Você está na página 1de 11

Reflexão crítica martinho afonso

1. 1. Curso de FormaçãoMETAS DE APRENDIZAGEM, ORGANIZAÇÃO ESCOLAR


E PEDAGOGIA Reflexão Crítica Martinho José Afonso Martins Abril 2012
2. 2. Cada vez que a sociedade tem menos capacidade para fazer certas coisas,
maissobem as exigências sobre a escola. (Nóvoa, 2008)Com um agradecimento à
Universidade Católica pelo espaço de formação pluralque gentilmente
desenvolveu. 2
3. 3. Do propósito Esta reflexão crítica surge como parte final do Curso de Formação
que aUniversidade Católica do Porto me disponibilizou no âmbito da formação
associadaao projeto Fénix. Colhendo na pluralidade das abordagens
desenvolvidas ao longodas diferentes sessões e conjugando-as com as demandas
que resultam dasminhas articulações profissionais – docente de Português,
coordenador dodepartamento de línguas e coordenador do projeto Fénix na EB 2,3
das Caldas dasTaipas – proponho-me refletir sobre três realidades que, como
defende o ProfessorJosé Matias Alves1, são determinantes na promoção do
sucesso escolar eeducativo: (i) a gramática escolar e a gestão do currículo (ii) o
modelo didático e (iii)a liderança do professor. Desenvolvendo o primeiro ponto,
procurarei analisar deque forma a escola está a tentar responder à emergência de
novas matrizesorganizativas e sequente desenvolvimento do currículo – como pôr
as escolas emrede colaborativa, como agrupar os alunos, como gerir o tempo da
aprendizagem,número de alunos por turma, como avaliar as aprendizagens, a
necessidade demetas para a aprendizagem… Sobre o modelo didático, nele
entroncarei anecessidade de, nesta “escola que é um estaleiro de humanidade”
(Azevedo, 2010),trilharmos o caminho da diferenciação pedagógica, princípio
seminal ao projetoFénix. No último ponto, farei uma abordagem holística da
liderança educativa e dasrealidades que a enformam, nomeadamente a autoridade
do professor e a hoje tãodiscutida indisciplina dos alunos. Num momento em que
há uma inflação retórica sobre a função do professor,discurso este tantas vezes
eivado de redundâncias, palavroso, que, não raramente,apenas persegue o
estatuto e o prestígio de quem o profere, importa recentrar ossignificados nos
contextos, nesta escola que, como afirma António Nóvoa,transborda, nas pessoas;
só sabendo onde estamos e como estamos é quepoderemos saber para onde
queremos ir e de que forma o poderemos fazer comsucesso.1 - Comunicação
proferida no Seminário Fénix subordinado ao tema “Diálogo(s) em torno dos
Caminhos doSucesso”, que decorreu na Fundação Eng. António de Almeida, no
dia 24 de fevereiro de 2012. 3
4. 4. Da gramática escolar e gestão do currículo Será possível endireitar a sombra de
uma vara torta? O Professor JoaquimAzevedo (2012) claramente defende que, o
melhor, será endireitar a própria vara.Neste articular das políticas educativas com
as políticas sociais, emergem todos osdias debates que estão a trazer a escola
para as primeiras páginas dos jornais: veja-se a questão do aumento de número
de alunos por turma, a possibilidade dasescolas gerirem o tempo da
aprendizagem, a abertura para a formação de gruposde nível, o renascer dos
exames em todos os ciclos da escolaridade obrigatória, aformulação de metas
para a aprendizagem. A questão poderia colocar-se assim:estas medidas visam
endireitar a vara ou a sua sombra? Isto é, conseguirá a escolacorrigir as
disfunções sociais que lhe estão a montante? Será a escola capaz deresponder
com vontade e qualidade à diversidade? Estão os professorespreparados para
responderem a esta vontade? Dispõem de autonomia individual eorganizacional,
foi-lhes outorgado o poder necessário, trabalham no propósito deatingirem
determinadas metas, estão preparados para uma prestação de contas enecessária
responsabilização? Mas recentremos esta reflexão nos aspetos inerentes à
organização daescola e gestão do currículo que estão hoje sobre a mesa.
