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On letting Go - Gerard/Frank - NC17 - Prólogo + 10 capítulos

Eu não sei o que fazer sem você.

Todas essas pessoas ao meu redor, fingindo uma dor que eu sei que elas não sentem -
mas que eu sinto infinitas vezes mais do que qualquer um. A dor de saber que você não vai
voltar. A dor de saber que nós nunca mais teremos uma conversa boba. A dor de saber que eu
não vou mais poder te abraçar, nunca mais.
Jane está vindo em minha direção. Ela sempre foi apaixonada por mim, e agora tem
motivos para me abraçar. Como você pôde me deixar sozinho com ela? Tio John se aproxima
também, e o cheiro doce do álcool chega antes que ele possa tocar meu braço - „Eu sinto muito,
Gerard.‟

Mas ele não sente, eu sei que não. Ele está, como sempre, completamente entorpecido
pela vodca. Aquele torpor parece tão bom... eu o invejo. Eu desejo aquela dormência. Olho para
o canto da sala e vejo uma garrafa restante. O líquido dourado parece sussurrar meu nome,
desejando a mim tanto quanto eu o desejo. Considero surrupiar a garrafa e me esconder em
algum lugar, mas sua voz ecoa em meus ouvidos e eu afasto a idéia - eu te dei tantas
preocupações por causa desse assunto.

Sinto nojo de mim mesmo. Eu deveria estar sendo forte como você sempre foi. Mamãe
precisa de mim - ela está num frenesi italiano, cozinhando para todos esses urubus fingidos.
Mas eu sei que, ontem à noite, ela passou horas chorando antes de tomar um Xanax e apagar.

Mais uma vez as tentações. Tento distrair-me e ando pela casa, o tom monocromático das
vestimentas combinando com a apatia de papai, que está na poltrona de couro, encarando os
próprios joelhos há mais de uma hora. Considero ir até ele, mas sou encurralado por mais
parentes distantes que seguram seus pratos com avidez. Há pena no olhar deles - eu sou digno
de pena? Você sempre disse que não, Mikey. Você sempre me encorajou e me deu forças.

Mas você não está mais aqui.

Capítulo 1

CAPÍTULO 1

Funerais são coisas sempre detestáveis, mesmo quando você mal conhece o falecido e sua mãe
te obriga a ir, vestindo o terno desconfortável que você usa para ir, igualmente obrigado, à
missa de domingo. Agora, quando o morto é seu irmão caçula, tudo fica pior. Naquele momento
eu estava achando aquilo tudo insuportável.

Já não agüentava mais ouvir frases feitas como „eu sinto muitíssimo‟, „ele era um ótimo rapaz‟,
„ele está num lugar melhor‟, ou, a pior de todas, „eu sei como você se sente‟.

Eles não sabiam; não sabiam coisa alguma. Poderiam, talvez, imaginar, mas eu não me
importava com o que eles pensavam ou deixavam de pensar. Tanta falsidade estava adicionando
raiva à minha tristeza, e eu cheguei ao ponto de querer socar tia Josephine - pobre tia
Josephine, as dentaduras quase caindo da boca murcha, as covas que tinha no lugar de
bochechas tornando-a algo parecido com um animal dissecado.
Eu precisava me esconder. Não queria ir para o meu quarto - o nosso quarto. As coisas de Mikey
ainda estavam lá, inclusive as caixas de remédio que ele tinha que tomar diariamente. Os CD‟s
que ele nunca mais ouviria. As roupas que ele nunca mais usaria. Não usaria porque estava
morto - meu irmãozinho, morto - e seria enterrado num terno novo, especial, tristemente
aberto nas costas.

Eu decidi: que se foda. Se ele tem o direito de me abandonar, eu tenho o direito de me destruir.
Desvio das mãos gordurosas da prima Connie e passo ao lado do bar de mogno escuro,
pegando o amigo Jack e o escondendo sob o paletó. Subi as escadas rapidamente, tentando
passar despercebido. Funcionou - como sempre. Minhas pernas tremiam e minha visão estava
turva, mas parecia não haver ninguém ali em cima. Encostei-me contra a parede e, em gestos
experientes, abri a garrafa e a levei à boca.

O líquido desceu sedosamente, queimando minha garganta e adormecendo minha língua. Eu


estava há tanto tempo sem um gole que meu corpo ficou pesado quase imediatamente, as
pontas dos meus dedos formigaram e minha cabeça pareceu se destacar de mim. Bebi mais
alguns goles - o peso do meu corpo foi sumindo. Ri de mim mesmo por ter ficado tão fraco pra
bebida. Chorei de vergonha. Pedi perdão a Mikey. Bati a cabeça na parede, furioso comigo
mesmo. E bebi mais.

Bebi quase a metade do que havia na garrafa, até que ouvi passos subindo a escada. A voz de
minha mãe me chamando - ah, merda. O que diabos eu fui fazer? De repente vi que estava mais
sóbrio do que pensava, o pânico tomando conta de mim. Eu precisava ao menos escovar os
dentes, disfarçar o cheiro.

Minha mãe chamou de novo, cada vez mais perto. Eu tampei a garrafa e comecei a andar
rapidamente em direção ao banheiro. A porta branca ao fim do corredor nunca foi tão atraente:
um refúgio seguro, uma boa desculpa. Mas ao que eu a abri, tudo foi por água abaixo.

No momento, eu não soube: estava por demais surpreso. Mas minha vida, que eu pensava haver
terminado junto com a do meu irmão, acabara de recomeçar.

“O que está acontecendo aí dentro? Gerard!” Gritava minha mãe do lado de fora do banheiro.

“Está tudo bem, Donna!” Disse Ray. “Não é nada,” ele falou com a voz calma, mas me encarava
com olhos furiosos. Aqueles olhinhos pretos e pequenos, faiscantes, como os de um touro
prestes a atacar.

“Eu posso sentir o cheiro da bebida, Gerard! No funeral do seu irmão! Que decepção, meu
Deus...” - E ela se afastou, resmungando, chorosa.

De fato: que decepção. Eu queria enfiar a cabeça num buraco. Queria que parassem de me olhar
daquele jeito - eu não era uma criança, mesmo que tivesse agido com a irresponsabilidade de
uma. Queria acordar e ver que aquilo tudo não passara de um horrendo pesadelo.

“Então,”começou Bob, cruzando os braços ameaçadoramente, encostado na pia. Ray estava ao


lado dele, na mesma posição, contra a porta. O cabelo dele caía nos ombros cobertos pelo terno
barato. “Vocês dois podem nos explicar o que está acontecendo aqui?”

Senti meu queixo se travar. Continuei encarando o tapetinho aos meus pés - um daqueles que
se coloca ao pé da privada para dar a impressão de que aquele era um lugar glamouroso. O azul
claro do tecido felpudo ficara mais escuro nos lugares encharcados pelo uísque, que se espalhou
pelo chão quando eu, em choque, deixei a garrafa cair. Agora o líquido amarelado parecia urina
sobre os azulejos brancos. Fedia do mesmo jeito.

“Ele entrou sem bater,” disse o maldito imbecil, sentado na borda da banheira a alguns passos
de mim. Ele brincava com o patinho de borracha que eu dei para Mikey quando éramos crianças.
Ele adorava banhos de banheira.

“Foi só isso?” Questionou Ray, sua voz num tom mais agudo que o normal. “Ora, Frank, que
frescura.”

“Ele estava ganhando um boquete,” eu dedurei, levantando o olhar para meus amigos. “Vocês
não viram aquela mulher saindo daqui?”

Os dois viraram-se para Frank, surpresos. O maldito deu de ombros.

“Ela que quis,” ele disse com aquela voz grossa e preguiçosa, como se fosse a coisa mais normal
do mundo. “Eu disse „oi‟ e de repente ela estava de joelhos na minha frente, eu nem sei quem
ela é.”

“Ah, não sabe?” eu gritei sem perceber. “Aquela é a organizadora desse evento, Frank, que caso
você não saiba, é o funeral do meu irmão, que te considerava o melhor amigo dele!”

“Gerard, calma...”

“Babaca!” Cuspi a ele, afastando as mãos de Bob de mim. Apoiei os cotovelos nos joelhos e
afundei o rosto nas mãos. Sentado no trono, bêbado, chorando - Rei de Merda.

“Frank, o que diabos, cara,” disse Bob. “Por que você fez isso?”

“Porque ele não liga a mínima,” respondi por ele, levantando o olhar, furioso.

“Eu não ligo a mínima?” - Foi a vez dele gritar. “Quem é você pra dizer isso? Olha pra mim! Ou
melhor, olhe pra você mesmo. Bêbado como um porco!”

As palavras dele entraram em mim e me machucaram como facas - eram verdade.

“Frank...”
“Não, Ray! Se ele pode encher o rabo de álcool pra tentar amenizar isso tudo, então eu posso ser
chupado na hora que eu quiser.” Ele olhou pra mim, as sobrancelhas ridiculamente arqueadas,
ironia em seus olhos boêmios. “Pelo menos minha vida sexual nunca fez o Mikey chorar. Queria
poder dizer o mesmo de você, Gee baby.”

Por alguma razão bêbada idiota, eu avancei pra cima dele. Consegui dar-lhe uma bofetada antes
que Bob me segurasse. Ray se ocupou com Frank, mas ele não executou sequer uma tentativa
de revidar, apenas ficou ali, sentado na banheira, a mão sobre o rosto onde eu o acertei. Me
olhava com aquele jeito penoso que eu odiava.

“Eu espero que ele não esteja vendo isso,” ele disse e se levantou, saindo do banheiro. Ray
trocou um olhar hesitante com Bob antes de ir atrás.

“Eu não sei pra quê ele veio pra cá,” resmunguei, tentando suprimir os malditos soluços que me
faziam tremer sem parar.

“Eles eram melhores amigos, Gerard, mesmo longe.” Me abraçou e beijou minha testa.

Mas embora Bob quisesse ajudar, aquela frase só piorou tudo. Eu era o melhor amigo de Mikey,
não era? Pelo menos recentemente... ele sempre foi o meu melhor amigo, mas eu era o dele?
Provavelmente não. Não, não era.

Pressionei o rosto contra o peito de Bob. Deixei-me chorar - eu nunca antes havia tido tantos
motivos para tal. Era egoísta, era conformista, mas era necessário.

A camisa de Bob, antes cheirando a naftalina, ficou cheirando a uísque pelo resto do dia.

Eu tinha cochilado por alguns minutos, pelo cansaço e pela bebida. Estava me sentindo enjoado
e sujo. Havia desrespeitado meu irmão - a memória do meu irmão. Tudo doía demais.

Ali, deitado na minha cama, eu tentava não olhar para a cama dele. Há apenas uma semana ele
estava deitado ali, eu do lado, e nós assistíamos Hellraiser pela enésima vez. Mikey sempre
achava novos detalhes zombáveis nas cenas. Uma vez ele conseguiu enxergar um par de jeans
num filme épico que se passava na Roma antiga.

Há apenas uma semana, ali estávamos, num dia ordinário como outro qualquer. Ele estava se
sentindo bem. Porém, quando a noite desceu e o silêncio era absoluto, eu acordei com Mikey
grunhindo de dor vomitando sangue. O levei para o hospital de forma que sabia que iria me
render multas por, pelo menos, quatro tipos diferentes de infrações. Não me arrependo. Quando
o colocaram na maca, pálido e trêmulo, ele sorriu pra mim e disse „Se cuida, Gee.‟
Foi a última vez que o vi acordado.

Depois disso, foram seis dias de complicações no hospital. Abriram o frágil corpo do meu irmão
mais de uma vez, almejando adiar o fim com cirurgias de emergência. Mas não deu certo. Ele
estava exausto. Ele precisava descansar.

Por quase dois anos eu vinha, supostamente, me preparando para esse momento. Mas eu não o
fiz. Eu fingi que sim, mas no fundo era como se eu não acreditasse naquilo. Era tudo uma
brincadeira. Meu irmão não estava doente, ele viveria mais do que eu. Aquilo não acontecia na
vida real, muito menos na minha vida.

Bem; aconteceu.

Eu enganei a mim mesmo, certificando-me de que estava pronto por tanto tempo que, agora
que tinha acontecido, eu não sabia o que fazer. Estava completamente desnorteado. Eu não
queria ficar deitado naquela cama, mas não queria levantar tampouco. Eu queria que ele
voltasse, só isso, mais nada.

Mas embora aconteça nos filmes, as pessoas não voltam dos mortos. E era isso que meu irmão
era: um morto.

Morto.

Morto.

Acordei novamente com umas batidas na porta. “Gerard?” - Era a voz de Bob. A porta se abriu e
ele entrou, seguido por Ray e Frank. “Está se sentindo melhor? Precisamos conversar.”

“Okay,” eu grunhi, minha voz soando estranha a mim mesmo. Sentei-me na cama e encostei as
costas na parede gelada, Bob sentando-se ao meu lado. Ray se sentou na cadeira giratória da
escrivaninha e Frank ficou de pé ao lado da porta, torcendo as mãos, olhando pra baixo,
parecendo desconfortável.

“Uhh, então,” veio a voz de Ray. Ele já tinha tirado a gravata e balançava-se na cadeira, as mãos
cruzadas sobre a barriga proeminente. “Acabou que tem uma coisa que a gente não sabia.”

Acho que arqueei as sobrancelhas. “O quê?”

Meus dois amigos olharam para Frank, que hesitou, apreensivo. Mordeu o lábio inferior antes de
falar. “Mikey queria ser cremado.”

“Cremado? Claro que não. De onde vocês tiraram isso?”

Bob suspirou; aquele suspiro de „eu avisei‟. “Dá a carta pra ele, Frank.”
Eu o encarei inquisitivamente ao que ele se aproximava, cauteloso. Quando a fraca luz do que
restava do sol bateu em seu rosto, eu vi que ele tinha os olhos vermelhos e inchados - um mais
do que o outro, do lado que eu o acertei. Ele me entregou um pedaço surrado de papel.

Não fiz mais perguntas antes de abrir e ler. Lá estava a grafia desleixada do meu irmão. A data
era de três meses atrás. Dizia:

(Sim, pode ler, Frank)

Gerard,

Como eu sei que você não vai ceder aos meus desejos enquanto vivo, honre a vontade de seu
falecido irmão: eu quero ser cremado. Por mais que seja legal voltar do além todo meio comido
por vermes, eu não quero meu corpo preso debaixo da terra, porque eu não vou mais estar
preso a ele.

Eu quero ser livre. Por mais que eu goste de assistir filmes e conversar (e etc etc) com você, eu
sinto muita falta de sair de casa, de brincar de kickball, de andar de montanha russa... se você
está lendo isso, significa que eu estou numa melhor (e que o Frank conseguiu não-perder um
papel - isso é um puta feito). E é bom você atender a meus pedidos, seu maldito, tô de olho em
você.

Nessa parte, eu não pude evitar: sorri.

E tem mais: quero que vocês espalhem minhas cinzas. Quero estar em lugares felizes, vocês
escolhem. Mas de pelo menos quatro eu faço questão: Coney Island, onde a gente passava as
férias de primavera, lembra? Yale, porque eu me matei de estudar (trocadilho acidental) a vida
inteira pra entrar naquela merda, mas quando consegui, fiquei doente. Não quero saber, eles
nunca vão me varrer de lá. Jersey, por motivos óbvios. E Disney - vai se foder, você vai descer
até a Flórida e acabou-se. Eu sempre quis ir lá. Não adianta reclamar. Eu pensei em Las Vegas,
mas eu sei que é muito longe e você não ia querer.

Engano dele - eu faria qualquer coisa que ele quisesse.

Chamem o Bob e o Ray, vocês dois são péssimos motoristas. Eu sei que do verão eu não passo,
então deve dar pra todo mundo tirar férias (se eu acertar nisso, favor cada um me dar cinqüenta
pratas para a próxima encarnação). Divirtam-se comigo. Se tiverem a oportunidade, me joguem
em uma boate gay - eu nunca tive idade e saúde ao mesmo tempo para ir em uma. Bob TEM que
ir. Aproveitem a viagem. Sejam amigos.

Gerard, seja gentil com o Frank.

Frankie, tente passar do segundo encontro.

Bob, saia do maldito armário.

Ray. Nunca mude.

Com amor,
Mikey.

(PS: autorizo a venda dos meus pertences para pagar a minha parte da gasolina)

Quando eu terminei de ler a carta, todos olhavam para mim. Eu os encarei por um momento.
Voltei a correr os olhos pelo papel. “É,” eu comecei, tentando ser o homem que meu irmão
esperava que eu fosse. “Acho que nós temos uma viagem a fazer.”

Capítulo 2

CAPÍTULO 2

A primeira vez que vi Frank, ele estava semi-nu na minha cama. Era verão, e Mikey o havia
convidado para dormir na nossa casa. Eles tinham doze anos; eu tinha quinze. E desde que eu vi
aquele moleque de pé sujo comendo pipoca na minha cama (sobre meus lençóis Star Wars
novinhos), vestindo apenas shorts e usando um boné rosa-choque, desde aquele exato
momento, eu não gostei dele.

Frank era espevitado e cara de pau. Eu frequentemente o encontrava mexendo em meus


quadrinhos e desenhos. Ele me perguntava da minha vida, e quando eu não respondia, ele
começava a falar da dele. Um dia ele começou a me contar sobre assuntos emocionais. Eu o
mandei calar a boca e escrever um querido diário. Ele se calou e nossa relação melhorou: ele
dizia olá e tchau, eu respondia e nós nos ignorávamos o resto do tempo.

Várias vezes eu cheguei em casa morrendo de ansiedade para contar algo para Mikey, mas não
pude fazê-lo porque Frank estava lá. Isso ocorria com freqüência, principalmente quando eu fiz
dezoito anos e conheci meu primeiro namorado. Depois, quando eu tinha vinte, ele me largou e
eu comecei a beber. Frank só presenciou um ano de minhas crises alcoolizadas. Quando ele
Mikey terminaram o colégio, Frank se mudou para Nova York para ser fotógrafo.

Mikey sentia muita falta dele, mesmo que não falasse. Sentia falta da alegria despreocupada e
impulsiva, da cara de pau dele. Eu era apenas o irmão-problema, o depressivo, o fardo. Foi
assim o verão inteiro - eu o estraguei. Pouco depois da partida de Frank, descobrimos que
Mikey estava doente. Eu parei de beber - percebi a chance iminente da morte do meu irmão, e
lutar contra isso enquanto estava matando a mim próprio fazia de mim tão hipócrita que eu não
conseguia olhar-me no espelho. O resto é história.

Agora Frank estava ali, trazendo de volta memórias com as quais eu lutava o tempo todo,
temendo sucumbir a elas como no dia do velório. Após anos de ausência, visitas breves e
esporádicas, ele estava de volta como se nunca houvesse partido. A comunicação entre nós era
falha, quase inexistente, principalmente após o incidente no banheiro. Nós conversávamos
apenas o necessário, como se conversa com alguém que te atende num serviço de atendimento
ao cliente.

Frank já não parecia tão despreocupado o tempo todo. Eu ainda não tinha isso percebido, mas
vim a notar que ele era muito quieto pelas manhãs, mas pela hora do almoço já estava fazendo
piadas e cantando minha mãe. Ela gostava disso. Ele era a única pessoa que parecia sem culpa
ao sorrir, e não ficou o tempo todo se lamentando ou pedindo uma nova toalha como o resto da
família (que decidiu ficar em Jersey por uns dias para „ajudar‟, fazendo minha pequena casa de
hotel e minha mãe de camareira). Bob e Ray também gostavam dele, eram também mais novos
do que eu, mas não entravam muito nas brincadeiras em respeito à minha pirraça.

Ele estava se infiltrando na minha vida mais uma vez, sem convite ou permissão. E além do
mais, ele estava gozando no meu banheiro no dia do funeral do meu irmão. Eu tinha todo o
maldito direito de implicar com ele.

Era o segundo dia após o funeral, e nós estávamos numa detestável loja de urnas e esquifes.
Prateleiras e mais prateleiras de recipientes dos mais variados materiais e modelos, esperando
ansiosamente para serem preenchidos com os restos mortais de um pobre defunto. Por mais
que eu achasse aquilo tudo ridículo, quarenta minutos haviam se passado e eu não conseguia
escolher uma (Mikey sempre foi o irmão decidido: para comprar roupas, para escolher sabor de
pizzas, para locar filmes...). Acabamos por irmos até o jardim atrás da loja, repleto de artifícios
calmantes e supostamente reconfortantes, incluindo música oriental, incensos fedorentos, uma
fonte caquética derramando um fiozinho d‟água e algumas daquelas bandejinhas com areia
branca e um rastelinho (as quais acabaram sendo usadas como cinzeiros).

Havia alguns banquinhos de madeira, a tinta branca descascando. Eu sentei num deles, entre
Bob e Ray. Frank sentou na grama.

“Eu gostei dos modelos orientais,” disse Bob, os olhos azuis riscados por vasos avermelhados.
Bob gostava de tudo que vinha do Oriente: dos vídeo games à garota com quem ele vinha saindo
pelos últimos oito meses e teimava não ser sua namorada. “Ray?”

“É.” Ele estava do meu lado esquerdo, a mão que segurava o cigarro apoiada no meu joelho, a
cinza acumulando-se de maneira perigosa perto do rasgo dos meus jeans. “Achei as chinesas
bonitinhas.”

“Eu não gostei,” confessei sem rodeios. Eu havia adquirido trauma de porcelana chinesa: Bert as
adorava e trabalhava numa loja que as vendia. Duas vezes eu esbarrei numa estante e tive
prejuízos absurdos. “Estou entre a metálica e as lisas. Azul, talvez? Ou a de resina.” Traguei
fundo: puta dia horroroso.

“Isso é dois contra um,” apontou Bob - como se aquilo fosse uma votação sobre a qual filme
assistir. “Frank?”

Nós três nos viramos para ele. Frank estava sentado com as pernas cruzadas em estilo indiano.
Apoiava no joelho um caderno no qual escrevia - ele fazia isso bastante. Ele nos olhou de forma
cética, as sobrancelhas arqueadas escondendo-se sob o cabelo. “Tanto faz.”

“Ah Frank, vamos lá,” pediu Ray, claramente tentando evitar outro conflito entre nós dois. “Tem
que ser uma coisa decente.”

Frank suspirou como uma criança descontente, e eu lutei comigo mesmo para permanecer
calado - tanto Bob quanto Ray haviam pousado uma mão em cada uma das minhas pernas, num
silencioso pedido para que eu calasse a maldita boca e ouvisse. “Ray, sem querer desrespeitar
ninguém, mas eu não ligo a mínima. Esses modelos estúpidos só estão aí pras vovós escolherem
qual fica melhor em cima da lareira. Cinzas são cinzas, no ouro ou no barro, nós somos todos
feitos da mesma matéria podre.” Ele olhou pra mim, apreensivo. “Olha, Gerard... ele não vai ficar
preso num pote. Ele vai ser livre. Se for pra eu votar, eu voto por uma urna de plástico. É bem
capaz da gente derrubar ela em algum momento, a coisa quebrar e o Mikey acabar no sistema
de circulação de ar de um motel qualquer. Ele é especial, não importa em que urna idiota o
corpo dele está.”

Meus dois amigos olharam para mim com sorrisos vitoriosos, como se aquele discurso tivesse
saído da boca deles. Discurso este que, para minha derrota, eu tinha que admitir: fazia extremo
sentido. Ele talvez não fosse tão fútil quanto eu pensava.

Às seis da tarde daquele dia, eu estava a caminho de casa no carro de Ray. Tinha meu irmão no
colo, dentro de uma urna plástica de listras coloridas.

**

Seis meses antes da morte do meu irmão, Bob comprara um jipe. É um jipe imenso, cor de areia,
direção macia, todo hidráulico. Não muito meu estilo, mas inegavelmente um carro legal.

Mikey o repreendeu. Falou que ele não precisava de um carro daquele tamanho e que aquela
porcaria gastava combustível demais, o que, segundo Mikey, ia custar uma fortuna e poluir
ainda mais o ar já denso de Jersey. Era uma burrice, um desperdício de dinheiro e uma afronta à
natureza. Mikey chamou Bob de Rambo por semanas.
Agora o jipe viria a ser extremamente útil para os desejos do próprio Mikey. Os bancos eram
espaçosos e o porta-malas também, acomodando nós quatro confortavelmente durante a longa
viagem que estávamos prestes a começar.

“Pegou seus documentos? Seus cartões? Água? Tem certeza que não quer que eu vá? Ah, meu
filho, tome cuidado, não fique em hotéis sujos, não dirija à noite...”

Minha mãe me tratava como se eu fosse um pré-adolescente. Mas eu não me sentia como um.
Pré-adolescentes vêem que o mundo é imenso e de repente acham que são livres para tomá-lo.
Começam a beber, namorar, querer ficar fora de casa até tarde, vestir roupas de gente mais
velha, agir como gente mais velha. Eu não. Eu não tinha vontades. Eu já me sentia velho sem
sequer ter chegado aos vinte e cinco. Eu queria querer, mas não conseguia. Eu estava preso à
fase cinza de uma grande perda, quando você não está morto, mas não faz nada com a vida
tampouco. Um coma emocional me servia como terapia, agora que eu havia decidido não mais
utilizar de babitúrcios ou álcool, em respeito ao meu irmão. Meu falecido irmão caçula.

“Tudo bem, mãe, já está tudo certo.” Ela não parecia satisfeita. Resmungou algo sobre eu não
estar levando protetor solar suficiente (acho que ela revistou minhas malas) e foi pra dentro
buscar mais. De acordo com a previsão de Mikey, era verão, e o sol da manhã lutava para
encontrar seu caminho através das pesadas nuvens de poluição da cidade. Eu sabia que seriam
semanas escaldantes e secas - talvez um pouco mais úmido na Flórida - e que eu precisaria de
toda a paciência do mundo para lidar com aquilo. O objetivo da viagem também não era um dos
melhores.

Bob terminou de ajeitar minhas malas na traseira do jipe. “Tudo chuchu beleza,” ele disse num
tom sério, levantando os polegares e olhando para minha mãe, que vinha em nossa direção. Ela
parecia estar murchando, eu percebi ao que a luz suja do sol bateu em sua pele.

Ela me abraçou umas belas vezes e me fez as mesmas recomendações outra e outra vez.
Chegou a me dizer para tomar cuidado ao atravessar a rua - você sabe como são em Nova York.
Abraçou meus amigos. Checou o motor do jipe, como se entendesse coisa qualquer sobre
carros. Me abraçou de novo. Levei quase meia hora para finalizar as despedidas quando Frank,
em toda sua normal inconveniência, correu até ela com uma câmera. Queria uma foto antes da
jornada.

“Frank, você tem noção do quanto foi di---”

“Digam pênisssss!” Ele gritou, e minha mãe bateu a foto.

Meses depois eu viria a descobrir que todos na foto estão de frente para a câmera, sorrindo
largamente - até mesmo Bob. Eu estou virado de lado, a testa franzida, meus ombros
ridiculamente curvados ao que eu dava uma bronca no pequeno intruso. Meus olhos estão
revirados e eu pareço um fantasma, a feiúra da foto refletindo o meu emocional.
*

Sabe quando você é adolescente e sua família te constrange em público? Todos parecem oh-tão
retardados e ficam cantando músicas irritantes sem parar nas viagens para a casa daquela tia-
avó caquética surda que você não vê desde a terceira série.

Meus amigos estavam assim.

Tudo bem: eles não eram velhos, escutavam perfeitamente e eu os via praticamente todos os
dias há anos - por vontade própria. Mas eles estavam alegres. Bob dirigia seu jipe, orgulhoso;
Ray ao seu lado com um violão no colo. Frank sentado entre os dois bancos, como uma criança
pequena teima em fazer. E os três cantavam músicas que Ray tirava nas cordas. Eu conhecia
aquelas músicas, eu comprara os álbuns que as continham. Mas tudo parecia tãoerrado.

Afinal de contas, por que aquela alegria toda? Mikey não estava ali. Não estava e não estaria
porque ele estava morto. Era inconcebível pra mim como eles poderiam estar num humor tão
bom, quando tudo o que eu fazia era imaginar como as coisas seriam se ele estivesse ali.

