∪ (A ∩ C).
Demonstraremos agora que (A ∩ B) ∪ (A ∩ C) ⊆ A ∩ (B ∪ C). Seja x ∈
(A ∩ B) ∪ (A ∩ C), então duas possibilidades ocorrem x ∈ A ∩ B ou x ∈ A ∩ C.
Caso x ∈ A ∩ B então x ∈ A e x ∈ B ou ainda x ∈ A e x ∈ B ∪ C, de forma
que x ∈ A ∩ (B ∪ C). Supondo que x ∈ A ∩ C então x ∈ A e x ∈ C, ou ainda
x ∈ A e x ∈ B ∪ C o que permite-nos dizer que x ∈ A ∩ (B ∪ C). Assim, de
fato (A ∩ B) ∪ (A ∩ C) ⊆ A ∩ (B ∪ C).
Para mostrarmos que A ∪ (B ∩ C) = (A ∪ B) ∩ (A ∪ C) comecemos com
A∪(B ∩C) ⊆ (A∪B) ∩(A∪C). Dado x ∈ A∪(B ∩C) então x é um elemento
de A ou de B ∩ C. Se x ∈ A então é verdade que x ∈ A ∪ B e x ∈ A ∪ C e
podemos afirmar que x ∈ (A ∪ B) ∩ (A ∪ C). Caso x ∈ B ∩ C então x ∈ B e
x ∈ C, ou ainda x ∈ A ∪ B e x ∈ A ∪ C; e certamente x ∈ (A ∪ B) ∩ (A ∪ C).
Logo realmente vale A ∪ (B ∩ C) ⊆ (A ∪ B) ∩ (A ∪ C).
Verifiquemos finalmente que vale (A ∪ B) ∩ (A ∪ C) ⊆ A ∪ (B ∩ C).
Tomando x ∈ (A ∪ B) ∩ (A ∪ C) temos x ∈ A ∪ B e x ∈ A ∪ C. Observemos
2.5. OPERAÇÃO COM CONJUNTOS:
UNIÃO E INTERSECÇÃO 57

que se x ∈ A, então é claro que x ∈ A ∪ (B ∩ C). Mas, se x ∈


/ A, como
x ∈ A ∪ B e x ∈ A ∪ C, teremos respectivamente x ∈ B e x ∈ C, isto é,
x ∈ B ∩ C, o que permite-nos escrever x ∈ A ∪ (B ∩ C). Portanto de fato,
(A ∪ B) ∩ (A ∪ C) ⊆ A ∪ (B ∩ C). Como já provamos a inclusão contrária, vale
a igualdade.

Proposição 2.5 (Leis de De Morgan) Para quaisquer subconjuntos A e B


de um mesmo universo U temos:

(i) (A ∪ B){ = A{ ∩ B {;

(ii) (A ∩ B){ = A{ ∪ B {.

Demonstração:

(i) Verifiquemos que (A∪B){ ⊆ A{ ∩B {. Seja x ∈ (A∪B){ então x ∈


/ A∪B.
Como A ∪ B = {x ∈ U | x ∈ A ou x ∈ B}, temos que ocorre a negação
de x ∈ A ou x ∈ B, isto é, temos que x ∈ / B. Assim x ∈ A{
/ Aex∈
e x ∈ B {, ou seja x ∈ A{ ∩ B {. Como x é arbitrário, está provado
que (A ∪ B){ =⊆ A{ ∩ B {. Para verificarmos a inclusão contrária, seja
x ∈ A{ ∩ B {, então x ∈ A{ e x ∈ B { o que nos dá que x ∈
/Aex∈
/ B.
/ A ∪ B, ou seja x ∈ (A ∪ B){.
Assim, certamente é correto afirmar que x ∈
Portanto A{ ∩ B { ⊆ (A ∪ B){ e em vista de (A ∪ B){ ⊆ A{ ∩ B {, vale a
igualdade.

(ii) Inicialmente vamos verificar que (A∩B){ ⊆ A{ ∪B {. Dado x em (A∩B){


então x ∈
/ A ∩ B. Como A ∩ B = {x ∈ U | x ∈ A e x ∈ B}, ocorre a
negação de x ∈ A e x ∈ B, isto é, x ∈
/ A ou x ∈
/ B. Em outras
palavras x ∈ A{ ou x ∈ B {, ou seja x ∈ A{ ∪ B {. Para mostrar que
A{ ∪ B { ⊆ (A ∩ B){ consideremos x ∈ A{ ∪ B {. Então x ∈ A{ ou x ∈ B {.
Se x ∈ A{ então x ∈ / A ∩ B o que dá x ∈ (A ∩ B){,
/ A e certamente x ∈
analogamente se x ∈ B {. Com isso provamos que A{ ∪ B { = (A ∩ B){.
2.6. O CONJUNTO DAS PARTES DE UM CONJUNTO 58

As operações de união e interseção de conjuntos são extensíveis a qualquer


número de conjuntos, inclusive infinito. Se A1 , A2 , . . . , An são n conjuntos da-
S
dos, então A1 ∩ A2 ∩ . . . ∩ An = ni=1 Ai é o conjunto dos elementos x que
T
pertencem a pelo menos um dos Ai , enquanto A1 ∩ A2 ∩ . . . ∩ An = ni=1 Ai é
o conjunto dos elementos x que pertencem a todos os Ai , i = 1, . . . , n.

Exemplo 2.2

São exemplos de uniões e interseções infinitas:



[
(i) {n} = N;
n=0


\
(ii) (−i, i) = (−1, 1);
i=1


\
(iii) (−1/i, 1/i) = {0}
i=1

Observação 2.1

(−a, a) representa geralmente o intervalo aberto de extremidades −a e a.

2.6 O Conjunto das Partes de um conjunto


Dado um conjunto A, podemos formar um novo conjunto que denotaremos por
℘(A) cujos elementos são os subconjuntos de A. A seguinte equivalência resume
a definição de ℘(A) :

B ∈ ℘(A) é o mesmo que dizer que B ⊆ A.

℘(A) chama-se o conjunto das partes de A. Sempre temos ℘(A) 6= φ, já


que, para todo conjunto A, φ ⊆ A e portanto φ ∈ ℘(A).

Exemplo 2.3
2.7. A CARDINALIDADE DE UM CONJUNTO 59

(i) Se A 6= φ então ℘(A) = {φ} tem 1 elemento.

(ii) Seja A = {a} então ℘(A) = {φ, A} tem 2 elementos.

(iii) Seja A = {a, b} então ℘(A) = {φ, {a} , {b} , A} tem 4 elementos.

Em geral pode-se mostrar que vale o seguinte:

Teorema 2.1 Seja A um conjunto com n elementos então ℘(A) tem 2n ele-
mentos.

Provaremos este teorema futuramente. Por enquanto vamos nos contentar


com a seguinte árvore que ilustra a construção de ℘(A), quando A = {a, b}:

Figura 2.1:

2.7 A Cardinalidade de um conjunto


Dado um conjunto A indicaremos por |A| ao número de elementos distintos de
A, chamado cardinalidade ou ordem de A.
Se |A| for um número finito então diremos que A é um conjunto finito, do
contrário A é dito um conjunto infinito.

Proposição 2.6 Sejam A e B dois subconjuntos finitos de U. Valem:

(a) Se A ∩ B = φ então |A ∪ B| = |A| + |B|;


2.7. A CARDINALIDADE DE UM CONJUNTO 60

(b) Se A ⊆ B então |B \ A| = |B| − |A|;

(c) |A ∪ B| = |A| + |B| − |A ∩ B|

Demonstração:

(a) Como A e B são finitos podemos listar seus elementos, suponhamos:


A = {a1 , . . . , am } e B = {b1 , . . . , bn } com ai 6= aj se i 6= j e
bi 6= bj se i 6= j. Pela hipótese de A ∩ B = φ temos também para todos
i e j que ai 6= bj . Deste modo A ∪ B = {a1 , . . . , am , b1 , . . . , bn } e os
elementos de A ∪ B são distintos dois a dois. Logo,

|A ∪ B| = m + n = |A| + |B|

(b) Suponhamos A ⊆ B. Como temos B = A ∪ (B \ A) e A ∩ (B \ A) = φ


segue pelo item (a) que |B| = |A ∪ (B \ A)| = |A| + |B \ A|, o que leva
a |B \ A| = |B| − |A|.

(c) Para verificarmos (c) vamos escrever A ∪ B como a união disjunta:

A ∪ B = (A \ (A ∩ B)) ∪ (B \ (A ∩ B)) ∪ A ∩ B.

então, usando o item (a) duas vezes teremos:

|A ∪ B| = |A \ (A ∩ B) ∪ (B \ (A ∩ B)| + |A ∩ B|

= |A \ (A ∩ B)| + |B \ (A ∩ B)| + |A ∩ B|

Usando agora o item anterior, finalmente demonstramos (c):

|A ∪ B| = |A|−|A ∩ B|+|B|−|A ∩ B|+|A ∩ B| = |A|+|B|−|A ∩ B| .


2.7. A CARDINALIDADE DE UM CONJUNTO 61

Observação 2.2

O item (a) da proposição acima generaliza-se para qualquer número finito


A1 , . . . , An de conjuntos disjuntos dois a dois, isto é, tais que Ai ∩ Aj = φ se
i 6= j. Vale, |A1 ∪ A2 ∪ . . . ∪ An | = |A1 | + |A2 | + . . . + |An |, como é fácil
verificar (mesma idéia da demonstração empregada ao item (a)).
No caso geral, isto é, sem necessariamente a condição dos conjuntos Ai
serem disjuntos, dois a dois, a fórmula para |A1 ∪ A2 ∪ . . . ∪ An | generaliza o
que ocorre no caso (c). Por exemplo, para n = 3 pode-se mostrar (veja lista de
exercícios) que:

|A ∪ B ∪ C| = |A| + |B| + |C| − |A ∩ B| − |A ∩ C| − |B ∩ C| + |A ∩ B ∩ C| .

Exemplo 2.4

Aplicações

1) Numa escola, 180 alunos gostam de estudar Matemática, 120 gostam de


estudar Física e 80 gostam das duas disciplinas.

a) Quantos são os alunos desta escola que gostam de estudar uma destas
duas disciplinas?
b) Quantos gostam de estudar Matemática mas não de física?

Solução:Sejam M o conjunto dos que gostam de Matemática e F o conjunto


dos que gostam de Física. Temos |M| = 180, |F | = 120 e |M ∩ F | = 80

a) Um aluno que gosta de estudar Matemática ou Física pertence ao conjunto


M ∪F . Temos: |M ∪ F | = |M| +|F |−|M ∩ F | = 180+120−80 = 220.
Logo, 220 alunos gostam de Física ou Matemática.

b) Quem gosta de Matemática, mas não de física pertence ao conjunto M \F ,


ou ainda M \ (M ∩ F ), pois assim podemos usar o item (b) da proposição
anterior: |M \ (M ∩ F )| = |M| − |M ∩ F | = 180 − 80 = 100.

Exemplo 2.5
2.7. A CARDINALIDADE DE UM CONJUNTO 62

Na vizinha cidade de “Andracite” há 1000 famílias. Destas, 470 são assinantes


do jornal “Status”, 420 são assinantes do jornal “Folhas” e 315 assinantes do jornal
“Globus”. Admitindo 140 assinam Globus e Folhas, 220 assinam Globus e Status,
110 assinam Folhas e Status e 75 assinam os três, responda:

(a) Quantas famílias não assinam jornal?

(b) Quantas famílias assinam um dos jornais?

(c) Quantas famílias assinam somente um dos jornais?

Solução:Responderemos inicialmente o item (b). Sejam S o conjunto da


famílias assinantes de Status, F o conjunto da famílias assinantes de Folhas, G
o conjunto da famílias assinantes de Globus.
A família que assina pelo menos um dos jornais pertence ao conjunto S ∪ F ∪
G. O número total destas famílias é portanto |S ∪ F ∪ G|. Usando a fórmula
encontrada temos,

|S ∪ F ∪ G| = |S| + |F | + |G| − |S ∩ F | − |S ∩ G| − |F ∩ G| + |S ∩ F ∩ G|
= 470 + 420 + 315 − 110 − 220 − 140 + 75 = 810.