Comecemos pelavertente macro da organização: a evolução para os mega
agrupamentos de escolas.Todos os argumentos apresentados em seu favor
acabam por se desmoronar serecuperarmos a metáfora da vara torta. Para intervir
provocando mudança, énecessário conhecer, exige um incremento da relação
afetiva, um envolvimento emespiral que cresce na proximidade e não na distância;
a proximidade trazfuncionalidade, a distância introduz disfunções. Na minha
escola, o diretor conhecepelo nome aqueles alunos sobre os quais recai um
acompanhamento mais próximo;num mega agrupamento, o diretor perderá este
poder pessoal e redobrará numpoder burocrático neotaylorista com necessária
perda de capacidade para amudança. O ato educativo vive da proximidade, da
interação 2. Descendo na2 - Veja-se, no Reino Unido, o caminho inverso que se
está a fazer com as chamadas “studio schools” e osresultados positivos que
começam a apresentar: http://www.youtube.com/watch?v=NMr3ShT_Kl4 4
5. 5. organização, vejamos a gestão dos alunos, como organizá-los em turmas,
quantoscolocar em cada turma. Com oportunidade, as mais recentes orientações
daadministração central3 reconhecem que dar o mesmo, da mesma forma,
aindivíduos tão diferentes cava insucessos de difícil recuperação. Porque
aexplicitação do conceito de grupos de nível ainda provoca pruridos junto
dasressonâncias ditas democráticas, a administração central, num gesto
dedescentralização cómoda, remete para as escolas as decisões nesta
área,esquecendo que elas não estão assim outorgadas de um poder institucional
que,por exemplo, as defenda junto de um encarregado de educação que
argumente queo seu educando, com dificuldades de progressão na aprendizagem,
progredirámelhor se estiver inserido num grupo de alunos que facilmente realizam
as tarefaspropostas. Paradoxalmente, é a mesma administração central que
delimita onúmero de alunos por turma, introduzindo aqui um indesejável acréscimo
4. Creio ser consensual afirmar que com turmas menores é expectável
queconsigamos melhor qualidade no trabalho dos professores e dos alunos;
logo,melhores resultados e melhor comportamento. Todavia, e também aqui, deve
ser aescola a fazer esta gestão, pois não é verdade que o sucesso e a qualidade
dasaprendizagens dependa sobremaneira do número de alunos por turma. Se
assimfosse, as turmas CEF (Curso de Educação e Formação) que, habitualmente,
têmcerca de quinze alunos, apresentariam um sucesso escolar com elevado grau
dequalidade, o que sabemos não corresponder à verdade: os alunos têm sucesso
compatamares medianos de qualidade. Se fosse outorgado à escola esse
poder,certamente ela saberia gizar o número de alunos por turma em função de
variáveiscomo tipologia da população servida, perfil do corpo docente, histórico
escolar dosalunos, retaguardas familiares, recursos disponíveis…Mas tal
flexibilidade não édada à escola porque o único intuito desta normatividade é de
ordem financeira:mais alunos por turma equivale a menos gastos. Curioso ver
como o projeto Fénixtrabalhou nesta flexibilidade desejada de forma consistente:
formou grupos de nívele alocou mais docentes para as disciplinas
intervencionadas. Só que trabalhar comdois ou mais docentes por turma/disciplina
também envolve acréscimo de custos e3 - Despacho N.º 5106-A/2012, de 12 de
abril, ponto 5.10 : “Na formação de turmas deve ser respeitada aheterogeneidade
do público escolar, podendo, no entanto, o diretor, perante situações pertinentes, e
após ouviro conselho pedagógico, atender a outros critérios que sejam
determinantes para o sucesso escolar.”4 Cf. ponto 5.3 dos Despacho supracitado:
do 5º ao 12º ano, as turmas terão um mínimo de 26 alunos e ummáximo de 30. 5
6. 6. tal deriva está vedada à escola. Como se a educação fosse um luxo… Não
deviaser legislado o número de alunos por turma; a verdade é que mais alunos
equivale amenor individualização do ensino. Abordando a gestão do currículo, e
situando-me, novamente, nos assuntosque hoje merecem discussão pública, elejo
para reflexão dois temas: a avaliação,mais concretamente a figura do exame, e a
definição de metas para aaprendizagem. Embora seja pacífico que há muito mais
educação para além dosresultados dos exames 5, subjaz a sempiterna dicotomia
entre a denúncia e acelebração dos exames. Tanto uma posição como outra estão
fundamentadas emcrenças que, pela sua própria natureza, tendem a ser
inferências arbitrárias quegeneralizam excessivamente, ora maximizando ora
minimizando e que trazem ocultivo de pensamentos absolutistas que não se
compaginam com a nossa pós-modernidade que, como demonstra Almerindo
Afonso (1999), declarou a falênciadas dicotomias na medida em que elas, do ponto
de vista heurístico, perderam asua capacidade explicativa. Este mesmo estudioso
da dimensão sociológica daavaliação, denunciou o facto de no nosso país a
centralidade da avaliação ditaformativa estar a emergir em contraciclo com o
espírito deste tempo voltado para acompetição. Com frequência, ouviram-se vozes
dos professores, sobretudo do ensinosecundário, onde a defesa dos exames era
justificada pela “retoma da ordem”, pois,implicitamente, assumia-se que a
prioridade à avaliação formativa redundava numadesprofissionalização do
professor. Esta também reconhecida como versão “light”da avaliação, onde
implicitamente se defende que não é o exame e a reprovaçãoque lhe possa estar
associada que vai introduzir mais qualidade na educação 6, éagora questionada
pela administração central ao defender que é necessárioimplementar os exames,
pois eles trazem mais rigor e qualidade à escola. Evoltamos às crenças; quando se
fala de reprovação, opõe-se dicotomicamente ofacilitismo; à qualidade
administrativa do sucesso adianta-se o exame que faz com5 - No espaço “Crónica”
do jornal Fénix Digital, nº1, de dezembro de 2010, Joaquim Azevedo afirma
“Muitoantes e muito depois das métricas calculistas e utilitaristas, está o trabalho
escolar e a dignidade humana emtoda a sua plenitude.”6 - O recente relatório da
OCDE (abril 2012), acessível em
http://www.oecd.org/dataoecd/20/30/50077921.pdf,quando refere as práticas
avaliativas da escola portuguesa, adianta não ser claro que os alunos
portuguesesestejam no centro do ensino. Este continua a ser feito com o professor
à frente da sala de aula e o aluno poucoenvolvido no planeamento das tarefas
letivas. Valida que a avaliação está demasiado centrada nas "notas" e nãotanto na
melhoria, um fator de desmotivação extra num país que tem das mais altas taxas
de retenção da OCDE.Consultando os dados oficiais, vemos que no ano letivo
2009/2010 reprovaram, no ensino básico, 77 000 alunos,e no secundário 41 500.
Portugal tem o quarto nível mais alto de reprovações entre os 34 países da OCDE.