Não que eu quisesse que todos passassem o dia todo chorando, ou que eu curtisse aquela
tristeza. Só que, naquele momento, eu ainda estava mergulhado na parte ruim. Eu nunca soube
nadar, e aqueles acontecimentos ainda eram tão frescos e fortes, eu sentia que ia me afogar e
não sabia como chegar à superfície. Eu não havia me acostumado ao fato. Eu estive ao lado dele
por vinte e um anos. Eu o havia perdido há seis dias. Era muito pouco tempo.

Mas os outros pareciam estar lidando bem com aquilo e, embora na hora estivesse me irritando,
mais tarde eu seria grato a eles por manterem o clima positivo, pois seria o que me manteria
são. Eu observava a estrada pela janela, alheio à conversa, até que uma palavra me chamou a
atenção. Agulha.

“Eu juro pela minha santa mãe, cara, nunca imaginei que uma agulhinha de merda me faria
sofrer tanto.” Era Frank, os cotovelos apoiados nos bancos. Não estava falando comigo.

“Mulherzinha,” disse Bob, acelerando o carro como que para mostrar - eu tenho um jipe de
macho.

“Bob, é sério, dói pra caralho. Era como se estivessem me tatuando por dentro.”

“É porque a pele aí é muito sensível,” disse Ray em seu tom normal de quem simplesmente sabe
mais que você. Não era arrogância. Ele sabia.

“Pele aonde?” Eu interrompi. Eu havia ficado curioso. Eu já sabia que eles falavam de tatuagens e,
embora eu tivesse absoluto pavor de agulhas desde que erraram (e feio) uma veia em Mikey, eu
gostava da arte. Eu havia pensado em ser tatuador quando era mais jovem. Isso, claro, antes de
eu virar um homossexual afeminado, medroso e emocional. Patético.
Ray e Frank se viraram para me olhar, e Bob também me encarou pelo espelho retrovisor. Eu
provavelmente havia passado muito tempo imerso naquela apatia completa. Só então me
lembrei de ter ouvido meu nome algumas vezes - acho que eles me chamaram.

“Uhh,” começou Frank, sua franja escura cobrindo parte de seu rosto. Ele se virou de lado e
encostou as costas contra a lateral do jipe, atrás de Ray. “Não sei se você vai gostar,” ele avisou
antes de levantar sua camisa preta, revelando a barriga.

Sob o umbigo dele havia desenhos. Aves - pombos, talvez andorinhas? - e inscrições finas.

“O que está escrito aí?” Eu perguntei, esquecendo-me imediatamente de todo o resto. Eu


precisava de distrações. Mais quadrinhos.

“Search and destroy,” ele respondeu. As linhas ainda estavam um pouco inchadas, e eu
inconscientemente levei a mão até ele, a ponta do meu dedo pousando sobre o contorno de uma
das aves.

“Quando você fez isso?” Olhei para o rosto dele. Ele tinha os olhos bem abertos, parecia
surpreso.

“Anteontem.”

Anteontem. Ele realmente sumira pela maior parte naquele dia - na verdade, todos sumiram.
Ninguém apareceu na minha casa até as sete da noite. Virei-me para Ray.

“Vocês foram junto?”

Eu já sabia a resposta. Claro que foram, e claro que não me chamaram. Não podia culpá-los.
Voltei minha atenção para o desenho. A pele de Frank não era branca como a minha - pálida,
sem vida. Ele tinha um leve bronzeado natural, cor de azeite, macio e brilhante. Genuinamente
italiano. A pele estava avermelhada e ferida sob as linhas, e parecia fascinante na hora segui-las
com os dedos, como uma criança segue uma trilha de formigas. Search and destroy. Destruir o
quê? Eu estava prestes a perguntar, mas ele falou primeiro.

“Ehh, Gerard,” ele chamou, e meu olhar encontrou o dele. Ele tinha um sorriso amarelo no rosto,
parecia envergonhado. “Eu... eu acho melhor você parar com isso, está me deixando... feliz.”

Jurei para mim mesmo que não ia falar mais com Frank pelo resto do dia. Falhei.

Nosso plano de viagem era: Yale, em Connecticut; Coney Island, em Nova York; Jersey e somente
então começaríamos a longa viagem ao sul, a caminho da colorida e multimilionária
Disneyworld.
Eram quase sete da noite (embora o sol ainda estivesse clareando o céu) e nós estávamos perto
da cidade universitária, cada vez mais perto de uma dos maiores e melhores centros de ensino
do mundo. Mikey fora em Yale uma vez, na sexta série. Ficou maravilhado. Havia pessoas de
todos os lugares do mundo, todas elas brilhantes. Era um mundo diferente de Jersey. Um mundo
de descobertas e conhecimento, um mundo sem fronteiras onde ele poderia decidir até onde ir.
Ele sonhava com aquele lugar diariamente, tinha bandeiras azuis com um grande „Y‟ pregadas
na parede do quarto. O dia em que ele foi aceito foi, de longe, o dia mais triste da vida dele: ele
tinha a permissão para entrar, mas não tinha condições de sair de casa.

Quem dirigia agora era Ray. Ele e Bob estavam calados, cansados, concentrados. Nós fizemos
pausas, mas dirigir era sempre exaustivo, ainda mais quando se tem Frank matraqueando sem
parar. Agora ele havia se calado - estava dormindo. O corpo torto contra a lateral do jipe, braços
e coluna em posições estranhas. Eu não tinha reparado - tentei deliberadamente manter os
olhos longe dele o dia todo -, mas Bob virou-se para trás e me chamou com um sibilo. Olhei pra
ele.

“Ajeita o corpo dele, Gerard,” ele disse baixinho antes de se virar de volta para frente.

Foi ali que eu olhei para Frank e vi como ele estava. Havia um quê de infantil nele. A maneira
despreocupada e natural de se portar, a risada, a fragilidade do pequeno corpo adormecido, à
mercê do que acontecesse ao seu redor. Tive a sensação que se eu o pegasse no colo para levá-
lo para a cama (como pais fazem com os filhos), ele nem sequer acordaria.

Mas ao mesmo tempo, embora eu não admitisse, ele era, de certa forma, tentador. „Sensual‟ soa
bobo demais, mas ele era. Frank trabalhava - ou trabalhara, eu não sabia - como modelo
fotográfico quando chegou à Nova York. Eu achava isso patético. Posar para catálogos de lojas
de conveniência não se encaixava no meu conceito de dignidade. Mas ali, naquele jipe, com a
luz alaranjada entrando pelas janelas, eu tive que reconhecer que o maldito era bonito. Os
cabelos escuros caíam pela sua testa, balançando levemente com o vento. Aquelas sobrancelhas!
- insira aqui um grunhido de insatisfação. As minhas são espalhadas e feias; as dele são
perfeitamente arqueadas e concisas, e por causa de Mikey eu sabia que eram naturais. Os lábios
rosados - Frank era todo dourado e rosado, e pelas semanas que se seguiram aquilo veio a me...
incomodar.

Ele me lembrava um caramelo. Aqueles caramelos que se vende no parque, dourados ou


avermelhados, e que toda criança enche a boca para morder. Mas aquilo era o inferno
disfarçado. Se você o morde, ele agarra no dente e não sai por nada no mundo. É a coisa mais
irritante que se pode haver para uma criança hiperativa. Passar minutos infinitos tentando tirar
aquela porcaria da boca, e o maldito grude é tão forte que dói - às vezes dentes de leite são
prematuramente arrancados. Eu nunca havia trocado meus dentes de leite (esse era o problema
leve nos ossos dos Way - Mikey pegou o pior), mas sabia que aqueles malditos caramelos eram
para se evitar.

Mas apesar das inconveniências, eram muito gostosos. O de mel sempre foi meu favorito, e era
isso que Frank me lembrava: um daqueles caramelos de mel. A pele dele parecia ser doce.
Mesmo sob as tatuagens, era como a pele jovem de uma criança, sem a aspereza dos anos
tristemente acumulados. Ele parecia doce e não no sentido figurado - porque, realmente, eu não
via doçura na personalidade irritante dele.

“Gerard!” Bob tornou a chamar, e só então eu percebi que estava encarando Frank de maneira
assustadora pelos últimos minutos. “Deixa de ser um babaca, ele vai acordar todo dolorido. E vai
ser pior se isso acontecer.”

Saí do meu transe, confuso e envergonhado, e estiquei os braços na direção dele. Estava prestes
a puxar seu torso para que ele se deitasse direito, mas Ray freou o carro brusca e
repentinamente.

“Puta merda! Jesus, Ray!” Bob berrou.

“Ele saiu do nada!” Ray gritou de volta, referindo-se ao que eu viria mais tarde a saber ser um
veado na estrada. Eles continuaram gritando e falando, mas eu não escutei.

Eu havia praticamente caído em cima de Frank. Só não caí porque, tecnicamente, eu não estava
de pé, mas de repente nossos peitos estavam juntos e minha testa no queixo dele - doeu em
mim, deve ter doído nele também. Senti as mãos dele nos meus braços.

“Quê?!” Ele arfou, assustado. Tentei levantar meu corpo, falhando miseravelmente, já que Ray
estava acelerando o carro e tirando qualquer equilibro que minhas pernas poderiam
magicamente adquirir para apoiar meu corpo deitado. Consegui levantar a cabeça, e pude sentir
o cheiro de doce - de mel - que vinha da boca de Frank.

“Eu - me desculpe,” eu gaguejei, não querendo olhá-lo nos olhos, mas também não querendo
olhar para a boca dele. Muito menos fechar os olhos. Eu sabia o que isso ia acabar parecendo e
eu definitivamente não queria aquilo. “Foi - Ray freou e eu...”

“Hey, tudo bem,” ele disse mansamente, afagando meus braços. “Eu estou até confortável, pra
ser sincero.” Era pena na voz dele?

“Ah. Me desculpe,” eu repeti, apoiando as mãos o mais levemente possível no peito dele para
poder me levantar. Voltei para meu lugar com o rosto em brasas, o coração pulando e
preenchido de raiva de qualquer que fosse o maldito animal que entrou na frente do carro. Pela
minha visão periférica eu vi Frank se sentar lentamente.

“Cara, quanto tempo eu dormi? Já estamos chegando? O que diabos aconteceu, Ray? Acho
melhor eu dirigir.”

A pensão em que iríamos ficar hospedados era pequena porém confortável, no


estilo Independence Inn com o qual Mikey sempre sonhara. Eu iria dividir um quarto com Bob,
Frank ficaria com Ray. Eu estava sozinho no quarto, sentado na cama de colcha florida, a urna
colorida com Mikey nas mãos. Eu falava com ele. Não falava alto - meio que só pensava.

Mas bem que a dona poderia mesmo ser a Lorelai. Mas eu gostei daquela velhinha, ela é bacana,
não é? Eu quis essa porque sabia que você ia gostar. Amanhã de manhã nós vamos a Yale, fica
calmo. Aliás, todo mundo tem que ficar calmo. Você viu o que o Ray fez hoje? Mas também, ele
anda cansado, e ele está com cara de ressaca, não está? Eu acho que sim. Ele deve ter ido beber
com os amigos estranhos dele ontem à noite. Só sei que o Bob ficou puto. Acho que amanhã só
ele vai poder dirigir o jipe. Aliás, bem feito pra você, ficou aí falando mal do jipe. É o único que
cabe nós todos. Sabe, até que é bem confortável mesmo. Seria melhor se Frank não ficasse
ocupando o banco todo. Me viu caindo nele? Não ri, Mikey, eu não gostei. Porra. Não gostei não.
Você que gosta dessas brincadeiras estúpidas. Eu não sei como você considera aquele doido seu
melhor amigo. Sério, como ele é criança, meu Deus. Ah vai, é sim. Mas ta, ta, o amigo é seu, faz
o que você quiser com ele. Acho que em algum lugar distante, bem distante, ele é gente boa.
Haha, distante sim. Ah Mikey...

Eu não podia evitar. Na minha mente, ele respondia. Acho que depois de tanto tempo eu já
podia imaginar qual seria a reação dele a essas coisas idiotas que aconteciam.

Bob voltou para o quarto só de toalha, rosado como um camarão escaldado, recém saído do
banho quente. Tinha espuma de barbear em partes do rosto, para sua manutenção da barba -
reclamava sobre sua lâmina ter sumido, ele tinha certeza que a colocara ali. Revirava as malas (a
nécessaire salmão - „não é rosa!‟ - dele estava sobre a pia). Eu assistia a tudo quieto, a urna em
mãos, com medo de falar alguma coisa e piorar o humor do meu amigo. Mas, de repente, ele
parou. Olhou para o nada por um segundo. Grunhiu alguma coisa e saiu do quarto, parecendo
furioso. “Fraaaaank!”

Alguns minutos depois, Bob corria nu pelo corredor, as mãos tentando cobrir as partes
enquanto Frank corria mais rápido que ele, a toalha felpuda do hotel numa das mãos, a risada
histérica ecoando pelo andar. Eu mordia os lábios e temia pela vida de Frank. Mikey ria sem
parar.

Frank conseguiu escapulir e se trancou no quarto com Ray. Bob gritou que no dia seguinte eles
se acertariam.

Yale pra mim foi um borrão.

Eu sei que nós levantamos, descemos, tomamos café. Fomos até nosso destino. Andamos. Frank
tirava fotos de tudo o tempo todo. Bob estava mal-humorado. Ray estava animado com a visita.
Mas tudo em que eu pensava era que eu iria deixar uma parte do meu irmão ali.

O momento pareceu chegar rápido demais. Nós conseguimos a autorização para entrar no
prédio de astronomia (hoje sei que Frank utilizou algumas manhas para isso), e subimos até a
parte mais alta da torre mais alta. Era começo de tarde e o sol estava brilhando, vitorioso. Frank
tirou fotos disso também. Eu me senti ainda pior - detesto alturas. E de repente os três estavam
olhando pra mim e para a urna que eu ainda carregava nas mãos. Eles haviam tentado me
persuadir a colocá-la numa bolsa ou num saco, mas de jeito algum eu enfiaria meu irmão num
saco.

Aproximei-me do parapeito. A vários metros do chão; pouquíssimos estudantes que não haviam
ido para casa nas férias de verão reunidos numa parte da grama, longe de nós. A urna em
minhas mãos. “Não deixa cair,” Frank me alertou e, embora minha reação imediata tenha sido
mandá-lo à merda - eu não ia deixar meu irmão cair! -, eu logo percebi que ele tinha razão.

Eu não tinha percebido que estava chorando, minhas mãos tremiam. Segurei com mais força.
Tirei a tampa e a passei para Bob. Ali estava: um pó fino, sem cor definida, parado, sem vida.
Aquilo ali um dia foi o meu irmão. Eu nunca antes tinha pensado naquilo quando via na TV, mas
é uma coisa extremamente bizarra. Tente imaginar-se virando poeira. Aquele pó era meu irmão.
Os olhos e dentes e lábios e mãos do meu irmão - ele sempre teve antebraços muito bons.
Aquele pó um dia riu comigo, me abraçou, me consolou. Aquilo era meu irmão.

Eu não via aquilo como um ritual de libertação como meus amigos. Era a ratificação de que ele
não iria voltar. Se ele quisesse, não conseguiria: nós queimamos suas partes e as espalhamos no
vento. Uma particulazinha pra cada canto. Mikey. Pó.

Com cuidado, virei um pouco do pó na mão de cada um dos meus amigos (e Frank). Eu não quis
tocar. Não mesmo. Dei a desculpa de que minhas mãos estavam molhadas e seria péssimo
(imagine ter que lavar seu irmão de você. Vômito, sangue - isso eu tinha feito, mas quando ele
estava vivo para dizer „foi mal, maninho,‟ e dormir, cansado, vivo.)

Nós quatro nos alinhamos contra o parapeito. Eles estenderam as mãos. O Sol era nossa
testemunha e Yale esperava por Mikey, esplendorosa e saturada de conhecimento, o mundo
maravilhoso do qual ele sempre quis fazer parte.

Eles abriram as mãos. O vento naquela altura era forte, soprando nas mãos dos meus amigos,
levando Mikey para sudeste e o espalhando por todo o ar. Parte do que ele queria estava
realizado. Ele estaria em Yale para sempre, com todo o tempo do mundo para explorar cada
página de cada livro em cada prateleira. Quem sabe pra sujar as prateleiras também, pensei
amargamente, sentindo vergonha em seguida.

Bob e Ray não se demoraram: disseram que precisavam descer. Eu sabia que eles queriam
esconder os olhos marejados; eles não choraram nem no funeral.

Mas eu não precisava esconder minhas lágrimas, e aparentemente, Frank também não. Ele
afundou o rosto nas mãos - a direita ainda sujinha -, e eu vi seus lábios se curvarem num bico
ao que seu pequeno corpo foi sacudido por soluços. Ele começou a chorar copiosamente. Ele
parecia que ia desabar a qualquer momento, assim como eu. Naquele momento, nós éramos
iguais, e, mesmo que não fôssemos, eu precisava que alguém simplesmente me abraçasse.
Juntamos-nos. Ele pressionou a cabeça no meu peito e eu senti as lágrimas dele penetrarem
pelo tecido surrado da minha camisa, ao que as minhas molhavam seu cabelo cheiroso. Mikey
estava irrefutavelmente partindo, levando um pedacinho de cada um de nós com ele.

Capítulo 3

CAPÍTULO 3

Se meu irmão tivesse me deixado um mapa do que fazer sem ele, eu teria ficado imensamente
grato. Ele havia feito isso, de certa forma. Me disse o que queria que eu fizesse com os restos
dele. Me deu direções. Mas não me disse sobre o que eu deveria pensar e sentir. Não me disse
se eu deveria ficar feliz por ele ou se eu poderia remoer livremente a dor de ele ter ido embora
para sempre.

Ele sempre dizia: „se você for, eu vou‟. Eu não podia ir. Até poderia - mas minha época suicida
havia passado e ele com certeza não me perdoaria jamais se eu voltasse a pensar naquilo. „Não é
uma saída, Gee, é o caminho pro inferno‟. Mas eu sabia que, se o Céu existisse, era lá que Mikey
estava.

Eu estava na sacada do meu quarto na pousada, encarando o céu escuro. O céu era
extremamente diferente do de Jersey. Em Jersey, as nuvens pesadas continuam no céu à noite,
refletindo as luzes da cidade, deixando tudo acinzentado e opaco. A lua mal brilhava. Mas ali, na
pequenina cidade, não havia nuvens. O céu era limpo e escuro, um roxo, quase negro, porém
pontilhado por infinitas estrelas que brilhavam como diamantes. A Lua parecia maior, e eu
passei algum tempo divagando sobre o quão legal seria ir à Lua - lembrei-me de Mikey dizendo
que o homem ter ido lá era pura mentira, uma babaquice, um absurdo, gravado em Hollywood,
tudo pura baboseira. Eu sinceramente não sabia: apenas sonhava. Mas isso era antigamente.

Bob roncou levemente em sua cama, o pescoço mal colocado no travesseiro muito alto. Decidi
que eu deveria ir para a cama também, quem sabe eu conseguia dormir; estava realmente
cansado. A visita à Yale, somada ao tempo no carro ontem e a preparação antes disso haviam
realmente cansado meu corpo, e por isso eu era grato.

Andei até minha cama, tirei a camisa e me deitei. A urna colorida estava na mesinha-de-
cabeceira, ao lado de alguns bombons, iluminada pelo poderoso luar daquele lugar. A
temperatura estava boa, a cama era macia, eu estava exausto - o ambiente propício a uma boa
noite de sono. Eu havia acabado de me deitar quando ouvi batidas na porta.

Eu as imaginei? Esperei alguns segundos. Mais batidas. Leves, sorrateiras. Eu já sabia quem era
antes de abrir a porta. Ali estava o nosso „mascote‟ - como Bob o havia definido naquela tarde
após uma dança esquisita de cheerleader. Vestindo uma única peça de roupa, como eu, idêntica
à que eu usava. Todo pele e olhos.

Ele chegou a murmurar um “Hey,” mas vi seus olhos me analisarem dos pés à cabeça. “Uhh... eu,
uh---”

“O que você quer, Frank? Já é tarde.” Ele continuava olhando para mim. Para mim não significava
meu rosto. Eu tentava manter os olhos no dele.

“Ah é. Eu sei, é que...” Aí sim ele me olhou nos olhos. “Eu não consegui dormir até agora e eles
só abrem a cozinha às cinco... ainda são três e meia!” Ele choramingou, balançando a mão.
“Estou morto de fome!”

“Não, não está,” eu respondi - chato. “E tem uma cesta com biscoitos no-”

“Não tem não,” ele falou. “Eu levei pra Yale com a gente.” Voltou a encarar meu peito. Eu, que
sempre fui extremamente complexado em relação ao meu corpo, não estava nada confortável.

“E você comeu tudo?”

“Não, eu dei pra uma mulher na porta. Ela dorme na rua, Gerard, não me olha assim. Só que eu
eles não colocaram outra cestinha aqui e...”

“Eu te dou a nossa.” Me virei para entrar no quarto, querendo ir até a mesa baixinha que ficava
ao lado da sacada e me livrar logo de Frank. Mas senti a mão quente dele no meu braço, me
puxando de volta para a porta. “O quê?”

“Nós já comemos a de vocês,” ele falou, em tom de desculpa. “Você estava no quarto. Esqueceu?
A gente assistiu aquele filme...”

De fato - ainda havia embalagens de rosquinhas ao lado da minha cama. Eu só não havia
participado da reunião. “Okay. Ta bom então, o que você quer?”

Ele continuava encarando meu peito. Cruzei os braços, tentando me esconder. “Eu... eu quero
descer até a cozinha, mas eu não quero ir sozinho. Na verdade, eu vim foi chamar o Bob, porque
o Ray ta sonhando com alguma mulher, eu juro por Deus, não quero chegar nem perto dele.”

“Bob já está roncando há horas.”

Ele suspirou. Cruzou os braços e bateu o pé - ele tinha braços grossos, a cor da pele uniforme,
parecia bem hidratada. Me olhou nos olhos. Quando ele me puxou, havíamos ficado mais perto
um do outro, e ele tinha que inclinar a cabeça para cima a fim de poder me olhar direito. “Vai
comigo então?”

Ah, claro. “Não,” respondi como se ele tivesse me ofendido. “Invadir a cozinha do hotel? Não
viaja, Frank.” Ele era seriamente esquisito. Irresponsável. Infantil.
“Mas Gera-ard, eu estou com fome!” - Ele usou o tom que usava com Mikey quando queria
convencê-lo de alguma coisa. “E está escuro e eu... eu não quero ir sozinho. Que te custa,
vamos lá.”

“Me custa meu sono, Frank!” O que diabos, como ele era folgado. “Você tem medo do escuro,
por acaso?”

Ele arqueou as sobrancelhas. Aquelas sobrancelhas, desafiadoras. “Meio que tenho, qual o
problema? Como se você fosse super macho, viril e corajoso.”

Acho que foi minha vez de arquear as sobrancelhas, em choque. Acho que até abri a boca.

“Ah, Gerard, por favor. Se tiver um seqüestrador escondido atrás de uma porta eu não vou vê-lo
e ele vai me levar embora e me matar e vai ser culpa sua por não ter ido lá comigo. Por favor, é
rápido!”

“Eu - Frank! Inacreditável. Não acredito que você está falando sério. Olha o tamanho dessa
cidade! Aqui só tem universitários, pelo amor de Deus.”

Ele me fuzilou com seus olhões de criança. “Pra sua informação, Alice Sebold foi estuprada numa
cidadezinha universitária, depois invadiram a casa dela e estupraram a amiga dela, e se você não
fosse tão babaca e tivesse ido comigo, já teria voltado e estaria na cama.”

Eu não podia acreditar que ele estava falando aquilo. Quer dizer, eu sabia do quê e de quem ele
estava falando, mas não acreditava que ele soubesse daquilo. E não podia acreditar, tampouco,
que, mais uma vez ele estava certo. “Ta bom, que seja. Só preciso pegar minha camisa.”

“Pega um sapato também,” ele sussurrou para dentro do quarto, a luz fraca do lampião no
corredor sendo mais fraca do que a luz da lua que entrava pela janela.

“Sapato pra quê?” Eu sussurrei de volta, vestindo a camisa.

“Pra bater no bandido,” ele respondeu como se fosse algo extremamente óbvio. Eu tive que rir.
“Gerard, é sério,” ele teimou quando eu fui saindo sem o sapato. “É sério, porra!”

“Frank, deixa de ser imbecil,” eu repreendi - tão superior -, fechei a porta e fui andando pelo
corredor. Senti a mão dele se envolver ao redor do meu pulso esquerdo. Tentei parar de sentir.

Nós descemos as escadas, de fato escuras, lentamente. Não havia iluminação nelas. Ele apertava
meu pulso e continuava perguntando „Você viu aquilo?!‟ Eu ria e dizia „É só um gato, Frank,‟ ou
„É um morcego, Frank,‟ ou „É a sombra da árvore, Frank,‟ até que perdeu a graça e eu parei de
responder. Chegamos à porta da cozinha. Trancada.
“Satisfeito?” Perguntei, soando mais irritado do que eu realmente estava. “Está trancada.”

Vi a silhueta dele, desenhada contra a janela ao fundo da sala, mover-se lentamente. “Tem que
ter um jeito de entrar.”
“Frank, tem dó. Vamos voltar pra cama...”

“Primeiro que não é vamos porque eu não vou dormir com você, segundo que eu te vi na sacada
e terceiro que a chave deve estar por aqui.” Ele levou a mão cabelo, torcendo a ponta, no que eu
havia reparado ser um tique comum dele. “Deve estar por aqui...”

Como se ele fosse encontrar alguma coisa. Se bem que, vendo o que eu já havia visto de Frank,
não me surpreenderia se ele retirasse um grampo do ouvido e abrisse a fechadura. Mas o que
ele fez foi muito mais simples. Numa das mesinhas que ficavam junto às paredes, ele foi
levantando, um por um, os assustadores gatos de porcelana que serviam de enfeites. No quarto
gatinho, ele tateou e deu um pulo, levantando os braços.

“Rá!” Ele meio que sussurrou, meio que gritou. Tinha um molho de chave em mãos.

Aquilo estava ficando extremamente irritante: as idéias totalmente patéticas de Frank dando
certo e eu ficando com cara de idiota; o Gerard chato, enfadonho e medroso de sempre. Ele
abriu a porta da cozinha, nós entramos e ele a fechou. Acendi a luz. Era uma cozinha adorável.

“Ahhhm, sim sim é disso que eu estou falando!” Ele atropelava as palavras, saindo em direção
aos armários. Havia duas mesas-balcão no centro da cozinha, diversos faqueiros, panelas,
geladeiras de portas transparentes, máquinas de café... minha mãe acharia o paraíso.

Frank estava na ponta dos pés, tentando examinar melhor as prateleiras mais altas dos armários
- aparentemente mantinham as melhores guloseimas lá. Ele era pequeno, sim, mas era esguio.
Esticava os braços coloridos, flexionando as costas; curvas e vales aparecendo na base de seus
quadris. A pele dourada de mel, as tatuagens, a pequena peça de roupa preta. Não pude deixar
de observá-lo.

“Poxa, Gerard, me ajuda aqui,” ele reclamou. Me aproximei e perguntei o que ele queria. “Ali,
aquela lata ali,” ele apontou. Havia dezenas de latas.

“Qual?” Biscoitos, biscoitos, biscoitos.

“Ali, aquela ali, de biscoito.”

Suspirei. Posicionei-me atrás dele, esticando os braços por cima dos dele. “Essa?”

“Não, a outra.”

“Qual, essa?”

“Não, a de trás.”

“Essa?”
“É, essa.”

Também fiquei na ponta dos pés para alcançar a lata - baunilha com gotas de chocolate - e só
então percebi o quão próximo eu estava dele. Meu peito colado às suas costas quentes, minha
mão em seu ombro. Peguei a lata e me afastei. “Toma.”

“Valeu.” Ele ficou olhando pra mim enquanto eu me sentava num dos banquinhos que
circundavam as mesas. “Sabe, você tem o cheiro dele.”

Encarei o balcão de mármore e não respondi.

Frank pegou um copo de leite gelado para cada um de nós e se sentou ao meu lado, a lata entre
nós. Peguei um biscoito, praticamente no piloto automático. Me lembrei de quando era pequeno,
Mikey pouco mais que um bebê, e nós fazíamos biscoitos com nossa avó. Nós fazíamos a
bagunça, na verdade; era ela quem fazia os biscoitos.