Logo resolvemos também o item (a), porque a família que não assina jornal
pertence ao conjunto (S ∪ F ∪ G){ = U \ (S ∪ F ∪ G), e então o número destas

famílias é, de acordo com o item (b) da proposição anterior, (S ∪ F ∪ G){ =
|U| − |S ∪ F ∪ G| = 1000 − 810 = 190.
(c) Levando os dados num diagrama de Venn (Figura 2.2) temos:
E portanto o número de famílias que assina somente um dos jornais é:

215 + 30 + 45 = 490.
2.8. PRODUTO CARTESIANO DE CONJUNTOS 63

S S S
? F 245 F F
245
35 35 35
? ? 215
75 75 75
65 65 65
145 145 145
? ?
G G 30 G
U U U

Figura 2.2:

2.8 Produto Cartesiano de Conjuntos


Da definição de conjunto sabemos que {a, b} = {b, a}. Existem ocasiões, porém,
nas quais é importante e necessário distinguir, não só pelos elementos do con-
junto, mas também pela ordem. Neste caso passamos a considerar não conjuntos
com dois elementos (conjuntos binários), mas pares ordenados: (a, b) e (b, a).
Para pares ordenados, distinguimos entre os dois elementos qual é o primeiro
e qual é o segundo. Desta forma (a, b) 6= (b, a) se a 6= b. Por exemplo (1, 2) 6=
(2, 1).
Mais precisamente, temos a seguinte definição de igualdade de pares ordena-
dos: (a, b) = (c, d) ⇔ a = c e b = d.
Dados dois conjuntos não vazios A e B, ao conjunto obtido considerando
todos os pares ordenados (x, y) com x ∈ A e y ∈ B, denominamos o produto
cartesiano de A e B, cuja notação é A × B. Mais precisamente A × B =
{(a, b) | a ∈ A e b ∈ B}. O produto cartesiano também é definido quando A =
φ ou B = φ, neste caso coloca-se por definição: A × B = φ.

Exemplo 2.6

Suponhamos A = {a, b, c} e B = {b, g}, então:


A × B = {(a, b), (a, g), (b, b), (b, g), (c, b), (c, g)}, enquanto
B × A = {(b, a), (b, b), (b, c), (g, a), (g, b), (g, c)}.
O exemplo acima mostra que, em geral, A × B 6= B × A. Ele ilustra também
2.9. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO
PRODUTO CARTESIANO 64

o seguinte fenômeno, válido sempre :

|A × B| = |A| · |B|

No caso particular em que A = B o produto cartesiano A×B é igual a A×A


e chama-se o quadrado cartesiano do conjunto A ou simplesmente o quadrado
do conjunto A.
Notação: A2 = A × A. Desta forma, A2 = {(x, y) | x, y ∈ A}
Um subconjunto de A2 muito utilizado é o chamado conjunto diagonal de
A, definido por:

DA = {(x, x) | x ∈ A} .
Este nome é devido à representação gráfica de DA .

2.9 Representação gráfica do


Produto Cartesiano
Suponhamos que A e B são conjuntos numéricos, isto é, A, B ⊆ R.
O diagrama cartesiano A e B é obtido considerando-se dois eixos ortogonais
0x e 0y. O conjunto A é disposto no eixo horizontal 0x e B no eixo vertical
0y. Traçam-se paralelas aos dois eixos pelo ponto que representam os elementos
de A e de B. Os pontos de interseção dessas paralelas representam os pares
ordenados (x, y), elementos de A × B.

Exemplo 2.7

1) A = {x ∈ R | 1 ≤ x ≤ 3} e B = {2 ≤ x ≤ 4} (Figura 2.3(a)).

2) C = (−1, 2) D = (1/2, 2) ∪ (3, 4) (Figura 2.3(b)).

3) E = (−1, +∞), F = N∗ (Figura 2.3(c)).

4) G = {1, 2} H = {1, 3, 5} (Figura 2.3(d)).

5) Tracemos o conjunto diagonal de I = [−1, 4](Figura 2.3(e)).


2.9. REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DO
PRODUTO CARTESIANO 65

y
y
4
4 D
3

B AxB 2 CxD

2 1 D

x x
1 A 3 -1 C 2

(a) (b)

y
y

5
5

4 H
ExF 3
3

1 1

x x
-1 1 G 2

(c) (d)
y

I x I = I²
4

0
x
-1 4

-1

(e)

Figura 2.3:
2.10. ALGUMAS PROPRIEDADES DO
PRODUTO CARTESIANO 66

(Notemos que o contorno do gráfico de I é um quadrado).

2.10 Algumas Propriedades do


Produto Cartesiano
Enunciamos a seguir as principais propriedades do produto cartesiano:

(I) A × B = φ ⇔ A = φ ou B = φ;

(II) A × B = B × A ⇔ A = φ ou B = φ ou A = B;

(III) A ⊆ B ⇒ A × C ⊆ B × C e C × A ⊆ C × B;

(IV) Distributividade do produto cartesiano em relação a reunião:

(i) A × (B ∪ C) = (A × B) ∪ (A × C)
(ii) (A ∪ B) × C = (A × C) ∪ (B × C)

(V) Distributividade do produto cartesiano em relação a interseção:

(i) A × (B ∩ C) = (A × B) ∩ (A × C)
(ii) (A ∩ B) × C = (A × C) ∩ (B × C)

Demonstração:
Faremos a demonstração de algumas das propriedades, sendo as demais a
cargo do leitor.

(I) Se A = φ ou B = φ então, por definição, A × B = φ, isto mostra que

A = φ ou B = φ ⇒ A × B = φ.

Mostremos agora que A × B = φ ⇒ A = φ ou B = φ, através de sua


contra-positiva, isto é, provaremos que A 6= φ e B 6= φ ⇒ A × B 6= φ.
Mas isto é imediato, pois sendo A 6= φ e B 6= φ, então podemos tomar
a ∈ A e b ∈ B e montar o par ordenado (a, b) ∈ A×B. Assim A×B 6= φ.
2.11. PRODUTO CARTESIANO DE VÁRIOS CONJUNTOS 67

(II) (⇐) Se A = φ ou B = φ então A × B = φ e B × A = φ logo A × B =


B × A.
Além disso, se A = B então A × B = A × A = B × A.
(⇒) Suponhamos agora A × B = B × A. Se A = φ ou B = φ então a
demonstração estaria encerrada. Logo, podemos supor A 6= φ e B 6= φ.
Verifiquemos que A = B. Dado a ∈ A qualquer, consideremos b ∈ B (isto
é possível pois B 6= φ). Assim (a, b) ∈ A×B = B ×A, logo (a, b ∈ B ×A.
Em particular, (a, b) = (b0 , a0 ) com (b0 , a0 ) ∈ B × A. Assim a = b0 ∈ B.
A demonstração que B ⊆ A é análoga. Portanto A = B.

(IV) Mostraremos que A × (B ∪ C) = (A × B) ∪ (A × C). Seja (a, b) ∈


A × (B ∪ C) então a ∈ A e b ∈ B ∪ C, isto é, b ∈ B ou b ∈ C. Se
b ∈ B então (a, b) ∈ A × B e certamente (a, b) ∈ (A × B) ∪ (A × C).
Da mesma forma, se b ∈ C então (a, b) ∈ A × C ⊆ (A × B) ∪ (A × C).
Logo A × (B ∪ C) ⊆ (A × B) ∪ (A × C). Para a inclusão contrária, seja
(x, y) ∈ (A × B) ∪ (A × C), então (x, y) ∈ A × B ou (x, y) ∈ A × C.
Se (x, y) ∈ A × B, temos x ∈ A e y ∈ B e podemos afirmar que x ∈ A
e y ∈ B ∪ C, logo (x, y) ∈ A × (B ∪ C). Caso (x, y) ∈ A × C então
x ∈ A e y ∈ C e podemos afirmar x ∈ A e y ∈ B ∪ C, de modo que
(x, y) ∈ A × (B ∪ C), também neste caso.

2.11 Produto Cartesiano de vários Conjuntos


A noção de produto cartesiano definida para dois conjuntos, estende-se de maneira
natural a qualquer número finito n (n ≥ 2) de conjuntos.

Definição 2.4

Chama-se produto cartesiano, ou simplesmente produto dos n conjuntos


A1 , . . . , An ao conjunto de todas as n-uplas (x1 , x2 , . . . , xn ) onde x1 ∈ A1 , x2 ∈
A2 , . . . , xn ∈ An .
2.11. PRODUTO CARTESIANO DE VÁRIOS CONJUNTOS 68

Notação: A1 × A2 × . . . × An ou
n
Y
Ai .
i=1

Os conjuntos Ai chamam-se fatores do produto cartesiano:

A1 : Primeiro fator;
A2 : segundo fator,
..
.
An : n-ésimo fator.

A visualização gráfica do produto cartesiano de n fatores é dificultosa ou


até mesmo impossível, se n ≥ 4. Para n = 3 a visualização requer o espaço
cartesiano.
Gráfico do Cubo cartesiano: [0, 1] × [0, 1] × [0, 1] (Figura 2.4)

-1

0 -1
y

-1

Figura 2.4:
2.12. SIMPLIFICAÇÃO DE EXPRESSÕES 69

2.12 Simplificação de Expressões


As propriedades das operações sobre conjuntos permitem simplificar expressões
envolvendo conjuntos. Vejamos alguns exemplos:

1) Vale que A ∩ (B ∩ A{) = φ. De fato,


A ∩ (B ∩ A{) = A ∩ (A{ ∩ B) = (A ∩ A{) ∩ B = φ ∩ B = φ. Logo,
A ∩ (B ∩ A{) = φ;

2) (A ∪ B) ∩ B { = B { ∩ (A ∪ B) = (B { ∩ A) ∪ (B { ∪ B) = (B { ∩ A) ∪ U =
A ∩ B {.

Portanto, A ∪ B ∩ B { = A ∩ B {.

2.13 EXERCÍCIOS
Em todos os problemas, os conjuntos considerados são partes (subconjuntos) de
um mesmo conjunto universo U.

1. Verificar: Se A ⊆ B então A ∪ C ⊆ B ∪ C e A ∩ C ⊆ B ∩ C.

2. Verificar que as condições seguintes são equivalentes entre si:

a) A ⊆ B
b) A ∩ B = A
c) A ∪ B = B
d) A ∩ B { = φ
e) B { ⊆ A{

Observação 2.4

Teoricamente deve-se mostrar que a ⇔ b, a ⇔ c, . . . , b ⇔ c, b ⇔ d, . . .


porém basta provar que a ⇒ b ⇒ c ⇒ d ⇒ e ⇒ a.
Porque é suficiente provar somente estas implicações?
2.13. EXERCÍCIOS 70

3. Verificar as igualdades, usando a definição.

(a) A ∪ (B ∩ A) = A = A ∩ (B ∪ A)
(b) A ∩ (A{ ∪ B) = A ∩ B
(c) A ∪ (A{ ∩ B) = A ∪ B
(d) A ∪ (B ∩ (A ∪ C)) = A ∪ (B ∩ C)
(e) A ∩ (B ∪ (C ∪ D)) = (A ∩ B) ∪ (A ∩ C) ∪ (A ∩ D)
(f) A \ B = A ∩ B {
(g) (A \ C) ∩ (B \ C) = (A ∩ B) \ C

4. Determinar os elementos dos seguintes conjuntos:

(a) ℘(φ)
(b) ℘(℘(φ))
(c) ℘(℘(℘(φ)))
(d) ℘({a, b, c})

5. Verifique que A ⊆ B ⇔ ℘(A) ⊆ ℘(B).

6. Verdadeiro ou falso? Justificar:

(a) φ ∈ φ
(b) φ ∈ {φ}
(c) {φ} ∈ φ
(d) {φ} ∈ {φ}
(e) φ ⊆ φ
(f) φ ⊆ {φ}
(g) {φ} ⊆ φ
(h) φ ⊆ {{φ}}
2.13. EXERCÍCIOS 71

7. Justificar a fórmula para |A ∪ B ∪ C| da observação 2.2.

8. Mostrar que:

(a) Se A ∩ B = A ∩ C e A ∪ B = A ∪ C então B = C.
(b) Se A ⊆ C então A ∪ (B ∩ C) = (A ∪ B) ∩ C.

9. Provar que:

(a) (A × C) ∩ (B × D) = (A ∩ B) × (C ∩ D).
(b) (A × C) ∪ (B × D) ⊆ (A ∪ B) × (C ∪ D).

10. Sejam A = {1, 2} e B = {3}.


Determine ℘(A × A), ℘(A × B) e ℘(B) × ℘(B).