6
7. 7. que toda a comunidade educativa – escola, professores, alunos, encarregados
deeducação, ou mesmo os explicadores! – cumpra melhor as suas funções. O que
mequestiona nesta discussão não é a necessidade de haver exames – eles
sãonecessários porque melhor preparam o aluno para a vida -, mas sim o facto de
elespoderem ser encarados como uma panaceia, como algo mágico que vai
introduzirmelhoria na qualidade das aprendizagens; como se quantas mais vezes
virmos afebre, mais depressa ela descerá – todos conhecemos a frase. Ou ainda
os danoscolaterais que, e todos os conhecemos, resultam do excesso de
sumativização naavaliação: havendo exames, há que “dar” a matéria no primeiro e
segundo períodose no terceiro, professores e alunos estão, assumidamente, a
trabalhar para osexames e não para a aprendizagem; surge a avaliação como um
fim em si mesma enão como um meio. Este anúncio de mais exames, sobretudo
ao nível dos ciclos iniciais, podecontribuir para um reforço do debate centrado na
mensuração e comparação dosresultados que coloca a escola longe do
comprometimento que ela deve ter com arealidade do nosso país. No ensino
básico, é bem-vindo o exame que serve paraaferir, para desencadear planos de
melhoria, para diversificar percursos deformação, para “limpar” os programas, para
fundamentar e desencadear novossuportes de apoio à heterogeneidade dos
alunos; esperar que esses examesreforcem a desejada cultura meritocrática,
preparem os alunos para a competiçãoapurando-lhes o sentido do rigor, da
organização e da criatividade, forneçam umranking de escolas capaz de identificar
as melhores – aquelas onde estarão asmelhores práticas, os melhores professores
-, assim acreditar poderá levar-nos àfalácia da escola e o que poderemos vir a ter
é mais reprovações – logo maisgastos, os tais indesejáveis – e mais abandono
escolar. Não nos podemos esquecer que muitas das vozes que hoje defendem
oexame como instrumento de rigor, exigência e qualidade continuam prisioneiros
dasua história escolar, das crenças que construíram na escola do seu tempo, só
quehoje a realidade é muito distinta: todos os alunos são obrigados a frequentar
aescola e esta, como se disse atrás, transborda com os todos os problemas
sociais efalência de valores que atravessam os contextos familiares dos nossos
jovens.Certamente, os recordes que se batem no atletismo não resultam do apuro
emtecnologias de cronometria… 7
8. 8. Também sobre a mesa da decisão política7 e na praça onde se discute aescola,
está a necessidade de definirmos metas da aprendizagem que, correndo orisco de
ser demasiado redutor, nos indiquem o que queremos da escola portuguesaneste
país que é Portugal e não a Finlândia ou o Reino Unido. Invoca-se não
umadefinição anódina de metas para documento de telhado coerente ao currículo,
massim uma indicação clara e potente do contributo que, hoje, este país precisa e
deveexigir da escola. Como alertou Maria do Céu Roldão (2003), é essencial que
estadefinição das metas da aprendizagem não se deixe envenenar pelo já
conhecidoexcesso de normatividade, onde a lógica do agir, da experiência,
rapidamente setransforma numa lógica burocrática, perversa. Uma das principais
decisões relativasà gestão curricular incide sobre as ambições da escola:“Que
pretende esta escola, como escola, alcançar a curto e médio prazo? Quepretende
melhorar na sua imagem e no seu serviço? Qual é o rosto em que ela sequer rever
no futuro?” (Roldão: 1999, p. 45) Mas, como todos sabemos, vai uma grande
distância entre o ambicionar e o irconseguindo, i.e., é necessário fazer opções e
estabelecer prioridades:“Como estabelecer essas prioridades em função dos
alunos, do interesse dacomunidade, e da necessidade de garantir a consecução
das aprendizagens docore curriculum nacional? (Idem, p. 46) As metas da
aprendizagem, ao serem definidas, necessariamente, a nívelcentral, devem
traduzir as nossas necessidades enquanto povo, enquanto país; todaa
comunidade educativa – pais, professores, alunos, agentes económicos e
culturais– precisa de saber qual é a função da escola, que pretende este pais de
hoje da suaescola. Melhor, como pode ela contribuir para a desejada consolidação
ealargamento dos direitos humanos. Revisitando a minha história de vida,
oconhecimento que resulta de trinta anos de profissão docente e conjugando este7
- Veja-se como a entrada de um novo governo implicou a suspensão das metas da
aprendizagem então gizadas.“O projeto Metas de Aprendizagem insere-se na
Estratégia Global de Desenvolvimento do Currículo Nacionalque visa assegurar
uma educação de qualidade e melhores resultados escolares nos diferentes
níveiseducativos. Corresponde a resultados da investigação nacional e
internacional sobre padrões de eficácia nodesenvolvimento curricular, que
recomendam este tipo de abordagem.” - Isabel Alçada, anterior ministra
daeducação. 8
9. 9. saber feito na vida com a nossa realidade de hoje, com o cinzentismo do
nossodevir, sinto que o país tarda em definir umas metas da aprendizagem8 que
sejampró-ativas. Nesta costa da história onde abundam os promontórios inibidores
do veradiante que todos desejamos, creio que uma definição consequente das
metas daaprendizagem, ou das finalidades da escola – se assim lhes quisermos
chamar -,tem de consubstanciar-se na tal mudança que tarda em acontecer:
oempreendorismo, a resiliência, o otimismo, a criatividade, a disciplina,
aorganização, a produtividade, o orgulho nacional9, a cultura do esforço, o
espíritocompetitivo, o valor do respeito. Se todos reconhecemos a existência de
um currículo escolar oculto – naescola não se ensina a copiar e esta é uma das
competências que os alunos, nãotodos, é certo, desenvolvem na escola – também
facilmente identificamos um“currículo” social oculto que se instalou na nossa
sociedade e, necessariamente,contamina a escola: a desresponsabilização, o
“xico-espertismo”, a quaseimpunidade, o “en attendant Godot” ou, na sua versão
hodierna, o “en attendant latroika”. Precisamos, portanto, da definição de umas
metas da aprendizagem, oumetas curriculares – a designação é de somenos -, que
incorporem estes desígniosde mudança, este “upgrade” social, mas que, ao
mesmo tempo, sejam claras,observáveis, exequíveis, polifónicas, avaliáveis, e,
necessariamente, prospetivas(Roldão, ibidem); que constituam uma ajuda para o
trabalho do professor, queorganizem e clarifiquem a forma como construímos o
currículo, que sejam umreferente para a pluralidade das práticas avaliativas,
nomeadamente para unsavisados exames. Este desígnio da escola está
claramente definido por CristinaPalmeirão quando afirma:“O desenvolvimento
humano faz-se pela educação e aprendizagem constante,porquanto cria
oportunidades únicas de conhecimento e de um crescimento8 - O Despacho n.º
5306/2012, de 18 de abril de 2012, cria, na dependência direta do Ministério da
Educação eCiência, um grupo de trabalho de reformulação das Metas Curriculares.