“Desculpa pelo funeral,” Frank falou de repente, a boca cheia de comida. Ele havia conseguido
sentar em estilo indiano sobre o banco estreito. Tinha um círculo branco sobre seus lábios
vermelhos - bigode de leite. “Eu não queria ter feito aquilo. Eu... eu nem sei.

Havia sinceridade na voz dele. Ele falava como eu sempre falava quando me desculpava por
causa das bebedeiras. Eu não sabia o que estava fazendo. Por quê estava fazendo. Eu apenas
bebia. Eu não queria estar ali, não queria ser eu mesmo. Eu só... é. „Nem sei‟. Suspirei pela
milionésima vez.

“Eu entendo. Está tudo bem.”

Eu não sabia se estava falando sério ou não. Só me pareceu a coisa certa a se dizer no momento,
e eu queria fazer a coisa certa. „Seja gentil com Frank,‟ Mikey havia pedido. Eu estava tentando.

Nós comemos em silêncio por alguns minutos, e eu estava realmente gostando daqueles
biscoitos. “Eu não lembro qual foi a última vez que fiz isso,” confessei, enchendo a boca.

“Comer de madrugada? Ah, eu faço isso todo dia,” Frank respondeu, e eu pude ouvir a voz do
meu irmão zombando dele. “Você dorme melhor.”

Dei de ombros. “É, pode ser. Mas assim vou acabar voltando a ser gordo,” eu disse sem
perceber. Era como se eu estivesse com Mikey ali.

“Você nunca foi gordo!” - Algumas migalhas voaram da boca de Frank ao pronunciar a última
palavra. Ele riu e limpou os lábios com as costas da mão, num dos gestos infantis. “Eu sempre te
achei bem... hm...”

Ele não terminou a frase. Encarei seu rosto e o vi crispar os lábios, parecendo hesitante ao dizer.
Vai ver depois de todos esses anos ele havia aprendido a medir suas palavras. “Bem o
quê? Cheinho? Fofo? Fala de uma vez, Frank, eu sei que eu era---”
“Lindo,” ele me interrompeu, sem olhar pra mim. Perdi a linha de pensamento, boquiaberto. Ele
estava brincando, não é?

Eu sempre via Frank me olhando de um jeito esquisito, desde que éramos adolescentes.
Lembro-me de uma vez que eu estava fazendo uma pintura num quadro, no primeiro ano de
faculdade. Frank devia ter uns quinze anos: a idade em que ele esteve mais infernal. Eu estava
completamente concentrado no meu trabalho, quando de repente vi aquela sombra atrás de
mim. Ele estava encostado no vão da porta e tinha o cenho franzido, como quem diz „cruzes,
que coisa ridícula‟. Quando eu olhei pra ele, ele apenas arqueou as sobrancelhas, deu de ombros
e saiu do quarto. Nunca me esqueci da expressão no rosto dele. Era desprezo.

E decerto esse „lindo‟ era a mais pura zombaria. Senti-me enrubescer, mais de raiva do que de
vergonha. Imaginei que ele não perceberia, mas ele percebeu.

“Eu sei, eu sei,” ele choramingou. “Cala a boca, Frank, escreve no teu diário. Desculpa.”

“Huh?”

Aquele foi o primeiro momento que eu senti que havia algum mal-entendido entre nós. Porém,
Frank nada quis esclarecer. Tampou a lata de biscoitos e colocou nossos copos na pia, em
silêncio, estranhamente abatido - como geralmente ficava pelas manhãs. “Vamos,” ele
murmurou, “desculpa ter te tirado da cama. Acho que era mesmo bobeira minha.”

Quando subimos, em silêncio, as escadas de volta para nosso andar, ele não segurou meu pulso
como antes havia feito. Eu o sentia tenso, olhando para os lados bruscamente a qualquer ruído,
e até mesmo senti vontade de segurar a mão dele - eu sempre fui meio protetor, principalmente
com Mikey, e Frank parecia tão indefeso... mas ele nada disse e nada fez. Quando chegamos aos
nossos quartos, ele apenas murmurou um rápido „obrigado‟ e se foi, arrastando os passos numa
aparente tristeza que a ele não cabia.

O dia estava ridiculamente ensolarado. Ainda não eram nem nove da manhã e eu já estava
suando - eu realmente detesto suar. Bob colocava as malas no jipe, Ray estava checando o
motor, Frank pagava a conta e eu fumava.

Eu havia começado a pensar na minha falta de eficiência nos dias recentes. Eu parecia uma
criança, dependendo de todos, esperando que fizessem as coisas por mim. Dependente de meus
amigos, um vegetal, ridículo, patético. Isso havia estado na minha mente desde que acordamos
e Bob perguntou se eu queria ajuda para dobrar minhas roupas. Eu respondi que não, claro que
não, eu posso fazer isso sozinho - mas hey, Gerard, nós te ajudamos a fazer as malas em
primeiro lugar. Era como se o morto fosse eu.
Mas não era. Eu estava vivo, eu tentava enfiar isso na minha cabeça de forma definitiva. Não era
fácil, mas eu estava determinado a reagrupar minhas forças e deixar de ser um imbecil. Dei a
mim mesmo um prazo para isso, mesmo com a perspectiva de que não conseguiria cumpri-lo.
Fraco, pateticamente fraco. A vontade de socar meu próprio rosto me invadiu com força e eu
bati a nuca contra a parede da pousada. Tinha nojo de mim mesmo, quase tanto nojo quanto
tive na época em que tomava vodca no café da manhã. Dê um jeito nisso, Gerard. Dê um jeito
antes que a vontade de deixar este corpo seja tão avassaladora que você acabe fazendo uma
besteira.

“Vamos?” Chamou Frank atrás de mim, jogando uma pequena mochila no ombro. Ele tinha
óculos escuros no rosto, a franja caindo sobre parte deles.

“Yep, tudo pronto,” declarou Ray.

Apaguei meu cigarro e entrei no jipe, Frank jogando-se no banco ao meu lado. Essa manhã ele
não estava abatido: estávamos a caminho de Nova York, onde ele morava, e ficaríamos na casa
dele.

“Espera só,” ele disse para Bob. “Vou acabar com você no Donkey Kong.”

A estrada para Nova York era plana e bem cuidada - digna dos impostos cobrados pelo caminho
- e eu podia desenhar razoavelmente. Claro, nada de muito bom, mas nada como uns rabiscos
para me distrair. Eu havia notado Frank escrevendo naquele caderno. Ele sempre escrevia
naquele maldito caderno, e eu havia começado a ficar curioso sobre o que ele tanto escrevia.
Havia sossegado a câmera fotográfica e, no momento, havia sossegado ao todo. Cochilava
tranquilamente, os braços cruzados, a cabeça apoiada na mochila.

O forte e constante sol estava tornando a pele de Frank ainda mais dourada. Ele parecia não ficar
queimado de sol, vermelho tampouco; ficava dourado. Seu rosto brilhava, imaculado, e os lábios
corados pelo calor nunca perdiam a cor. De alguma forma, mesmo que eu ainda alimentasse um
certo ressentimento por ele, era inegável que ele era esteticamente fascinante.

Eu realmente não percebi que estava desenhando Frank até que levei a mão ao cabelo dele para
afastá-lo de seu rosto, para que pudesse terminar a sobrancelha esquerda. Notei em tempo; saí
do transe. Recolhi minha mão e recostei no banco, meu rosto queimando, mas parece que ele
sentiu minha aproximação e abriu os olhos, preguiçoso, divino.

Eu estava olhando para frente, mas pude ver pelo canto dos olhos que ele bocejou
gostosamente, esfregando o olho direito com a palma da mão. “Unnngh,” ele fez, sentando-se.
Sentou muito perto de mim - naquele banco imenso. “Estamos perto?” Ele me perguntou, ainda
sonolento. Acho que não tinha dormido bem noite passada. Assim como eu.
Tropecei nas palavras antes de conseguir responder. “Acho que vamos fazer uma pausa pro
almoço e depois continuar.” Ele fez „hm‟ e adormeceu novamente. Não, não é exagero meu:
Frank tinha uma habilidade realmente incrível de pegar no sono de um segundo pro outro. Me
recordo de Mikey me contar sobre como achava que Frank era narcoléptico, mas após alguns
exames vimos que era mesmo pura facilidade de dormir.

E ali, no jipe, ele dormiu, caído no meu ombro, respirando contra meu pescoço.

Respirei fundo e olhei pela janela, praguejando por razões inespecíficas, até mesmo pra mim.

“É, isso não tem nada a ver,” Ray dizia numa conversa que eu já não lembro sobre o que era.
“Ali, ali dá, hein?”

Bob nem sequer concordou antes de desviar o carro para a direita, indo parar no estacionamento
do grande posto de gasolina. Havia uma dessas lojas de conveniência atrás, uma dessas lojas
imensas que oferecem todos os serviços imagináveis e acabam com o comércio local. A pequena
loja de ferramentas do meu pai havia sido uma vítima do Wal-Mart e, desde então, eu peguei
uma antipatia extrema dessas lojas.

“Ah não, Bob, aqui não,” eu choraminguei. Acabei falando mais alto do que pretendia, essa
minha maldita voz estranha acordando Frank, que, até então, continuava dormindo - só que já
havia escorregado para meu colo. O vi abrir os olhos lentamente, e não pude desviar quando
eles encontraram os meus. “Foi mal,” eu falei pra ele, e tirei a mão que havia pousado em seu
braço.

Durante os minutos em que Frank esteve deitado, displicente, sobre minhas pernas, eu o havia
observado. Eu estava fazendo isso cada vez mais, e, mesmo que isso me assustasse, eu não
conseguia parar. Parece que toda minha pirraça de anos estava se dissipando, e o monstro que
eu me havia feito acreditar que Frank era na verdade estava se mostrando extremamente belo.
Ele podia ser o Diabo disfarçado, sim, mas era um disfarce encantador.

Ele não fez menção de levantar e eu não fiz menção de tirá-lo dali. Concentrei-me na conversa
com Bob, que perguntava por que diabos ali não era um bom lugar.

“Não gosto dessas lojas imensas,” eu confessei.

“Porra, Gerard, deixa de ser fresco, mas que merda,” Bob reclamou, realmente irritado. “Eu estou
morrendo de fome, vou comer aqui e você faz o que quiser.”

“Mas Bob...” eu tentei argumentar, mas ele já havia batido a porta do quarto e saído, nervoso. Ele
provavelmente estava cansado de dirigir.

Ray, que já estava a caminho, virou-se pra nós e gritou que me trazia um hambúrguer. Aquilo
me deixou realmente chateado. Não pelo fato de estar discutindo com Bob, mas pelo contexto.
Nós estávamos na viagem de Mikey, que era para ser perfeita. Discussões não eram parte do
plano, e naquele momento eu vi que deveria começar a evitá-las, lembrar a todos o motivo de
estarmos ali...

“Eu acho horrível a gente brigar na viagem do Mikey,” Frank falou de repente, lendo meus
pensamentos. Por alguns segundos eu havia me esquecido que ele ainda estava no meu colo.
“Era pra gente estar feliz, ele sempre dava um jeito de botar todo mundo pra cima,” disse com o
olhar perdido, sonhador. Eu sabia que ele estava vendo meu irmão. Eu também estava.

“Ele estaria se entupindo de sushi em algum lugar,” eu previ, e Frank riu. Suspiramos juntos,
perdidos na memória de Mikey, tão magrinho, tão frágil, tão compreensivo todo o tempo.

“Eu posso ver o que você estava desenhando?” Frank perguntou, olhando pra mim. Não tinha
saído do meu colo e ainda me olhava, apreensivo. “Assim, se você não quiser, tudo bem... eu sei
que você nunca gostou,” disse, desviando o olhar para algum lugar no teto do carro, “mas acho
que isso passou, não? Você ainda me odeia tanto?”

As palavras dele me chocaram. “Eu... huh...”

“Eu sinto muito se te irritava,” ele falou rapidamente, como se as palavras estivesse disputando
quem saía primeiro. “Se irrito. Não é minha intenção, de verdade, só que eu acabo sendo assim
e... eu só queria que você conversasse comigo, sabe? Por isso eu ficava em cima de você, eu
sempre babei nos seus desenhos... desculpa. Eu... eu vou embora. Foi mal.”

Antes que eu pudesse articular qualquer tipo de resposta, ele saiu do carro. Cheguei a chamá-lo
de volta, mas ele não voltou. Andou rapidamente pelo estacionamento, acendendo um cigarro e
desaparecendo atrás de uma parede.

Travei os dentes, irritado. Irritadíssimo. Frustrado, chateado, puramente puto da vida. Achei que
o que estava acontecendo era o suficiente para foder a cabeça de qualquer um.

Eu ainda não sabia o que Nova York reservava para mim.

Capítulo 4

CAPÍTULO 4

Eu estava com vontade de vomitar.

O apartamento de Frank parecia não pertencer a ele. Quer dizer; poderia parecer. Mas parecia
que quem morava ali era o meu irmão. O mesmo nível de desorganização, os pôsteres, os CD‟s,
os livros, os filmes espalhados no tapete, até os móveis gritavam „Michael‟. Não deveria ter me
surpreendido, porque, afinal de contas, eles eram melhores amigos. Mas não pude evitar o
choque.

“Fiquem a vontade. O outro quarto está vazio, podem jogar os colchões lá,” Frank disse,
entrando com suas malas. Ele havia ficado muito quieto desde o posto de gasolina, o olhar fixo
em horizontes perdidos. Deixou-nos sozinhos na sala de estar, e troquei olhares confusos com
Bob e Ray. Eles provavelmente imaginavam o que havia acontecido com Frank. Eu, embora
tivesse uma certa noção, também imaginava - só que meus pensamentos voltavam a quase dez
anos atrás.

“Gerard, coloca as malas no quarto, nós vamos pegar os colchões,” disse Bob, como sempre
tomando conta de mim. Ele desceu com Ray, os dois ainda muito sérios, e me deixaram ali.

Olhei ao meu redor. A sala era ampla - Frank morava num loft, como assim? -, porém não
possuía muitos móveis. Uma janela imensa praticamente dominava a parede, com visão para a
ponte do Brooklin. Um sofá estava encostado contra ela, branco, que parecia nunca ter sido
usado. Um tapete bege felpudo cobria a maioria do chão de tábuas corridas - tábuas corridas! -
e sobre ele havia uma mesinha de centro. E sobre a mesinha de centro, sobre o tapete, sobre o
sofá, centenas de papéis. Revistas, livros, cifras, folhas escritas, e, principalmente, fotografias.
Incontáveis fotografias, que imediatamente chamaram minha atenção.

Larguei as malas no chão e avancei pela sala fartamente iluminada, ajoelhando-me no tapete
para olhar as fotografias. E qual não foi minha surpresa ao ver o rosto de Mikey me encarando,
sorridente. Ele só sorria para fotos quando era Frank com a câmera. „Me dá o sorriso sedutor
dos Way‟, Frank costumava dizer. E Mikey sorria. Sorriu para praticamente todas as fotos que
dele ali havia - e eram muitas. Em algumas, Frank se posicionava atrás de Mikey e tirava uma
foto dos dois juntos. Em algumas delas eu me vi, ao fundo, entretido em algo totalmente
diferente ou apagado na cama, no sofá ou no chão.

Eu vi que Frank tirava muitas fotos toda vez que voltava para Jersey. Ele não foi muitas vezes,
principalmente depois que descobriu que Mikey estava doente (e isso me deixava muito
chateado). Nas vezes que ia, incomodava todo mundo com aquela maldita câmera. Porém, de
qualquer forma, ver o rosto sorridente de meu irmão não me fez bem. Fez-me pensar que toda
aquela alegria, toda a vida presente no corpo do meu irmão foi tirada injustamente. Mikey tinha
tanta vontade do mundo, tanta bondade em si, e era assim que foi recompensado: doente
terminal aos dezessete anos de idade. Se Deus existia, eu pensava, ele é um tremendo filho da
mãe se divertindo às nossas custas.

Eu passava de foto a foto, verão, inverno, sorriso aberto, gargalhada capturada, sorriso
preguiçoso, careta involuntária, até que cheguei a algo que não era uma foto. Era um papel, e ali
eu vi a letra desleixada de Frank.

“Não mexe nisso,” veio a voz grossa antes que eu pudesse ler. Frank se aproximou de mim,
juntando os papéis, nada satisfeito. “É particular.”

Eu me levantei rapidamente e murmurei uma desculpa. Senti minha cabeça girar com o
movimento repentino, minha pressão baixando rapidamente. Mas não ousei pedir ajuda a Frank;
ele juntava os papéis do chão furiosamente, o rosto virado pra baixo, a respiração pesada.

Peguei as malas e me enfiei no quarto, de onde decidi que não sairia tão cedo.

Bob entrou no quarto com um prato em mãos e uma expressão irritada no rosto. “Toma,”
grunhiu pra mim antes de me entregar o prato. Eu sabia que era uma daquelas lasanhas
vegetarianas congeladas, mas o cheiro era bom e eu estava faminto. Bob se jogou no colchão ao
meu lado, levando a mão direita às têmporas.

“Jesus, Bob, o que há de errado com você?”

“Nada, me deixa em paz.” Massageava a testa com uma força que parecia machucar. “Come e me
deixa em paz.”

“Cara, sério. Você ta com essa cara horrível o dia inteiro. A viagem nem foi tão longa,” ponderei,
achando que o único motivo para o mau-humor de Bob fosse horas ao volante. Enchi a boca de
lasanha - razoável.

“Gera--- porra, é sério. Mas que merda, me deixa em paz, pode ser?”

Arqueei as sobrancelhas, genuinamente surpreso. Embora parecesse durão, Bob sempre foi uma
pessoa tranqüila, e poucas vezes me tratara daquele jeito - só que nessas vezes, eu dei motivos.
Será que estava dando mais motivos e nem percebia? Decidir calar a boca, eu sabia estar sendo
realmente um peso esses dias. “Tudo bem, desculpa. Cristo.”

Continuei comendo a lasanha e não ousei tirar meus olhos do prato. De fato, eu não havia saído
do quarto desde que entrei. Acabei deixando tudo para os outros fazerem. Eu sabia que Ray
estava jogando vídeo game com Frank no quarto dele; eu podia ouvir os gritos de vez em
quando. Bob ficava mais tempo comigo, conversando amenidades, comentando sobre as lojas
de quadrinhos que nós poderíamos visitar. Ele me trouxe lanche, água, café, um cinzeiro, uma
toalha, mais café e agora o jantar. Talvez fosse isso; talvez ele estivesse de saco cheio de mim.
Provavelmente.

Comi a lasanha, calado, sentindo-me a pior pessoa do mundo. Eu perdi meu irmão e me tornei
um inválido, agindo como se o mundo girasse ao meu redor. Era tanto egoísmo, meu deus, eu...
Porra, eu estava com raiva de mim mesmo. Por que eu não podia simplesmente tomar atitudes,
decisões, ser útil? Dirigir o jipe eu não poderia, Bob não iria deixar. Mas eu podia fazer o resto,
eu devia estar fazendo o resto, mas havia me contentado em ficar naquela maldita fossa, de
mãos atadas. O quão ridículo eu era? Eu estava seriamente me detestando - eu estava
detestando muita coisa no momento. Pousei o prato no colo.

“Bob?”

“Hm,” ele grunhiu, a mão direita, forte e grossa, ainda sobre os olhos.
Respirei fundo - como dizer aquilo? “Eu sei que eu ando um saco. Me desculpa, sério. Vou parar
com essa merda. Eu só... sei lá. Eu vou parar, pode me dar uns tapas se precisar, eu não acredito
no quão folgado eu ando sendo.”

Ele tirou a mão do rosto e olhou pra mim. “Hey, cara. Não. Eu... eu não me importo, sério. Não é
culpa sua. Eu pareço uma garota de TPM, porra. É só...” Ele suspirou, parecendo tão frustrado
quanto eu. Ele se sentou contra os travesseiros, apoiado na parede branca. Balançou a cabeça
negativamente, mãos caídas sobre as pernas cruzadas.

Ali eu vi, o antigo Bob, meu amigo Bob. E ele estava angustiado, eu sabia que sim, e acabei
criando coragem para ir sentar-me ao lado dele. Eu não disse nada, apenas fiquei ali, em
silêncio, mostrando a ele que eu estava disposto a, finalmente, ouvir problemas que não fossem
os meus próprios. Levou mais de um minuto antes que ele começasse a falar.

“É só. Não sei, acho que minha ficha não tinha caído. Isso é tudo muito estranho, e é tão... ugh.”
Ele ajeitou o cabelo atrás da orelha. “Quer dizer... o Mikey morreu, cara.”

Acho que essa foi a primeira vez que um de nós pronunciou a frase, as exatas palavras, sem
floreios ou eufemismos. O choque pra mim havia sido imediato, mas, aparentemente, foi
diferente para Bob. “É.”

“Eu... cara, eu acho que eu não tinha me tocado, era tudo, sei lá, surreal. Porque sério,
anos, anos com ele, e eu acho que não tinha caído minha ficha... mas eu estou sentindo falta
dele, e... ele não está aqui, e não vai estar, e isso é só tão estranho.” Bob falava rápido, as
palavras se atropelando, finalmente saindo após serem reprimidas por dias. “Eu não consigo me
conformar que ele não vai voltar. O Mikey, cara. Maldito Mikey, porra. Eu não devia estar falando
isso, ainda mais com você, mas eu não agüento isso mais, ele... merda,” ele praguejou uma
última vez. Vi seus lábios, já cheios, parecerem ainda maiores ao que ele os curvou num bico.
Bob estava chorando. Épico. Tristemente épico.

“É, eu sei,” murmurei, encostando no ombro de Bob. Ele me acolheu com um braço.

“Isso é muito fodidamente ridículo. Eu nem sei o que pensar, Gerard, eu só. Porra. Como isso foi
acontecer? E a última vez que eu falei com ele eu fiquei reclamando por causa daquele CD idiota.
Cara, eu to me lixando praquele CD, foda-se, eu só queria ele aqui, eu queria pedir desculpas.
Eu queria dizer a ele que eu sinto a falta dele. Ele era como meu irmão também, eu...”

Deixamos a frase morrer e, embora Bob estivesse me segurando, era ele quem estava finalmente
quebrando. Não desmoronou como eu, mas ele estava soltando toda a frustração que o vinha
consumindo pelas últimas semanas.

Ray e Frank apareceram à porta, vindo avisar Bob que era a vez dele no videogame. Vi o sorriso
de ambos desvanecer ao notar o que estava acontecendo. Imaginei que eles fossem perguntar o
que havia de errado, ou que Frank faria alguma piada idiota, ou as duas coisas. Mas eles não
falaram nada. Apenas vieram em nossa direção e sentaram-se conosco. Ray ao meu lado, Frank
junto a Bob. Ficamos os quatro ali, amontoados, silenciosos, apoiando um ao outro numa
declaração muda de „vai ficar tudo bem‟. O quinto membro do grupo não estava mais ali, mas
nós conseguiríamos superar isso, mais cedo ou mais tarde, com a ajuda um do outro.

Família. Éramos uma família. Como toda família, não éramos perfeitos, nossa convivência tinha
desavenças e irritávamos um ao outro com todos os recursos disponíveis. Mas nunca nos
abandonaríamos. Nunca estaríamos sozinhos.

Mikey ficaria orgulhoso.

Já era fim de tarde quando nós chegamos a Coney Island. Era bem perto da casa de Frank, e nós
havíamos passado o dia perambulando pela cidade, fazendo compras e outras coisas dignas dos
nerds que somos.

Coney Island era exatamente como eu me lembrava. Pelo menos a parte em que eu estava, a que
costumava freqüentar. O carrinho de cachorro-quente com a marquise listrada de vermelho e
branco; a areia suja da praia, morna, amarelada sob o pôr-do-sol. E os balanços.

Mikey e eu sempre brincávamos naqueles balanços. Disputávamos quem ia mais alto, e sempre
acabávamos gritando desesperados, morrendo de medo de cair, gargalhando incontrolavelmente
ao que nossas mãos tremiam e nossos corações batiam, acelerados. Agora, eu tinha o que um
dia foi o coração de Mikey em mãos, na urna cheia de cinzas.

Meus amigos foram até o carrinho de sanduíches. Eu fiquei sentado num dos balanços,
segurando a urna e indo pra frente, pra trás. O horizonte estava escurecendo, a linha do mar já
negra, clareando ao que avançava para oeste. O clima entre eu e o pessoal esteve melhor
durante o dia. Parece que o desabafo do dia anterior havia ajudado a todos nós, e eu estava
deixando de ser uma viúva insuportável e voltando a ser o antigo Gerard insuportável.

E falando em viúva, foi exatamente uma que me apareceu.

Eu estava com a cabeça longe quando um vulto se aproximou e sentou-se no balanço ao meu
lado. Eu não olhei para ela a princípio. Continuei olhando para o horizonte naquela maneira
ridícula, deprimida, irritante. Mas ela falou comigo.

“Quem foi?” Ela perguntou. Foi ali que eu me virei para vê-la. Uma senhora, já bem idosa, vestida
com roupas espalhafatosas. Ela tinha uma camisa de abotoar estampada em um padrão
detestável, porém alegre; calças de tecido fino, verde; vários cachecóis finos no pescoço e
pulseiras de miçangas dos mais diversos tons. Seu cabelo, no entanto, era praticamente todo
branco, algumas mechas mais acinzentadas - cinzas como seus olhos. E embora a pele de seu
rosto tivesse sido afinada e enrugada pelos anos, eu soube imediatamente que ela já fora uma
belíssima jovem.
“Quem foi o quê?” Eu perguntei de volta, tentando não analisá-la de maneira muito óbvia.

Ela sorriu e olhou para a urna em minhas mãos. “Esse aí.”

“Ah.” Notei que os olhos dela brilhavam, refletiam qualquer projeto de brilho que havia ao nosso
redor. Eram olhos imensos, quase infantis, descabidos a uma mulher já idosa. “Meu irmão. Meu
irmão caçula.”

“Sssst,” ela sibilou. “Difícil.”

“É.” A vi dobrar as mangas da camisa até os cotovelos. Os braços dela eram pontilhados com
aquelas manchinhas que adquirimos com a idade, as pulseiras rolando por eles. “A... a senhora
também---”

“Marido,” ela completou antes que eu terminasse. “Há exatos quarenta e três anos hoje.”

“Oh.” Eu estava prestes a dar-lhe os pêsames quando ela começou a se balançar no brinquedo,
um sorriso no rosto. Ela não parecia triste. Não mesmo. “Posso... perguntar como foi?”

“Oh, sim,” ela respondeu com a natural disposição das pessoas mais velhas de contar histórias.
“Meu marido era negro. Ah, como era lindo... Éramos casados há um ano e sete meses, eu estava
grávida há três. Estávamos bem aqui, fazendo um piquenique à noite, quando dois jovens nos
atacaram.”

Senti meu corpo congelar.

“Eles não quiseram me matar, porque sou branca. Apenas nosso filho. E ele. Estávamos na época
de Luther King, entende? Mas já é passado.”

Ela contou como se não fosse nada, balançando, tranqüila. Eu não entendia. Como ela podia
lidar com aquilo daquela forma? Voltar ao lugar do acontecido, aquela coisa horrível e
traumática, e ficar ali, balançando, sorrindo? A vida de um marido e um filho sendo tirada
abruptamente, de forma injusta e violenta, como? “Mas... a senhora, a senhora não...”

“Ah, por um tempo, sim,” ela respondeu, novamente antes de eu terminar. “Mas sabe de uma
coisa?” Ela parou de balançar. Parou ao meu lado e me encarou com olhos ternos. “Eu converso
com ele todos os dias. Eu o amo todos os dias. Ele era uma pessoa boa, então eu tento ser uma
pessoa boa para que quando seja a minha hora, eu vá para o mesmo lugar onde ele está. Joseph
dizia que eu tinha um sorriso belíssimo. Pois vou sorrir bastante, e em cada sorriso nós
estaremos juntos, até que possamos nos encontrar novamente. O corpo dele se foi, mas isso
não significa nada. É só saudade. Eu aprendi a lidar com ela; você também irá.”

Ela voltou a se balançar.

Eu fiquei parado por mais algum tempo, absorvendo tudo aquilo, aplicando a mim mesmo. É
realmente incrível como pessoas desconhecidas podem afetar sua vida, e foi isso que aquela
senhora fez. Afetou-me.