11. Admita que (y − 2, 2x + 1) = (x − 1, y + 2). Encontre x e y.

12. Para todo número natural n 6= 0, defina o conjunto Bn = [0, 1/n].


\ [
Encontre Bn e Bn .
n∈N∗ n∈N∗

13. A respeito dos conjuntos A e B sabe-se que 3 ∈ A e A ⊂ B. Então é


falso ou verdadeiro afirmar

(i) 3 ∈ B?
(ii) Se 4 ∈ B então 4 ∈ A? Justifique.
Suponha que A ∪ B = {a, b, c, d, e, f, g, h} e A ∩ B = φ. Se A \ B =
{a, b, c, d}.
Encontre A.

14. De uma turma de 50 alunos, sabe-se que 21 obtiveram média em Matemática.


Naquela turma 28 alunos conseguiram média em geografia e apenas 8 con-
seguiram média nas duas disciplinas. Pergunta-se: quantos alunos desta
turma não obtiveram média em matemática nem em geografia?
2.13. EXERCÍCIOS 72

15. Dado o sistema da inequaçãos abaixo, determine para quais números in-
teiros ele se verifica.

 3x−72
≤5
 x+7
5x + 18 > 3

Observação 2.5

Para atender um sistema (de inequaçãos) as duas inequaçãos devem valer


simultaneamente.

16. A população de Pirandópolis consome 3 marcas de sabão em pó: A, B e


C feita um pesquisa de mercado constatou-se os resultados relacionados
abaixo:
MARCA A B C AeB BeC CeA A, B e C
N o de consumidores 109 203 162 25 41 28 5
e nenhuma das 3 → 115.
Determinar:

(a) O número de pessoas consultadas.


(b) O número de pessoas que só consomem A.
(c) O número de pessoas que não consomem as marcas A ou C.
(d) O número de pessoas que consomem ao memos duas das marcas.

17. Apresente um lei de formação para os conjuntos abaixo. Veja o modelo:

(a) A = {a2 , a3 , a4 , a5 , a6 , a7 , a8 } A = {ai | i ∈ N e 2 ≤ i ≤ 8}


(b) B = {4, 8, 12, 16, 20, . . .}
(c) C = {4, 8, 12, 16, . . .}

(d) D = . . . , 18 , 41 , 12 , 1, 2, 4, 8, . . .
(e) E = {3, 11, 19, 27, 35, 43, . . .}
(f) F = {0, −1, −4, −9, −16, . . .}
2.13. EXERCÍCIOS 73

(g) G é o conjunto dos múltiplos positivos de 6 menores que 1200.


(h) H é o conjunto dos números inteiros pares negativos maiores que
−18.

18. Definidos os seguintes conjuntos por sentenças abertas:


A1 = {2x − 1, x ∈ [0, 1]}
A2 = {x2 + 1 | − 1 ≤ x ≤ 1}
A3 = {cos x | x ∈ [π/2, π]}
A4 = {2x − 1 | x ∈ Z e | x − 1 | ≤ 2}
Descrevê-los; caracterizando-os como intervalos ou enumerandos os ele-
mentos.

19. Responder e justificar as seguintes questões relacionadas aos conjuntos


A1 , A2 , A3 e A4 do exercício anterior:

(a) 4 ∈ A1 ?
(b) 0 ∈ A3 ?
(c) 1/2 ∈ A2 ?
(d) 3 ∈ A4 ?
(e) 14 ∈ A4 ?

20. Sejam os conjuntos:

A = {x | x ∈ N e 2 < x ≤ 8}
B = {y | y ∈ Z e 3y 2 − 9y ≥ 0};
C = {z ∈ R; | z 3 − 9z 2 − 18z = 0};
D = {w ∈ Q; | 2w 2 − 7w + 3 = 0}.

Calcular:

(a) A ∪ B e A ∩ B
2.13. EXERCÍCIOS 74

(b) A ∩ (B ∪ C)
(c) A − C
(d) B − C
(e) B − D

21. Repita o exercício 19) para os seguintes subconjuntos de Z × Z:

(a) X = {(0, 0), (1, 2), (2, 4), (3, 6), (4, 8), . . .}
(b) Y = {(0, 0), (1, −1), (2, −4), (3, −9), . . .}
(c) Z = {. . . , (−15, −3), (−10, −2), (−5, −1), (0, 0), (5, 1), (10, 2), (15, 3), . . .}
(d) W = {(0, 1), (1, 4), (2, 7), (3, 10), (4, 13), . . .}

22. Seja T = {(x, y) ∈ Z × Z | ∃ n ∈ N satisfazendo x = 3n − 1 e y = 22n−1 }

(a) Encontre outra apresentação para o conjunto T . Dica: Procure obter


algo parecido com os ítens b,c e d do exercício 19
(b) Decida se (80, 127) ∈ T e se (26, 30) ∈ T
 √
23. Seja E um conjunto definido da seguinte forma: E = a + b 2 | a, b ∈ Q ,
onde Q é o conjunto dos números racionais.

(a) Mostrar que 2 ∈ E.
√ √
(b) 2 + 2 2 ∈ E?
(c) Mostrar que Q ⊆ E
(d) Verificar que E é fechado para a operação de adição, isto é, mostrar
que a soma de elementos de E ainda é um elemento de E.
(e) Será E fechado para a operação de multiplicação?
(f) Mostrar que o inverso de um elemento de E continua em E.

(g) 3 ∈ E?

24. Represente no plano R2 os seguintes subconjuntos:


2.13. EXERCÍCIOS 75

(a) A = {(cos x, sen x), x ∈ R}


(b) {(t, −t) | t ∈ R}
(c) {(2t, t), t ∈ R}
(d) {(t2 , −t2 ), t ∈ R}

25. Descreva os conjuntos abaixo como intervalos da reta real:

(a) A = {x ∈ R | (x + 1)5 ≥ 0}
(b) B = {x ∈ R | (3x + 1)20 ≤ 0}
(c) C = {x ∈ R | x − 2 | − 1 > 3}
(d) D = {x ∈ R | x + 3 < | x + 2 | }
 1

(e) E = x ∈ R | x+3 <2

(f) F = x ∈ R | x22x−4 − x+2
1
−2<0

26. Represente no plano R2 os seguintes subconjuntos:

(a) R = {(x, y) ∈ R2 | y 2 = x}

(b) S = (x, y) ∈ R2 | y = −x 2
+1
(c) T = {(x, y) ∈ R2 | x − y = 1}

27. Encontre os conjuntos R, S, T do exercício anterior admitindo que (x, y) ∈


R2 é trocado por (x, y) ∈ A × B onde A = {−3, −1, 1, 3} e B =
{0, 2, 4, 6}.

1
28. Definamos o conjunto A da seguinte forma, A = {x ∈ R | x − 2
∈ Q}.
Pede-se:

(a) Apresentar 5 elementos de A;


(b) Provar que Q = A.
Capítulo 3

Indução Finita
Vamos estudar propriedades P que dizem respeito aos números naturais e para
tanto vamos utilizar a notação P (n), n ∈ N.

Exemplo 3.1

(a) P (n) : n2 > n;

(b) P (n) : n − 2 ∈ N;

(c) P (n): Se n é um número natural então n é par;

(d) P (n): Existe uma solução n ∈ N para a equação n2 = 2n.

Consideremos a seguinte proposição para N

P (n) : 2n > n.

Testando alguns valores de n, temos P (n) verdadeira, pois

20 > 0 , 21 > 1 , 22 > 2 , ...

Porém, a experiência mostra que mesmo P (n) verdadeira para uma infinidade
de valores de n, não assegura P (n) verdadeira para todo n. Uma decepção bem
conhecida nesta direção ocorre com a proposição:

P (n) : O número n2 + n + 41 é primo.

76
3.1. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 77

Temos P (n) verdadeira para 0 ≤ n ≤ 40, mas para n = 41 é falsa visto que:

n2 + n + 41 = 41 · 43

é composto, neste caso.


Dada a impossibilidade de testar uma proposição P (n) para todo n ∈ N,
como assegurar a validade de uma proposição do tipo:

∀ n, P (n) ?

É aí que surge a importância do princípio de indução finita que veremos a


seguir.

3.1 Primeiro Princípio de Indução finita


O enunciado do Primeiro Princípio de Indução finita é o seguinte:

Teorema 3.1 (Primeiro Princípio de Indução Finita)


Suponha n0 ∈ N e que P (n) é uma proposição definida para todo n ≥ n0 .
Suponha que P (n) satisfaça as seguintes condições:

(i) P (n0 ) é verdadeira;

(ii) Para qualquer k ≥ n0 , a implicação “P (k) verdadeiro ⇒ P (k + 1) ver-


dadeiro” é sempre válida.

Então, P (n) é uma proposição verdadeira para todo n ≥ n0 .

Os princípios de indução finita (primeiro e segundo) são bastante intuitivos


e de fácil aceitação. No princípio acima, por exemplo, se seguirmos as hipóteses
(i) e (ii) podemos partir do ponto inicial n0 e provar que P (n) é verdadeira para
todo n ≥ n0 . Vejamos:
Por (i), P (n0 ) é verdadeira. Assim, como n0 + 1 ≥ n0 , vamos ter por (ii) que
P (n0 + 1) é verdadeira. Desta forma, novamente por (ii), podemos dizer que
P (n0 + 2) é verdadeira. Enfim, aplicando sucessivas vezes (ii), teremos P (n)
verdadeira para todo n ≥ n0 .
3.1. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 78

Resumindo o enunciado acima, podemos dizer que “demonstrar por indução”


consiste em realizar duas etapas:
(i) Encontrar n0 ∈ N onde a proposição seja verdadeira;
(ii) Provar que para todo k ≥ n0 : P (k) verdadeiro ⇒ P (k + 1) verdadeiro.
A importância de n0 é clara. Ele é chamado de ponto de partida do
processo de indução.

Exemplo 3.2

Demonstrar que se n ≥ 1 é um número inteiro não nulo, então:


n(n + 1)
1 + 2 +...+ n = .
2
Solução: Tomemos n0 = 1 chamando,
n(n + 1)
P (n) : 1 + 2 + . . . + n =
2
vemos que P (1) é verdadeiro pois se n = 1 então 1 + 2 + . . . + n = 1
n(n + 1)
e também = 1.
2
Portanto a etapa (i) da demonstração por indução está concluída.
Suponha agora que k ≥ 1 e que P (k) é verdadeiro. Isto significa que

k(k + 1)
1 + 2 +...+ k =
2
Devemos mostrar que P (k + 1) é verdadeiro, ou seja, que:

(k + 1)(k + 2)
1 + 2 + . . . + (k + 1) =
2
Mas,

1 + 2 + . . . + (k + 1) = (1 + 2 + . . . + k) + (k + 1)

k(k + 1)
= + (k + 1)
2
 
k (k + 1)(k + 2)
= (k + 1) 1 + =
2 2
3.1. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 79

Cumpridas as etapas (i) e (ii), está provado, pelo princípio de indução finita
que
n(n + 1)
1 + 2 +...+ n = , ∀n≥1
2
Observemos que acabamos de provar uma fórmula para a soma dos n primeiros
números inteiros naturais.
Consideremos agora o seguinte problema:

Exemplo 3.3

Encontrar uma expressão para a soma dos n primeiros números inteiros pos-
itivos ímpares. Provar a validade da expressão encontrada.
Solução: Observemos que

n Soma dos n primeiros ímpares


1 1 =1
2 1+3 =4
3 1+3+5 =9
4 1+3+5+7= 16

A pequena tabela acima nos induz a imaginar que vale a seguinte fórmula:

A soma dos n primeiros ímpares positivos = n2

Para concretizarmos a fórmula precisamos expressar o n-ésimo número ímpar y,


em função de n.
É fácil ver que y = 2n − 1. De fato, admitindo que os pontos (n, y) seguem
uma reta e usando a equação geral da reta : y − y0 = m(x − x0 ) com os pontos
(x0 , y0 ) = (1, 1) e (2, 3), teremos:

y − y0 = m(x − x0 ) ⇔ y − 1 = 2(x − 1)
⇔ y = 2x − 2 + 1
⇔ y = 2x − 1

onde x = n, logo y = 2n − 1
3.1. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 80

Assim, nossa fórmula procurada torna-se:

1 + 3 + 5 + . . . + (2n − 1) = n2 para n ≥ 1 (3.1)

Seguindo os passos do Princípio de Indução Finita temos:


(i) n = 1 verifica a igualdade 3.1, pois 1 + 3 + 5 + . . . + (2n − 1) = 1 = n2 .
(ii) Supondo 3.1 verdadeira para n = k, isto é, 1+3+5+. . .+(2k −1) = k 2 ,
provaremos 3.1 para n = k + 1.
Para tanto devemos checar que 1 + 3 + 5 + . . . + [2(k + 1) − 1] = (k + 1)2 .
De fato,

1 + 3 + 5 + . . . + [2(k + 1) − 1] = 1 + 3 + 5 + . . . + (2k − 1) + [2(k + 1) − 1]


= k 2 + 2(k + 1) − 1 = k 2 + 2k + 2 − 1
= k 2 + 2k + 1 = (k + 1)2

Assim está provado que 3.1 vale para todo n ≥ 1.