No preâmbulo justifica-se estereequacionar das metas, agora curriculares, da
seguinte forma: “Ao se confundirem mestas de aprendizagemconcretas com
objetivos vagos e muito gerais, metas curriculares com métodos de ensino e metas
cognitivascom atitudes, continuou-se a não se destacar devidamente os
conhecimentos e capacidades a adquirir pelosalunos a cada disciplina.”9 - Recordo
os filmes que atravessaram a minha adolescência e juventude onde o herói, que
tantas vezes era anti-herói, fazia todo o percurso “coast to coast” porque
acreditava que era ele quem fazia a mudança da suaqualidade de vida; a mudança
somos nós – incipit a incluir numa enunciação das metas da aprendizagem
quepretenda ser consequente. 9
10. 10. sustentado no respeito, na dignidade e na autonomia. Para uma
humanidadeeficiente é preciso uma atitude positiva e sinergias capazes de fazer
germinar umacultura de responsabilidade ética.” (Palmeirão, 2009:101). 10
11. 11. Da diferenciação pedagógica e didática Decididamente, somos todos iguais
sendo todos diferentes. Esta diferençasurge hoje valorizada pelos novos
ensinamentos das ciências – cf. a teoriagardneriana sobre as inteligências
múltiplas e as suas implicações na educação. Umnúmero resultante da
performance de um jovem num teste escolar não consegueretratar a sua
inteligência. À tradicional visão da inteligência sustentada num saberlinguístico e
lógico-matemático, emerge a definição de inteligência como umacapacidade
criativa que nos permite resolver problemas e apontar novos mundosque
enriqueçam uma cultura já partilhada. Com este novo entendimentoconstrutivista
do conhecimento, que se afasta da perspetiva piagetiana na medidaem que liberta
a capacidade simbólica da criança de um único processo semiótico 1,o ato de
ensinar implica, na continuidade, o ato de diferenciar. A escola apequena-se
quando é confrontada com histórias de alunos que não se evidenciaram no fazerdo
conhecimento que ela lhes propôs, mas que logo adiante evidenciam carreiras
desucesso.2 A nossa inteligência será, então, como um jogo de cartas. Ao
nascermos,trazemos cartas de vários naipes, umas com mais valor, outras com
menor. E então,qual é a função da escola perante esta diversidade? Aqui, a escola
está a cumprir asua função quando permite que ganhe aquele que melhor soube
jogar e nãonecessariamente o que tinha melhor jogo. A educação, assim
entendida, é umcaminho em espiral onde a escola deve ensinar a jogar bem com
aquilo que se tem.Outra verdade daqui decorrente: para bem diferenciar temos de
bem conhecer. Eaqui voltamos às “evoluções” apresentadas pelo poder central
que vêm cercear todoo esforço de acompanhamento que queiramos fazer: - Como
desenvolver em salade aula as novas evoluções da psicologia do conhecimento
quando nos aumentampara trinta o número de alunos por turma? Neste contexto
organizacional difuso, valida-se o pioneirismo da rede deescolas Fénix e o avanço
por elas operado na desejada diferenciação didática e1 - Esta evolução na teoria
de Piaget é importante para nós professores porque vem dizer-nos que uma
criançapode ter um desenvolvimento precoce numa área e estar abaixo da média
numa outra. Ou seja, a forma comoconhecemos é múltipla, temos vários sistemas
simbólicos que não se compaginam, necessariamente, num únicoestádio de
desenvolvimento.2 - Este é o desafio maior lançado à escola por Ken Robinson
(Robinson, 2010): todos nós temos um “elemento”que nos permitirá alcançar
determinado sucesso. 11
12. 12. pedagógica3. Introduzo uma breve referência à génese do projeto Fénix na
escolaonde trabalho para assim melhor ilustrar o que entendo por
diferenciaçãopedagógica. Nos nossos dias, o conceito escola incorporou, talvez de
forma imatura, umoutro conceito que, em teoria, se compagina facilmente com o
primeiro: sucesso.Assume-se que a escola pública tem de garantir o sucesso
escolar de todos os seusalunos. O que antes ancorava no foro individual – alunos
desinteressados, alunoscom falta de capacidades, contextos familiares disruptivos
– são hoje realidades quequestionam a escola e às quais ela tem de dar resposta.