Eu coloquei a urna na areia, encostada no poste de apoio dos balanços onde costumava brincar
com Mikey. Segurei as correntes com força e encarei o mar calmo: eu havia passado por uma
certa tempestade, mas eu queria que a calmaria viesse logo. Aos poucos, mas viesse.

Juntei-me à minha amiga, comecei a me balançar. Mais e mais forte, mais e mais alto... o vento
bateu no meu rosto e eu realizei: eu estava vivo, eu estava bem ali. Meu irmão estaria sempre
comigo. No meu sangue, na minha memória. Eu gostava de acreditar que ele estava ali, me
assistindo, ao meu lado, no balanço, rindo, Mikey, Mikey frágil, Mikey bom, Mikey forte,
balançando, se divertindo, comigo, sempre comigo.

Frank tirou uma foto daquele momento. Há um sorriso no meu rosto - imenso e sincero, o
primeiro em semanas.

“A gente tem que passar na casa da sua mãe, cara,” dizia Ray, a voz preguiçosa. “Eu preciso
mesmo de comida decente antes da Flórida.”

“Nada como comida de casa,” Bob completou. Estávamos todos jogados na sala; eu e Bob no
sofá, Frank e Ray no tapete.

“Cala a boca, Bob, você é de Chicago, terra do Mcdonalds,” Frank disse, fazendo todos nós rir.
Bob jogou uma almofada nele, arrancando uma risada especialmente guinchada de Frank.

“Eu passo mais tempo em Jersey do que você, idiota,” Bob ralhou, fingindo ira. “E eu preciso de
uma comidadecente.”

“Hey, Bryar, essa é minha casa, se você quiser comer carne, vai ciscar em outro lugar,” Frank
falou, novamente sendo atingido por uma almofada.

“Eu vou procurar uma churrascaria. Alguém vem comigo?”

Por fim, Ray e Bob saíram para comer suas apreciadíssimas comidas de macho. Eu fiquei no
mesmo lugar de antes, no sofá, desenhando; Frank no chão, escrevendo em seu caderno.

Me concentrei no que estava fazendo; um tipo de zumbi de vestido, garras afiadas, talvez com
super-poderes?, quando ouvi um clique. Olhei para Frank: ele tinha a câmera em mãos.

“Frank, qual é, pára com essa merda.”


“Calma, foi só uma foto. Ficou boa,” ele declarou, na defensiva, levantando-se para ir colocar a
câmera na pequena estante no canto da sala.

“Eu não gosto disso, já falei.” - Eu realmente detestava estar em qualquer tipo de fotografia.

“Quando eu ia na sua casa eu tirava fotos o tempo todo e você não era chato assim.” Ele se virou
pra mim, mãos nos quadris, me desafiando. Atrevido!

Dei de ombros, o cinismo me dominando num milésimo de segundo. “Você quase nunca
aparecia mesmo.”

Senti, mesmo que não olhasse de volta, que Frank estava me encarando. “Eu fui quando eu
pude,” ele disse de forma rude, sua voz grossa um pouco mais alta do que o normal. “Você é
que não deve ter notado, bêbado como estava.”

Larguei o pincel, olhei para ele. “Eu acho que te ouvi mal.”

Ele balançou a cabeça e me deu as costas. “Esquece, Gerard. Deixa isso pra lá.”

“Não, Frank, não vamos deixar isso pra lá.” Larguei o caderno no sofá e me levantei. “Se eu bebia
é porque eu tinha motivos, e não é como se você fosse santo também, não é verdade?”

Ele se virou de volta pra mim. “E o que foi que eu fiz, huh? Me diz, Gerard, ó poderoso deus da
Razão!”

“Você mal foi visitar meu irmão quando ele ficou doente!” Eu acusei, já gritando. “Mikey sentia
sua falta todos os dias e você não estava se lixando pra ele, muito ocupado com sua vidinha
imbecil em Nova York!”

“Cala a boca, seu babaca, você não sabe de nada!” Ele gritou de volta, aproximando-se de mim.
Ele, sempre tão pequeno, parecia imenso com a ira que o dominava. “Você lava essa sua boca
suja antes de falar qualquer coisa do que eu sentia pelo Mikey!”

“Ah, Frank, se você desse a mínima pra ele, você teria estado lá quando ele morreu, mas não,
você provavelmente estava em alguma boate idiota sendo chupado enquanto meu irmão
vomitava sangue e chamava por você!”

Eu nem vi a mão de Frank sendo arremessada contra meu rosto: apenas senti. Minha bochecha
esquerda latejou e eu mantive os olhos fechados, a dor se espalhando pela minha cabeça e pela
minha alma.

“Você não sabe de nada! Nada!” Ele berrou antes de sair ventando do próprio apartamento, e eu
ouvi a porta bater antes de me jogar no sofá.

Maldito Frank.
*

Acho que já havia quase uma hora desde que Frank saíra da própria casa. Eu tinha ficado no
sofá, remoendo o acontecido, tentando entender o que diabos foi aquilo. Eu sentia que havia um
imenso mal-entendido entre nós. Sabe, aquela sensação de que você esqueceu de falar alguma
coisa ou esqueceu de colocar algo na mala? Tudo parece não funcionar do jeito que deveria por
causa daquele detalhezinho, e você pensa, pensa, pensa, mas não consegue realizar o que
diabos está faltando. Até que a solução aparece bem defronte a seus olhos.

Foi com a visão turva que eu reparei o caderno de Frank jogado no chão. Não realmente pensei
ao praticamente me jogar na direção do objeto, mas foi isso que eu fiz. E com avidez eu comecei
a ler, mas as informações eram tantas e tão fortes que eu não conseguia computar. Não tenho
uma memória exata da ordem das informações, mas em alguns trechos, eu aprendi
muita, muita coisa.

„Ele fica tão bonito desenhando. Se enfia naquilo ali e vai longe, criando coisas tão incríveis. Eu
queria que ele me deixasse ler.‟

Mais pra trás, por entre outras informações.

„Eu queria encher essa folha de palavrões, mas eu estou com muito sono. Chorar sempre me
deixa com tanto sono, e eu estou precisando dormir, não durmo bem há tanto tempo. Mas eu
sinto tanta falta dele. Eu não me conformo que ele partiu. É a maior idiotice do mundo.‟

Mais pra trás.

„Hoje cheguei em Jersey. De jeito nenhum nessa porra de vida que eu quero botar os olhos
naquele caixão. Eu não agüento. Minha cabeça ainda está com um galo gigante por causa do
meu desmaio estúpido. Que vontade de morrer junto.

Mas eu vi Gerard. Quis abraçá-lo, mas ele não ia querer. Ele tem os olhos mais lindos que eu já
vi.‟

Outro.

„Vou pra Jersey amanhã. Eu ia hoje, que porra eu ia semana passada, mas ele não ia querer.
Frank, fica quieto. QUIETO. Mikey pediu pra você não ir, pediu pra você não ver. É, grande merda
Mikey, respeitei seu maldito desejo, não te vejo há três semanas e agora você morreu. Valeu.

Eu sinto tanta, tanta falta de ligar pra ele todas as manhãs. Puta mundo retardado da porra. Meu
melhor amigo. Meu irmão, caralho. Meu Mikey.‟

Foi por entre esse tipo de coisa que a porta se abriu e Frank entrou. Olhei para ele: tinha o rosto
tumefacto. E quando viu que eu estava lendo seu diário...

“O que porras você acha que está fazendo, Gerard?!” Ele berrou, avançando em minha direção e
tomando o caderno de minhas mãos. Eu tentei me defender do ataque ainda não vindo, e só
então notei que chorava.

“Eu li, Frank, não precisa mais esconder!” Eu gritei, estúpido. Ele jogou o caderno em algum
lugar da sala, seu rosto contorcido em horror, e veio pra cima de mim, me empurrando.

“Você não tinha o direito de ler aquilo!” Ele tentava me acertar, me empurrar, me ferir de
qualquer forma possível. “É particular, seu maldito, você mesmo me mandou escrever, você não
tem o direito de mexer nas minhas coisas!”

“Frank! Frank!” Eu tentava segurar os braços dele, mas ele se debatia horrivelmente. “Frank, me
desculpa, Fr---”

“Você não tinha o direito!” Ele continuava gritando, outra e outra vez, socando meu peito.

Eu finalmente consegui segurar os pulsos dele e o pressionar contra a parede, dolorido pelas
pancadas que levei. “Frank, Frank, está tudo bem, hey...”

“Você não devia ter lido,” ele repetiu, soluços começando a balançar seu corpo agora lânguido.
Ele fechou as mãos, presas entre meu peito e o dele, e deixou-se levar pelo pranto que insistia
em dominá-lo. Ele parou de lutar completamente e encostou a testa no meu peito. Chorava; sua
alma era toda sofrimento, seu corpo era todo meu.

“Shh, está tudo bem. Eu entendi, Frank, me desculpa; vai ficar tudo bem...” Eu sussurrava pra
ele, sei lá por que, sei lá como. Quem nos visse, até pensaria que eu tinha o controle da
situação. Mas a verdade é que eu não coordenava minhas ações, apenas agia. Força vinda num
momento crítico, controlando os danos, mantendo a calma durante o pânico: coisa que Mikey
sempre teve capacidade de fazer, não eu. Abracei Frank por algum tempo, e, quando senti as
lágrimas dele atravessarem minha camisa, tomei seu rosto em minhas mãos e o olhei.

A pele dele estava avermelhada e sensível, inchada ao redor dos olhos. Estes, por sua vez,
pareciam ainda mais claros, inundados, trêmulos, transbordando dor. As bochechas muito
coradas - tão coradas quanto os lábios intumescidos, úmidos pelas lágrimas, pulsantes,
dispostos. Toquei seus cabelos castanhos; os tirei do meu caminho e voltei a segurar a face
quente com minhas mãos frias.

Não sei bem o que eu estava pensando quando pousei meus lábios na bochecha molhada dele.
Acho que eu queria ver como ia aquela pele doce, se realmente estaria salgada - e estava. Ele,
de repente, parou de soluçar e ficou imóvel em minhas mãos. Vi seus grandes olhos me
encararem com receio - ou expectativa, não sei bem -, e suas pálpebras se abaixaram
lentamente, assim como as minhas, quando juntei nossas bocas para provar a dele.

Frank, Frank doce, esplêndido e ensolarado junto a mim. Senti a textura ridiculamente macia
daqueles lábios, tão atraentes, o mais puro deleite. Todas as outras coisas escaparam da minha
mente e concentrei-me naquela ação, deslizando minhas mãos pelo pescoço quente dele ao que
ratificava para mim mesmo que aquilo estava, de fato, acontecendo.

Senti as palmas dele pousarem na base das minhas costas, trazendo-me para mais perto,
nossos corpos em contato. Frank emanava um calor que parecia impossível, tão confortável, tão
desejável. Deixei a mão direita cair e envolvi seus ombros, a esquerda ainda entrelaçada em seu
cabelo, provando cada espaço possível da boca doce dele. Frank, Frank, Frank. Pequeno doce
Frank.

Frank, o Frank de meu irmão, que meu irmão amava, meu irmão morto, melhores amigos, Frank
de boné na minha cama, Frank que eu machuquei por anos, Frank que eu detestava, Frank que
eu admirava.

Aos poucos o raciocínio foi voltando a mim. O que eu estava fazendo ali mesmo? Eu estava... o
que diabos. Quebrei nosso contato aos poucos; afastei o corpo do dele. Ambos tínhamos os
olhos arregalados.

“Eu...” gaguejei, tentando formular uma desculpa para minhas ações estranhas. Ele olhava pra
mim daquele jeito infantil, como se estivesse prestes a levar uma bronca, ansioso. Quando eu
finalmente articulei algo para dizer, ouvi a porta se abrindo. De alguma forma, em uma fração
de segundo eu estava sentado no sofá, caderno em mãos.

“E aí,” saudou Bob, sorridente. “Não se mataram? Está tudo bem?”

“Uhum ta sim tudo bem,” respondi rapidamente, olhando para Frank pelo canto do olho. Ele
encarava o chão. Sorriu brandamente antes de ir para o seu quarto sem dizer uma palavra.

Capítulo 5

CAPÍTULO 5

O sol brilhava fortemente naquela tarde. O tempo estava quente - horrivelmente quente, se me
perguntar. Fujo do sol igual fujo de chuva. Para minha felicidade, o jipe de Bob possuía ar
condicionado e janelas com um filme escuro (tão escuro que não era possível ver o interior do
carro com as janelas fechadas). Mikey havia zombado desses aspectos do carro também. Eu
estava adorando-os.

Bob e Ray estavam animadíssimos de estarmos voltando a Jersey. Ray ficava falando sobre como
estava cansado de andar e dormir com três homens. Queria Krista, e queria logo. Balançava o pé
incessantemente, tamborilando na porta do jipe, sua voz afinada constantemente no ar ao que
ele conversava com Bob - que estava igualmente animado para ver Katlyn. Ele não admitia; nem
sequer admitia que o relacionamento deles era sério. Ele mal a mencionava. Mas eu estava
acostumado com ele, e aquele sorriso permanente em seus lábios cheios mostravam a
ansiedade alegre que o dominava.

Eu entrava na conversa de vez em quando. Porém, na maior parte do tempo, minha atenção
ficava - mesmo que de forma disfarçada - presa no pequeno jogado ao meu lado.

Frank era a criatura mais cara de pau que eu já conheci. Ele estava de lado no banco, as costas
encostadas na porta do jipe. E ele me encarava. Olhava pra mim praticamente o tempo todo,
calado, um sorriso esquisito em seu rosto. Na maior parte do tempo, eu fingia que não estava
vendo. Mas eu sentia. Sentia os olhos dele presos em mim, fixados em algo que eu não
conseguia apontar, sempre ali, sem se mover, encarando, encarando. Eu estava constantemente
corado - felizmente, podia fingir que era o sol forte do verão -, e às vezes algo acontecia e eu
sentia uma corrente gelada revirar meu estômago.

Quando eu olhava de volta pra ele e perguntava o que diabos ele estava olhando, ele arqueava
as sobrancelhas, sorria mais largamente, dizia „Nada‟ e olhava pra outro lado. Das primeiras
vezes, eu pensei que era coisa da minha cabeça. Como se alguma parte fodida do meu cérebro
estivesse fazendo com que eu achasse que Frank estava me olhando porque era o que eu queria.
Mas não era viagem minha: ele estava olhando. Eu me sentia cada vez mais inquieto, até que,
por fim, me curvei para o lado dele.

“Dá pra parar com isso?” Sibilei por entre dentes, tentando fazer com que meus animados
amigos do banco da frente não me ouvissem.

Frank franziu a testa, parecendo confuso. “Gerard, tem alguma coisa diferente na sua cara,” ele
disse no mesmo tom baixo. Fui pego de surpresa. Toquei meu rosto, perguntei o que era. “Ah,
já sei,” ele disse enfaticamente. “É sua boca. Eu a beijei,” declarou tranqüilamente, superior,
mirando-me com aqueles olhos brincalhões.

Senti meu rosto queimar. Me encolhi no canto oposto do jipe e fingi que estava dormindo pelo
resto do caminho.

Nós chegamos em Jersey já no comecinho da noite. Bob me deixaria em casa primeiro - Frank
iria dormir lá também. Depois Ray, e finalmente iria para sua própria casa. Quando
estacionamos em frente ao buraco onde eu morava, minha mãe já estava na calçada, mãos
postas, esperando ansiosamente.

Eu pensei que ela ficaria no nosso pé o tempo todo. Porém, assim que ela se certificou de que
estávamos todos inteiros, quis ver aquele que não estava. Tomou a urna das minhas mãos e
desapareceu dentro da casa - eu não a vi mais aquela noite.

Ray e Bob nos ajudaram a levar as malas até meu quarto - meu e de Mikey, a minha cama e a
cama de Mikey, a cama de Mikey onde Frank iria dormir. Meus amigos desapareceram em
questão de minutos, ansiosos para encontrarem suas queridas.

Entrar naquele quarto ainda era um martírio pra mim. Eu estava tão acostumado a sempre
ganhar uma almofadada no rosto toda vez que entrava. Praticamente toda vez, literalmente,
porque nos últimos meses Mikey ficava na cama o dia todo. E eu contava para ele todas as
minhas idéias do dia - não exatamente as novidades, porque minha vida não era lá
movimentada. Nós conversávamos sobre quadrinhos com freqüência. Ele tinha ótimas idéias de
enredo, e ficava assistindo, animadíssimo, quando eu colocava nossas idéias no papel. Às vezes,
no entanto, ele estava dormindo, fosse por sono natural ou induzido por remédios. Agora ele
dormia - nunca mais iria acordar.

“Eu não sei se eu quero dormir aqui,” Frank disse de repente. Eu estava desfazendo minha mala,
sobre minha cama, separando o que precisava lavar. A mala fedia. Eu também.

“Por que não?” Perguntei, sem olhar para ele. Tinha medo do que pudesse acontecer se eu
olhasse. Mexi em alguma coisa naquela mala que realmente parecia estar apodrecendo - como
eu consigo isso em uma semana?

“E você ainda pergunta? Não sei, é... estranho.”

Dei meia volta, finalmente olhando para Frank. Ele estava parado ao lado da cama, as mãos nos
bolsos, o rosto angustiado. “Ah, Frank... não é estranho... você já dormiu aí antes.” Ele já tinha
dormido ali, de fato. Com Mikey. Só dormiram (se fizeram algo além de dormir, eu certamente
não escutei). Acordaram um sobre o outro e, na época, achei estranhíssimo.

“Mas Gerard! Até... até os lençóis, ali, os mesmos, eu... não sei, parece errado.” Ele segurava o
braço esquerdo e retorcia as pernas - mais um de seus aspectos infantis.

Acho que bufei, frustrado. “Não tem nada de mais,” eu falei. Avancei alguns passos e sentei-me
na cama do meu irmão. Era... “Okay, é estranho.”

Era realmente esquisitíssimo. Meu irmão havia virado pó - pó!, Mikey, pó, inconcebível -, mas a
cama dele ainda estava ali. Todas as coisas dele, os remédios, as revistas, os livros, os discos, as
roupas - Deus, as roupas! -, tudo ali, gritando que não pertenciam a mim ou a Frank, eram de
Mikey, não nossas. Era muito estranho.

“Se você deitar eu deito,” Frank falou de repente. Olhei pra ele. “Eu não vou te atacar, Gerard,
não aqui,definitivamente não aqui.”

Respirei fundo. Por um lado, eu não tinha que ficar ajudando Frank a superar seus problemas.
Pelo outro, aquele também era um problema meu. Era eu que teria que entrar naquele quarto
todos os dias e conviver com aquilo tudo. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde eu ia me
acostumar, e decidi que deitar ali, naquele momento, era parte importante do processo.

Acabei deitando. Lentamente, desci a cabeça até o travesseiro, imediatamente sentindo o cheiro
do shampoo infantil que Mikey usava nos cabelos claros e finos. Pousei os pés descalços sobre
os lençóis. Tinha o que, vinte dias? Eu deitara ali com meu irmão, como sempre, assistindo a um
filme.

“E aí?” Frank perguntou, inclinando-se sobre mim, como que para avaliar meu rosto melhor.
Aquela expressão maliciosa que ele sustentara durante a viagem havia há muito se dissipado.

“Acho que tudo bem,” respondi, quase num murmúrio.

Ficamos parados por quase um minuto. Eu deitado, mãos sobre a barriga, esperando algo
acontecer. Frank de pé ao lado da cama, mãos nos bolsos, olhando pra mim. “Okay então,” ele
disse antes de passar por cima de mim e deitar-se ao meu lado. Tentei ignorar seu peito
pressionando-se contra o meu ao que ele passava - acho que até prendi a respiração.

“E aí?” Foi minha vez de perguntar.

“Hmm.” Ele se virou de lado, para mim, e senti meu corpo inteiro congelar. Mas ele não me
tocou. Apenas afundou o rosto no travesseiro. “É o... cheira isso, Gerard.”

“Já senti.”

Continuamos quietos; eu de barriga pra cima, Frank deitado de lado. Estávamos ambos na cama
do meu irmão. E isso não era nem de longe o pior. Eu estava tendo pensamentos inadequados;
realmente inadequados.

Eu não podia evitar. Eu havia, diversas vezes, me perdido na minha mente nos últimos dias. Até
mesmo durante a missa do funeral, quando o padre me pediu para dizer algumas palavras, foi
necessário meu pai me cutucar com o cotovelo para que eu voltasse a mim. Era Mikey, o tempo
todo, em minha mente. Porém, para minha pura vergonhosa derrota, foi Frank quem conseguiu
acabar com essa soberania.

Eu não podia deixar de pensar no corpo dele ao lado do meu. Frank, que amara meu irmão
talvez tanto quanto eu, que sofreu imensamente como eu - ele, por estar longe; eu, por estar
perto. Frank, que sempre gostara de mim enquanto eu o repelia incessantemente. Frank, que era
tão bonito, perdendo tempo pensando em um imbecil como eu. Ele respirava fundo e devagar,
como se saboreasse cada pedacinho do ar. Eu podia sentir levíssimas vibrações vindas de seu
corpo (ou talvez as imaginei, nunca saberemos), ondas de calor saindo da pele dourada dele e
atingindo a minha própria. E qual não foi minha surpresa quando a cabeça de Frank se arrastou
até meu ombro, e ele se acomodou todo contra mim. A mão no meu peito, a cabeça em meu
ombro - eu podia sentir o odor doce de seus cabelos. Meu coração acelerou, bem debaixo da
mão dele, e senti meu rosto arder. Será que eu deveria tirar a mão dele dali? E colocar... Gerard,
pelo amor de Deus.

“Vocês tem praticamente o mesmo cheiro,” ele murmurou, como se não fosse nada.
“Praticamente, não exatamente.”

“Ah é,” eu disse com a voz falha, a respiração entrecortada. “Qual a diferença?”

Frank virou a frente do rosto contra meu peito. Pude sentir a respiração dele atravessar o tecido
surrado da minha camiseta velha - alguém, por favor, me ajude. “Não sei... é parecido, mas... ele
tem cheiro de irmão. Você... não sei, é diferente. Sabe como todas as pessoas de uma casa tem
um cheiro parecido, mas na verdade são diferentes?”

“Hmm, sei.” Não sabia nada. Aliás, não sabia o que responder. Mal computava. Nunca imaginei
que isso aconteceria comigo, não era proposital, não mesmo! Era Frank. Maldito Frank, como
sempre pentelhando, inconveniente.

“Acho que é de morar no mesmo porão e usar o mesmo sabão em pó e mesmo sabonete e
fumar os mesmos cigarros...” ele divagou, voltando a pressionar a bochecha contra mim. “Vai
ver que eu vejo vocês de forma diferente, não sei. Não é a mesma coisa.”

“Hm. É, faz sentido.” Fazia mesmo. Na casa do meu ex-namorado, todo mundo tinha o mesmo
cheiro. Menos ele. Ele meio que fedia, na maior parte do tempo. Eu também. Mas isso é passado.

“Tudo bem, eu durmo aqui,” Frank falou, sentando-se e saindo de cima do meu peito. Respirei,
aliviado. “E, uh, Gerard?”

“Hm?” Murmurei pela enésima irritante vez. Frank estava sorrindo. Passou uma perna por cima
de mim e a apoiou do outro lado do meu corpo, assim como uma mão. Estava sobre mim, só
não me tocando - e devo admitir: eu queria que ele tocasse. Eu sei! Patético.

Frank aproximou o rosto do meu; parei de respirar. “Seu coração está batendo tão rápido e tão
alto que quase machucou meu rosto,” ele sussurrou, saindo de mim, da cama e do quarto.

Mentalmente, eu o chamei de nomes que não sabia sequer conhecer. Maldito Frank, maldito
seja, olha a situação que ele provoca.

Saí da cama de Mikey o mais rápido que pude, minhas pernas fracas não ajudando muito. Abri a
janela, sentindo-me extremamente aliviado quando o ar frio bateu no meu rosto. Eu estava
queimando. Em mais de um sentido.

*
É realmente impressionante o que uma boa noite de, hm, brincadeiras, pode fazer com alguém.

Bob e Ray apareceram para o café da manhã. Às dez e meia, mas isso era comum para nós. Eu
havia dormido até bem, para minha surpresa. A princípio, a presença de Frank no quarto
mostrou-se difícil de ser ignorada, mesmo que ele tenha ficado lendo quadrinhos, calado, e ter
apenas me dado um rápido boa-noite antes de dormir. Mas quando eu peguei no sono, dormi
profundamente até minha mãe nos acordar. Bob e Ray, no entanto... não sei se eles dormiram
muito. Não que estivessem reclamando.

Ray, em primeiro lugar, estava com o cabelo hidratado e a pele bem-cuidada. Isso significava
banho de banheira, significava Krista, significava passarem bastante tempo juntos. E eu estava
certo de que cuidar da beleza não foi a única coisa que eles fizeram. Ray estava parecendo ainda
maior, mais forte, alegre, os lábios grossos constantemente puxados num sorriso. Até a postura
dele estava melhor. A postura de um homem feliz, realizado, amado (o quão gay eu sou?).

Bob, por sua vez, estava falante. Bob geralmente não é falante. Não que seja super calado, mas
geralmente ele não fica comentando sobre como estão bonitas as maçãs que minha mãe
comprou - são argentinas? Lá não é verão, como estão tão bonitas essas maçãs? Ah, lá é um
país tão bom, sempre quis visitá-lo, quem sabe um dia, Gerard, você anima? E outra: em pleno
verão, ele usava camisa de gola alta. A manhã mal havia começado e eu já estava suando, sendo
que usava somente pijamas surrados. Por que Bob usava aquilo? Certamente pelas marcas
arroxeadas em seu pescoço, impossíveis de esconder, assim como o brilho em seus olhos azuis.

“Estou feliz de ver que vocês não se mataram,” meu amigo loiro declarou, naquela alegria
apaixonada. “Dormiram juntos e estão inteiros!”

“Juntos não,” eu adicionei rapidamente. “No mesmo quarto.”

Ray riu. “Calma, Gerard, acho que ele não quis dizer dessa forma,” explicou, e Bob concordou.
“Não sei pra quê tanta cisma... você está querendo isso, por um acaso?”

“Não!” Eu praticamente gritei, fazendo meus três acompanhantes rirem. “Eu - não, calem a
boca,” pedi, enfiando uma grande colherada de cereal na boca.

“Ah, admite, Rardy,” começou Frank. Já olhei para ele com ódio - eu sabia que ele ia começar a
ser um idiota. Hoje ele não estava triste como todas as manhãs - nas quais agora, eu sabia, ele
sentia falta de ligar para Mikey assim que acordava. Ele estava alegrinho até demais. “Você quer.
Eu sei que você ficou me assistindo enquanto eu dormia.”

Eu fiquei. “Não fiquei não, deixa de ser imbecil,” retruquei, enchendo a boca novamente o mais
rápido possível. Podia sentir Bob e Ray me encarando, aquelas expressões maliciosas presentes,
rindo. Rezei para que não ficasse corado demais.

“Admite, Gerard, você quer meus lábios em você,” Frank continuou. “Bem assim,” ele disse, e eu
olhei para ele. Frank pegou a colher que tinha em mãos e a levou à altura do rosto. Fechou os
olhos e abriu a boca, esticando a língua e lambendo toda a extensão da colher, fechando seus
lábios vermelhos contra ela no fim. Santíssimo senhor Jesus, faça-o parar. Cruzei as pernas
fortemente.

“Pára de idiotice, seu anão imbecil.” Tentador, ridiculamente tentador.

“Deixem a pobre moça em paz,” Bob interferiu. Eu estava prestes a ignorar o „moça‟ e agradecê-
lo, quando ele adicionou: “Ele tem vergonha de admitir que está de paixonite.”

Lancei a ele o olhar mais fuzilante que pude. Travei os dentes, uma estranha vontade de socar
Bob (e uma familiar de socar Frank) me dominando. “Vocês são uns retardados,” eu cuspi a ele,
levantando-me da mesa e saindo da cozinha. Pude ouvi-los zombar de mim, imitando lobos e
dando risadinhas. A risada de Frank se destacou.