Exemplo 3.4

Dada uma matriz A quadrada de ordem n, definimos A2 = A · A,


A3 = A · A · A. Em geral, An = A| · A ·{zA . . . A}.
! n vezes
1 1
Suponha que A = , encontre uma fórmula para a potência
0 1
n-ésima de A e demonstre a fórmula encontrada.
Solução: Devemos encontrar e demonstrar uma fórmula para An .
Observemos que:
!
1 1
A1 =
0 1
! ! !
1 1 1 1 1 2
A2 = A · A = . =
0 1 0 1 0 1
! ! ! ! ! !
1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 3
A3 = . . = . =
0 1 0 1 0 1 0 1 0 1 0 1
! ! !
1 2 1 2 1 4
A4 = A2 · A2 = . =
0 1 0 1 0 1
3.1. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 81

e assim por diante.


Estes resultados leva-nos a inferir que vale a seguinte expressão para An :
!
1 n
An = n≥1 (3.2)
0 1
Vamos demonstrar tal fato por indução em n.
(i) Se n = 1, a expressão
! 3.2 é satisfeita
! pois neste caso:
1 1 1 n
An = A = = .
0 1 0 1
!
1 k
(ii) Para qualquer k ≥ 1, supondo que Ak = vamos verificar que
0 1
!
1 k + 1
Ak+1 = . Mas, isto é fácil pois
0 1

Ak+1 = A
| · A ·{zA . . . A} = A
k
| · A ·{zA . . . A} ·A = A · A
(k+1) vezes k vezes
! ! !
1 k 1 1 1 k+1
= . =
0 1 0 1 0 1

Verificamos portanto que para todo n ≥ 1, vale que:


!
1 n
An =
0 1

O Princípio de Indução Finita também pode ser empregado para generaliza-


ção de propriedades rotineiras. A título de exemplo vamos verificar a seguinte
propriedade elementar:

Exemplo 3.5

Seja a um número inteiro fixo. Então a


|+a+
{z. . . + a} = n · a
n vezes
Solução:

(i) Certamente a propriedade é atendida se n = 1.


3.1. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 82

(ii) Supondo agora que k ≥ 1 e que a


|+a+
{z. . . + a} = k · a
k vezes
Temos que,

|a + a +
{z. . . + a} = |a + a +
{z. . . + a} +a = k · a + a = (k + 1) · a
(k+1) vezes k vezes

o que mostra ser a proposição válida também para k + 1. Isto é, se P (k) é


verdadeira temos P (k + 1) verdadeira.
Está provado portanto que P (n) vale para todo n ≥ 1.
O Princípio de Indução Finita pode ser empregado na verificação de algumas
desigualdades. Vejamos os exemplos:

Exemplo 3.6

Demonstrar que a desigualdade 2n > n é válida para todo n ∈ N, n ≥ 2.


(i) Para n = 2 a proposição é verdadeira, já que, neste caso 2n = 4 e
certamente 2n > n quando n = 2.
(ii) Admitindo a proposição verdadeira para um k ≥ 2, isto é, 2k > k,
vamos verificar que ela também vale para k + 1, ou seja, 2k+1 > k + 1. Temos,
2k+1 = 2k · 2 e então, usando a hipótese de indução:

2k > k ⇔ 2 · 2k > 2k ⇔ 2k+1 > 2k

Como desejamos obter 2k+1 > k + 1 vamos checar quando 2k > k + 1, que vale
sempre quando 2k − k > 1, isto é, k > 1. Lembrando que k ≥ 2, podemos
então escrever 2k > k + 1 e como 2k+1 > 2k, teremos 2k+1 > k + 1.
Está provado portanto que 2n > n para todo n ≥ 2. Uma vez que tal
proposição vale também para n = 0 e n = 1 podemos afirmar que 2n > n é
verdadeira para todo n ∈ N.

Exemplo 3.7

Provar que para todo inteiro n ≥ 3, vale que n! > 2n−1


Supondo que P (n) : n! > 2n−1 .
(i) Então P (3) é uma proposição verdadeira, pois 3! = 6
enquanto 23−1 = 22 = 4
3.1. PRIMEIRO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 83

(ii)Vamos assumir que P (k) é verdadeira para algum k ≥ 3 e provaremos


que P (k + 1) também é verdadeira.
Queremos mostrar que (k + 1)! > 2(k+1)−1 ⇔ (k + 1)! > 2k . Da hipótese
temos que k! > 2k−1 e então multiplicando ambos os membros por (k + 1) segue
(k + 1)k! > 2k−1(k + 1), ou ainda que:

(k + 1)! > 2k−1(k + 1) (3.3)

Se tivermos 2k−1(k + 1) > 2k então certamente (k + 1)! > 2k como desejado.


Vejamos portanto, quando ocorre 2k−1 (k + 1) > 2k .
Temos,
2k−1(k + 1) > 2k ⇔ 2k−1(k + 1) > 2k−1 · 2
⇔ (k + 1) > 2 ⇔ k > 1

Como k ≥ 3, então sempre é verdade que 2k−1(k + 1) > 2k .


Voltando em 3.3, podemos dizer que (k +1)! > 2k , o que representa P (k +1)
verdadeira.
Portanto, por indução vale que n! > 2n−1 para todo n ≥ 3.

Observação 3.1

O item (ii) acima pode ser verificado de outra forma. Escrevendo a proposição
P (n) como 2n−1 < n!, vamos verificar que:

P (k) ⇒ P (k + 1), para todo k ≥ 3

Por hipótese, 2k−1 < k! (multiplicando ambos os membros por 2)

2 · 2k−1 < 2k! ⇒ 2k < 2k!

Basta provarmos que 2k! < (k+1)! pois se assim o for, vamos ter 2k < (k+1)!
como procuramos.
Mas, 2k! < (k + 1)! ⇔ 2k! < (k + 1) · k! ⇔ 2 < k + 1 ⇔ k > 1, e
como k ≥ 3 sempre vale 2k! < (k + 1)!
Portanto, P (k + 1) verdadeira.
3.2. SEGUNDO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 84

Exemplo 3.8

Como outra aplicação do Algoritmo de Indução vamos verificar um fato já


conhecido:
℘(n) : Se um conjunto A tem n elementos então ℘(A) tem 2n elementos.
Demonstração:
(i) A proposição é verdadeira se A é um conjunto com n = 0 elementos,
pois, neste caso, A = φ e ℘(A) = {φ} tem 2n = 1 elementos.
(ii) Suponhamos agora que A é um conjunto com n + 1 elementos e devemos
verificar que A tem 2k+1 subconjuntos.
Para usarmos a hipótese de indução vamos retirar um elemento α ∈ A,
provisoriamente, isto é, considerar o conjunto B = A\ {α}. Então B tem n
elementos e assim 2n subconjuntos. Todos os subconjuntos de B também são
de A. Para obtermos todos os subconjuntos de A basta acrescentarmos α aos
subconjuntos de B. Assim,
A vai ter
2n
|{z} + 2n
|{z} = 2.2n = 2n+1 subconjuntos.
Subconjuntos de B Subconjuntos de A que contem α

Acabamos de verificar portanto que P (k + 1) é verdadeira. Pelo Algoritmo


de Indução está demonstrado que a proposição vale para todo n ∈ N.

3.2 Segundo Princípio de Indução Finita


Existe uma segunda versão do algoritmo de indução muito apropriada para algu-
mas demonstrações sobre números naturais.

Teorema 3.2 (Segundo Princípio de Indução Finita)


Seja P (n) uma proposição sobre números naturais n ≥ a, onde a ∈ N é fixo.
Suponhamos que P (n) satisfaça as seguintes condições:

(i) P (a) é verdadeira;


3.2. SEGUNDO PRINCÍPIO DE INDUÇÃO FINITA 85

(ii) Se P (r) é verdadeira para todo r ∈ N tal que a ≤ r ≤ k então P (k + 1)


também é verdadeira.

Observemos que a diferença principal entre o Primeiro e o Segundo Princípio


de Indução é que o Segundo Princípio é mais “generoso”. Enquanto no primeiro
princípio, na hipótese de indução admitimos apenas P (k) verdadeiro, no segundo
princípio admitimos P (r) verdadeiro para todos r ≤ k. Ou seja nossa hipótese
de indução é mais ampla.

Exemplo 3.9

Suponhamos que X seja um subconjunto de números naturais definido por:

X = {un ∈ N | u0 = 2, u1 = 3, e uk+1 = 3uk − 2uk−1}

com k = 1 conseguimos determinar u2 ,veja:

u2 = u1+1 = 3u1 − 2u0 = 3 · (3) − 2 · (2) = 5

E assim em diante determinando u3 , u4 , . . .

u3 = u2+1 = 3u2 − 2u1 = 3(5) − 2(3) = 9

u4 = u3+1 = 3u3 − 2u2 = 3(9) − 2(5) = 17

Assim sucessivamente...
Se observarmos bem, nossos números un aparentam seguir a seguinte fórmula.

u n = 2n + 1

Provaremos tal afirmação, isto é, que a seguinte proposição é verdadeira:

P (n) : Se u0 = 2, u1 = 3, e uk+1 = 3uk − 2uk−1, para todo k, então


un = 2n + 1, para todo n ∈ N.

Demonstração: Usaremos o segundo princípio de indução.


(i) Para n = 0 temos u0 = 2 = 20 + 1, ou seja vale P (n) para n = 0.
3.3. EXERCÍCIOS 86

(ii) Suponhamos P (r) verdadeiro para todo 0 ≤ r ≤ k e provaremos que


P (k + 1) é verdadeiro, isto é, que uk+1 = 2k+1 + 1.
Ora, temos da definição que uk+1 = 3uk − 2uk−1. Como a proposição vale
para 0 ≤ r ≤ k, então vale em particular para k e k − 1. Isto é, uk = 2k + 1 e
uk−1 = 2k−1 + 1.
Assim,

uk+1 = 3uk −2uk−1 = 3(2k +1)−2(2k−1+1) = 3·2k +3−2k −2 = 2·2k +1 = 2k+1+1

Portanto, a fórmula vale para k + 1.


Satisfeito as condições do Segundo Princípio de Indução podemos afirmar
que P (n) vale para todo n ≥ 0.

3.3 EXERCÍCIOS
1. Para que valores de n ∈ N a afirmação dada é verdadeira?
Justifique sua resposta por indução finita.

a) 3n < n!
b) an > 1 (a > 1)
c) n2 > n + 1
d) n! > n2
 2
e) 13 + 23 + . . . + n3 = n(n+1)
2
  
f) 1 − 12 1 − 13 · 1 − n1 = n1
g) 4n − 3 ≥ n2
1 1 1 1 n
h) + + + ...+ =
1·2 2·3 3·4 n(n + 1) n+1

2. Descubra uma forma para o cálculo da soma (ou produto) e, em seguida,


prove por indução finita que a fórmula deduzida (se é que você deduziu!)
é válida para todo natural n ≥ n0 . Determine também n0 .
3.3. EXERCÍCIOS 87

(i) (ab)n , onde a, b ∈ R


(ii) 1 + 2 + 22 + . . . + 2n
!n
cos θ −sen θ
(iii) , ou seja An = A
| · A ·{zA . . . A} onde A é a matriz
sen θ cos θ nvezes
!
cos θ −sen θ
2×2 A=
sen θ cos θ
Capítulo 4

Divisibilidade
Definição 4.1 Dado a , um número inteiro, os múltiplos de a são os números
0, ±a, ±2a, ±3a, . . . , em geral ka, onde k é qualquer número Z.

Notação: Pela definição dada, é natural denotarmos o conjunto dos múlti-


plos de a por a · Z, ou seja:

a · Z = {ax | x ∈ Z} .

