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TW diz à sua maneira que a essência da escritura não é nem uma forma nem um uso, mas apenas

um gesto, o gesto que a produz, deixando-a correr : um rabisco, quase uma mancha, uma
negligência. Tentaremos raciocinar por comparação. Qual é a essência de uma calça (se há
alguma)? Não é, seguramente, esse objeto afetado e retilíneo que vemos pendurado nos cabides,
nas grandes lojas de departamentos; é mais bem essa forma de tecido, que a mão de um
adolescente amontoa no chão, ao despir-se, cansado, preguiçoso, indiferente. A essência de um
objeto tem alguma relação com o que dele resta: não obrigatoriamente o que dele resta depois de
muito usado, mas o que é jogado porque não se quer mais usar. Assim, também, são as escrituras
de TW. São restos de uma preguiça, consequentemente, de extrema elegância: como se, da
escritura, ato erótico desgastante, restasse o cansaço amoroso: essa roupa caída, atirada a um
canto da folha.

No gesto é, assim, abolida a distinção entre a causa e o efeito, a motivação e o objetivo, a


expressão e a persuasão. O gesto do artista – ou o artista como gesto – não rompe a cadeia
motivadora dos atos, aquilo que o budista chama o karma (não se trata de um santo, de um
asceta), mas a confunde, a retoma até não mais encontrar seu sentido. No zen (japonês), a esta
ruptura brusca (por vezes muito tênue) de nossa lógica causal (simplifico) chamam: um satori: por
uma circunstância ínfima, irrisória, aberrante, bizarra, o sujeito desperta para uma negatividade
radical (que já não é uma negação). Considero os “grafismos” de TW pequenos satoris: partindo
da escritura (campo causal, talvez: escrevemos, dizem, para comunicar), são como estilhaços
inúteis, que nem chegam a ser letras interpretadas, que vêm anular o ser ativo da escritura, a
malha de suas motivações, mesmo se estéticas: a escritura já não habita nenhum espaço, é
totalmente demais. Não é neste limite extremos que começa verdadeiramente a “arte”, o “texto”,
todo esse “para nada” do homem, sua perversão, seu esforço?

TW parece ser um “anticolorista”. Mas, o que é a cor? Um prazer. Este prazer existe em TW. Para
compreendê-lo, é necessário lembrar-se de que a cor é também uma ideia (uma ideia sensual ):
para que haja cor (no sentido de prazer), não é necessário que a cor seja submetida a modos
enfáticos de existência; não é necessário que seja intensa, violenta, rica ou mesmo delicada,
refinada, rara, ou ainda imóvel, pastosa, fluida etc.; enfim, não é necessário que haja afirmação,
instalação da cor. Basta que apareça, que esteja presente, que se inscreva como um traço vago no
canto dos olhos (metáfora que, em As Mil e Uma Noites, designa a excelência de uma narração),
basta que instaure a ruptura de alguma coisa: que passe diante dos olhos, como uma aparição,
pois a cor é como uma pálpebra que se fecha, um leve desmaio.

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