Bati a porta do banheiro com força. Abri a torneira imediatamente, mas por um tempo, fiquei
apenas com as mãos apoiadas na pia, olhando meu reflexo no espelho. Corado, descabelado,
nervoso. Pra que ele tinha que me provocar daquele jeito? Na frente dos meus amigos! Por
alguma razão, eu me negava a admitir para mim mesmo que estava atraído por Frank. Mesmo
que ele fosse irritante (para dizer o mínimo), ele era tão, tão tentador. O que Mikey diria disso?
Provavelmente iria rir da minha cara e dizer que já sabia.

“Mikey, se você está vendo isso, peça pra ele parar,” sussurrei, encarando a água que escorria
pela porcelana branca. Porcelana na qual, provavelmente, Frank se apoiava quando gozou ali, no
dia do funeral do meu irmão. Estranhamente, minha mente não se zangou com o fato: peguei-
me imaginando o rosto e os sons que ele fazia no momento. “Merda. Merda, pura merda,”
sibilei, furioso com meus amigos e comigo mesmo. Molhei a mão direita e a passei pelo rosto;
molhei de novo e coloquei contra minha nuca.

“Gerard!” Veio a voz de Frank contra a porta, na qual ele bateu algumas vezes. “Não é hora de
brincar sozinho pensando em mim, nós temos que ir!”

Ugh, Frank.

Após alguns vários minutos de deliberação, decidimos subir em algum prédio bem alto e jogar
Mikey de lá (isso soa estranhíssimo, eu sei). Mikey adorava toda Jersey, apesar da parte ruim. Eu
não podia escolher um só lugar pra ele estar, então decidi que um lugar alto com bastante vento
seria o ideal.

O prédio mais alto de Jersey ficava na própria cidade de Jersey. Era um prédio imenso,
assustador, cheio de negócios importantes e segurança pesada. Eu não sabia bem o que
acontecia lá dentro, mas sabia que nós não conseguiríamos entrar.
“Porra, Gerard, ótimo plano,” Ray reclamou. Viemos até aqui e não vamos poder entrar, bacana.”

“É só a gente olhar qual é o segundo maior prédio,” Bob ponderou, calmo. “Eu não me importo
de dirigir mais um pouco.”

“Não, não, tem que ser no mais alto,” Frank insistiu. “Mikey merece.”

“Mas como, Frank?” Eu perguntei, nada otimista. Pelo tamanho dos caras na porta de entrada...
“Não dá.” Se eu fosse o Batman, eu subia fácil... comecei a pensar nas coisas que poderia fazer
com o cinto de utilidades, quando a voz de Frank veio de novo.

“Nós vamos entrar. Quer ver só? Vamos lá,” e saiu andando. Troquei olhares com Bob e Ray. Eu
ia dizer que não ia junto, mas eles deram de ombros e foram atrás de Frank. Não tive escolha a
não ser segui-los.

O prédio ficava na Hudson Street, perto do rio Hudson que separava Jersey de Nova York. Nós
estávamos a menos de um quarteirão do prédio, mas Frank foi em direção a um táxi. Quando eu
perguntei a ele o que diabos ele estava fazendo, ele apenas me mandou calar a boca e confiar
nele.

“Nós não temos nada a perder,” foi tudo o que Ray disse antes de entrar no carro.

Quando Frank disse que queria ir até o tal prédio, o motorista nos avaliou. Não disse que o
prédio estava bem ali, a menos de cinqüenta metros. Ao invés, deu voltas infinitas em
quarteirões por quase dez minutos até chegar no prédio. Eu fiquei surpreso de nenhum dos
meus amigos ter dito nada, e fiquei igualmente quieto, achando que era parte do plano.

“Pára na porta do prédio,” Frank disse, abrindo a carteira e tirando um cartão dali.

O carro parou e nós descemos, pagando quase trinta pratas pro motorista safado. Ao que nos
aproximamos da entrada, o segurança nos olhou de cima a baixo, e eu senti meu estômago
revirar de ansiedade. Ele não iria deixar-nos entrar ali, de jeito algum. E, de fato, nos parou
quando estávamos quase entrando.

“Credenciais, senhor?” Ele pediu, as sobrancelhas arqueadas, satisfeito de ser a parte com o
poder ali. Frank o encarou.

“Credenciais? Que credenciais? Ninguém nessa merda me falou nada sobre credenciais!” Ele
reclamou, altivo. Era impressão minha ou ele estava fazendo um sotaque britânico?

O segurança estranhou. Olhou para cada um de nós. “O que os senhores procuram aqui?”

Frank levou o cartão que tirara da carteira aos olhos. “Gravadora... hm...” olhou pra mim e riu.
“Cara, essas pílulas que você me deu são muito boas.” De volta para o segurança: “É o seguinte,
acabamos de voar quatorze horas pra essa maldita reunião, e estamos mais de uma hora
atrasados. Se você quiser ir lá em cima buscar nossas credenciais, anda logo.”
Ele definitivamente estava forçando um sotaque britânico. O segurança continuou a nos avaliar.
“Vocês... não são daqui?”

Frank riu. “Ta brincando, companheiro? Você não nos conhece? Inacreditável. Vou ligar pro
relações públicas agora...”

Após mais uns quarenta segundos, nós éramos uma banda da Inglaterra, o segurança se
desculpava profusamente e estávamos no elevador, o botão para o último andar piscando no
painel.

Já era começo de madrugada. Eu estava deitado na cama, descoberto, morrendo de calor. Não
conseguia dormir - grande novidade.

Naquela tarde, eu havia tocado nos restos do meu irmão pela primeira vez. Após o incentivo dos
meus amigos, eu enfiei a mão na urna e enchi-a com as cinzas. Eram macias, finas,
escorregando facilmente entre os dedos. Tentei não fazer isso, mas falhei: abri a mão e deixei o
vento levar o pó o mais rápido possível. Foi a coisa mais bizarra que eu já fiz, tocar naquilo.
Porque aquilo era Mikey. Tão... absurdo. Eu ainda não me acostumo com a idéia, mas, bem;
aconteceu e ponto.

Agora, naquela noite quente, eu estava inquieto. Tudo voltava a mim. O passado, o presente e a
perspectiva do futuro. Eu estava ficando melhor em não agir como um retardado o tempo todo.
Menos egoísmo, menos apatia. Minha ficha caía aos poucos, dando lugar à idéia de que eu tinha
que continuar minha vida.

E pelo visto, um novo aspecto de minha vida era Frank. A presença dele, agora constante, era
impossível de ignorar. Eu não conseguia impedir minha mente de voltar a ele a cada meio
segundo. Ele estava a menos de três metros de mim, na cama do meu irmão, ferrado no sono.
Suas costas douradas, viradas para cima, subiam e desciam num ritmo constante. As curvas e
cores em sua pele pareciam infinitamente atrativas, e eu me peguei agindo como um
perseguidor nojento. Há quanto tempo eu o estava observando? Não sabia. Mas era inevitável:
Frank era uma obra de arte. Moderna e alternativa, nem sempre compreendida, mas que me
deslumbrava freqüentemente.

E em meio aos meus devaneios - ridículos -, uma vontade me dominou. Uma vontade que eu
não sentia há um bom tempo, mas que voltou com força total, bem ali, em meio à madrugada.
Eu queria fazer arte novamente. Eu queria pintar. E foi isso que eu decidi fazer.

Desci até meu porão - literalmente o porão da casa, escuro, quieto, com o maravilhoso cheiro de
tinta que eu amava. Liguei a luz: tudo estava como era antes. Minhas telas, meus desenhos, as
latas, os pincéis sujos, as pontas de lápis no chão, os rascunhos, tudo. Todas aquelas coisas que
constituíam meu mundo antes dele desabar.
Ajeitei uma tela limpa, peguei um pincel ainda não usado. Não me preocupei em colocar o
avental: mal estava vestido. Somente em minhas boxers, o calor impedindo-me de utilizar
qualquer outra coisa. Molhei o pincel na tinta laranja. Quando o pousei na tela pela primeira vez,
foi como se uma corrente elétrica passasse por todo o meu corpo e, antes que eu soubesse, já
me movia com rapidez, criando algo que eu precisava ter feito há dias atrás.

Pela pequena fresta na janela tapada, eu via que já era de manhã. Eu já tinha terminado meu
quadro há alguns minutos. Estava sentado no meu banco, os cotovelos apoiados contra a mesa
inclinada na qual eu desenhava. Eu me sentia mais leve. A quietude do começo da manhã,
juntamente à sensação de realização, me deixara tranqüilo e satisfeito. Eu ainda estava ali,
parado, sentado, encarando a mesa, quando senti algo quente encostar nas minhas costas.

“‟Dia,” a voz de Frank veio, grossa, preguiçosa, deliciosa, pertíssimo do meu ouvido. Numa
fração de segundo, meu coração estava pulando, tempestuoso, fazendo uma ventania gelada
revirar meu estômago e levando embora todas as minhas forças.

As mãos dele pousaram nos meus quadris; eu morno, ele quente. Senti suas palmas subirem
pelas minhas laterais, até meus ombros; desceram pelos meus braços, subiram de novo;
desceram minhas costas de novo, pararam nas minhas costelas, deslizaram para o centro do
meu peito. À essa altura, minha respiração estava acelerada - quando ele me pressionou contra
o próprio corpo, então, não pude evitar: ofeguei.

“Mmmmm,” ele murmurou, quase num ronronar. Afundou o rosto na curva do meu pescoço,
respirando sobre a minha pele, quente, úmido, divino. “Por que você fugiu de mim, huh?” Ele
questionou, baixinho, fazendo-me arrepiar. “Não importa, eu achei você...”

E então, Frank, maldito maravilhoso Frank, pousou aqueles lábios graciosos, úmidos e abertos,
no meu ombro. Quente, quente - frio na minha espinha. Fechei os olhos, sentindo a boca dele
pairar sobre minha pele, e ele plantava beijos por ela, em direção ao meu pescoço. Deixei minha
cabeça cair pra trás, dando a ele acesso ilimitado - acha que eu estava raciocinando? Não. Não
conseguia computar que estava sentindo aquilo, muito menos o quanto aquilo era estranho e
parecia errado (ao mesmo tempo em que parecia certo). É complicado. Só sabia que eu estava
gostando da boca de Frank, doce Frank, colada ao meu pescoço, a língua dele provando minha
pele pálida, insípida, provocando-me sem fim...

Não notei na hora, mas havia levado uma mão à nuca dele, mantendo-o ali, beijando-me,
mordendo-me, as mãos dele deslizando sobre o meu peito. Quando ele chegou ao ponto bem
debaixo da minha orelha - que eu sabia ser tão sensível, mas ele não -, não consegui segurar:
grunhi, deliciado. E meu próprio som fez-me voltar à realidade.

Eu estava, decididamente, excitado com aquilo. Frank. Meu Deus, Frank! - Meu Deus, minha
mãe.
“Gerard? Você está aí?” Ela chamou, e eu ouvi as dobradiças da porta rangendo. Fiquei
agradecido a Frank por ele ter me soltado rapidamente, o ponto onde sua boca estivera, coberto
de saliva, ficando repentinamente gelado com a corrente de ar. Minha mãe entrou no ateliê. “Bob
ao telefone... oh, você fez um quadro do seu irmão! Meu filho, que lindo...”

Enquanto ela guinchava elogios pelo meu mais recente trabalho, dei um jeito de subir as
escadas correndo e me esconder no meu quarto, esperando que ela não tivesse me visto de
frente ou de perfil. Meu rosto queimava de constrangimento - e algo mais que eu ainda teimava
em admitir. Ouvi a porta do banheiro bater, sabendo que Frank provavelmente sentia-se da
mesma forma que eu.

O telefone ficou fora do gancho uns bons quarenta minutos. Bob apareceu em casa furioso,
berrando que estávamos atrasados para pegar a estrada, o que diabos eu estava fazendo que
não atendi sua ligação?

Capítulo 6

CAPÍTULO 6

A viagem até a Disney levaria dois dias. Isso com paradas para descanso, lanches, hotel. Meus
amigos, revigorados pelos encontros pessoais em Jersey (e Frank, animado por ter me
molestado de manhã), estavam animados e cantavam em coro.

Estava ficando cada vez mais quente, e eu sofria a cada vez que tínhamos que descer do carro.
Nunca tive tanto afeto por um ar-condicionado. Podia foder minha garganta o quanto fosse; eu
gostava de poder vestir minhas roupas normais. Coisa que, pelo visto, não era problema para
Frank, que estava despido da cintura para cima, não ligando a mínima se estava me fazendo
subir pelas paredes. Vai ver essa era a intenção dele, em primeiro lugar. Lá estava ele, todo pele,
cor e doce, atraente como o inferno, se insinuando para mim a cada três segundos.

“Gerard,” ele chamou uma hora. Levantei os olhos - da barriga para o rosto dele. Ele tinha
aquele sorriso torto no rosto. “Acho que alguma coisa me picou aqui, olha pra mim?” Pediu,
encostando-se na lateral do jipe, atrás de Ray. Levantou a cabeça, mostrando o pescoço, uma
parte de sua pele de fato avermelhada.

Na hora, não me veio à mente que não tinha jeito de um inseto ter entrado naquele carro
fechado. Eu só via Frank. Seu pescoço dourado, enfeitado por um escorpião, sobre o peito
dourado, a mancha avermelhada. Inclinei-me na direção dele, querendo ver melhor (seria
mesmo?). Não havia nenhuma... ah, Frank.

Ele segurou meu rosto e, antes que eu pudesse reagir, a língua dele passou pelo meu queixo
antes de lamber-me os lábios. Quase morri do coração. Senti como se um balde de água gelada
tivesse sido jogado na minha coluna. Minha reação inicial foi o instinto de me jogar sobre ele e
fazê-lo continuar, mas que diabos, meus amigos estavam ali! Titubeei, mas voltei para meu
lugar num solavanco, tentando ver se Bob ou Ray tinham visto aquilo. Frank ria como uma
criança, mordendo os lábios vermelhos - lábios que estiveram nos meus, no meu pescoço, e só
Deus sabe onde mais eu os queria.

“Paramos na próxima? Puta fome da porra,” Bob reclamou, alheio ao que acabara de acontecer
no banco traseiro de seu carro. Dei graças por meus amigos serem imensos e esfomeados:
quando estavam famintos, a única coisa que viam era meios de chegar ao alimento.

Frank se empoleirou entre os bancos. “O restaurante mais delicioso do mundo fica a umas
duzentas milhas daqui...”

“Duzentas? Ah Frank, eu não quero esperar,” reclamou Ray, aparentemente tão esfomeado
quanto Bob. Eu não estava com fome: com Frank fazendo meu estômago revirar a cada trinta
segundos, era meio difícil querer colocar qualquer coisa ali dentro.

Ficaram mais uns bons minutos discutindo se esperavam ou não o idolatrado restaurante que
Frank queria. Eu não escutei muito. Passara a noite acordado, e o carro balançava levemente,
meus olhos pesados, ardendo... encostei a cabeça na janela e adormeci.

Eu sempre sou lento para acordar. A não ser que haja algo importante acontecendo (como meu
irmão vomitando sangue no tapete), eu levo um bom tempo para despertar totalmente, e às
vezes até falo coisas das quais não me lembro depois.

Eu não estava realmente raciocinando quando envolvi com os braços o que quer que seja que
estava em cima de mim. Ainda estava meio dormindo, e a única coisa que sabia era que estava
muito confortável. Após alguns segundos, eu notei.

Pele. Pele quente, macia sob minhas palmas.

Abri os olhos. Ali estava ele, sorrindo brandamente, mirando-me por sob pálpebras semi-
cerradas. Eu estava deitado - como cheguei a ficar deitado? Frank sobre mim. Frank, sobre mim!
Olhei para os bancos da frente, assustado: estavam vazios.

“Não se preocupe,” ele sussurrou contra meu ouvido, já fazendo-me fechar os olhos. “Tranquei
as portas. Eles estão almoçando.”

“F-Frank...”

Não adiantava mais eu tentar negar. Eu o queria, e queria muito. Ninguém entraria. Ninguém iria
nos ver - as janelas escuras não permitiriam. Ele estava ali, semi-nu, em cima de mim, movendo
seus lábios vermelhos contra meu pescoço, Frank, Frank de mel... que seja. Decidi que me
entregaria àquela vontade, até porque, de verdade, ela estava me dominando de qualquer forma.
Quando Frank colou sua boca à minha, eu entrelacei meus dedos em seu cabelo macio, guiando
nosso ritmo a cada vez que ele mergulhava a língua contra a minha, sua carne doce trazendo-
me um deleite que eu há muito não sentia. Deslizei as mãos por suas costas nuas, tocando seus
braços, apertando-os a cada vez que ele se aproximava mais. E aproximava cada vez mais.

Frank fazia essa coisa com o quadril - eu nem sei descrever. Ondulava-se, provocante, intenso,
ritmado, fazendo meu coração pedir por uma pausa. Mas eu não queria parar. Eu queria mais,
queria que ele continuasse, queria continuar, sentindo seu gosto, tocando seu corpo, Frank
ensolarado, Frank tentador, todo meu - ou eu todo dele, não sei bem.
A mão direita dele pousou no meu quadril, descendo, descendo até que ele conseguisse
agarrar-me por trás e pressionar-me contra ele. Envolvi-o com uma perna, querendo mais
contato, cada vez mais. Frank subiu a mão, sob minha blusa, pela minha lateral, meu peito...
achei que ia desmaiar. Segurei seus cabelos com força e o senti gemer contra minha boca.
Divino.

Ele afastou o rosto do meu e foi até meu peito, agora descoberto de tanto que ele levantou
minha blusa, e se concentrou naquela área. Olhei para baixo e o vi ali, seus lábios intumescidos
contra minha pele ridiculamente branca, Frank, Frank! - e eu não me importei. Eu o queria. Eu
estava absolutamente adorando aquilo. Mal acreditava que aquele ser tão encantador me queria
de volta, e tal pensamento fez-me ficar confiante e ainda mais desejoso dele.

Levei minhas mãos até a curva de seus braços, o trazendo de volta para a altura de meu rosto,
mostrando que eu o queria ali, beijando-me nos lábios. Ele entendeu, mas não o fez de
primeira. Parou e me encarou, seus olhos brilhantes, seus lábios pulsantes, sorridentes,
vitoriosos. “Admite,” ele sussurrou, maroto.

Tentei controlar minha respiração. Eu viria a me arrepender do que eu disse alguns minutos
depois, mas na hora, meu desejo me cegou e eu fiz o que ele pediu. O trouxe para perto de mim
e pousei meus lábios, mais do que úmidos, em sua orelha. “Eu quero você, Frank,” eu finalmente
admiti. Frank se pressionou contra mim.

“Estou esperando você me dizer isso há dez anos,” ele murmurou. Mais uma vez, ele esticou a
língua pra fora e lambeu-me o queixo, logo depois tomando meu lábio inferior e o puxando,
mordendo com a força na medida certa. Não agüentei. Agarrei-o pelo traseiro e o pressionei
contra mim e, absolutamente em êxtase, gemi longamente contra a boca dele.

E ele gostou. Passou a praticamente atacar-me, se impondo. Aqui admito: gosto de ser
dominado. E era isso que Frank estava fazendo, me dominando. Ali, no banco traseiro do jipe de
Bob, a mão dele descendo pela parte interior da minha coxa, apertando, o peito macio contra o
meu... Frank voltou a descer pelo meu torso, as mãos deslizando pelo meu cinto...

Um solavanco. “Gerard?” Era Bob. Outro solavanco: ele estava tentando abrir a porta. Bateu no
vidro da janela - eu olhava aterrorizado para sua sombra detrás do vidro escuro. “Gerard, você
está aí? Frank?”
Ouvi Frank sibilar diversos palavrões, possesso e incrédulo como eu. “O quê, porra?” Ele gritou,
frustrado, saindo de cima de mim. Seu calor fez falta imediata.

“Por que trancou a porta, dormiu também? Vocês não vêm comer?” Bob perguntou, fazendo uma
concha com as mãos e colando o rosto ao vidro, tentando ver dentro do carro.

“Eu estaria comendo, se você não me interrompesse,” Frank resmungou mais uma vez, mas só
eu escutei. Abriu a porta traseira, do lado oposto a Bob, e saiu do carro. O ar quente
imediatamente entrou e eu vi Frank sair praticamente correndo, irritado, vestindo uma camisa de
qualquer jeito e desaparecendo pela porta do banheiro.

Eu me sentei rapidamente, ajeitando a camisa ao que Bob dava a volta no carro, aparecendo à
porta aberta. “O que deu nele?”

“Acho que ele também estava dormindo,” eu disse com a voz fraca, ajeitando meus cabelos.

“Ah... vocês demoraram e... nossa Gerard, você está vermelho. Vem, vamos entrar, lá dentro tem
ar condicionado...”

Enquanto eu fechava a porta, vi meu reflexo na janela escura e espelhada. Meu cabelo
bagunçado, meus lábios inchados - um puta chupão sob minha orelha, o qual eu tentei ao
máximo esconder com meu cabelo. Apesar da ameaça de sermos descobertos, ao que eu vi meu
reflexo, não pude deixar de sorrir. Eu estava todo zoneado, mas quem fez aquilo foi Frank. Eu
ainda sentia seus lábios em mim, e mal podia esperar para tê-los novamente.

“Então, tem essa boate em Orlando, acho que o Mikey iria gostar,” Bob disse, enfiando mais meia
dúzia de batatas fritas na boca. “Abre todos os dias e cada dia tem um tema diferente... e lá
dentro é imenso, também,” adicionou, agora levando o canudo aos lábios grossos, enchendo a
boca de Coca-Cola.

Ray olhou de lado pra ele. “E como você sabe disso?”

“A gente vai lá todo fim de semana, hein Bobbert?” Eu brinquei, recebendo um olhar mortífero
em retorno.

“Cala a boca, eu olhei no Google,” ele explicou, e passou a dar mais detalhes do local. Mas eu
não estava realmente me importando. Estava concentrado na mão que Frank pousou na minha
coxa - ela já estava ali há um tempo, mas agora estava subindo um bocado.

Frank estava ao meu lado, enquanto Bob e Ray estavam do lado oposto da mesa. Me
impressionava a capacidade deles de ingerir porcaria diariamente: naquele restaurante, de fato
bom, ambos estavam comendo sanduíches e fritas. Eu não quis muita coisa, Frank também
medindo sempre o que comia (ele tinha várias restrições alimentícias, Mikey sempre falava
disso). Mas, pelo visto, não tinha quaisquer outros tipos de restrições. A mão dele
repentinamente me agarrou... lá. Engasguei com o peixe que comia.

“Você está bem?” Ouvi meus dois amigos perguntarem em coro. Meneei a cabeça rapidamente,
não acreditando na situação. Atrevimento sem fim! Olhei para Frank, pasmo, tentando tomar um
pouco de água. Ele sequer olhava de volta para mim: estava recostado na cadeira, a mão que
não me agarrava pousada tranquilamente sobre a barriga, olhando para a TV no canto do salão,
um sorrisinho prepotente em seus lábios corados.

Pigarreei alto, numa súplica para que ele parasse; mas ele não parou. Acariciou-me de forma tão
absurdamente deliciosa que tive que me esforçar muito para ficar calado. Afundei na cadeira,
meu colo sob o pano de mesa, e eu sabia ficar mais vermelho a cada segundo. Pressionei a
palma da mão contra a testa, tentando reprimir os sons que insistiam em sair da minha
garganta.

“Como você vai fazer com as cinzas, Gerard?” Perguntou Bob, continuando a conversa da qual eu
mal participava. “Quero dizer, dentro da boate, sabe.”

“Hm?” Eu tinha um braço dobrado sobre as costelas, a mão direita sobre o rosto. “Ainda não se-
eeei” - não estranhe: o alongamento da palavra foi causado por uma mãozinha experiente
atingindo um certo ponto sensível. Esfreguei o rosto, suando frio, arfando.

“Gerard?” Ray olhava, preocupado, para mim. “Você está bem?”

Ouvi Frank dar uma risadinha, fingidamente assistindo o basquete da TV. Como se ele
entendesse qualquer merda de basquete, o filho da mãe. “Uhum sim tudo ótimo, acho que esse
peixe não me fez bem” - foi eu parar de falar e meu corpo todo estremeceu visivelmente, e eu
choraminguei fino, ao mesmo tempo adorando e odiando o que estava acontecendo. Tapei
minha própria boca, meu pseudo-uivo recente tendo assustado meus amigos. “Acho melhor a
gente ir, né?” Sugeri com a voz trêmula.

“Nahhh,” Frank falou pela primeira vez. “Estou gostando daqui! O jogo está ótimo, não está,
Gerard?” Perguntou, olhando pra mim. Falso, fingido!

“Se fode, Frank, eu preciso sair daqui,” ralhei com ele - até ele me tocar naquele ponto especial
e fazer-me quase desmaiar.

“Meu Deus, vocês dois, parem de implicar um com o outro,” Bob implorou, e Ray o seguiu com
um „É, gente‟. “Nós vamos pagar a conta, Gerard, se você precisar usar o banheiro... Frankie,
deixa o coitado em paz, Deus.” E os dois saíram, deixando-me na mesa com o pequeno
provocador.

“Frank eu vou matar você, ficou louco?” Eu sibilei por entre dentes assim que meus amigos
deram as costas.

Ele sorriu docemente para mim, a mão indo para minha coxa e segurando-me firmemente.
“Desculpa, boneca. Não resisti.”

Bufei, falsamente irritado, minhas calças apertadas demais - até mesmo pra mim, que sempre
gostei delas assim. “Frank, na frente deles não, não quero que...”

Parei de falar quando ele aproximou o rosto do meu. Mas não me beijou: aproximou-se da
minha orelha. “Sabe,” começou, com aquela voz grossa que eu absolutamente adorava. “Você
gemendo é a coisa mais deliciosa que eu já ouvi.”

Fiquei paralisado, boquiaberto. Frank se levantou, tranquilamente indo até o caixa como se
absolutamente nada estivesse acontecendo, suas maravilhosas mãos escondidas nos bolsos.

Mikey rolava de rir.

Acordei e dei de cara com meu irmão.

„Gee. Gee, acorda.‟ Ele estava ajoelhado ao lado da minha cama. Cabelos bagunçados, sem
óculos, parecendo assustado. „Eu tive aquele pesadelo de novo...‟ ele disse num sussurro,
envergonhado. Eu sabia que ele não gostava de admitir os pesadelos; ele achava que o faziam
parecer ainda mais jovem do que os treze anos que possuía. Mas eu entendia.

Sem dizer nenhuma palavra, levantei o cobertor e abri espaço na cama. Mikey deitou-se em
minha frente. O cobri e o abracei. „Não se preocupe, Mikes. Ninguém vai te pegar aqui. Eu te
protejo.‟

E Mikey dormia.

E eu acordei.

Mas acordei para o mundo real. Um mundo onde Mikey estava morto e eu estava no quarto
escuro de um motel qualquer.

Bob roncava na cama ao lado da minha. Olhei para o rádio-relógio: três e vinte e sete. O silêncio
era absoluto. Eu sabia que não conseguiria dormir novamente tão cedo. O que fazer numa hora
dessas?

Fumar, obviamente.

Vesti uma calça e uma camisa, tentando ao máximo não fazer barulho e acordar Bob. Ele nem
sequer alterou o ritmo do ronco quando eu quase derrubei o abajur ao tentar pegar meu maço
de cigarros. Saí do quarto, descalço, aliviado quando senti um vento - quem diria - bater em
meu rosto. Aquele verão era cada vez mais evidente à medida que avançávamos ao sul.

Acendi meu cigarro, guardei o isqueiro no bolso e olhei ao redor. O estacionamento do hotel
estava praticamente vazio, aberto para o campo. O único carro ali era o jipe de Bob. E, embora
eu estivesse vendo somente a traseira do jipe, pude ver que os faróis da frente estavam acesos.

Avancei rapidamente, e qual não foi minha surpresa ao encontrar Frank, sozinho, sentado no
asfalto, as costas contra a frente do jipe. Ele tinha um engradado de latinhas de cerveja ao seu
lado - aparentemente, estava na terceira. Tinha um joelho dobrado, sobre o qual apoiava o
braço que segurava o cigarro, e seu rosto bonito estava virado para cima ao que ele observava o
céu. Isso, é claro, até ele notar minha presença e virar a cabeça para me olhar.

Ele sorriu assim que me viu. Um sorriso brando, sincero, adorável. Sorri de volta. “Posso me
sentar com você?”