O fracasso escolar deixoude focalizar o aluno e catapultou a escola enquanto
comunidade de intervençãopara o domínio da anormalidade social: um dos
parâmetros mais relevantes naavaliação da escola colhe, precisamente, nos
resultados dos alunos que afrequentam. Ultrapassada esta inocência que quase
alheava a escola do insucesso– aceitava-se, pacificamente, que uns alunos
progrediriam e outros fracassariam –institucionaliza-se, por assim dizer, que a
escola é a responsável maior peloinsucesso dos seus alunos. Focalizando os
alunos da minha escola, identificou-seuma percentagem não despicienda de
alunos que transita de ano/ciclo revelandodificuldades em Português e/ou em
Matemática – cerca de 20%. Desnecessárioserá dizer que, dada a
transversalidade destas duas disciplinas, a evolução destesalunos no percurso
escolar vai, progressivamente, capitalizando dificuldadesacrescidas.
Pormenorizando na análise, observa-se que o percurso escolar destesalunos,
sobretudo desde a sua entrada no 2º ciclo até à conclusão do ensino
básico,consolida esse perfil de insucesso. Pior, toda a comunidade facilmente
interiorizaeste estigma das dificuldades: os encarregados de educação
prontamente dizemque o seu educando sempre teve dificuldades a Português e/ou
Matemática, osdocentes validam essas dificuldades, nomeadamente, através das
práticasavaliativas e os próprios alunos são os primeiros a reconhecerem-nas
comointransponíveis. Isto é, a comunidade escolar ajuda o aluno a compreender –
ejustificar! – o seu insucesso. Constataram-se, assim, vários desfasamentos
nocurrículo escolar dos alunos: uns ingressam nos novos ciclos sem que possuam
os3 - Cf. artigo sobre o projeto Fénix na revista “Visão”, 12 de abril de 2012.
Questionado sobre os perigos dadiferenciação, José Matias Alves elucidou: Não
podemos pactuar com uma ideia formal de oportunidades quesacrifica sempre os
mais desfavorecidos. […] O drama da nossa escola é que está formatada para o
alunomédio que só existe em teoria, o que gera mediocridade. Temos de desfazer
o mitode que o ensino diferenciadoé um ensino desvalorizadoe discriminador.
Deve ser, justamente, ao contrário: diferenciar e flexibilizar aspropostas educativas
para que todos possam aspirar a desenvolver o máximo possível os seus talentos.”
12
13. 13. conhecimentos prévios facilitadores das novas aprendizagens, outros sentem
queas aprendizagens propostas poderão ter ficado aquém das suas capacidades.
E foineste bem conhecer a realidade que encontramos a necessidade de
diferenciar, istoé, validar enciclopédias e ritmos de aprendizagem diferentes e
partir daí paracaminhos curriculares e organizacionais também diferentes, sem,
todavia, nuncaafetar a matriz curricular prescrita pela administração central. E
agora sim, reconhecendo que os alunos não são todos iguais, que têmritmos de
aprendizagem diferentes e que necessitam de contextos de
aprendizagemnecessariamente diferenciados, ganham propriedade as palavras-
chaveintroduzidas no atual discurso político sobre educação: mais exigência e
mais rigor.E assim também se vê como tais demandas ficam tão longe da
realidade setrouxermos o anunciado incremento dos exames à liça. O desafio
maior para a escola enquanto organização e para o professorenquanto mestre
gestor de um currículo é precisamente este saber integrar nadiferenciação ritmos
de aprendizagem individualizados, culturas heterógenas,expetativas perante a
escola adjetivas – a diferença somos nós, inquietante frase. 4A diferença nos
ritmos, os pontos de vista nos comportamentos, as vontades pluraisnas
experiências, tudo traz à escola uma abertura para novas visões do mundo,
umpalco de conflitos impulsionadores da mudança, uma ajuda mútua que desagua
naconsequente ampliação das capacidades individuais. Diferenciar enriquece a
escola,aprofunda o seu compromisso social. E se bem diferenciarmos, certamente
osjovens melhor compreenderão o valor da educação, a missão da escola;
logo,teremos mais sucesso e menor abandono. Philippe Perrenoud (2005) enuncia
os pontos nevrálgicos para bemdiferenciarmos: (i) diferenciar é discriminar
positivamente; (ii) a diferenciação nuncadeve partir do horizonte de expetativas
que o docente tenha para determinadoaluno, centrando-se antes no modo e nos
meios de ensinar; (iii) diferenciar não ésinónimo de respeito incondicional das
diferenças – todos têm de chegar lá; (iv) adiferenciação não pode, nem deve,
terminar num ensino individualizado –individualizar as aprendizagens, mas
trabalhando em grupo, necessariamentereduzido; (v) já no fim, a diferenciação
deve traduzir-se pela qualidade; (vi) não hádiferenciação sem observação
formativa: devemos observar o aluno perante os4 - Boaventura de Sousa Santos
(2004) conjuga o imperativo da diferença da seguinte forma: “Temos o direitode ser
iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes
sempre que a igualdadenos descaracteriza.” 13
14. 14. objetivos de aprendizagem lançados e não unicamente em relação aos
seuscolegas de turma; (vii) alargar no tempo as aprendizagens não é diferenciar –
a ideiade que “cada aluno tem o seu ritmo” é falaciosa numa verdadeira
diferenciação: oque importa é trabalhar no caminho e não pensar que aquele aluno
leva mais tempoa fazer o caminho; (viii) haverá sempre necessidade de
diferenciação, mas ocurrículo prescrito tem o seu peso na modulação entre cultura
escolar e cultura dosalunos e respetivos contextos sociais de origem (ix) a
diferenciação didática exigeprofessores bem treinados; (x) a diferenciação deve