Exemplo 4.1

(i) Múltiplos de −1 : (−1)Z = {−x | x ∈ Z} e então vemos que (−1)Z = Z;

(ii) 2 · Z = {2x | x ∈ Z} é o conjunto dos números pares.

Proposição 4.1 Se m e n são múltiplos de a então a soma m + n e o produto


m · n são múltiplos de a. (Esta proposição afirma que a · Z é fechado para as
operações de adição e multiplicação.)

Demonstração: Como m e n são múltiplos de a, temos da definição de


múltiplos de a que existem k, l ∈ Z tais que m = ka e n = la Assim,

m + n = ka + la = (k + l)a

pela propriedade distributiva.


Logo, m+n = k 0 a onde k 0 = k+l. Como k+l ∈ Z, é claro que m+n ∈ a·Z,
isto é, m + n é múltiplo de a.

88
89

Para o produto temos

m · n = (ka)(la) = (kl)a = (kal)a = l0 a

onde l0 = kal. Assim, m · n ∈ a · Z, isto é, m · n é múltiplo de a.

Definição 4.2 Divisibilidade


Dizemos que um inteiro b divide um inteiro a se existe um inteiro c tal que
a=c·b
Diz-se também que a é divisível por b ou que b é um divisor de a.

Notação: Usaremos b | a para denotar que b divide a e b - a caso contrário,


isto é, quando b não divide a.

Exemplo 4.2

(i) Temos 2 | 18 pois 18 = 2 · 9

(ii) 3 | 15 pois existe o inteiro 5 satisfazendo 15 = 5 · 3

(iii) −4 | 12 pois existe o inteiro c = −3 tal que 12 = (−4)(−3)

(iv) 2 - 15 pois não existe c ∈ Z tal que 15 = c · 2

Suponhamos que b 6= 0, então o inteiro que cumpre a definição de b | a é


a
único. De fato, temos que c = , onde c é chamado o quociente de a por b.
b
Veremos agora as primeiras propriedades da divisibilidade.

Proposição 4.2 Quaisquer que sejam os inteiros a, b, c e d valem:

(i) a | a (Propriedade reflexiva);

(ii) Se a | b e b | a então a = ±b (Propriedade anti-simétrica);

(iii) Se a | b e b | c então a | c (Propriedade transitiva).


90

Demonstração:

(i) Como a = 1 · a vemos pela definição que a | a.

(ii) Temos por hipótese que a | b e b | a, assim podemos escrever b = ka


e a = lb com k, l ∈ Z. Substituindo a primeira igualdade na segunda,
temos a = l(ka) ou seja a = kla. Daí, a(1 − kl) = 0 e então a = 0 ou
1 − kl = 0. Se a = 0, então como b = ka temos b = 0 e neste caso a = b.
Se 1 − kl = 0 então kl = 1 e como k e l são números inteiros as únicas
possibilidades são k = l = 1 ou k = l = −1. Portanto, como a = lb
vamos ter a = ±b.

(iii) De a | b temos b = k1 a e de b | c temos c = k2 b. Logo, substituindo a


primeira igualdade na segunda obtemos c = k1 k2 a. Assim c = c0 a onde
c0 = k1 k2 ∈ Z, o que mostra que a | c.

Proposição 4.3 Dados os inteiros a, b, c ∈ Z tais que a | b e a | c então a


divide todos os números da forma bx + cy onde x, y ∈ Z. Em outras palavras
a | (bx + cy) ∀ x, y ∈ Z.

Demonstração: Da hipótese segue que existem inteiros d1 e d2 tais que


b = d1 a e c = d2 a. Assim, para quaisquer x, y ∈ Z tem-se bx+cy = d1 ax+d2 ay
e pela propriedade distributiva obtemos bx + cy = a(d1 x + d2 y) o que mostra
ser bx + cy divisível por a.
Resulta da propriedade acima o seguinte corolário:

Corolário 4.1 .

(i) Se a | b e a | c então a | (b + c)

(ii) Se a | b então a | b · d ∀ d ∈ Z

Demonstração: Como x e y na proposição anterior são quaisquer, tomando


x = y = 1 resulta que a | (b + c), o que prova (i).
Para verificar (ii) utilizaremos novamente que a | (ax+by) ∀ x, y ∈ Z. Basta
tomarmos x = 0 e y = d.
91

Teorema 4.1 (Algoritmo da divisão)


Dados a, b ∈ Z com b > 0 então existem únicos q, r ∈ Z com 0 ≤ r < b tais
que a = bq + r.

Observação 4.1

Os inteiros q e r que aparecem no Teorema acima chamam-se respectivamente


quociente e resto da divisão de a por b.
Demonstração: Primeiramente, se a é múltiplo de b, digamos a = mb para
algum m ∈ Z, então o Teorema vale, basta tomarmos q = m e r = 0.
Caso a não seja múltiplo de b então podemos situá-lo entre dois múltiplos
consecutivos de b, digamos qb e qb + b. Ou seja, qb < a < (q + 1)b
e então 0 < a − qb < b.
Chamando r = a − qb vamos ter a = bq + r, onde 0 < r < b como desejado.
Vamos provar, agora, que q e r são únicos satisfazendo esta condição. Isto
é, vamos supor que existem dois pares (q1 , r1 ) e (q2 , r2 ) satisfazendo a condição
do Teorema e provaremos que eles são iguais.
Temos a = bq1 + r1 e a = bq2 + r2 onde 0 ≤ r1 < b e portanto

bq1 +r1 = bq2 +r2 ⇔ bq1 −bq2 = r2 −r1 ⇔ b(q1 −q2 ) = r2 −r1 ⇔ r2 −r1 = b(q1 −q2 )

Queremos mostrar que r1 = r2 e que q1 = q2 . Suponhamos por absurdo que


r1 < r2 , então r2 − r1 > 0. De b(q1 − q2 ) = r2 − r1 e b > 0 devemos ter
q1 − q2 > 0 e portanto q1 − q2 ≥ 1.
Assim r2 − r1 = b (q1 − q2 ) ≥ b, mas por outro lado r2 − r1 ≤ r2 < b.
| {z }
≥1
Resumindo, encontramos que r2 − r1 ≥ b e r2 − r1 < b, isto é, obtivemos
uma contradição.
Assim r1 6< r2 . Se supormos r2 < r1 encontramos um absurdo semelhante.
Logo devemos ter necessariamente r1 = r2 e voltando na igualdade r2 − r1 =
b(q1 − q2 ) vamos ter b(q1 − q2 ) = 0 e como b > 0 segue que q1 − q2 = 0 e que
q1 = q2 .
Provamos portanto que o quociente e o resto são únicos.
4.1. CONGRUÊNCIA MÓDULO N 92

Exemplo 4.3

Dados os inteiros a e b vamos aplicar o algoritmo da divisão aos seguintes


casos:

(i) a = 19 e b = 5
É fácil ver que 19 = 3(5) + 4, isto é, q = 3 e r = 4

(ii) a = 5 e b = 19
Neste caso devemos ter 5 = 0(19) + 5, ou seja, quociente q = 0 e o resto
o próprio a, logo r = 5.

(iii) a = −13 e b = 4
Aplicaremos primeiramente o algoritmo da divisão para 13 e 4.
Temos,
13 = 3(4) + 1 ⇒ −13 = −3(4) − 1 ⇒ −13 = −3(4) − 4 + |4 {z
− 1} ⇒
3
⇒ −13 = (−3 − 1)4 + 3 ⇒ −13 = −4(4) + 3.
Assim o quociente da divisão de −13 por 4 é q = −4 e o resto r = 3 < 4.

(iv) a = −17 e b = 7

Temos,
17 = 2(7) + 3 ⇒ −17 = −2(7) − 3 ⇒ −17 = −2(7) − 7 + |7 {z
− 3} ⇒
4
⇒ −17 = (−2 − 1)(7) + 4 ⇒ −17 = −3(7) + 4
Logo, neste caso, q = −3 e r = 4.

4.1 Congruência módulo n


Vimos anteriormente que os números inteiros podem ser classificados em “pares”
ou “ímpares”. Vimos que um número inteiro a, sendo par, tem a forma 2k e que
4.1. CONGRUÊNCIA MÓDULO N 93

um número inteiro b, sendo ímpar, tem a forma 2k + 1. Podemos observar que


estas representações, par e ímpar, decorrem do algoritmo da divisão, vejamos:

a = 2k + 0 b = 2k + 1

Percebemos que na verdade números pares são aqueles que deixam resto zero,
quando divididos por 2, e números ímpares, os que deixam resto 1.
Assim podemos dizer que todos os números pares são congruentes entre si,
o mesmo vale para os números ímpares. Veremos também que se quisermos
podemos classificar os números inteiros em várias categorias, não apenas em par
ou ímpar. A definição seguinte nos dá a ferramenta necessária para isto.

Definição 4.3 Dados a, b ∈ Z e n ∈ N∗ , dizemos que a e b são congruentes


módulo n se a e b, quando divididos por n, possuem o mesmo resto.

Notação: Se a e b são congruentes módulo n indicamos por


a ≡ b (mod n), do contrário a 6≡ b (mod n).

Exemplo 4.4

(i) Temos que 27 ≡ 6 (mod 3) porque ao serem divididos por 3, os números


27 e 6 possuem resto 0.

(ii) Temos 27 ≡ 6 (mod 7) porque o resto da divisão de 27 por 7 é 6, e é claro


que o resto da divisão de 6 por 7 é o próprio 6.

(iii) Temos 27 6≡ 6 (mod 4) porque o resto da divisão de 27 por 4 é 3, enquanto


o resto da divisão de 6 por 4 é 2.

(iv) −5 ≡ 9 (mod 7). De fato, −5 = −1(7) + 2 e 9 = 1(7) + 2 ou seja −5 e


9 tem o mesmo resto 2 quando divididos por 7.

(v) É fácil conferir também que −11 ≡ −3 (mod 4) já que 1 é o mesmo resto
em ambas as divisões por 4 de −11 e −3.

(vi) Quaisquer dois inteiros a e b são congruentes módulo 1, ou seja


a ≡ b (mod 1), ∀a, b ∈ Z. Isto ocorre porque todo inteiro dividido por 1
tem resto sempre 0.
4.1. CONGRUÊNCIA MÓDULO N 94

Seria desejável ter um critério prático para estabelecer quando dois inteiros
a e b são congruentes módulo n.
Felizmente tal critério existe e será apresentado na seguinte proposição:

Proposição 4.4 Dados a, b, n ∈ Z com n ∈ N∗ , então:

a ≡ b (mod n) ⇔ n | (b − a).

Demonstração: Provemos inicialmente que a ≡ b (mod n) ⇒ n | (b − a).


Partindo de a ≡ b (mod n), sabemos que a e b têm o mesmo resto r quando
divididos por n.
Isto significa que existem q1 , q2 ∈ Z tais que a = q1 n + r e b = q2 n + r.
Assim, r = a − q1 n e como b = q2 n + r obtemos
b = q2 n + (a − q1 n) ⇒ b − a = n(q2 − q1 ) ⇒ n | (b − a)
Provaremos agora que n | (b − a) ⇒ a ≡ b (mod n).
Como n | (b − a) temos b − a = qn onde q ∈ Z. Seja r o resto da divisão
de a por n, então ∃ q1 ∈ Z tal que a = q1 n + r onde 0 ≤ r < n.
Substituindo na igualdade b = a + qn obteremos

b = q1 n + r + qn ⇒ b = (q1 + q)n + r

Uma vez que 0 ≤ r < n vemos que q1 +q e r cumprem a condição de quociente e


resto na divisão de b por n. E como quociente e resto são únicos neste processo,
resulta que r também é o resto na divisão de b por n.
Portanto a e b tem o mesmo resto r na divisão por n como desejamos provar.

Observação 4.2

É claro que se n | (b − a) então n | (a − b), logo a proposição acima pode


ser escrita na seguinte forma alternativa:

Proposição 4.5 a ≡ b (mod n) ⇔ n | (a − b)

Exemplo 4.5

Vamos verificar as proposição anterior voltando aos exemplos anteriores.


4.1. CONGRUÊNCIA MÓDULO N 95

(i) Temos 27 ≡ 6 (mod 3) porque 3 | (27 − 6), isto é, 3 | 21.

(ii) Temos 27 ≡ 6 (mod 7) porque 7 | (27 − 6), isto é, 7 | 21.

(iii) Temos −5 ≡ 9 (mod 7) porque 7 | (−5 − 9), isto é, 7 | −14.