Ele colocou o engradado de latinhas do outro lado, abrindo lugar para mim. Sentei-me. “Eu
estava olhando as estrelas,” ele explicou. “Meu avô dizia que quando a gente morre, a gente vira
estrela. Eu estava procurando alguma que se parecesse com Mikey.”

“Hmmm.” Encostei a cabeça na grade do jipe, olhando para cima também. À nossa frente, o céu
se apresentava, majestoso e infinito, altamente iluminado pela imensa lua cheia que flutuava ali.
As estrelas pontilhavam toda a extensão - incontáveis, realmente incontáveis. “São tantas...”

“Sabia”, Frank disse, repentinamente soando animado - levemente bêbado, pelo visto, “que
existem dez vezes mais estrelas no céu do que grãos de areia na terra?”

Virei-me pra ele, surpreso. “Sério?”

“Sério. Cara, é muita coisa. Imagina um deserto!”

“Isso é tipo...”

“Muita estrela.”

“É.” Ficamos em silêncio um tempo, apenas observando e fumando nossos queridos venenos.
“Ali, aquela ali. Bem do lado da lua? Aquela parece o Mikey.”

Frank grunhiu alguma coisa em aprovação. “Bem capaz. Deve estar dando conselhos pra ela. Não
fica triste, lua, um dia você arranja um namorado...”

“Aquele sol safado não te merece...”

“É, ele fica atrás de você uns minutinhos por ano e vai embora,” ele adicionou, rindo, deixando a
cabeça cair no meu ombro. Eu ria junto.

“Ele sempre me dava conselhos desse tipo,” eu disse, entortando a cabeça para tocar a dele. O
cabelo de Frank; não sei nem explicar. O cheiro...

“A mim também,” Frank disse. “Não exatamente do mesmo tipo... mais quando eu contei o que
sentia pelo irmão dele,” declarou, a voz baixinha, quase sumindo.

Eu não sabia se deveria falar alguma coisa. Eu ainda me sentia extremamente culpado pelos
anos que o negligenciei. Mas é o tipo de coisa que não se pode prever; Frank era de fato um
pentelho quando pequeno (ele admitia isso), e antipatia é coisa que se pega de vez. Eu passara a
vê-los com outros olhos, e desejava que tantos mal-entendidos não tivessem acontecido. Mas
era passado, e, infelizmente, imutável. Porém, ele continuou a falar.

“Eu nunca realmente entendi aquele Bert,” Frank disse repentinamente. Parei de respirar por um
momento, surpreso com a menção despreocupada do nome daquele que me levou à mais
completa fossa. “Eu sempre ficava sabendo das coisas que ele fazia, como ele te tratava, e eu via
você chorando e... eu o odiava tanto. Tanto.”

Ele tirou a cabeça do meu ombro, endireitando-se, chateado. “Eu não sei como ele conseguia te
destratar. Quer dizer, se você fosse meu, eu...” Ele pausou, e eu o fitei, não querendo
constrangê-lo, porém curioso demais para olhar outras coisas. “Se você fosse meu, eu iria te
tratar como a coisa preciosa que você é. Sempre, o tempo todo, até você ficar de saco cheio de
mim.”

Senti um aperto no peito. “Frank...”

“Você não faz idéia do quão precioso você é, Gerard,” ele disse com uma risada amarga,
balançando a cabeça, encarando os próprios joelhos. Jogou o cigarro longe, exasperado. “Tudo
o que eu queria era poder te abraçar quando te via chorando... por causa daquele... filho da puta
estúpido. Puramente imbecil,” xingou novamente, ira em seus olhos, movendo uma das mãos
como seu avô italiano fazia. Tive vontade de pegá-lo no colo e embalá-lo, dando-lhe o carinho
que merecia - ele, não eu.

“Não é assim, Frank, eu era bem idiota. Ainda sou.”

“Deve ser mesmo,” ele falou, olhando pra mim, “pra aceitar eu te molestando.” Sorriu e se curvou
para o meu lado, pousando os lábios no meu ombro, sobre a camisa surrada.

Aproximei meu rosto do dele. “Adoro ser molestado por você,” admiti.

Se alguém me dissesse, há duas semanas atrás, que eu estaria dizendo o que dizia, sentindo o
que sentia, pensando o que pensava, eu não teria acreditado. Definitivamente não. Mas ali
estava eu, sendo levado pelos encantos de Frank, de corpo e alma. Ele riu.

“Sabe, eu tinha o sonho mais idiota do mundo quando era adolescente.” Tomou um gole da
cerveja, balançando a cabeça. “Eu era uma menina, cara.”

“O que você sonhava?” Questionei, segurando a mão dele. Leia bem: tomei a mão dele na minha.
Por vontade própria. Frank. Iero, aquele pentelho amigo do meu irmão. Aquela criatura suprema,
adorável e desejável. Ele estava me resgatando da tempestade que abalou meu mundo quando
Mikey se foi. Jogara uma corda, oferecendo-me um porto seguro, calmo, onde eu poderia sentir
o vento bater em meu rosto sem entrar em pânico. Eu estava começando a me levantar com a
ajuda dele - e, como toda mocinha boboca, criava extrema afeição pelo meu salvador.

Ele apertou minha mão. Permaneceu silencioso por um instante antes de falar. “Eu queria que
você dançasse comigo na formatura do colégio,” ele falou rapidamente, como que quisesse logo
se livrar da confissão, assim como se puxa um bandaid com rapidez. “Passei os primeiros
quarenta minutos da festa encarando a porta, esperando você entrar num cavalo branco.”

Frank ria, mas eu não. Santo Deus, aquilo estava me afetando, e eu não sabia o que responder
(aposto que você também não saberia - rir não era uma opção). Apenas acariciei a mão dele com
o polegar.

“Eu tinha levado minha amiga, Jamia,” ele continuou, imerso na memória. “Mikey levou Alicia,
lembra dela? Não? Ah, uma aí. Mas antes da metade da festa eu já estava bêbado, chorando no
banheiro, confessando para Mikey que gostava de você.” Riu novamente, nostálgico. “Ele disse
que já sabia. E depois me contou que estava doente. Dia realmente bom,” amargou.

Onde eu estava nesse dia? Não lembrava. Ainda não sabia do diagnóstico de Mikey.
Provavelmente estava em algum bar, me acabando em bebidas e mágoas, os olhos brilhantes de
Bert em algum lugar na minha mente. Mas isso era, definitivamente, algo que eu queria
esquecer. Foi burrice, de fato. Nunca imaginei que pudesse ser tão traído e magoado por alguém
que eu achava me amar; que eu amava. Mas aconteceu. Machucou, mas eu aprendi. Só mesmo
sendo jogado em alto mar pode se aprender a nadar.

“Me desculpa, Frankie. Eu não sabia.” Será que se eu soubesse, teria agido de forma diferente?
Não sei.

“Nah, tudo bem,” ele disse, acenando com uma mão. “As circunstâncias atuais não são as
melhores, mas antes tarde do que nunca. E você fica cada dia melhor, de qualquer forma.”

Os elogios constantes dele estavam tornando-se comuns, e eu já não sentia meu chão sumir a
cada vez que os recebia. Apenas levei a mão dele aos lábios e a beijei.

Dançar comigo na formatura, quem diria. Eu, gordo, nerd, desajeitado, bêbado. Eu achava que
não tinha problema me entupir de remédios, desde que matasse a dor. Mal sabia eu que ela só
iria se acumular mais e mais, destruindo-me à primeira oportunidade, os destroços ficando ali,
expostos, até que algum anjo de boa vontade me ajudasse a reconstruir pelo menos uma parte.
Frank era um anjo. Estava ali, me ajudando. E se a vontade daquele anjo era dançar com um
bobão como eu, então ele teria seu desejo concedido.

Levantei. Abri a porta do jipe e me enfiei lá dentro. Liguei o rádio, procurando por uma estação
boa por alguns segundos, até achar uma que tocava uma música suficiente melosa para dar o
clima de formatura àquela noite, enluarada, estrelada, romanticamente triste e clichê. Voltei ao
meu lugar inicial e me coloquei à frente de Frank, que me encarou com aqueles olhos imensos,
amáveis - ligeiramente trêmulos. Coloquei uma mão detrás as costas e estendi uma para ele.

“Dá-me a honra dessa dança?” Perguntei da forma mais boba possível, como que estivesse
atuando numa peça de colégio, Cinderela ou algo assim.

O sorriso que se abriu no rosto dele é uma das coisas mais bonitas que eu já vi. Ofuscou
imediatamente o brilho da lua e dos tunzilhões de estrelas que brilhavam sobre nossas cabeças,
e fez-me sorrir de volta, encantado com o que eu via. Ah, Frankie.

Ele segurou minha mão e se levantou, parecendo tão pasmo com minhas ações quanto eu
mesmo. Eu o trouxe para perto, envolvendo-o pelos ombros, ele abraçando meu torso
gentilmente. Encostei o rosto ao dele, meu queixo em sua têmpora, e começamos a nos embalar
ao ritmo da música que tocava.

Tive uma sensação de déjà vu. Não que tivesse imaginado aquela cena antes, mas só... parecia
tão certo. O pequeno Frank encaixava-se entre meus braços, sob meu queixo, contra meu peito.
O cheiro dele era algo com o qual eu já havia me acostumado e sentia falta. A pele morna,
macia, a voz dele, seus olhos boêmios, sua risada infantil.

Ao contrário de todas as outras vezes em que eu tentei dançar, dessa vez eu não me atrapalhei.
Não pisei nos pés dele, não tropecei, não saí do ritmo. Fluía. Fluía como o sangue fluía rápido
por mim quando ele se aproximava, acelerando quando ele me tocava, mantendo-me vivo e
desperto. Frank havia sido tão próximo do meu irmão quanto eu, sentiu a perda tanto quanto
eu. E estava ali, me ajudando. Dando-me momentos felizes. Eu tinha pensado que nunca mais
seria capaz de dar uma risada genuína, mas via que estava errado.

E pensei no meu irmão. Se ele gostaria de ver o que estava acontecendo - ele decerto estava
vendo. Mikey provavelmente sorria lá de cima, Mikey estrela, morando no céu, vendo a nós
todos, vendo o coração de seu irmão e seu melhor amigo batendo mais forte um pelo outro. Se
eu estava gostando, não havia quem não pudesse gostar.

Talvez meus amigos ficassem receosos quando soubessem. Eu tinha certeza que ficariam,
considerando meu histórico amoroso. Mas eu não queria pensar naquilo. Eu estava concentrado
no corpo que tinha junto ao meu, movendo-se comigo, lentamente, em frente aos faróis baixos
do jipe.

Eu estava me apegando a Frank rapidamente, ferozmente, inegavelmente. Via cada vez mais de
sua verdadeira personalidade e o adorava mais a cada segundo. Além do mais, o momento
ridiculamente carinhoso que aquela dança estava proporcionando só aumentou a velocidade de
tudo, e eu senti uma afeição tão esmagadora por ele que tive vontade de apertá-lo. Mas ao invés
disso, fiz outra coisa.

Deslizei as mãos até seu rosto bonito, colocando-o de frente ao meu. Deixei a ponta do meu
nariz tocar o dele, desfrutando daquela intimidade - recém adquirida, porém tão familiar.
Acariciei suas bochechas deliciosas com os polegares, o mais levemente possível, como se ele
fosse feito de açúcar e pudesse desmanchar a qualquer momento. Frank, Frank doce, Frank
bom.

Encostei meus lábios nos dele devagar, tentando saborear cada pequena sensação ali envolvida.
As mãos quentes dele nas minhas costas, mantendo-me perto e protegido. Frank fazia isso
bastante: um olhar, um toque, qualquer coisa considerada banal ele fazia de forma tão única,
fazendo-me sentir, de fato, precioso.

E ali estava ele, em meus braços, os lábios mesclando-se aos meus. Provávamos um ao outro
caprichosamente. Eu sabia que ele havia esperado por isso, e, apesar de eu só ter considerado
isso recentemente, parecia que eu também estivera esperando por ele. O pequeno espevitado
que fazia meu coração pular e sorrisos bobos aparecerem em meu rosto, aquecendo-me por
dentro e por fora, mostrando-me que, mais cedo ou mais tarde, tudo ficaria bem.

Talvez eu estivesse projetando-o de forma equivocada, pensei na hora. Mas não me demorei
nisso. Ele estava ali, botando cor de volta no meu mundo.

Com Mikey e as estrelas como testemunha, abracei Frank com determinação, numa promessa
silenciosa de nunca mais machucá-lo, e sim tratá-lo como ele merecia. Com todo o carinho
incondicional que ele merecia.

Capítulo 7

CAPÍTULO 7

Fechei a porta o mais silenciosamente possível. As cortinas estavam fechadas, o pano fino
permitindo que o quarto ficasse levemente iluminado. A cama de Ray permanecia
completamente desarrumada. Na cama ao lado, Frank ainda dormia.

Coloquei o saco de papel que carregava na mesinha ao lado da porta (competindo com todas as
outras porcarias que eles já haviam jogado lá em cima). Tirei os tênis. Aproximei-me da cama a
passos leves e subi nela, avançando de gatinhas até estar sobre o corpo pequeno ali
adormecido.

Frank dormia de barriga para baixo, o torso sobre um travesseiro que ele abraçava, suas
maravilhosas costas macias e quentes viradas para mim. Era a coisa mais tentadora do mundo, e
eu imaginei como seria acordar ao seu lado. Dormir ao seu lado - provavelmente muito difícil,
considerando que eu provavelmente iria querer ficar acordado para apreciá-lo. Ele respirava
num ritmo constante, os lábios entreabertos, os cílios flutuando.

Lentamente dobrei os braços e deixei meu corpo encostar-se ao dele, sorvendo seu cheiro doce,
tocando sua pele sedosa. Toquei seu pescoço com meus lábios, beijando-o o mais levemente
possível, não querendo assustá-lo. Senti o ritmo de sua respiração mudar e soube que ele tinha
acordado. “Bom dia, pequeno,” sussurrei a ele.
“Gerard?” Ele virou o corpo lentamente, piscando, preguiçoso, os olhos embaçados. Sorriu
quando me viu. “Ainda estou sonhando?”

“Sonhos são definitivamente melhores que eu,” respondi. Não sabia se ele iria me achar ousado,
mas não pude deixar de beijar-lhe os lábios. Ele estava ali, sob mim, tão disponível. Era
impossível não aproveitar-me da situação.

“Hmmm,” ele fez, espreguiçando. Esticou os braços longamente antes de me envolver com eles,
e puxou-me para baixo, fazendo-me cair na cama. Acabamos ficando de lado sobre os lençóis
baratos, de frente um para o outro, abraçados, próximos. “‟Dia.” Aquela voz...

E eu não podia responder, não podia pensar, não podia resistir. Mal dormi durante a noite,
ansioso como uma garotinha de quinze anos, bolando planos e desculpas para criar situações
onde pudesse ficar sozinho com Frank. O destino, para minha surpresa, havia conspirado ao
meu favor - que eu me lembre, a primeira vez. “Ray e Bob saíram para checar umas coisas no
jipe. Motor e sei lá mais o quê,” expliquei, a voz sofregamente falha. “Eu te trouxe café e...”

Ele me interrompeu. Me beijou.

E foi isso o que aconteceu durante alguns belos e deliciosos minutos.

Frank e seus lábios. Frank e suas mãos. Frank e sua pele, quente e divina contra a minha. Frank
e seus quadris de serpente, levando-me ao delírio sob grunhidos abafados, fazendo-me colocar
mais força do que deveria em minhas ações.

“Eu...” Falhei em continuar a frase quando ele sugou longamente a pele do meu pescoço. “Frank,
eu te trouxe... comida...” - uma coxa no lugar certo e o ar foi expulso dos meus pulmões.
“Frank... eles podem chegar...”

Ele parou. Olhou-me de cima. “E qual o problema?”

Lá vai, pensei eu.

“Eles não podem saber, Gerard?” Ele perguntou, mesmo já sabendo a resposta. Eu sabia que ele
queria era o motivo. Apoiou os cotovelos na cama, ao lado da minha cabeça, e ficou me
encarando com uma expressão insatisfeita.

“Acho que por enquanto é melhor...” Mordi o lábio, incerto do que dizer. “Eles vão começar a
falar um monte, Frankie. Essa viagem não é sobre a gente, é sobre o Mikey.” Olhei pra ele,
apreensivo, temendo levar uma bronca, como se tivesse cinco anos de idade.

Frank levantou uma sobrancelha. “Okay.” Abaixou a cabeça, a ponta de seu nariz passeando no
meu rosto. “Como se eu estivesse reclamando.”

Eu o abracei fortemente, sentindo seu cheiro bom. A música que nós dançamos de madrugada
ainda tocava na minha cabeça. “Deixa eu pegar seu café.”
Saí da cama com relutância, pegando sobre a mesa o que havia trazido. Frank se sentou na
cama, o lençol caindo até sua cintura, revelando o tecido preto que o cobria. Concentrei-me em
manter os olhos em seu rosto, mas ele já havia notado minha fascinação por ele e sorria,
maroto.

“Obrigado,” disse ao pegar o pacote das minhas mãos. Eu me sentei na ponta da cama,
deliberadamente tentando permanecer longe dele, encarando a parede encardida do hotel. “Café
com açúcar?” Ele perguntou, segurando o copo tampado.

“Sim.”

Enfiou a cara quase dentro do pacote. “Geléia de amora?!” Ele praticamente gritou, alarmando-
me.

“Sim, não é essa que você gosta?” Eu jurava que era. Meu Deus, peguei errado? Desde que
éramos adolescentes, Frank gostou daquela geléia, de café doce, de cereal de chocolate, de...
ah. Notei que era exatamente a isso que ele se referia: o fato de que eu sabia. De que eu sempre
soube. Surpreendeu até a mim mesmo, que não sabia que vinha reparando em Frank há tanto
tempo.

Ele sorriu para mim, prepotente. “Obrigado, querido, é minha favorita,” falou com zombaria,
curvando os lábios num bico.

“Cala a boca,” disse ao que o acertava levemente com uma almofada. “Come isso de uma vez.”

“Quero um beijo primeiro,” ele demandou, colocando a comida de lado.

“Frank! Come isso de uma vez, eles já devem estar voltando do posto...” - ele não parou. Veio na
minha direção. De quatro, meu Deus, só com sua roupa de baixo (muito rente ao corpo, devo
acrescentar), um sorriso atravessado nos lábios vermelhos, me olhando daquele jeito... era tudo
ou nada. E, como não poderia haver o tudo, nada poderia acontecer. Saí da cama, indo
rapidamente para o lado da janela, ficando de costas para ele. “Frank, sério, anda logo,”
implorei, levando a mão ao rosto, tentando não repensar a decisão.

“Gera-ard, deixa de ser chato!” ele provocou. No mesmo momento, a porta se abriu e Ray
entrou, segurando o cartão. Ouvi Frank se jogar de volta contra a cama.

“Não vai me dizer que vocês já estão discutindo,” Ray disse com sua voz fina. “Sinceramente,
vocês dois.”

Bob vinha atrás dele, os braços cruzados e a cara fechada. Nem precisou dizer nada.

“Esse bocó aí,” Frank denunciou, apontando para mim com uma mão. “Uma hora qualquer não
vou mais poder me segurar.” Ele disse a frase de modo severo, mas eu vi o significado
escondido nelas. “Way, vai embora antes que eu fale o que não devo.”
O encarei, boquiaberto. Ele não faria isso! Faria? “Fica quieto, Frank,” eu sibilei, tentando
demonstrar raiva. Ele levantou da cama - descoberto, maravilhoso. As tatuagens cobriam seu
ventre, os pêlos crescendo de volta, descendo e sendo escondidos pelo tecido negro, a pele
dele, dourada, macia... “Não vou ficar aqui pra ver isso.” Não consigo manter as mãos longe de
você.

Avancei para fora do quarto, meus amigos dando alguns passos para trás. Ao virar-me para
fechar a porta, vi Frank sorrir pra mim. Pisquei um olho pra ele, logo depois batendo a madeira e
resmungando sobre o quanto era difícil a convivência com aquele peste.

Nós estávamos em mais um restaurante de beira de estrada, comendo mais comida processada
e suando como porcos. A Flórida era mais úmida e mais quente do que qualquer lugar que eu já
freqüentara, e a única vantagem que eu via naquilo era Frank andar sem blusa, a blusa de Frank
ficar grudada em seu corpo, a pele de Frank ficar brilhante de suor etc. Eu sei, não precisa falar.
Eu não presto.

Mas olha só pra ele.

De frente pra mim, do lado oposto da mesa - meu tornozelo direito preso entre os seus. A
camisa branca sobre sua pele dourada, o suor pregando-a a seu corpo. Os cabelos castanhos
dele, limpos, soltos, caindo sobre o rosto bem desenhado, sob a boina, e os lábios vermelhos
sorrindo para mim.

Sério. Imagina essa criatura sorrindo para você. Acariciando sua perna. Dizendo que te adora.

Sinceramente, como isso só foi acontecer ali eu não soube. Mikey sempre me dizia: se você
parasse pra conversar com ele, ia gostar. Eu teimava que ele era um puta idiotinha imaturo - eu
que era e não sabia. Eu ficava imaginando o tanto que Mikey estaria rindo da minha cara.

Eu te avisei, Gerard. Agora você ta aí, todo menininha apaixonada, com essa cara de bolacha,
olhando pra ele assim. E por favor, não fica fazendo essas sem-vergonhices quando eu estiver
por perto, por favor, me poupe. E me faça o favor de não gemer tão alto. Ele gosta, mas eu
tenho pavor. Quer saber? Gritem que vão se pegar antes de começar, pelo menos assim eu vou
dar uma volta até vocês terminarem.

Pois eu não estava fazendo nada de errado. Nós estávamos conversando tranqüilamente,
comendo nosso almoço, olhando mapas - Bob se recusava a olhar o mapa: „Eu sei o maldito
caminho!‟

Através do grande vidro que servia de parede do restaurante, como uma grande vitrine que dava
para o posto de gasolina, podia-se ver a mulher que vendia flores lá fora. Ela nos havia
oferecido algumas ao chegarmos, mas a fome de Bob e Ray derrubava montanhas e eles nem
sequer olharam para a pobre senhora - ela era meio índia, parecia latina, e eu senti uma vontade
imensa de desenhá-la.

“Vou comprar umas flores,” Frank disse, de repente. Bob e Ray mal acenaram para ele e voltaram
a discutir sobre desvios e atalhos, GPS, motor, quilômetros por litro e outras coisas das quais eu
não entendia bulhufas. Frank sorriu pra mim. “Você vem, Gerard?”

Aí sim meus amigos olharam. Apreensivos. O pedido silencioso de „por favor, não se matem‟.
Mal sabiam eles, e eu quase ri. Bobão.

“Acho que vou fumar um cigarro,” disse como desculpa, seguindo Frank para fora do
restaurante. Minhas mãos enfiadas nos bolsos da calça, displicente, aparentemente não
querendo nada da vida, assim como ele. Checando cada curva possível do corpo pequeno que ia
à minha frente - Mikey, esse é o aviso que você pediu: vai dar uma volta.

Valeu, Gerard.

Paramos, de fato, à mulher que vendia flores. Frank tirou uma foto dela - provavelmente, se ele
desenhasse, teria a desenhado. De qualquer forma, acho que a intenção foi a mesma, e isso me
fez sorrir. Acendi um cigarro como prometi, vendo que meus amigos lançavam olhares para a
gente de dentro do restaurante.
Clique; uma foto tirada de mim. Cheguei a abri a boca para protestar, mas Frank começou a
andar, espiando-me por cima do ombro, obviamente querendo que eu o seguisse. Eu o fiz.

Ele foi dando a volta no restaurante, passando pela oficina, até que fomos parar dentro de um
galpão aos pedaços, preenchidos de peças de carros, pneus e afins. Digno de um calendário de
parede de mecânico: as peças, o ser humano sensual, suado e atrevido. Faltou um maiô
vermelho.

Frank colocou sua câmera no chão, junto às flores, e encostou-se contra a parede. Me olhava
daquele jeito. Eu estava ansioso, meu corpo inteiro já reagindo a ele de forma pateticamente
adolescente. Frank jogou a boina no chão. Esticou um dedo pra mim e o curvou, me chamando,
um sorriso atravessado em seu rosto.

Traguei fundo do cigarro e o joguei em algum lugar - coisa que por sorte não causou
conseqüências trágicas, considerando o local cheio de peças de carros (leia-se: tanques de
gasolina) em que estávamos. Aproximei-me de Frank, deixando a fumaça restante sair por entre
meus lábios. Frank levou a mão ao cós da minha calça e me agarrou pela fivela do cinto,
puxando-me para perto de si lentamente.

Encostei as mãos na parede, sobre a cabeça dele, e dobrei os braços ao que nossos corpos se
encostaram. Frank logo deslizou as mãos pelas minhas costas e desceu até meu traseiro,
pressionando-me contra si ao que seu rosto pairava a meio milímetro do meu.

A respiração dele batia, quente, no meu rosto. Mas minha vontade maior, naquele momento, era
a garganta que ele exibia sobre a camisa branca, o corte em V tornando seu pescoço
extremamente atraente.

Inclinei a cabeça para poder abocanhar aquela pele dourada, tendo que me segurar para não
arrancar um pedaço dele. Era tão bom - tanto para mim quanto para ele, aparentemente, se for
considerar o som que ele deixou escapar naquele momento. Aquela voz, meu Deus, que voz.
Abocanhei novamente, mordendo, sugando, Frank se pressionando contra mim em resposta. E
as mãos dele foram até minha nuca e, ao que ele grunhia, divino, agarrou meus cabelos e puxou
minha cabeça para trás, fazendo-me endireitar o corpo e passar a atacar sua boca.

Eu o pressionava contra a parede, querendo e precisando dele. Frank me apertava aqui e ali, e
juro, parecia que eu havia contado a ele todos meus pontos favoritos. Porque era neles que
Frank ia, e ainda por cima, fazia do jeito certo - eu mal sabia qual era o jeito certo antes, mas
quando ele me tocava, eu tinha certeza que acabara de descobrir.

Ele deslizou as mãos para debaixo da minha camiseta, apertando-me na altura das costelas,
colocando força nos movimentos para depois passar a mão levemente pelo meu peito. Eu estava
entrando em delírio, e fiz uma coisa impensada (que acabou dando certo, no final). Segurei
Frank com força e girei nossos corpos, fazendo-o dar alguns passos apressados pra trás, a parte
de trás de suas pernas batendo numa carcaça de carro e Frank acabou sendo jogado sobre um
capô. Que se dane o quão clichê isso soa: eu não tinha uma cama e precisava ficar pelo menos
um pouco sobre ele.

E ali estava eu. Sobre Frank. Acesso total a seu corpo. Sendo, talvez, tão desejado por ele quanto
ele era por mim. Não poderia pedir mais que isso.

Ele fez um som que eu não posso descrever. A coisa mais excitante que eu já havia escutado. E,
por Deus, eu sabia que aquele não era o local, aquela não era a hora e, no mínimo, alguém nos
iria interromper. Mas eu não conseguia parar. Acho que foi todo esse tempo sozinho, sem ter
ninguém me tocando - que dirá tocando tão maravilhosamente bem quanto aquelas mãos
tatuadas.

Eu nunca fui realmente do tipo irresponsável e impulsivo (pelo menos enquanto sóbrio). Mas eu
estava seriamente considerando continuar nossas ações ali. Naquele lugar sujo. Eu não me
importava: desde que ele estivesse ali. Eu parecia um adolescente de quinze anos. Assim como
eu julgava ser Frank a até poucos dias atrás.

E qual não foi minha surpresa quando Frank pôs as mãos em meus ombros, afastando-me
delicadamente dele. Lancei-lhe um olhar confuso.

“Eu,” ele começou, arfando. Revirou os olhos, engoliu em seco, deixou a cabeça cair no metal.
Respirou como conseguiu - eu mal conseguia. “Eu esperei tempo demais,” ele disse, seu peito
subindo e descendo sob o meu. Eu vibrava por ele. “Isso não vai acontecer aqui. Não vai. Mikey
me mataria.” Ele falava quase consigo mesmo, como se estivesse se convencendo daquilo.