ser pensada e colocada noterreno em equipa: só assim haverá olhares plurais
sobre os alunos, ganhará nadivisão do trabalho e nas mais-valias resultantes; (xi) a
diferenciação implica umaadesão reflexiva e consequente dos encarregados de
educação. Revisitando oprojeto Fénix, nele se validam todos estes princípios
orientadores. José MatiasAlves (2011), ao caraterizar este projeto, vê
precisamente nele onze princípiosestruturantes que veem sublinhar os postulados
de P. Perrenoud: o princípio daescuta, da confiança, da proximidade, da
diversidade, da comunidade, daflexibilidade, da humanidade, do exemplo, da
exigência, da aprendizagem e dacompaixão.55 - “Reencontrar a alegria de ensinar
neste tempo disfórico é outro propósito do ser hoje professor: Porque nósnão
podemos enterrar os nossos sonhos, não podemos estar sempre a beber o cálice
da amargura. Precisamosda alegria que se encontra no rosto dos nossos alunos
quando descobrem enfim o sentido e a gratificação deaprender e no rosto dos
nossos colegas quando nos redescobrimos irmãos do mesmo ofício.” (Matias
Alves,2011, 71) 14
15. 15. Da liderança na sala de aula Roberto Carneiro (2012), abordando a questão da
liderança sob ocaleidoscópio das polifonias civilizacionais – na música, no
desporto, na literatura,no mundo empresarial, no cinema, na escola, no direito, na
política… – desenvolveuma aproximação à temática da liderança inscrevendo-a no
paradigma da mudança:“O bom professor é o que me leva a lugares onde nunca
estive; o excelente é o quetransforma o lugar onde estou” (idem).1 Deixo, na
moldura, a importância daliderança ao nível macro e centro-me, sobretudo, na
abordagem ao professorenquanto líder na sua sala de aula. Começarei por refletir
sobre as caraterísticasintrínsecas dessa liderança, para depois aí enxertar a
questão do poder e dadisciplina. Adianto algumas asserções que, resultando do
meu percurso profissional,ajudam-me a entender a função de líder que procuro na
sala de aula. (i) – A liderança é sempre medida por aqueles a quem servimos;
enquantoprofessores, é nos alunos que devemos recolher os sinais da mudança
quetentamos implementar. (ii) – O líder é quele que consegue renascer sempre.
Daí a conhecidaafirmação de que há dois tipos de pessoas: 99% nasce uma vez,
1% nasce duasvezes… por isso há tão poucos líderes! São tantas as
contrariedades, os insucessosque desaguam na nossa sala de aula que só
renascendo – e sendo sempremelhores que no anterior! - é que conseguimos levar
os nossos jovens aacreditarem connosco. (iii) – O líder tem de ser justo – o
resultado do todo é que deve motivar anossa ação; e ser justo é conhecermos bem
os nossos alunos e partirmos deles,das suas realidades, dos seus sonhos, dos
seus medos. (iv) – O líder tem de saber explicar bem: o aluno aceita esforçar-se se
souberque está a construir algo que ele persegue – é o tal princípio custo /
benefício.Carregar tijolos por carregar é totalmente diferente de carregar tijolos
para construiruma catedral.1 - No início deste milénio, Roberto Carneiro (2001)
lançou um repto de mudança na política educativa com osugestivo título “2020, 20
anos para vencer 20 décadas de atraso educacional”. Neste ensaio, o autor
afirmaque “ a política educativa é frequentemente assolada pela frustração de
Tântalo, a incapacidade histórica deagarrar o que parece estar ao nosso alcance.”
(idem: 75) 15
16. 16. (v) – O líder faz vigília, cria condições. É um conhecedor treinado doscontextos
e sabe usá-los para envolver, para levar à mudança voluntária. (vi) – O líder é um
servidor. Emerge aqui o professor que escuta, queantecipa dificuldades, que é
parte ativa do compromisso, que é honesto e humilde. (vii) – O líder é uma pessoa
credível. Se não acreditarmos no mensageiro,como poderemos acreditar na
mensagem? Se falarmos por exemplo na regra, oprofessor líder é quele que
explica bem as regras e é o primeiro a cumpri-las. Estáaqui o professor que
aconselha, que inspira confiança, que sabe distribuir ossucessos por todos, que dá
o exemplo. Este é o desígnio hercúleo que se pede ao professor de hoje 2. Muita
da açãodecorrente deste professor que se pretende líder enfraquece e desagua na
meragestão burocrática de raiz newtoniana.3 Também muitos professores tentam
aindacolher numa perceção de autoridade que já não existe: hoje ser professor já
não éuma fonte de autoridade, de poder – o poder é um caminho que fazemos
aotrabalharmos os postulados da liderança atrás enunciados. Muito menos pode
cairna falácia de acreditar numa liderança institucional que vai assegurar a
suaautoridade! Já vai longe o professor que, ab initio, estava investido de
umaautoridade moral instalada na relação social assimétrica que decorria do facto
de eleser o saber personificado. É que hoje, nomeadamente, temos o Google…
Hoje é difícil ensinar porque o professor perdeu o poder na sala de aula. Dafrase
assim dita, muita gente tira conforto. E não são só os professores: os
própriosalunos e os encarregados de educação reveem nela parte do retrato da
escolaatual. E este perder do poder redunda no aparecimento da indisciplina. E
aindisciplina medra também porque, como mostra P. Perrenoud (2002), há cada
vezmais tensões que surgem no ofício de aluno, os alunos hoje trazem
mochilasdemasiado pesadas, nas palavras de Cristina Palmeirão. São várias as
abordagens que procuram explicar a indisciplina escolar. JoãoAmado (2000), ao
abordar a construção da disciplina na escola – e reforce-se apalavra “construção”!