(iv) Temos −11 ≡ −3 (mod 4) porque 4 | (−11 − (−3)), isto é, 4 | −8.

Nas proposições seguintes, estudaremos algumas propriedades da congruên-


cia.

Proposição 4.6 Para todos os inteiros a, b, c e n onde n > 0 valem:

(i) a ≡ a (mod n) (Propriedade reflexiva)

(ii) Se a ≡ b (mod n) então b ≡ a (mod n) (Propriedade simétrica)

(ii) Se a ≡ b (mod n) e b ≡ c (mod n) então a ≡ c (mod n)


(Propriedade Transitiva)

Demonstração:

(i) Pela proposição anterior, vamos ter a ≡ a (mod n) se, e somente


n | (a − a). Mas a − a = 0 e n | 0 para todo n.
Logo sempre vale que a ≡ a (mod n).

(ii) Suponhamos que a ≡ b (mod n), pela proposição anterior isto significa
que n | (b − a). Daí n | −(b − a), ou seja, n | (−b + a) que é o mesmo
que n | (a − b) e novamente pela proposição anterior podemos afirmar que
b ≡ a (mod n). Logo a ≡ b (mod n) ⇒ b ≡ a (mod n) como desejado.

(iii) Suponhamos que a ≡ b (mod n) e b ≡ c (mod n). Isto é o mesmo que


afirmar n | (a − b) e n | (b − c). Pelo item (i) do corolário 4.1 podemos
escrever n | (a−b+b−c) e então que n | (a−c) e isto significa exatamente
que a ≡ c (mod n).

Proposição 4.7 Sejam a, b, c e m inteiros com m > 0, tais que


a ≡ b (mod m) e c ≡ d (mod m). Então:
4.1. CONGRUÊNCIA MÓDULO N 96

(i) a + c ≡ (b + d)(mod m)
(ii) ac ≡ bd(mod m)

Demonstração: Como a ≡ b (mod m) e c ≡ d (mod m) temos respectiva-


mente m | (a − b) e m | (c − d). Assim, resulta do corolário que
m | (a − b) + (c − d), ou ainda m | (a + c) − (b + d).
Da proposição acima, isto significa exatamente que a + c ≡ b + d (mod m).
Para provarmos (ii) notemos que da condição m | (a − b) podemos escrever
m | (a − b)c (veja item (ii) corolário 4.1), isto é m | (ac − bc). Da mesma
forma da condição m | (c − d) podemos concluir que m | (c − d)b, isto é, que
m | (bc−bd). Juntando as duas conclusões temos m | (ac−bc) e m | (bc−bd), o
que dá m | (ac − bc + bc − bd), ou seja m | (ac − bd) e isto significa precisamente
que ac ≡ bd (mod m).

Corolário 4.2 Sejam a1 , a2 , . . . , an e b1 , b2 , . . . , bn duas seqüencias quaisquer


de números inteiros satisfazendo ai ≡ bi (mod m) ∀ i = 1, . . . , n onde m ≥ 1 é
inteiro.
Então,

(i) (a1 + a2 + . . . + an ) ≡ (b1 + b2 + . . . + bn ) (mod m).


(ii) (a1 · a2 · . . . · an ) ≡ (b1 · b2 · . . . · bn ) (mod m).

Demonstração: Demonstramos (i) por indução finita sobre número natural n.


Para n = 1 a afirmação (i) vale pois, neste caso, ela representa simplesmente
que a1 ≡ b1 (mod m), que é válido por hipótese.
Suponhamos agora que a proposição vale para n = k, isto representa
(a1 + . . . + ak ) ≡ (b1 + . . . + bk ) (mod m). Devemos provar que (i) vale para
n = k + 1, ou seja, que

(a1 + . . . + ak + ak+1 ) ≡ (b1 + . . . + bk + bk+1 ) (mod m) (4.1)

Temos (a1 + . . . + ak ) ≡ (b1 + . . . + bk ) (mod m) e ak+1 ≡ bk+1 (mod m) e pela


proposição anterior podemos somar estas duas congruências.
4.2. APLICAÇÕES DE CONGRUÊNCIAS 97

Segue assim que (a1 + . . . + ak ) + ak+1 ≡ (b1 + . . . + bk ) + bk+1 (mod m) o


que prova 4.1, isto é, que a proposição (i) vale para n = k + 1.
A fórmula (ii) (para o produto) demonstra-se analogamente.

Corolário 4.3 Se a ≡ b (mod m) então para todo n ≥ 1,

an ≡ bn (mod m) e na ≡ nb (mod m)

Demonstração: Vamos escrever a congruência a ≡ b (mod m), n vezes e


em seguida aplicaremos o corolário 4.1:



 a ≡ b(mod m)


 a ≡ b(mod m)
n vezes ..


 .


 a ≡ b(mod m)

⇒a
| · a{z. . . a} ≡ (b| · b{z. . . }b)mod m
n vezes n vezes

⇒a
| + a{z . . . + }b mod m
. . . + a} ≡ b| + b{z
n vezes n vezes
Daí,
⇒ an ≡ bn mod m
⇒ na ≡ nb mod m

4.2 Aplicações de congruências


Algumas aplicações imediatas de congruências são dadas nos seguintes exemplos:

1) É fácil calcular o resto da divisão de 260 por 6.


Como 260 = (26)(10) e vale que 26 ≡ 2 (mod 6) e 10 ≡ 4 (mod 6) resulta
pela proposição 4.7 que 260 ≡ 8 (mod 6). Pela definição de congruência
isto quer dizer que 260 e 8 tem o mesmo resto na divisão por 6. Como
8 ≡ 2 (mod 6), 8 tem resto 2 quando dividido por 6 e assim ocorre com
260.
4.2. APLICAÇÕES DE CONGRUÊNCIAS 98

2) Vamos determinar o resto da divisão de 3713 por 17.


Temos 37 ≡ 3 (mod 17), logo, pelo corolário 4.3, 3713 ≡ 313 (mod 17).
Logo, nosso problema foi transferido ao cálculo de 313 um número bem
menor.
Notemos que 313 = (34 )3 · 3 e ainda 34 ≡ 13 (mod 17) o que possibilita:

(34 )3 ≡ 133 (mod 17) ⇒ (34 )3 · 3 = (13)3 · 3 (mod 17).

Mas 133 · 3 = 132 · (13 · 3) = (169)(39) e desde que 169 ≡ 16 (mod 17) e
39 ≡ 5 (mod 17) temos que 133 · 3 ≡ (16)(5) (mod 17), isto é
313 ≡ 80 (mod 17). Como 80 ≡ 12 (mod 17) teremos finalmente
313 ≡ 12 (mod 17). Esta seqüencia de cálculos pode ser assim resumida,
onde o símbolo ≡ indica congruência módulo 17.

313 = (34 )3 · 3 ≡ 133 · 3 = (169)(39) ≡ (16)(5) = 80 ≡ 12.

3) Pode-se verificar facilmente que o algarismo das unidades de um número


inteiro no sistema decimal é o resto da sua divisão por 10. Assim, podemos
determinar, sem muitos cálculos, o algarismo das unidades de 283 , basta
considerar as congruências sucessivas módulo 10:
283 = 25(16) 23 ≡ 216 23 = (25 )3 · 24 ≡ 23 · 24 = 25 · 22 = 23 = 8.
onde foi utilizado que 25 = 32 ≡ 2 (mod 5).

Dados n, a ∈ Z com n > 0, sabemos que existem n possibilidades para o


resto da divisão de a por n:

resto 0 ∃ q ∈ Z tal que a = qn

resto 1 ∃ q ∈ Z tal que a = qn + 1


.. .. .. ..
. . . .

resto n − 1 ∃ q ∈ Z tal que a = qn + (n − 1)


4.3. EXERCÍCIOS 99

Escritas em termos de congruência estas possibilidades representam respec-


tivamente:

a ≡ 0 (mod n), a ≡ 1 (mod n), . . . , a ≡ (n − 1) (mod n).

Como são em números finito, podemos testar estas possibilidades caso a caso.
Tal procedimento pode ser útil na solução de alguns problemas da Teoria dos
números inteiros. Vejamos os exemplos:

Exemplo 4.6

Para qualquer a ∈ Z o número a3 − a é divisível por 3.


Temos a3 − a = a(a2 − 1) = a(a − 1)(a + 1) para qualquer a ∈ Z. As
possibilidades para o inteiro a são: a ≡ 0 (mod 3), a ≡ 1 (mod 3) ou
a ≡ 2 (mod 3), já que os restos possíveis da divisão de a por 3 são 0, 1 ou 2.
Se a ≡ 0 (mod 3) então 3 | a o que dá a = 3x onde x ∈ Z e neste caso
a3 − a = 3x(a − 1)(a + 1) = 3y onde y = x(a − 1)(a + 1) mostrando que
3 | (a3 − a). No caso em que a ≡ 1 (mod 3) temos 3 | (a − 1) ou ainda
a − 1 = 3x com x ∈ Z e vamos ter a3 − a = a(3x)(a + 1) = 3(a)x(a + 1) = 3y
onde y = (x)(a)(a + 1), ou seja, 3 | (a3 − a) também neste caso. Finalmente a
última possibilidade para a é que a ≡ 2 (mod 3). Se isto ocorrer 3 | (a − 2) e
então a − 2 = 3x, x ∈ Z. Neste caso também
a3 − a = a(a − 1)(3x + 3) = 3a(a − 1)(x + 1) = 3y
onde y ∈ Z e 3 | (a3 − a).
Portanto seja qual for o inteiro a vale que a3 − a é divisível por 3.

4.3 Exercícios
1. Mostrar que para todo a ∈ R, a 6= ±1 vale
an − 1 = (a − 1)(1 + a + a2 + . . . + an−1 ) de duas formas:

(i) Desenvolvendo o segundo membro da igualdade;


(ii) Indução finita sobre n.
4.3. EXERCÍCIOS 100

2. Utilize o exercício anterior para encontrar o valor da soma dos termos de


uma P.G. finita de razão a.

3. Aplique o problema 1) para mostrar que para quaisquer a, b ∈ Z e n ∈ N,


a − b é divisor de an − bn .
(Dica: Se b = 0 é imediato e caso b 6= 0 use a igualdade
an − bn = bn [( ab )n − 1]).

4. Prove de duas formas:

(i) Indução finita e


(ii) Exercícios anteriores que

(a) 9 | (10n − 1)
(b) 3 | (10n − 7n )
(c) 13 | (92n − 42n )

5. Para cada par de inteiros a e b dado abaixo, encontrar o quociente e o


resto satisfazendo o algoritmo da divisão.

(i) a = 59, b = 6
(ii) a = −71, b = 5
(iii) a = −48, b = −7

6. Ache a solução geral e a menor solução positiva de cada congruência


abaixo.(Expresse a solução geral como um conjunto).

(a) x ≡ 2 (mod 3)
(b) x ≡ 7 (mod 3)
(c) 3x + 2 ≡ 0 (mod 7)
(d) x ≡ −1(mod 6)

7. Para quais valores de n a propriedade abaixo vale? Demonstre.


4.3. EXERCÍCIOS 101

(i) (1 + a)n ≥ 1 + na, a ∈ R, a ≥ −1.


(ii) 2 | (n2 + n).
(iii) 198n − 1 é divisível por 17.
n(n + 1)
(iv) 1 − 22 + 32 − 42 + . . . + (−1)n−1 n2 = (−1)n−1
2
8. Use indução finita para provar que a soma dos cubos de três números
consecutivos é divisível por 9.

9. Seja a ∈ Z um número não divisível por 5, mostra que o resto da divisão


de a4 por 5 é sempre 1.
(Dica: Usar congruência módulo 5).

10. Determinar:

80
(a) O último algarismo do número (2)5 .
(b) O resto da divisão de 520 por 7.
(c) O resto da divisão de 10135 por 7.
(d) O resto da divisão de 364 por 31.

11. Use congruências para verificar que 89 | (244 − 1).

12. Se a, b, c são números inteiros não nulos verificar que a | b ⇔ ac | bc.

13. É possível encontrar dois números inteiros, ambos divisíveis por 7, tais que
a divisão de um pelo outro deixe resto 39? Por que?

14. Seja m um número inteiro cujo resto da divisão por 6 e 5. Mostre que o
resto da divisão de m por 3 é 2.

15. Suponha que m é um inteiro ímpar. Mostrar que o resto da divisão de m


por 4 é 1 ou 3.