Claro que eu não iria forçá-lo; sequer tentar convencê-lo. Eu sabia que era ridículo. Mas sabe
quando você tem consciência de que o que faz não é certo, mas seus amigos loucos não param
e você simplesmente vai com a maré? Pois é. Se Frank não tivesse me parado, eu teria
continuado até o fim. Mas ele parou, e eu concordei rapidamente, saindo de cima dele,
murmurando um „você tem razão‟ como pude. Ainda levaria alguns minutos para recobrar minha
respiração normal.

Frank se levantou e ajeitou a camisa, ao que eu arrumava as calças que ele conseguiu tirar
completamente do lugar. Estavam apertadíssimas, e eu notei que ele encarava essa parte do
meu corpo com avidez.

“Frank, não fica olhando,” eu pedi, envergonhado. Sabia que o tecido grosso não podia segurar o
estrago todo o que ele causava.

“Não estou olhando,” ele respondeu, pegando suas coisas do chão. “Estou visualizando o meu
futuro.”

Não pude deixar de rir. Rir mesmo, gargalhar, sei lá por que - vai que foi pela cara que ele fez
ao dizer isso. Frank era delicioso em tantos sentidos, e eu tive que agarrá-lo pelas bochechas e
dar um beijo estalado em seus lábios antes de sairmos da Oficina do Pecado (como ele viria a
chamá-la posteriormente).

Quando chegamos à frente do posto de gasolina, Ray e Bob já nos esperavam lá. Tinham os
braços cruzados e olhavam para os lados, nos procurando.

“Onde vocês estavam?” Ray foi o primeiro a perguntar.

Olhei para Frank. Onde nós estávamos, Frank? Mikey, pode voltar agora, e me dê uma desculpa
muito boa. Ah meu deus, Mikey, por favor peça para Frank não contar onde estávamos e muito
menos o que estávamos fazendo!

“Fui tirar umas fotos,” Frank disse casualmente. A capacidade dele de ser fingido me
impressionava. “Aliás, faz um favor, pega uma flor aqui cada um.”

Nós escolhemos as flores. Ou melhor; Bob e Ray escolheram. A minha, Frank me deu, olhando-
me nos olhos de forma significativa. Tentei não sorrir muito abertamente ao pegá-la.

Frank nos intimou a ficar contra a parede escura do lado de dentro do restaurante, perto da
porta do banheiro masculino, segurando as flores ao que ele tirava fotos. Dizia que eram para
Mikey. Era para que nós guardássemos de recordação, como nossa última viagem juntos, de
uma forma ou de outra. E, como ele era parte da viagem, eu tirei fotos dele (ele chegou a comer
a flor, o danadinho). Algumas das fotos que eu tirei, disfarçadamente, eu esperava que meus
amigos não vissem tão cedo. Revelava mais do que deveria sobre minhas preferências nele.
Quando voltamos para dentro do jipe, eu me lembrei do quanto amava aquele ar-condicionado.
E comecei a pensar na asma de Mikey - será que aquilo lhe faria mal? Por mais bobo que isso
soe, fiquei pensando nisso uns bons minutos ao que avançávamos pela estrada, a mão de Frank
firme na minha.
*

A estrada passava pela janela. Na mesma velocidade constante, calma, rápida: assim como os
dias. Assim como minha vida, que começava a se acomodar, a ficha caindo ao que eu finalmente
aceitava, conformava e lidava com a falta do meu irmão.

Meu irmão, o qual havia virado pó. Pó este que encheu minha mão ao que eu a afundei na urna,
e que escorregou por entre meus dedos ao que eu a estiquei para fora da janela.

Mikey livre.

Como eu esperava ser um dia.

“Santo Deus, Gerard, quer me matar?” Frank sussurrou para mim dentro do jipe.

Estávamos a caminho da esperada boate. Havíamos chegado a Orlando no fim da tarde, e não
queríamos perder tempo. Aliás, Frank estava ansioso (até demais) para ir à tal boate. Eu o
questionara sobre o motivo, mas ele apenas deu de ombros e disse que queria dançar, calma,
Gerard, não quero sair pegando todos os homens musculosos de lá, é só uma balançadinha
inocente, você nunca saiu na sua vida?

De qualquer forma, eu havia me arrumado o melhor que pude. Sim, eu queria que Frank me
desejasse. Ora! Iríamos passar algumas horas rodeados por homens com corpos definidos,
bronzeados e esguios. Eu era gordo, pálido e curvado. Tinha que defender o que era meu - ou o
que eu pelo menos esperava que fosse e permanecesse sendo meu. Se eu não ia poder ficar
abraçado com ele o tempo todo, ou pregar uma placa de „Fique longe‟ em seu pescoço, ou
mantê-lo numa coleira com três centímetros de comprimento, então eu tentaria fazer com que
ele ficasse ao meu lado por vontade própria.

Vesti a calça preta mais apertada que eu tinha e a camisa de abotoar que ele disse que gostava,
as mangas dobradas, e até tentei dar um jeito no meu cabelo. Não funcionou muito bem. Mas
Frank; ah, Frank. Por que eu estava sequer impressionado?

Frank, com uma camisa branca, uma águia desenhada em seu peito - e era tudo o que eu via.
Até quando estava olhando para outros lugares, era ele que eu via. Todo olhares para meu
lado! Meu, seus malditos, tirem os olhos dele. Senti uma vontade ridícula de segurar sua mão
quando entramos, mas não o fiz, tentando parecer confiante (Mikey sempre me disse que
pessoas mais confiantes são mais atraentes).

E Frank atraía olhares. Como atraía! Eu via homens virando a cabeça para poder olhá-lo por
todos os ângulos. E Frank sorria para eles - sorria para eles na minha frente, o que diabos? Pode
parar. Mikey, faça o favor de mandar o seu amigo sossegar? Meu namorado nada. Meu
namorado? Não. Sim? Pára. Chega, Mikey, é sério, estou sofrendo.

“Olha só,” Ray disse, um sorriso em seus lábios grossos. “Frank vai se dar bem hoje.”

O pequeno Frank sorriu, vitorioso, reconhecendo que era popular. Me olhou de esguelha. “Não
sei, será?” Ele perguntou, uma mão na cintura.

Não sei. Será?

“Até eu acho que sim,” Bob confessou, uma expressão de criança-vendo-pornografia em seu
rosto. “Todo mundo está olhando. Não está, super G?”

Cruzei os braços, olhando para o insolente à minha frente. “É, Frank, acho que todos te querem,
por que você não vai dançar com eles?”

“Gerard, calma,” Ray já avisou. Santo deus, parem de achar que vou atacá-lo. Bem, talvez ataque,
mas não dessa forma.

“Mas e se quem eu quero não me quiser?” Frank questionou, um bico em seus lábios vermelhos
- lábios que eu queria. Sim, eu estava pensando muito nisso. Não podia evitar. Pegue uma
porção de Abstinência, um bocado de Stress, junte Frank com sua eterna beleza e provocação,
misture bem. Sou eu. “Além do mais,” Frank continuou, uma sobrancelha levantada. Aproximou-
se de mim. “A gente ainda tem que mostrar o lugar ao Mikey, Gerard. Sossega.”

Disfarçadamente, ele havia escorregado uma mão e me apertado.

Havíamos chegado há menos de dez minutos, mas já estava bem claro que a noite prometia.
*

Nós havíamos terminado nosso Mikey-tour. Meu irmão caçula iria pra sempre presenciar cenas
que eu nem podia imaginar. Num lugar sempre alegre, onde as pessoas iam para se divertir,
dançar - e o que não faziam lá? Faziam de tudo.

Eu e meus amigos estávamos na ponta de um dos lotados balcões. Ray, já na quarta cerveja,
começava a rir alto demais, entrando na brincadeira de um latino divertido que estava por ali.
Acho que Ray esqueceu que o sujeito estava tentando encontrar um caminho até as calças dele,
pois estava dando muita bola.

Bob era o único sentado. Tinha uma garrafa numa mão e a urna na outra, sobre o colo, e eu
conversava com ele sobre os homens dali. Bob achava muita graça nos meus gostos. Ele era o
homem hétero mais bem resolvido que eu já vi: algumas vezes, passou a noite comigo na minha
cama, quando Mikey estava no hospital e eu estava mal demais para ficar sozinho. Bob era
realmente ótimo, e estava a me perguntar sobre os caras dançando nos postes.

Eu estava prestes a admitir que não, não era muito meu estilo. E que, além do mais, eu não
estava interessado em ninguém. Porém, quando a pergunta foi lançada, Frank me olhou
atentamente, esperando minha resposta.

“Ahh, nem me fale,” eu disse, fingidamente afetado. “Você viu aquele ali?” Eu perguntei,
apontando para um sujeito que dançava com uma sunga vermelha e um chapéu de bombeiro.
Preciso dizer que previ o número que ele planejava? Uma palavra: mangueira. Mais umas duas
horas e tudo iria acontecer.

“É, ele me parece... bom?” Bob hesitou, tentando achar uma palavra que não o fizesse tomar meu
partido, mas sim demonstrasse sua pura curiosidade. “Acho que até sei o que ele vai fazer mais
tarde, com essa roupa de bombeiro...”

“Exatamente!” Eu exclamei, pronto para começar um jogo de adivinhações ridículas sobre o que
ele iria fazer. Talvez molhar a todos, apagar o fogo, estava tão quente ali etc. Mas Frank
interrompeu.

“Acho que vou lá falar com ele,” disse o pequeno, tomando um gole do que quer que estivesse
bebendo. Ray saiu do papo com seu amigo latino.

“Falar com quem?” Ele perguntou, e Frank logo apontou para o sujeito com a mão que segurava
a garrafa. “Boa, Frankie!”

Olha só que cara de pau. Ai dele ir falar com aquele anormal. Até parece! Ele não faria isso
comigo. Ou faria? Não iria me surpreender. Na verdade, ia, mas eu sabia ser possível. Frank
subindo lá como quem não quer nada, dançando com o infeliz, que ficaria encantado. Eles
dançariam sensualmente por alguns minutos, e logo iriam correr para o quarto escuro e fazer
todas as coisas que eu queria fazer com Frank (e mais).

Então, Frank veria o grande erro que era sequer pensar em mim, me desprezaria, começaria um
relacionamento sexual com aquele bombeiro, e eu ficaria na fossa novamente. Sozinho em
Jersey, ao que Frank permanecia na Flórida, bronzeando-se e ficando cada vez mais dourado,
trabalhando como fotógrafo da boate, sendo assediado por todos e contando sobre como, uma
vez, num acesso de loucura, deu uns amassos no irmão horroroso de seu melhor amigo que
morreu. Olha bem que filho da mãe.

Eu sei que isso tudo não aconteceu, mas foi como se tivesse acontecido, e de repente, eu estava
extremamente puto (não eram ciúmes coisíssima alguma, eu tinha motivos!). Olhei para Frank
com raiva. Aquele lindo rosto sorridente e cínico, o safado, planejando me maltratar e me largar
por aquele bombeiro sarado.

“Vou pegar uma bebida,” eu disse, passando a tentar abrir caminho por entre a multidão. Os
barmans só ficavam na parte central do balcão, então eu teria alguns bons metros de
homossexuais dançantes e calças de couro (mencionei que era noite do couro?), todos na minha
frente, bloqueando minha passagem até o álcool. Não que eu estivesse voltando a beber como
um italiano velho; eu havia aprendido a me controlar e bebia socialmente, muito obrigado.
Pelo menos até eu envelhecer e ser, de fato, um italiano velho. Ainda não cheguei nesse ponto.

Após alguns suados quilômetros, eu cheguei a uma parte decente do balcão. Mas não consegui
que um garçom me notasse. Acenei freneticamente pelo que me pareceram horas, mas ninguém
me notava. E olha que eu, de tão branco, meio que brilho no escuro. Mas não me notaram. Eu
fiquei ali, sozinho, com sede, fervendo de ciúmes (está bem, eram ciúmes).

Quando me virei, com um suspiro exasperado, dei de cara com Frank. Ele parecia ter aberto
caminho ao seu redor, pois estava me encarando, de braços cruzados, e ninguém encostava
nele.

Eu pensei em mandá-lo atrás de seu bombeiro, lindo e bronzeado e cheio de músculos e com
uma coisa imensa que provavelmente iria machucá-lo. Mas não o fiz. Frank avançou pra cima de
mim num segundo, segurando meus quadris com força e colando sua boca à minha, sem pedir
licença ou permissão. É, como se precisasse.

E ele me beijou da forma mais absurdamente excitante possível. Preenchido de paixão, se isso
não for soar muito bobo. Intenso, na velocidade certa, deixando-me sem reação por uns bons
segundos. Acabei por conseguir puxá-lo para mim e retribuir como deveria. Escutei alguns uivos
e afins em aprovação, vindos dos nossos companheiros de dança que nos observavam com
inveja. Claro, morram: ele é meu.

Meu estômago deu uma cambalhota e de repente eu me senti muito quente, querendo coisas
que eu não tenho coragem de contar. Meu deus, Frank, não pare.

Parou.

“Vem dançar comigo,” ele falou, sem tirar os olhos da minha boca. Deus, como ele era tentador.

“Mas... Frank, o Bob e ---”

“Ah, Gerard, tem dó! Vamos aproveitar,” ele pediu, lambendo-me do pescoço ao queixo,
chegando a meu lábio e o mordendo, sugando, socorro.

“F... Frank, espera, não...”

Ele me soltou. Afastou-se de mim. “Quer saber? Ótimo. Fica aí.” Pôs as mãos nos quadris, e senti
meu coração afundar. É agora. Ele vai dizer para o bombeiro que está queimando de tesão por
ele. “Eu vou dançar, seu chato, cansei. E não te encosto mais, se é isso que você quer. Fica aí
sozinho, vou achar quem me queira.”

Ele deu-me as costas e começou a andar para a multidão. “Frank, espera!”

“Não te encosto mais!” Ele gritou novamente, desaparecendo em meio a todo o couro e batidas
pesadas.
Vi o bando de veados ao meu redor me olhando com censura. Alguns riam de mim. Com motivo:
eu consegui afastar a coisa mais linda daquele lugar. Tudo bem, uma salva de palmas para o
senhor Gerard Retardado Way.

Parece que até o barman estivera nos observando, pois apareceu ao meu lado magicamente, um
sorriso imbecil na cara ao que me perguntava o que eu queria. Pedi um cuba libre, muita coca
pouco gelo por favor, peguei o drink e voltei para perto dos meus amigos.

O amigo latino de Ray parecia ter tomado iniciativa, pois havia sumido e Ray estava com uma
cara nada boa. “Gerard, nós estamos indo,” ele me disse assim que eu cheguei. Arregalei os
olhos.

“Mas já? Bob?”

Bob deu de ombros, parecendo decepcionado. “Ray não gostou muito do Ramon,” ele explicou,
olhos tristes. “Eu também tenho que ir, Gerard. Eu gostei daqui, mas amanhã eu tenho que
dirigir um monte, preciso descansar.”

“É,” Ray confirmou, os braços cruzados e um olhar nervoso.

“Tudo bem, eu vou chamar o Frank,” eu falei, dando graças, graças!, ele não poderia ficar para
me abandonar pelo bombeirão, e, se o fizesse, não conseguiria achar o caminho para casa, teria
que ficar na casa do sujeito, que não iria gostar disso, terminaria com Frank e ele voltaria para
mim, pedindo desculpas e dizendo que seu corpo doce era todo meu.

“Não, super G, pode ficar,” Bob falou, fazendo-me voltar do caminho que eu já havia iniciado.
“Eu levo o Mikey, vocês vão de taxi. Pode ficar e se divertir...”

“Vamos, Bob,” Ray resmungou, já dando as costas e saindo. Bob mal teve tempo de acenar para
mim, seguindo Ray que, bêbado e nervoso, certamente se perderia facilmente naquele antro
homossexual cheio de latinos excitados.

Ótimo.

Ficamos eu, Frank, o bombeiro e as centenas de homens em roupas de couro.

Encostei-me no balcão, levando minha bebida aos lábios. Onde estaria aquele pequeno
espevitado? Que ele esteja bem longe de qualquer tipo de homem atraente.

Passei mais uns bons minutos olhando ao redor. Leia-se: procurando por Frank. Terminei minha
bebida (nunca levei tanto tempo para tomar um drink que tinha mais gelo do que tudo). Fumei
um cigarro. Fumei outro. Quando um sujeitinho estranho se aproximou de mim, eu falei que ia
procurar meu namorado, até mais ver.

Onde diabos estava Frank? Com quem, e, principalmente, fazendo o quê?


Comecei a tentar abrir caminho pelas pessoas, que dançavam mais freneticamente do que
nunca. Dei umas boas duas voltas antes que encontrasse Frank, meu coração com ele.

Frank dançava. Com um cara. Um carinha estranho, porém, admito, muito bonito. Ele era
pequeno como Frank, delicado, tinha um penteado elaborado e olhos imensos, muito azuis.

Eles dançavam de frente um para o outro. Frank tinha uma das pernas do sujeito entre as suas, e
eles se moviam juntos, muito próximos. Eu apenas observei por um tempo - seria algo bom de
se assistir se aquele não fosse Frank, meu Frank. Que se dane: meu e acabou-se. Quando o
desconhecido colocou suas mãos na cintura de Frank e as escorregou para debaixo da blusa
dele, foi o estopim. De jeito algum outro cara iria tocar aquela pele doce. Não, não mesmo, eu
não iria deixar e ponto.

Aproximei-me deles. Frank estava de costas para mim, e eu cheguei o rosto perto da orelha
dele. “Frank, vamos embora,” eu demandei.

Ele riu. Gargalhou, jogando a cabeça para trás. Insolente! Levantou os braços e envolveu os
ombros do sujeito à sua frente, que, aliás, me fitou com aqueles imensos olhos azuis.
O talzinho esticou os braços através de Frank e me segurou pelo quadril. E me puxou. Me puxou
de forma que eu estivesse colado a Frank, que não estava nem aí pra mim, estava dançando com
o tal sujeito que tentava me agarrar.

E eu não tive muita escolha a não ser entrar naquela dança de três por um curto tempo. Tentei
não fazer feio, já que haviam me repreendido uma vez por ter sido um babaca com Frank.

“Frankie, por favor, me desculpe,” eu sussurrei a ele, minhas mãos presas entre o peito dele e do
outro cara. Frank não me deu bola. “Frankie, por favor, vamos. Eu quero você só pra mim.”

Ele riu de novo. Riu! Chega.

Me soltei e me afastei. Segurei Frank pelo braço e saí puxando-o. Não me interessa! Eu só sabia
que queria tirá-lo dali, tirá-lo das garras do pequeno ser sensual que ele estava quase beijando.
E eu não vi para onde o levava, apenas andava, afastando-me de todos. Entrei num corredor
escuro, ainda o puxando, e finalmente o pressionei contra a parede. A expressão dele era
indecifrável.

“Pode parar de palhaçada, okay?” Eu ralhei, pressionando meu corpo contra o dele. Frank tinha a
cabeça inclinada para cima, as pálpebras caídas, os lábios vermelhos a milímetros do meu. “Eu
vou dar um jeito nisso, mas não quero mais você se insinuando para os outros.”

Eu sou ridículo, eu sei.

“Você é meu,” grunhi por entre dentes cerrados. Não sei o que me deu. Era uma força escura
tomando conta de mim, querendo matar cada um que lançasse olhares ao meu pequeno. Ele,
por sua vez, me fitou com seus olhos boêmios e embriagados, um sorriso cínico nos lábios.
“Ah, sou?” Ele perguntou, presunçoso.

Respirei fundo. Cheguei bem perto dele. “É.”

Frank levantou ainda mais uma de suas sobrancelhas já arqueadas. Entortou a cabeça
levemente, desafiador. “Então me faça seu.”

Tudo bem, Frank.

Mikey, você definitivamente não quer ver isso.

Segurei os pulsos de Frank e os prendi contra a parede, juntos, sobre sua cabeça. Ele resistiu um
pouco a princípio, e eu tive que aplicar uma certa força à ação, mostrando a ele que ele teria o
que pediu.

Mordi seu queixo, lambendo-o da forma que eu me lembrava tê-lo feito gemer longamente - e
consegui o mesmo efeito. Anote na lista. E lambi-lhe os lábios vermelhos, nunca antes tão
doces, antes de beijá-lo com a avidez que nós dois precisávamos.

Mas hey, isso eu já tinha feito antes. Deixei minhas mãos escorregarem pelos braços de Frank,
que foram caindo em meus ombros, e desci pelo seu peito, suas laterais, até chegar na barra de
sua camiseta. Sim, eu tirei a blusa dele. Tirei e enfiei a ponta dela no bolso traseiro da minha
calça, o tecido pendurado não me incomodando. E então eu passei a descer beijos pelo delicioso
corpo de Frank, as luzes e os flashes da pista de dança batendo em sua pele dourada. Eu tinha
apenas nanosegundos de visão naquele corredor escuro, mas quando a luz iluminava meu
pequeno, eu podia ver seus lábios entreabertos e olhos fechados.

Eu fiquei de joelhos. Sim. Abocanhei a barriga dele, as linhas escuras já cicatrizadas, e suguei a
região ao redor de seu umbigo como se não houvesse amanhã, maravilhado com o quão quente
e sedoso Frank era. As mãos dele estavam nos meus ombros, e embora eu não conseguisse
ouvi-lo, eu podia sentir as vibrações de seu corpo a cada som que ele fazia, misturando-se com
as batidas ritmadas da música muito alta. Olhei para cima, vendo Frank mordendo os próprios
lábios, e se eu já não estivesse decidido do que fazer, aquela cena teria me convencido. Não tive
receios; olha o lugar onde nós estávamos. Não éramos os únicos.

Segurei as pernas de Frank pouco acima de seus joelhos, subindo as mãos, pressionando-as
contra suas coxas grossas. Ele apertou meus ombros em resposta, e eu sabia bem o que ele
queria. Era também o que eu queria.

Quando eu levei as mãos ao cinto dele, meu coração pulava. Era como se fosse a primeira vez
que eu fazia isso. Não era - bem, talvez a primeira vez sóbrio -, e eu estava ansioso pra
desgraça. Mas eu queria. Queria mostrar a Frank que eu estava ali por ele, que eu faria o que ele
quisesse, mas que eu deveria ser o único a fazer. Mostrar a ele que eu estava disposto a
ajoelhar-me no corredor escuro de uma boate indecente para que ele se sentisse bem e me
quisesse. Mostrar a ele que eu o desejava, e muito, e que aquilo era somente uma pequena
amostra do que nos aguardava.
E foi em absoluto deleite que eu provei Frank, dulcíssimo, divino, pulsante.

Todo meu.

Capítulo 8

CAPÍTULO 8

Eu não estava acreditando.

Realmente, patético.

Eu, não ele. Ele... eu estava com raiva dele. Mas não de verdade. Mas estava.

Porra, que merda.

É o seguinte: após minha pequena aventura na boate, eu e Frank decidimos voltar para o hotel.
Não que víssemos a possibilidade de algo mais acontecer, já que eu dormia no quarto com Bob,
e Frank com Ray. Apenas estávamos ambos satisfeitos (Frank principalmente), e foi um consenso
mútuo e silencioso que decidiu que deveríamos ir embora. Tomei Frank pela mão -
delicadamente, desta vez -, e saímos do local.

Pegamos um taxi. Envolvi os ombros de Frank com um braço e ele se encostou contra mim.
Pousei um beijo em seus cabelos e ele manteve uma mão no meu joelho.

Até aí tudo bem. Daí as coisas ficaram ainda melhores.

O motel em que ficávamos era o típico duas colunas com estacionamento no meio. Assim:
tínhamos uma fileira de quartos, que davam para o estacionamento, de frente para a outra fileira
do outro lado. Quando chegamos ali, só havíamos encontrado quartos livres em fileiras
separadas, de forma que meu quarto e o quarto de Frank eram bem distantes.

Eu o levei até a porta do quarto deles, e me preparava para dar-lhe um beijo de boa noite
quando notamos um papel pregado na porta. Frank o pegou, porém, meio bêbado, não
conseguiu focalizar bem as letras no escuro.

Era a letra de Bob. Dizia:

Querido Frankie, eu preciso descansar. Durma na minha cama, e por favor não implique com
Gerard. Se você entrar aqui e me acordar, eu arranco suas tripas e penduro sua cabeça na antena
do meu jipe. Com amor, Bob.

Eu acho que sorri muito largamente ao ler isso. Quando Frank me perguntou o que dizia, eu
mandei ele falar baixo e li o bilhete pra ele. Eu já estava vibrando de ansiedade. Afinal de contas,
sejamos sinceros: nós nem sequer iríamos dormir, certo?

Frank mordeu o lábio inferior para conter seu sorriso largo. Mencionei que ele ainda estava sem
camisa? Sim, eu não a devolvi. Havia planejado dormir com ela, dormir com o cheiro dele (e
rezar para Bob não perceber). Ali estava ele, pequeno e tatuado, exalando perfeição e prestes a
ir para meu quarto. E se aproximando de mim.

Considerando que já era madrugada, não era surpresa o estacionamento estar deserto. Escuro,
sem uma vivalma que não nós mesmos, um silencio mortal pesando o ar. Foi a vez de Frank me
prender contra a parede, ondulando-se contra mim, passeando as mãos pelo meu torso ao que
me beijava lentamente. Quando eu inverti nossas posições e praticamente o levantei do chão,
segurando suas pernas (que rapidamente se envolveram ao meu redor), o gemido baixinho de
Frank ecoou em meus ouvidos e eu me senti tonto. Tonto por quê? Experimente e saberá.

Ele me abraçava ao que eu o beijava, sua pele muito macia toda ao meu alcance. Como eu o
queria.

Decidimos, por fim, ir para o quarto, Frank deslizando para o chão - e deslizando por mim, se é
que você me entende. Muito, muito bom. E olha que nem havia começado.

Ele segurou minha mão e praticamente correu em direção ao quarto, puxando-me dando
risadinhas ao que atravessávamos o estacionamento. Se jogou contra a porta, aparentemente
esquecendo que eu ainda tinha que destrancá-la. Quando eu o fiz, Frank ficou de frente para
mim. Havia um abajur ainda ligado ao lado da cama, e Frank deu passos para trás, nunca tirando
os olhos de mim ao que se deitava. E se deitou. De barriga para cima, apoiado sobre os
cotovelos, me olhando e me esperando.

Frank. Lindo Frank, sem nada para esconder, livre, maravilhosamente meu. Esperando por mim.
Por mim, que de repente me senti muito constrangido.

Tente ficar nu em frente a uma pessoa realmente bonita quando você é gordo e estranho. Você
se sente ainda pior. Isso é coisa fácil de se livrar; duas (sete, pra mim) doses de uísque e tudo
corre às mil maravilhas. Mas eu não queria isso. Eu tinha vergonha do meu corpo, tinha medo de
que Frank me visse e mudasse de idéia, tivesse nojo de mim, saísse correndo e contasse a meus
amigos sobre como eu não tenho noção de ridículo e só sou olhável sob uma boa quantidade de
panos.

Mas, no fundo, eu sabia que ele não iria fazer isso.

Foi uma sensação realmente horrível. Ter Frank ali, deitado, esperando por mim, e meu corpo
clamando por ele ao mesmo em que gritava: desligue a maldita luz! Eu ia lidar com aquilo, sem
a ajuda de coisas que alterassem minha consciência. Eu só precisava de um minuto.

“Eu... vou ao banheiro e já volto,” eu disse, rapidamente me enfiando no banheiro (que era bem
grande, para minha surpresa). Fechei a porta atrás de mim e me encostei a ela.
Calma, Gerard, eu dizia a mim mesmo. Está tudo bem. Ele gosta de você. Tenha amor-próprio.
Não seja bobo. Ninguém é perfeito - só Frank, mas não conta. Calma, calma, ele vai te querer.
Ele sabe que nem todo mundo pode ser construído sob proporções perfeitas. Nem todo mundo
tem a pele dele, nem todo mundo tem lábios tão provocantes, nem todo mundo escolhe
tatuagens tão bem e nem todo mundo sabe ondular os quadris daquele jeito.

Antes que eu percebesse, minhas calças estavam me matando e eu tentava agarrar a madeira da
porta.

Tudo bem, vamos lá.

Olhei-me no espelho. Eu ainda tinha a boca corada por todas as ações da noite, e algumas
marcas povoavam meu pescoço. Meu cabelo, que Frank bagunçara, ficou estranhamente bom.
Assim? Calma, desabotoa alguns botões. Isso. É, acho que ele vai gostar - é bom gostar, não fica
melhor que isso.