– adianta que esta deve começar num clima relacional assentena regra, no
equilíbrio entre rigidez e flexibilidade, no diálogo, na negociação,
naresponsabilização e na confiança mútua. Mais recentemente, o mesmo autor
(2009)2 - O Decreto-Lei nº 240/2001, de 30 de agosto, normativo que recorre a
cerca de quatro dezenas de verbos paranos dizer o que o professor deve fazer –
perfis de competências exigidas - , mostra, à luz das atuais teorias daliderança
transformacional e emocional, algumas lacunas de enunciação.3 - Veja-se o que
aconteceu com a implementação da avaliação do desempenho docente. 16
17. 17. reiterou estes princípios e defendeu o lugar central da afetividade na
relaçãopedagógica como condição basilar para o professor construir a sua
liderança. 4 A questão da disciplina como questão estruturante da educação é um
temafundamental a debater, pois aparece muitas vezes confinado a análises de
base“romântica”. Não estaremos a caminhar para uma sociedade sem disciplina?
Vamosà sociedade envolvente e vemos que hoje tudo se relativiza, tudo se
justifica.Paralelamente, assistimos à ditadura do cálculo perdas vs ganhos 5. Há
umutilitarismo curto que conspurca a ética da escola. Caiu o conceito de
obediência, deautoridade instituída, o lado coercivo do poder, e entramos na
dimensão negociadada disciplina. Os comportamentos desejados pelo professor
têm de serconstantemente estimulados…. E como fazer isto e ensinar ao mesmo
tempo? Eque alunos estamos a formar? A sociedade, os encarregados de
educação, o poderpolítico pensa sobre isto ou faz como a cegonha? Pretendemos
sujeitosresponsáveis que reconhecem o alcance dos seus atos ou sujeitos
cujasresponsabilidades são sempre relativizadas, onde, no fim, se pede ao
professor queseja um bom relator de contextos explicativos da indisciplina? Haverá
sobre a nossasociedade, desde os políticos até aos jovens alunos, uma cultura da
impunidadeoculta, tal como nas escolas temos um currículo oculto? António Nóvoa
(2008) vemprecisamente reconhecer que há na sociedade, na família, na
administração centralum sentimento de dever incumprido que é entregue… à
escola! A disciplina hoje tem de se libertar dos sentidos negativos daqueles
queleram “Emílio” de Rousseau com enviesamentos.6 Na sua construção temos
desaber quem queremos educar, como queremos educar, que mundo
queremosconstruir – a tal liderança transformacional que liberte a escola
reprodutiva dasociedade que temos. A disciplina enquanto valor positivo, que
emancipa, que estáao serviço de uma transformação do sujeito – na tal relação
custo / benefício.4 - Recordo aqui o sugestivo título de um dos números da revista
“Le Monde de l’éducation” – Faut-il s’aimerpour réussir?5 - Do contacto com os
encarregados de educação, por inúmeras vezes ouvi frases do tipo: “Eu disse-lhe
que seele estudasse no fim de semana até íamos ao centro comercial, dava-lhe a
bicicleta que ele quer...”6 - Decorrente da minha participação no Programa
Comenius, tive a possibilidade de visitar várias escolaspúblicas em Istambul.
Atentei sobretudo como construíam a disciplina; os pais pagam todos os meses
umaquantia para os seus filhos andarem na escola, o que faz deles parceiros
ativos da educação; as turmas tinhamcerca de 35 alunos e mesmo mais, mas em
todas as mesas dos alunos havia uma toalha, trazida pelos alunos:qual altar onde
se vai buscar o conhecimento; esta metáfora religiosa expandia-se ao olharmos
para a figura deAtatürk soberana na parede principal da sala – a importância dos
referentes!; os alunos usam todos uniforme eos professores apresentam-se
vestidos com grande formalidade – homens fato e mulheres saia casaco; são
osalunos que fazem vigilância nos corredores: nesse dia faltam às aulas e depois
passam a matéria pelos colegas.… 17
18. 18. É importante que a disciplina que a escola constrói, ou deve construir, não
sedeixe afetar pelos modos de subjetivação emergentes que, no limite, propagam
umcaos interpretativo. Sim, podemos reconhecer a tal centralidade no sujeito,
umsujeito autónomo dotado de voz, e sabemos como ele mudou a velha
ordemfamiliar, a sociedade e a própria escola, mas não podemos cair no vazio
daimpossibilidade, num caos interpretativo: temos de mudar também a forma
comoencaramos a disciplina, como encaramos a escola. O sujeito é autónomo, o
seucomportamento tem de ser justificado, compreendido – todos conhecemos
odesabafo “Há cada caso na minha turma!” e o professor fica assim prisioneiro
demodismos, ou do tal novo estatuto do aluno que vai devolver a disciplina à
escola…7A autoridade na sala de aula não virá de fora, e também não depende da
autoridadeque seja outorgada ao professor pela própria instituição. Tem de ser o
próprioprofessor a construí-la, até porque sem autoridade não há líder. O professor
nãopode confundir autoridade com autoritarismo; sinto-me positivamente
reconhecidona autoridade que tenho dentro da sala de aula; os alunos respeitam-
me, vãocomigo no fazer do conhecimento porque sempre parto deles; no fundo, é
o quefazemos com os nossos filhos: ouvimo-los, negociamos, compensamos
mastambém punimos – tantas vezes dizemos não! Resta a pergunta fatal: e
quando os alunos se recusam ostensivamente àcontratualização, ao fazer o que
lhes é pedido? Aqui, sem dúvida que enquantoprofessor preciso de meios
legítimos para obrigar os alunos a respeitarem as regrasda escola. Mas nunca a
escola se deve demitir de envolver também estes alunos!Aqui reside outra das
faces pró-ativas do projeto Fénix. A liderança institucionaldeve ser rápida a agir,
determinada, provocar a tal crença, agora no sentido positivo,referida atrás; deve
intervir tanto junto dos alunos como dos professores, dandoassim retaguardas de
segurança a ambos. É que a escola, enquanto espaço social,convive,
necessariamente, com uma insegurança epidémica. Disciplinar é educar vontades.