16. Defina (xn ) uma seqüencia de números reais da seguinte forma x1 = 0 e



para todo n ≥ 0 natural xn+1 = 2 + xn .
4.4. SISTEMAS NUMÉRICOS DE BASE B, ONDE B ≥ 2 102

(i) Encontre cinco termos desta seqüencia.


(ii) Mostre por indução finita que xn < 2, ∀ n ∈ N

α2 − β 2
17. Dados α, β ∈ R com α 6= β, suponhamos que u1 = e
α−β
α3 − β 3
u2 = e uk = (α + β)uk−1 − αβuk−2 para todo número natural
α−β
αn+1 − β n+1
K > 2. Provar que un = .
α−β

4.4 Sistemas numéricos de base b, onde b ≥ 2


Nosso sistema numérico comumente usado é o decimal. Isto quer dizer que, dado
qualquer inteiro a > 0, existem n inteiros positivos, a0 , a1 , a2 , . . . , an tais que:

a = a0 + a1 · 10 + a2 · 102 + . . . + an · 10n e 0 ≤ ai < 10, ∀ i

Além disso, os números ai são únicos com esta propriedade e são chamados
os algarismos de a.
Ocorre, que o papel desempenhado pelo 10 em nosso sistema numérico é
meramente uma questão opcional. Propriedades semelhantes às ilustradas acima
valem se 10 for trocado por um número inteiro b ≥ 2. Ou seja vale a seguinte
proposição:

Proposição 4.8 Seja b ≥ 2 um número inteiro. Dado qualquer a ∈ N existem


a0 , a1 , a2 , . . . , an tais que: a = a0 + a1 · b+ a2 · b2 + . . . + an · bn e 0 ≤ ai < b, ∀ i.

O que a proposição acima afirma é que todo número inteiro admite uma
representação na base b (representação b-ádica). A demonstração da proposição
acima utiliza o algoritmo da divisão. Ao invés de demonstrá-la vamos nos con-
tentar em ver como esta representação funciona na prática:

1) O número 7 na base 2 (base binária) é representado por 111. Isto pode


ser visto aplicando duas vezes o algoritmo da divisão por 2:

7 = 3 · 2 + 1 ⇒ 7 = (2 · 1 + 1)2 + 1 ⇒ 7 = 1 · 22 + 1 · 2 + 1
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 103

2) Quem é o número cuja representação na base 5 é 123.


Sendo 123 a representação do número a na base 5 sabemos então que
a = 3 + 2 · 5 + 1 · 52 = 38.

3) Vamos expressar o número 216 na base 4. Temos 216 = 4(54) e


54 = 4(13) + 2 e 13 = 4 · 3 + 1, de onde segue que:
216 = 4[4(13) + 2] = 42 (13) + 8 = 42 (4 · 3 + 1) + 2 · 4 = 3 · 43 + 42 + 2 · 4
Logo, 216 na base 4 é 3120.

4.5 Critérios de divisibilidade


A representação numérica na base 10 explica porque alguns critérios de divisibi-
lidade funcionam:

Proposição 4.9 (Critério de divisibilidade por 2)


Um número inteiro é divisível por 2 se, e somente se, seu algarismo da unidade
for um número par.

Demonstração: (⇐) Vamos provar primeiramente a “volta” isto é, se o


algarismo da unidade de um número inteiro a é par então a é divisível por 2.
Então para algum n > 0
a = a0 + a1 10 + a2 102 + . . . + an 10n onde a0 = 2k para algum k > 0
Daí a = 2k + a1 10 + a2 102 + . . . + an 10n
= 2(k + 5a1 + . . . + 5an 10n−1 ) = 2x onde x = k + 5a1 + . . . + 5an 10n−1
Portanto a é par.
(⇒) Suponhamos agora que a seja um número par. Digamos a = 2r com
r ∈ Z. Suponhamos que a = a0 +a1 10+a2102 +. . .+an 10n seja a representação
de a na base b-ádica.
Então

a0 = a − a1 10 − a2 102 − . . . − an 10n
= 2r − a1 10 − a2 102 − . . . − an 10n
= 2(r − 5a1 − 5a2 10 − . . . − 5an 10n−1 )
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 104

Ou seja 2 | a0 . A demonstração da proposição está concluída.

Proposição 4.10 (Critério de divisibilidade por 3)


Um número inteiro é divisível por 3 se, e somente se, a soma de seus alga-
rismos for divisível por 3.
Demonstração: Seja a ∈ Z e suponhamos que sua representação decimal
seja a = a0 + a1 10 + a2 102 + . . . + an 10n .
Na primeira parte da demonstração verificaremos que se a0 +a1 +a2 +. . .+an
for divisível por 3, assim também será a.
Temos a = a0 + a1 (1 + 9) + a2 (1 + 99) + . . . + an (1 + 10n − 1)

⇒ a = (a0 + a1 + a2 + . . . + an ) + 9a1 + 99a2 + . . . + (10n − 1)an (4.2)

Como a0 + a1 + a2 + . . . + an e 9a1 + 99a2 + . . . + (10n − 1)an são ambos


divisíveis por 3, então também a será divisível por 3 como a soma dos números
divisíveis por 3.
Suponhamos agora que a seja um número divisível por 3 e vamos provar que
a soma de seus algarismos: a0 + a1 + a2 + . . . + an também é divisível por 3.
Mas isto resulta também da igualdade 4.2 pois segue de lá que
a0 + a1 + a2 + . . . + an = a − [9a1 + 99a2 + . . . + (10n − 1)an ]
isto é, a0 + a1 + a2 + . . . + an é a diferença de números divisíveis por 3 e portanto
3 | (a0 + a1 + a2 + . . . + an ).

4.5.1 Máximo Divisor Comum


Seja a ∈ Z, vamos definir D(a) como o conjunto formado por todos os divisores
de a. Notemos que D(a) 6= φ e que D(a) é finito se a 6= 0.
Diremos que c é um divisor comum de a e b se c ∈ D(a) ∩ D(b), isto é o
mesmo que exigir que c | a e c | b.
Supondo a e b não nulos então D(a) e D(b) são finitos e assim D(a) ∩ D(b)
é finito. Tem sentido portanto a seguinte:

Definição 4.4 Sejam a, b ∈ Z∗ . O maior elemento do conjunto D(a) ∩ D(b) é


chamado o máximo divisor comum de a e b e é representado por mdc(a, b).
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 105

Exemplo 4.7

Vamos calcular, segundo nossa definição, mdc(12, 15).


Temos,
D(12) = {±1, ±2, ±3, ±4, ±6, ±12}
D(15) = {±1, ±3, ±5, ±15}
D(12) ∩ D(15) = {±1, ±3} e mdc(12, 15)= 3.

Observação 4.3

• A definição de mdc(a, b) só faz sentido porque D(a) ∩ D(b) 6= φ.

• Quaisquer que sejam a, b ∈ Z vale que:


mdc(a, b) = mdc(−a, b) = mdc(a, −b) = mdc(−a, −b) Estas igualdades
ocorrem porque D(−x) = D(x), isto é, todo divisor de um número inteiro
x também divide −x e vice-versa.

• Em virtude da observação anterior, daqui para frente ao tratarmos mdc


sempre consideraremos números inteiros positivos.

Teorema 4.2 (Identidade de Bezout) Sejam a e b inteiros positivos e


d = mdc(a, b), então existem inteiros r e s tais que d = ra + sb.

Demonstração: Consideraremos o conjunto S = {ax+ by | x, y ∈ Z} ∩N.


S é um conjunto de números inteiros positivos. Logo podemos determinar o
menor elemento de S, isto é, existe d1 ∈ S tal que d1 ≤ x para todo x ∈ S.
Temos d1 ∈ S, logo d1 = ar + bs para alguns r, s ∈ Z e nosso objetivo será
mostrar que d1 = mdc(a, b).
Mostraremos que d1 | a. Caso isto não ocorresse d1 deixaria um resto t > 0
ao dividir a, isto é, a = qd1 + t com 0 < t < d1 .
Assim, t = a − qd1 = a − q(ar + bs) = a(1 − qr) + b(−sq).
Vemos portanto que t ∈ S, mas tal fato contradiz a definição de d1 visto que
t < d1 (lembre-se que d1 é o menor número de S). Esta contradição garante
que d1 | a.
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 106

Da mesma forma podemos mostrar que d1 | b.


Assim d1 ∈ D(a) ∩ D(b). Como d é o maior divisor comum de a e b resulta
d1 ≤ d.

Observação 4.4

Notemos que o Teorema de Bezout nada afirma sobre a unicidade dos elementos
r e s. De fato, eles não são necessariamente únicos como vemos no seguinte
exemplo:

Exemplo 4.8

Temos que mdc(6, 4) = 2. Então pelo Teorema de Bezout podemos escrever


2 = 6r +4s com r, s ∈ Z. Isto pode ser feito, por exemplo, das seguintes formas:

2 = 6(1) + 4(−1) e 2 = 6 · 3 + 4(−4)

Definição 4.5 Um número inteiro p é dito primo se D(p) = {−p, −1, 1, p}, ou
seja os únicos números divisores de p são os divisores triviais ±1 e ±p.

Observemos que um número primo p tem a seguinte propriedade especial:

mdc(p, n) = 1, ∀ n ∈ Z, n não é múltiplo de p

Outros pares de números inteiros a, b podem também satisfazer a condição


mdc(a, b) = 1, sem que a ou b seja primo. É o que ocorre, por exemplo, com
a = 4 e b = 9.
Para atender estes casos temos a seguinte definição:

Definição 4.6 Dois números inteiros a e b são chamados primos entre si ou


relativamente primos se mdc(a, b) = 1.

Neste caso dizemos que “a é primo com b” ou ainda que “b é primo com a”.

Exemplo 4.9
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 107

12 é primo com 25 pois mdc(12, 25) = 1.


Podemos extrair do Teorema de Bezout a seguinte caracterização para números
primos entre si:

Corolário 4.4 Dois números inteiros a e b são primos entre si se, e somente se
existem r, s ∈ Z tais que ar + bs = 1.

Demonstração: Suponhamos que a e b sejam primos entre si. Por definição,


isto significa que d = mdc(a, b) = 1, e então pelo Teorema de Bezout existem
r, s ∈ Z tais que ar + bs = 1.
Suponhamos agora que existem r, s ∈ Z tais que ar+bs = 1 e vamos verificar
que mdc(a, b) = 1. Seja d = mdc(a, b) então d | a e d | b. Pela proposição 4.7
d | ax + by para quaisquer x, y ∈ Z. Em particular d | ar + bs ou seja d | 1 e
com d > 0 devemos ter d = 1, ou seja mdc(a, b) = 1.

O próximo resultado mostra uma outra forma de definir o máximo divisor


comum:

Teorema 4.3 Sejam a, b inteiros positivos. Então d = mdc(a, b) se, e somente


se, d satisfaz as seguintes condições:

(i) d > 0
(ii) d | a e d | b
(iii) Para todo inteiro d0 com d0 | a e d0 | b tem-se d0 | d.

Demonstração: Seja d = mdc(a, b) e vamos mostrar que d cumpre as


condições (i), (ii) e (iii) acima. A própria definição de mdc garante que d já
satisfaz (i) e (ii). Resta verificarmos (iii). Para tanto consideraremos d0 ∈ Z
satisfazendo d0 | a e d0 | b. Pela proposição 4.7 temos d0 | (ax + by) para todo
x, y ∈ Z. Agora uma vez que d = mdc(a, b) sabemos pelo Teorema de Bezout
que existem r, s ∈ Z tais que d = ar + bs. Como vimos d0 | (ar + bs) e então
d0 | d.
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 108

Agora mostraremos que válidas (i), (ii) e (iii) então necessariamente


d = mdc(a, b). Como d | a e d | b então pela definição de mdc(a, b) devemos
ter d ≤ mdc(a, b), já que mdc(a, b) é o maior inteiro que divide ambos, a e
b. Além disso, sabemos que mdc(a, b) | a e mdc(a, b) | b e então (iii) diz que
mdc(a, b) | d. Em particular como mdc(a, b) e d são positivos mdc(a, b) ≤ d
Como já tínhamos d ≤ mdc(a, b) segue que d = mdc(a, b).