A disciplina é a educação da vontade. O meroexercício coercivo da disciplina sobre
um aluno que se distrai frequentemente naaula pode, tão somente, levá-lo a adotar
comportamentos menos desviantes de talregra da atenção, passando a
desenvolver competências mais apuradas no saber7 - Esta prática da maternagem
– está-se sempre à espera que a administração central diga como, resolva –
teimaem perdurar e é inibidora do tal espaço de mudança que a escola deve
induzir per se. 18
19. 19. fingir que está atento8. Outra verdade é que esta construção da autoridade por
partedo professor é demorada no tempo e não admite receituários. Daí o brincar
com oprofessor dito experiente: tem uma experiência de dez anos, ou a
mesmaexperiência ao longo de dez anos? Concluo esta reflexão recorrendo à
metáfora hortícola da escola; o produtormais satisfeito, o que mais produz, o que é
visto como exemplo a seguir, não éaquele que semeia e espera, por mais ordens
que dê à sua produção para elacrescer; os bons resultados virão se ele conhecer
bem os diferentes tipos deplantas, os terrenos que lhes são favoráveis, a maior ou
menor quantidade de águaou fertilizantes que necessitam, os tempos do seu
florescimento. Esta reflexãopossibilitou-me revisitar estes caminhos laboriosos da
educação, onde todosprocuramos dar o desejado salto qualitativo, nunca
esquecendo que, em educação,os significados estão sempre nas pessoas. E
porque de liderança falamos, o líder ésempre do tamanho dos seus sonhos.8 - Ao
analisar os relatórios do Gabinete Disciplinar da minha escola, onde são
frequentes as reincidências, querda tipificação do ato indisciplinado, quer dos seus
agentes, sou levado a concluir que o Gabinete cumpre bem asua função coerciva –
claro que a punição é um instrumento essencial da educação escolar -, mas fica
umamargem de evolução significativa para fazer do ato de punir um ato educativo,
que induza a mudança – trabalhara disciplina para educar e não para adestrar. 19
20. 20. _______________________________________ Bibliografia ______________
Afonso, Almerindo (1999): Almerindo Janela Afonso em entrevista. Revista
“APágina da Educação”, nº 78. Disponível em
http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=78&doc=7636&mid=2. Acesso em 20 de abril
de 2012. Amado, João (2000): A construção da disciplina na escola. Porto: Asa
Amado, João et al. (2009): A(s) Indisciplina(s) na escola. Coimbra: Almedina
Azevedo, Joaquim (2010). Há muito mais educação para além dos resultados
dosexames. In Fénix Digital, nº1, disponível em
http://www.porto.ucp.pt/twt/ProjectoFenix/MyFiles/MeusDocumentos/JornalDigitalF
enix001.pdf. Acesso em 15 abril de 2012. Azevedo, Joaquim (2011). Liberdade e
Política Pública de Educação. Gaia:Fundação Manuel Leão. Carneiro, Roberto
(2001): 2020 – 20 anos para vencer 20 décadas de atrasoeducacional.” In O futuro
da Educação em Portugal. Lisboa: Ministério da Educação. Carneiro, Roberto
(2012): Liderança. Disponível em
http://www.porto.ucp.pt/twt/ProjectoFenix/MyFiles/MyAutoSiteFiles/erancasPromoc
aoAprendizagensMateriaisApoio35359483/fmartins/Lideranca_fenix_2_Pptx.pdf.
Acesso em 28 de março de 2012. Matias Alves, José et al. (org.) (2011). Projeto
Fénix – Relatos que contam osucesso. Porto: Faculdade de Educação e Psicologia
da Universidade Católica Portuguesa. Nóvoa, António (2008): Entrevista com
António Nóvoa, o professor pesquisador ereflexivo. Disponível em
http://desafiopio.blogspot.pt/2008/06/entrevista-com-antnio-nvoa-o-professor.html.
Acesso em 17 abril 2012. Palmeirão, Cristina (2009). Do valor da dignidade:
conquista e autonomia. Disponívelem
http://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/3958/6/FEP_Palmeir%c3%a3o_Cristina
-dig4.pdf.Acesso 20 de abril de 2012. Perrenoud, Phillipe (2002): Ofício de aluno e
sentido de trabalho escolar. Porto:Porto Editora. Perrenoud, Phillipe (2005):
Différencier: un aide-mémoire en quinze points.Disponível
http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/php_main/php_2005/2005_03.
html.Acesso 16 de abril de 2012. Robinson, Ken (2010): O Elemento. Porto: Porto
Editora. Roldão, Maria do Céu (2003): Diferenciação Curricular Revisitada. Porto:
PortoEditora. 20
21. 21. Santos, Boaventura de Sousa (org.) (2004): Reconhecer para libertar. Os
caminhosdo cosmopolitismo multicultural. Porto: Edições Afrontamento. 21

Você também pode gostar