Com o próximo resultado obteremos um algoritmo para o cálculo do máximo


divisor comum de dois inteiros:

Proposição 4.11 Sejam a e a1 inteiros positivos com a ≥ a1 e seja a2 o resto


da divisão de a por a1 , então:

mdc(a, a1 ) = mdc(a1 , a2 ). (4.3)

Demonstração: Pelo algoritmo da divisão ∃ q ∈ Z tal que

a = qa1 + a2 , ou ainda a2 = a − qa1 . (4.4)

De acordo com a proposição anterior para provarmos 4.3 devemos ter:


(i) mdc(a1 , a2 ) ≥ 0
(ii) mdc(a1 , a2 ) | a e mdc(a1 , a2 ) | a1 e
(iii) Se d0 ∈ Z e d0 | a e d0 | a1 então d0 | mdc(a1 , a2 )
Como mdc(a1 , a2 ) é o máximo divisor comum de a1 e a2 a condição (i) é
assegurada, bem como a condição mdc(a1 , a2 ) | a1 já vale pela definição de
mdc(a1 , a2 ). Além disso, mdc(a1 , a2 ) | a2 e assim por 4.4 temos mdc(a1 , a2 ) | a.
Resta provarmos somente (iii): Supondo d0 ∈ Z tal que d0 | a e d0 | a1 , segue
de 4.4 que d0 | a2 . Assim d0 | a1 e d0 | a2 e então d0 | mdc(a1 , a2 ) pela definição
de mdc(a1 , a2 ).
Portanto, mdc(a1 , a2 ) cumpriu as condições para ser mdc(a, a1 ) e então vale
4.4.


4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 109

A proposição seguinte mostra um caso em que o cálculo de mdc de dois


números inteiros é imediato.

Proposição 4.12 Sejam a, b ∈ Z com a > 0 e a | b. Então mdc(a, b) = a.

Demonstração: É claro que a | a e pela hipótese temos que a | b. Se


d0 ∈ Z e d0 | a e d0 | b então d0 | a. Como a > 0, vemos que a cumpre as
condições do Teorema 4.3 para ser mdc(a, b).

A proposição 4.12 pode ser utilizada no cálculo do máximo divisor comum


de dois inteiros como mostram os exemplos a seguir:

Exemplo 4.10

(i) mdc(18, 12)


Temos 18 = (12)1 + 6 e pela proposição 4.11 mdc(18, 12) = mdc(12, 6) = 6
(ii) mdc(128, 30)
Temos, 128 = (30)4 + 8 e então mdc(128, 30) = mdc(30, 8)
Como, 30 = 3(8) + 6, mdc(30, 8) = mdc(8, 6)
Mas, 8 = 1(6) + 2 e então mdc(8, 6) = mdc(6, 2)
Como 6 = (2)3, então mdc(6, 2) = 2
Além disso, mdc(128, 30) = mdc(30, 8) = mdc(8, 6) = mdc(6, 2) = 2 e esta
última igualdade é garantida pela proposição 4.12.
A seguir generalizaremos as técnicas aplicadas aos exemplos acima.

Algoritmo das divisões sucessivas

Dados a e a1 dois inteiros positivos, aplicaremos diversas vezes a proposição


4.11, a fim de obtermos mdc(a, a1 ). Tal processo é conhecido como Algoritmo
das Divisões Sucessivas ou Algoritmo de Euclides.
Como a proposição, seja a2 o resto da divisão de a por a1 . Caso
a2 6= 0, aplicando a proposição novamente, para a1 e a2 obtemos
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 110

mdc(a, a1 ) = mdc(a1 , a2 ) = mdc(a2 , a3 ), sendo a3 o resto da divisão de a2 por


a3 .
Se a3 6= 0, aplicaremos novamente a proposição e assim sucessivamente,
obtendo as relações:
mdc(a, a1 ) = mdc(a1 , a2 ) = mdc(a2 , a3 ) = . . . = mdc(ak , ak+1) = . . .
onde,
a = q1 a1 + a2 0 ≤ a2 < a1
a1 = q2 a2 + a3 0 ≤ a3 < a2
a2 = q3 a3 + a4 0 ≤ a4 < a3
.. .. ..
. . .
ak−1 = qk ak + ak+1 0 ≤ ak+1 < ak
Chegará um momento onde certamente teremos um valor de k tal que
ak+1 = 0, caso em que ak−1 = qk ak , de forma que
mdc(a, a1 ) = mdc(ak−1 , ak ) = ak .
O algoritmo das divisões sucessivas também pode ser utilizado no cálculo dos
coeficientes r e s do Teorema de Bezout.
Vejamos os exemplos:

Exemplo 4.11

Aplicaremos o método das divisões sucessivas para o cálculo de mdc(105, 72).


Temos, 
105 = 72 · 1 + 33 



72 = 33 · 2 + 6 
mdc(105, 72) = 3.
33 = 6·5 + 3 (∗) 




6 = 3·2 + 0
Pelo Teorema de Bezout existem r, s ∈ Z tais que 105 · r + 72 · s = 3. Quem
são r e s? Provavelmente r > 0 e s < 0.
Temos de (∗) que:

3 = 33 − 6 · 5 = 33 − (72 − 33 · 2)5
= 11(33) − 5(72) = 11(105 − 72) − 5(72)
= 11(105) + (−11 − 5)(72) = (11)(105) + (−16)(72)
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 111

Portanto, 3 = 105(11) + 72(−16), ou seja r = 11 e s = −16.

4.5.2 Mínimo Múltiplo Comum


Dado a ∈ A definamos por M+ (a) o conjunto de todos os números inteiros
positivos e múltiplos de a.
O mínimo múltiplo comum de dois inteiros a e b é definido como o menor
elemento do conjunto M+ (a) ∩ M+ (b) e é denotado por mmc(a, b).
Lembrando que M+ (a) = M+ (−a), observemos que, para efeito de mmc
abordaremos somente números inteiros não negativos. Além disso, é claro que,
para a > 0, mmc(a, 0) = a, já que todo inteiro positivo é múltiplo de 0.

Exemplo 4.12

Suponhamos a, b ∈ N∗ , neste caso um múltiplo comum de a e b é simples-


mente o produto a · b. Resta saber se este é o mmc(a, b), pode ser ou não.
Por exemplo, mmc(2, 3) = 6, mas mmc(4, 6) = 12. Na verdade vale a seguinte
fórmula:

Teorema 4.4 (Relação)


a · b = mmc(a, b)· mdc(a, b), para quaisquer inteiros positivos a e b.

Proposição 4.13 Se a, b são inteiros que dividem um inteiro c e mdc(a, b) = 1


então ab | c.

Demonstração: (Proposição)
De a | c e b | c e sendo inteiros k e q tais que c = ka e c = qb. Por outro
lado, como mdc(a, b) = 1, segue do Teorema de Bezout que existem x, y ∈ Z
tais que ax + by = 1.
Então c = c(ax+by) = cax+cby = (qba)x+(kab)y ou seja c = ab(qx+ky).
Como qx + ky ∈ Z, pode-se afirmar ab | c.
Demonstração: (Teorema)
Para simplificar suponhamos d = mdc(a, b) e m = mmc(a, b), portanto nossa
tarefa consiste em provar que ab = md.
4.5. CRITÉRIOS DE DIVISIBILIDADE 112

Como d | a e d | b temos d | ab o que nos dá ab = rd

ab = rd (4.5)

para algum r ∈ Z. Logo basta provarmos que m = r. Para tanto verificare-


mos que m ≤ r e que r ≤ m.
Como d | a e d | b existem a1 , b1 ∈ Z tais que

a = a1 d e b = b1 d (4.6)

Levando estas igualdades em 4.5 obtemos a1 b1 d2 = rd, ou ainda

r = a1 b1 d (4.7)

Podemos escrever esta igualdade como r = (a1 d)b1 = ab1 como também
r = (b1 d)a1 = ba1 , mostrando que r é múltiplo de ambos, a e b. Pela definição
de m ser o mmc(a, b) devemos ter m ≤ r.
Para mostrarmos que r ≤ m será verificado que r | m.
Temos d | m já que d | a e a | m, logo

m = kd, k ∈ Z (4.8)

Agora, de 4.6 e 4.7 e do fato de a | m e b | m, segue que a1 d | kd e


b1 d | kd, ou seja a1 | k e b1 | k. Mas mdc(a1 , b1 ) = 1 de onde segue que a1 b1 | k
(proposição 4.13). Assim, a1 b1 d | kd, ou seja r | m (usamos 4.7 e 4.8).

Como corolário do Teorema que acabamos de demonstrar temos:

Corolário 4.5 Se mdc(a, b) = 1 então mmc(a, b) = ab

Apresentaremos a seguir outra caracterização para o mínimo múltiplo comum


de dois inteiros a e b.
4.6. EXERCÍCIOS 113

Teorema 4.5 Sejam a, b inteiros positivos. Então m = mmc(a, b), se e somente


se,
(i) m > 0
(ii) a | m e b | m
(iii) Se m0 ∈ Z é tal que a | m0 e b | m0 então m | m0 .

Demonstração:
(⇒) Suponhamos que m = mmc(a, b), então (i) e (ii) fazem parte da
definição de m. Para verificarmos (iii), consideremos m0 ∈ Z tal que a | m0
e b | m0 . Seja r o resto da divisão de m0 por m, então m0 = qm + r onde q ∈ Z
e 0 ≤ r < m. Temos r = m0 −qm. Como a | m0 e a | m então a | r e da mesma
forma b | r, ou seja r é um múltiplo comum de a e b. Logo, pela definição de
m ser o mmc(a, b) a condição 0 ≤ r < m, só poderá valer se r = 0. Portanto
m | m0 , ou seja vale (iii).
(⇐) Agora, vamos supor que m é um inteiro satisfazendo as condições (i),
(ii) e (iii) do Teorema e vamos verificar que m = mmc(a, b).
É claro que a | mmc(a, b) e b | mmc(a, b), logo da condição (iii) fazendo
m0 = mmc(a, b) vemos que m | mmc(a, b). Em particular segue que
m ≤ mmc(a, b). Mas, m é um múltiplo comum de a e b e não poderia ser menor
que mmc(a, b) já que mmc(a, b), por definição, é o menor destes múltiplos. Logo
a única possibilidade é m = mmc(a, b).

4.6 EXERCÍCIOS
1. Mostrar que o número 111...11
| {z } é divisível por 3.
300 vezes

2. Calcule mdc(648, 140) e encontre os coeficientes do Teorema de Bezout.

3. O número decimal 8285 quando escrito na base b é representado por 104.


Encontre b.
4.6. EXERCÍCIOS 114

4. Prove que:
“Em todo sistema de numeração de base b o número 121 é um quadrado
perfeito”, enquanto “1331 é um cubo perfeito”.

5. Quantos números há num sistema de numeração de base b, formados de


n algarismos?

6. Calcule mmc(648, 140). Sugestão: Use o exercício 2

7. Enuncie e demonstre um critério de divisibilidade por 9.

8. Demonstre que um número é divisível por 4 se, e somente se, o número


formado pelos seus dois últimos algarismos o for.

9. Se a e b são divisores de c e mdc(a, b) = 1 então ab | c. Provar.

10. Prove que mdc(n, 2n + 1) = 1, ∀ n ∈ N.

11. Sejam a, b ∈ N∗ e d = mdc(a, b). Provar que sd = mdc(sa, sb).


Sugestão: Use o Teorema 4.3. Para mostrar a condição (iii) do Teorema
use a identidade de Bezout para mdc(a, b).

12. Verifique que mmc(sa, sb) = s· mmc(a, b).


Sugestão: Use a relação existente entre mmc e mdc.
a b
13. Sejam a, b ∈ Z∗ e d = mdc(a, b): Justificar porque , ∈ Z e mostrar
d d
que tais números são primos entre si.
Sugestão: Use o corolário 4.4.

14. Prove que mdc(a + bc, b) = mdc(a, b), para quaisquer a, b, c ∈ Z.


Sugestão: Mostre que mdc(a, b) cumpre (i), (ii) e (iii) do teorema 4.3.

15. Demonstrar que se a | bc e mdc(a, b) = d então a | cd.


Sugestão: Identidade de Bezout.
4.6. EXERCÍCIOS 115

16. Se d = mdc(−68, 42) ache dois inteiros x0 e y0 de tal maneira que


−68x0 + 42y0 = 1.

17. Determine todos os números que são múltiplos simultaneamente de 9 e 11.

18. Justificar porque mdc(a + b, a − b) ≥ mdc(a, b), ∀ a, b ∈ Z.


Sugestão: Veja como foram obtidas as desigualdades durante as demons-
trações das proposições sobre mdc e mmc.

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