Certo. Vamos, ele está te esperando. Seminu. Desejoso. Ele te quer, anda logo.

Fui.

E ao abrir a porta do banheiro e espiar dentro do quarto, vi que Frank estava dormindo.

Esparramado na cama, dormindo - apagado. Eu sabia que ele conseguia pegar no sono de um
segundo para o outro, mas tinha que ser agora? Eu vou para o banheiro por cinco minutos e ele
dorme! Dorme! Me deixa todo daquele jeito, provoca, convida, demonstra... e dorme.

E voltamos à parte de eu estar incrédulo e com raiva.

Tudo bem que ele estava um pouco bêbado e provavelmente cansado, mas dormir é um
desatino, já é demais. Eu me aproximei da cama, vendo se era fingimento. Aproximei o rosto do
dele, mas quando ele realmente não acordou, eu acabei me sentindo meio sujo - ele estava
dormindo, afinal de contas. Dormindo. Na minha cama. Disposto a dormir (ou não dormir)
comigo. E eu ali! Todo pronto para ele, e ele dormindo.

Sou realmente muito fodido na vida e condenado a frustração eterna, pensei comigo mesmo.

E o que fazer? Deitar-me ao lado dele? Não. Deitar na cama de Bob? Não. Acordá-lo e perguntar
como diabos ele teve a coragem de dormir enquanto eu estava tentando encoxar a porta
pensando nele? Definitivamente não. Ficar olhando para ele como um maníaco perseguidor
repugnante e esperar que ele acordasse? Não.

Decidi tomar um banho frio - essa era, realmente, a prioridade. Eu pensaria nisso no caminho.
Porque, de verdade, como assim ele dormiu?! Porra, eu me senti um completo lixo, enfadonho o
suficiente para fazê-lo dormir.

Fui até o banheiro e me despi, ainda tristíssimo. Viu, Mikey, eu avisei. Hey, Mikey, pode voltar,
hoje não rola nada. Porque ele dormiu, reparou? Faz um favor e entra nos sonhos dele, vestido
de cenoura demoníaca, transforma tudo num pesadelo e faça ele morrer de medo. Pra ele
acordar e vir correndo pros meus braços? Poxa vida, Frank. Poxa vida.

Apoiei as mãos no mármore da pia e observei minha aparência. Eu estava melhor do que a um
tempo atrás. Não estava? Não importa. Não interessa, já que Frank está se lixando pra mim e
preferiu dormir a fazer... pára de pensar nisso, Gerard. Não vai acontecer. Não. Vai.

Abri o chuveiro. Aquela era um chuveiro típico de motel barato: a água era esguichada para
todos os lados, num raio de duzentas milhas, mas não me molhava quase nada. Lavar o cabelo
ali foi um custo. Mas eu mal me importei com isso na hora, tão chateado que estava.

Talvez Frank estivesse fingindo que dormiu. Vai ver ele não me queria de verdade, e fingiu que
dormiu pra poder adiar isso tudo até eu me tocar e o deixar em paz. Ele não teria a coragem de
me dizer que eu sou patético. É, Gerard, que idiota tolo você é. Desiste.

Mas eu não podia ignorar a maneira que eu estava me sentindo. Após todas aquelas horas
rodeado por sexo, na boate, no corredor, em todos os lugares. As batidas das músicas ainda
ecoavam nos meus ouvidos, e eu queria sentir as mãos de Frank em mim. Como queria; era tudo
o que eu queria naquele momento. E aquela água fria batendo na minha pele, quente por causa
do calor (e de outras coisas), estava colaborando ainda mais para atiçar meu corpo já sensível.

Eu havia apoiado uma mão na parede de azulejos amarelos, algumas gotas de água do chuveiro
caquético atingindo meu rosto. Pousei a mão livre no meu pescoço, tentando fingir que não era
minha própria mão. Eu não estava pensando, obviamente; foi apenas meu corpo fazendo o que
precisava fazer.

Acabei deixando minha mão deslizar pesadamente pelo meu próprio corpo, meu rosto virado
para cima, como que para tentar esquecer que aquele era eu mesmo. Eu pensava em Frank.
Pensava na forma como ele tocava meu peito, na maneira que sua coxa pressionava-se contra
mim. Não me condene: acredite ou não, todo homem faz isso, sim. Até seu pai.

E eu não era diferente. Eu sou fraco e estava louco por Frank. E Frank havia dormido. Eu daria
qualquer coisa para que ele acordasse e se juntasse a mim sob o chuveiro.

Plim, olha ele aqui.

Fui repentinamente jogado - sim, basicamente jogado - contra a parede fria. Meu peito chocou-
se contra os azulejos ao que fui forçadamente seguro naquele lugar. E aquele peito quente atrás
de mim. Pele, pele, pele - somente pele e mais nada. Frank. Tão pronto quanto eu - sabe o
quanto isso é excitante? Meu estômago de repente deu uma volta, e eu cheguei a sorrir
brevemente, minha bochecha contra os azulejos, antes de senti-lo lamber meu ombro, e fui
obrigado a gemer em resposta.

É, Frank acordou.
As mãos dele deslizaram até minha barriga - bem em baixo, para ser exato. Pude senti-lo
contra mim, e como eu o queria. “Pensando em mim?” Ele questionou num grunhido, sua voz
grossa mandando ainda mais arrepios pela minha espinha.

Eu não teria forças para responder, então aquiesci brevemente com a cabeça. Senti os dentes de
Frank contra minha pele, sorrindo, e ele mordeu-me com capricho ao que me apertava. E eu
estava tão retardadamente excitado e feliz. Eu precisava dele logo. Eu só conseguia sentir seu
calor atrás de mim, algumas poucas gotas frias escorrendo entre nós dois. E ele se movia contra
mim, provocando, e eu não sei bem o que eu falei: só sei que envolvia um som incoerente e um
„por favor‟. Porque, de verdade, me chamem de bobão, mas eu estava implorando para que ele
andasse logo com aquilo - minhas entranhas vão dar um nó com essa demora.

E ele atendeu ao meu desejo. Segurou-me fortemente pelo quadril, sua boca semi-aberta contra
meu ombro. E nós dois emitimos sons muito parecidos ao que Frank entrou em mim,
lentamente, porém com intensidade. Sim, meu corpo pode até ter achado meio inesperado,
mesmo que eu estivesse acostumado a isso. Mas eu não liguei a mínima: eu queria daquele jeito
mesmo, Frank fazendo o que quisesse de mim, a água ao nosso favor e somente isso. Um pouco
de dor inicial sempre vai bem.

Inclinei-me, facilitando para nós dois, ao que ele cravou as unhas em mim e começou a se
movimentar. Eu queria muito ver o rosto dele - imagine o quão lindo ele não estaria. Frank me
segurava e investia contra mim, e eu arfava pesadamente a cada vez que ele o fazia. Forte,
ritmado, emitindo os mais deleitáveis sons atrás de mim. Frank, aquele ser dourado, completo
poder sobre mim. Eu faria o que ele quisesse. Por enquanto, nós dois estávamos plenamente
satisfeitos com o que ocorria.

As mãos dele foram para a frente do meu corpo, segurando-me tão perto, porém mostrando
que nu-uh, era a vez dele, ele faria o que bem entendesse. Eu estava adorando. O barulho da
pele dele batendo contra a minha dava-me aquela sensação de realidade que fazia meu
estômago dançar, e eu ofegava tão pesadamente, desejando que os azulejos ficassem macios
para que eu pudesse agarrá-los.

Eu estaria mais do que completamente contente se continuássemos daquele jeito até o fim. Mas
Frank tinha outras coisas em mente. Fiquei surpreso ao senti-lo escorregar de mim, mas não
tive tanto tempo assim para pensar. Frank me puxou para trás, e o chão escorregadio quase me
derrubou. Acabei sendo arremessado contra a pia, e para evitar bater as costas no mármore,
apoiei as duas mãos ali. Frank estava de frente para mim, ali, nu - olha bem, ele estava dentro
de mim a meio segundo atrás. Favor voltar.

Eu lutava para respirar. Eu acabo entrando no clima depois de um certo tempo, e não mais
estava constrangido pelo meu corpo. Não. Porque eu sabia que ele me queria. Eu sentia isso, e
era tão bom. Inclinei a cabeça para trás, tentando permitir a passagem da maior quantidade de
ar possível pela minha garganta, mas não tirei os olhos dele. E ele também não parou de me
fitar. Ele respirava pesadamente, e escaneou meu corpo dos pés a cabeça, demorando-se nos
meus olhos ao que sorria de canto. Que visão. Não só visão: ele estava bem ali, divino, molhado,
vindo na minha direção.
Cheguei a endireitar o corpo ao que ele chegou bem perto, mas, para minha surpresa, Frank se
abaixou. Ficou sobre um joelho. Ali, bem na minha frente - socorro, vou cair. Apertei a pedra da
pia. Ah, ele não vai fazer isso - ele está fazendo.

Frank agarrou-me pelas coxas, e (tentando não ser detalhado demais) digamos que enfiou a
cabeça entre elas. Senti a força me escapar, e meus joelhos falharam por uma fração de
segundo. Senti a língua de Frank contra mim - note bem: a língua de Frank. Contra mim. Sim, lá.
Parabéns para mim por ter sobrevivido a isso, muito obrigado.

E senti sua mão me envolver, segurando-me com firmeza. A mão dele estava fria, porém sua
boca estava quentíssima, vim a descobrir. Frank lambeu-me da base ao topo antes de me
abocanhar com aqueles lábios vermelhos. E santo Deus, ele tinha habilidade nisso. Acho que
praticamente gritei ao conhecer a garganta dele, e não pude ficar olhando: meu corpo foi
sacudido num solavanco e minha cabeça jogou a si própria para trás, meu peito pedindo
clemência por não mais agüentar subir e descer com tanta rapidez. Acho que por um momento,
meus dedos se entrelaçaram nos cabelos dele.

As mãos de Frank subiram até minha cintura, e ele apertou-me com força (eu gosto de força
sim), ao que sua boca, aquela maravilhosa boca de caramelo vermelho colava-se à minha
barriga. Ele enfiou a língua no meu umbigo, e por alguma razão, aquilo foi realmente muito
bom. Ele sugou e mordeu toda a área ao redor, subindo lentamente, passando por meu peito,
mordiscando, lambendo, horrivelmente delicioso, antes de quase arrancar uma parte do meu
pescoço e chegar aos meus lábios. Minha boca, ansiosa pela dele, ficou seriamente agradecida
ao que ele beijou com séria determinação - e eu retribuí da mesma forma, puxando-o para mim
como se minha vida dependesse disso. Eu estava praticamente sentado sobre a pia, segurando
Frank com força ao que a boca dele passeava por mim, e eu gemia, deliciado, ai Frankie.

Ele logo me segurou pelos ombros e me virou mais uma vez, e voltei a apoiar-me contra o
mármore. Ele estava atrás de mim novamente, porém, dessa vez, eu podia vê-lo. Ver a ele e a
mim, nossas imagens bagunçadas no espelho, e de alguma forma aquele não parecia eu. Eu
estava preenchido de luxúria, e achei que estava assistindo a um filme realmente muito bom
quando Frank agarrou meus cabelos. Agarrou e puxou minha cabeça para trás, fitando-me pelo
espelho, por cima do meu ombro - tenho certeza que ele estava na ponta dos pés sem sequer
perceber. Sorri ao que ele passeou a boca pelo meu pescoço, fazendo mais uma das inevitáveis
milhares de marcas que ficariam ali, destacando-se coloridas sobre minha pele branca.

E, sem soltar meu cabelo, Frank voltou para o lugar de onde nunca deveria ter saído. Impondo-
se sobre mim, fazendo de mim o que bem entendesse, entrando e saindo do jeito que queria, na
velocidade que bem entendia, com a força que desejava. E, para mim, ele estava fazendo tudo
perfeitamente.

Meu corpo estava arqueado de uma forma que tornava ainda mais difícil de respirar, porém
muito melhor, mais excitante e mais delicioso. Frank me mordia ou sugava minha pele vez ou
outra, suas investidas tornando-se mais e mais rápidas. Tanto eu quanto ele emitíamos sons tão
constantes e inevitavelmente altos, eu tinha certeza que o hotel inteiro estava nos ouvindo. E eu
não ligava a mínima. Acham que tem dois caras fodendo loucamente num dos quartos? Pois é.
Eu e o cara mais MARA delicioso num raio de um milhão de quilômetros.

Consegui equilibrar-me com uma mão no mármore ao que levei uma até a cabeça de Frank,
segurando-o pelos cabelos assim como ele fazia comigo, mantendo-o ali, naquele ritmo mortal.
A velocidade de seus movimentos, a divindade de seu corpo, tudo refletido no espelho. Eu vi
seus lábios vermelhos e inchados tocando minha pele, a boca semi-aberta, seus olhos fechados,
a coisa mais perfeita já vista no mundo, e eu soube que ele estava tão perto quanto eu. Só a
expressão no rosto de Frank e os sons que ele fazia eram o suficientes para me levar ao paraíso
- ou ao túmulo, considerando meu corpo sedentário e a atividade intensa na qual nos
encontrávamos.

Senti as borboletas no meu estômago transformarem-se em dragões, e aquele calor desceu pelo
meu corpo ao que eu atingia o ápice, deliciado. Nem mesmo me importei em me tocar ou coisa
do tipo, e ao que eu basicamente gritava o nome de Frank, senti - não me ache nojento - parte
de minha carga ser lançada contra meu próprio peito. Que seja, eu não estava ligando. Mas ao
que Frank notou, agarrou meu membro, bombeando-me o resto do caminho e fazendo-me
sujar o espelho com nossas ações. Eu teria rido se não estivesse tão extasiado.

Sem forças, eu mal me movi depois disso. Apenas deixei minha cabeça cair para trás, Frank
emitindo sons deliciosamente lamuriosos bem ao lado da minha orelha. Segurei a mão dele
contra minha barriga, sabendo que eu estava causando aquilo a ele. Eu estava dando-lhe prazer,
e ele havia me escolhido e tudo deu certo e ele era meu e eu era dele e outras coisas
incoerentes.

Por alguns momentos ficamos ali, arfantes, molhados um contra o outro. Quando abri os olhos,
vi Frank olhando para mim pelo espelho. Ele tinha os olhos cansados, embaçados. Dessa vez, ele
me virou para si lentamente. Tocou meu rosto; afastou meus cabelos. Sorrimos um para o outro,
e ele me beijou devagar, com carinho, delicado.

Quando nós finalmente nos deitamos, Frank nu nos meus braços, eu descobri o motivo das
pessoas se agarrarem à vida com tanta intensidade. Eu não tinha esse sentimento antes, mas
tudo acabara de mudar. Eu havia, finalmente, conhecido a plenitude; algo bom demais para se
largar. Frank me levara a ela. Frank me levara a não ter medo de sentir o que eu achava que
estava sentindo - e eu não estou me referindo ao físico.

Meu pequeno Frank ensolarado.

Era manhã. O ar entrava pelas persianas, juntamente com os entrecortados raios solares, dando
uma cor bonita ao quarto. Cor essa que realçava a cor da pele daquele que dormia em meus
braços.

Frank estava comigo, adormecido, entregando sua confiança a mim. Estava exausto como eu. Só
que meu coração ainda acelerava de vez em quando, sem motivo aparente, e eu simplesmente
não conseguia dormir - de alegria.

Os músculos nas minhas pernas estavam doloridos, mas era uma dor boa. Eu sabia que aquela
dor vinha das ações que tomaram horas. Sim, porque após o banheiro, aconteceu mais duas
vezes. Não tão rústicas; acho que nós dois ficamos muito mais românticos após a primeira meia
hora nos braços um do outro. Eu corria a mão pelas costas de Frank ao que ele afagava meu
cabelo, nós dois conversando em voz baixa, trocando beijos carinhosos vez ou outra.

Quando ele demonstrou querer a segunda, eu ri, disse que ele era muito apressado. Mas o
acompanhei com gosto. Da terceira, eu disse que ele era realmente incansável.

“Foram quase dez anos te desejando,” ele me disse. “Vou tirar todo o atraso, pode se preparar.”

E eu estava preparado, de corpo e alma.

Nós ficamos conversando sobre as mais diversas coisas. Mikey veio à tona com freqüência, mas
não o tipo de citação sobre a morte dele. Eram citações da constante presença dele em nossas
vidas. A ratificação de que Mikey podia ter partido, mas ele viveu. E conviveu, comigo, com
Frank, com os meninos, com tanta gente. Pessoa que tinham sorte de tê-lo em suas vidas, assim
como eu e Frank, que não podíamos evitar o „ah, Mikey quase teve um infarto quando eu mandei
a professora para o inferno‟, etc.

E falamos sobre nós. Eu não mais podia evitar, e acabei dizendo a ele o quanto ele me
encantava. Disse o motivo da minha pirraça anterior, e ele ria, clamando que na época, não tinha
noção de como era irritante. Prometeu que melhoraria, e eu também. E Frank me fitava no
escuro, a luz do banheiro ainda acesa no canto do quarto, refletindo nas íris brilhantes dele.
Sorria constantemente, assim como eu.

Em dado momento, não resisti. Enquanto fazíamos amor, de frente um para o outro, nos braços
um do outro, os lábios um no do outro, toquei seu rosto e falei: “Você é a coisa mais bonita que
eu já vi.” Ele sorriu e me beijou com capricho.

E dormiu. Disse que estava cansado, bocejou e dormiu. Bem assim. Ambos satisfeitíssimos. Era
o mais próximo de me sentir completo que eu poderia alcançar - faltaria meu irmão, mas enfim.
Não vou começar com isso de novo; eu só não esqueci.

E eu comecei a preparar meu discurso para quando contasse isso a meus amigos. Planejava
fazê-lo assim que chegássemos em Jersey - aliás, Frank voltaria para Nova York? De repente,
uma afeição desmesurada me varreu, e eu o segurei mais firmemente contra mim. Eu não
imaginava que isso iria acontecer, mas estava acontecendo: eu não queria ficar longe dele - e
daí que Jersey é bem do lado? Eu queria ter acesso a qualquer hora do dia. Se ali, viajando juntos
o dia todo, eu sentia saudade dele, imagine só em outra cidade. Talvez ele pudesse voltar para
Jersey. Talvez eu pudesse ver se aquela oferta de trabalho em Nova York ainda estava de pé.

Peguei-me imaginando coisas tão à frente de mim, à frente de nós dois. Decidi que ainda não
era tempo de pensar nisso. Estava me contentando com o presente, que estava melhor do que
eu poderia pedir.

Frank respirou fundo e moveu a cabeça, seu rosto contra a curva do meu braço, sua respiração
batendo em meu peito. Tinha uma mão ao lado da bochecha corada, sobre o ponto onde meu
coração batia por ele.

Fechei os olhos, minha respiração finalmente alcançando um padrão estável. E, pela primeira
vez, dormi com Frank em meus braços.

Acordei às nove, o celular tocando. Era Bob. Demorei um pouco para alcançar o aparelho: com
Frank em cima de mim, meus movimentos estavam limitados. Eu não estava reclamando, não
mesmo.

“Estão vivos?” Bob perguntou pelo telefone.

“Mmmm, sim,” respondi, tentando não deixar tudo muito óbvio na minha voz. “E vocês,
descansaram?”

Bob gritou alguma coisa para Ray antes de me responder. “Ah, tudo beleza. Estamos comprando
comida, daqui uns vinte minutos nós chegamos. Vão se vestindo aí, ouvi dizer que as crianças
lotam aquela merda em cinco minutos...”

Enquanto Bob falava sobre o horário que precisávamos chegar, as entradas, os valores, o
caminho, o tempo e afins, Frank se moveu contra mim. Acordando lentamente, ele se acomodou
no meu peito, o rosto contra meu pescoço, e disse: “Hmmmmmmm, bom dia.”

Senti meu estômago gelar: Bob parou de falar. “O que foi isso?”

“Ah? O quê?” Lutei para não gaguejar.

Bob ficou em silêncio por um segundo. “Nada. Então, se arrumem, daqui a pouco nós
chegamos.” Despedimo-nos brevemente antes de desligar.

“Quem era?” Frank perguntou, sua voz mais grossa do que nunca. Tinha uma mão sob minha
orelha, e me acariciou levemente. Uma sensação tão boa. Eu havia me esquecido como era ótimo
acordar com alguém.

“Bob. Eles estarão aqui em vinte minutos com o café, a gente tem que se vestir,” eu falei,
levando a mão de Frank à boca e beijando a ponta de seus dedos.

Ele choramingou. “Não quero me vestir,” reclamou, passando a perna por cima de mim. “E não
quero sair daqui, nunca mais.”

Sorri e o abracei fortemente, fazendo com que ele ficasse completamente sobre meu corpo. “Nós
temos que ir, pequeno. Disneyworld nos espera,” ponderei como uma mãe fala com o filho,
vendo se ele se animava. Frank partilhava a mesma vontade de Mikey de visitar o lugar, e minha
estratégia funcionou. Ele apoiou as mãos no colchão e olhou para mim.

“Disney, caramba, é mesmo. Ah. Ah, não,” reclamou, voltando a esconder o rosto na minha pele
- que agora tinha o mesmo cheiro da pele dele. “Foda-se a Disney, eu ainda prefiro ficar aqui.”

Ficamos ali, de fato, por poucos minutos. Eu estava tão feliz que chegava a ter vontade de me
estapear para voltar à realidade. E a realidade era que em alguns momentos meus amigos
estariam chegando, eu precisava andar logo com isso. Levantei com relutância, e Frank ainda se
recusava a levantar. Disse que só saía daquela cama se um unicórnio viesse buscá-lo.

“Eu vou buscar umas roupas pra você,” eu avisei, terminando de vestir minha camisa. De jeito
algum no mundo eu o deixaria sair tão sensual como na noite anterior. “Se você não estiver
pronto, quem vai te tirar da cama é o Bob, e vai ser a pontapé.”

Frank fez um barulho que parecia um „hrrrrraw‟, enfiando a cara no travesseiro e batendo as
mãos no colchão. Eu ri e disse que já voltava, abrindo a porta e saindo para a manhã de Orlando.

Mal eu me virei e quase tive um acesso.

Havia uma certa comoção na porta de um quarto, na fileira do lado oposto do hotel. Um homem
era empurrado brutalmente para fora do quarto, sob gritos altos que chegavam claramente aos
meus ouvidos. Um homem magro, parecendo sujo, tendo seus sapatos jogados contra seu peito,
uma expressão deprimente no rosto. E aquele homem, ou o que quer que ele fosse, era Bert.

“Eu falei pra não encostar no meu pó!” Gritou um outro homem de dentro do quarto. Bert, do
lado de fora, tentava proteger o rosto com as mãos. “Seu merda!” O homem berrou novamente,
jogando um par de notas amassadas naquele que um dia foi meu namorado.

E Bert não contestou. Apenas pegou seus sapatos e as notas no chão antes de sair correndo.

Eu fiquei sem reação. Não sabia o que sentir. Apenas fiquei ali, vendo a figura afastar-se
rapidamente, suas raízes loiras despontando sob a tinta preta. Ele estava muito, muito magro, e
suas roupas pareciam as de um indigente.

Talvez ele fosse um indigente.

Não sei se fiquei ali por muito tempo. Talvez sim, talvez não. Fato é que eu vi o jipe de Bob
chegando, entrando rapidamente pelo estacionamento, e em um segundo Ray estava na minha
frente, me perguntando o que havia acontecido.

“Ahh, é... não, nada, eu... eu acho que Frank precisa de roupas, Ray, você busca pra ele?” Eu
tinha imaginado tudo aquilo?

“Tudo bem...” Ray me olhava preocupado; Bob esperava dentro do jipe. “Gerard, você está bem?”

Finalmente olhei para ele. “Sim. Sim, estou, só traga umas roupas limpas para Frank. Vou
escovar os dentes.”

Ele me olhou de esguelha, desconfiado. Entregou-me dois copos de café e se foi, balançando os
ombros para Bob quando este o perguntou se havia algo errado.

Quando entrei no quarto, Frank estava sentado sobre a cama, usando suas cuecas pretas.
Arqueou as sobrancelhas quando eu entrei. “Chegaram?”

Eu não respondi. Coloquei os cafés sobre a mesinha ao que Frank vinha em minha direção. O
abracei forte, meu coração falhando.

“Hey,” ele murmurou. “Hey, Gerard, está tudo bem?”

Meneei a cabeça rapidamente, enterrando o rosto no pescoço dele. “Eu estou bem.”

Não, eu não estava com dúvida alguma sobre meus sentimentos. Eu não gostava mais de Bert.
Mas isso não significa que o que eu vira era uma coisa que me agradasse - definitivamente, não
era, mesmo. Eu só precisava de um abraço. Eu precisava, acima de tudo, de abraçar Frank. Eu
esperava que a história que começávamos a construir não fosse nada parecida com minha
história anterior.

Eu podia jurar que aqueles olhos azuis encontraram os meus por um momento. Mas eu não
perdi as forças. Não perderia. Eu não estava mais sozinho.

Capítulo 9
CAPÍTULO 9

Não se deixe enganar pelas princesas, as cores e os sorrisos: a Disneylândia é um inferno. As


filas são imensas. Há um oceano de crianças correndo para todos os lados, o tempo todo.
Aquele calor insuportável e úmido. Aquelas musiquinhas irritantes. As pessoas em fantasias tão
grandes que acabam batendo nos passantes. Não se consegue comprar um mísero sorvete sem
vinte minutos de espera.

Aliás, por essa do sorvete, não posso reclamar. Após uma espera longuíssima para
conseguirmos um sorvete para Frank, ele fazia uma tremenda lambança para tomá-lo. Eu lambia
seu rosto e sugava seus lábios doces, furtivamente, a cada vez que meus amigos davam as
costas.

As cinzas de Mikey haviam sido completamente espalhadas. Foi agridoce ver Frank balançar a
urna, de cabeça para baixo, certificando-se de que não sobrara nada lá dentro. Mikey totalmente
livre, para sempre pelo mundo, para sempre conosco, nunca mais conosco, por aí, na minha
mente, no meu sangue, impossível de ser tocado, uma lembrança viva.

Em dado momento, pouco após o último minúsculo grão de Mikey ser levado pelo vento, eu
fiquei extremamente nostálgico. Eu e meus amigos estávamos sentados num banco comprido,
olhando as crianças correndo, a urna vazia em meu colo. Eu estava entre Ray e Frank,
ligeiramente abatido pelo desaparecimento físico definitivo do meu irmão. Era de fato preferível
pensar em um Mikey livre do que em um Mikey apodrecendo lentamente sob a terra (idéias
igualmente absurdas). Há poucos minutos atrás eu estava rindo, tão despreocupado, tão
satisfeito...

“Eu tenho tanto medo,” admiti de repente, quebrando o silêncio relativo - nós não falávamos,
mas tudo ao nosso redor era uma risada sem fim.

Senti o olhar de todos virando em minha direção. “Medo de quê?” Ray perguntou, naquele tom
de „lá vem‟.

Eu não sabia se poderia me expressar da forma correta. Encarei meus próprios joelhos, a urna
sobre eles, a urna vazia, o mundo de Mikey, Mikey que era meu e se foi, que estava sempre
comigo e nunca comigo ao mesmo tempo. Suspirei. “Tenho medo de estar alegre assim tão
cedo.” Era isso? Era, meio que era.

Pela minha visão periférica, notei Ray e Bob se entreolharem. Eles não tinham má vontade para
comigo, mas como os perfeitos héteros que eram, não tinham a menor noção sequer dos
próprios sentimentos, que dirá dos meus. Mas Frank me entendia. Senti o corpinho dele
aproximar-se do meu, nossos braços quentes se tocando. “Mas isso não é bom?” Ele questionou,
delicado.

Esfreguei a palma da minha mão contra meus jeans, tentando achar uma forma de me
expressar. Eu simplesmente precisava falar alguma coisa, meu peito parecia que ia explodir. “Eu
só... eu tenho medo de ficar feliz por um tempo e abafar tudo... e de repente me atingir, sabe?”
Balancei uma perna, bati o pé no chão. “Tenho medo de que de repente eu comece a chorar e
chorar e não consiga parar nunca mais, e que minhas malditas lágrimas alaguem o quarto e eu
morra afogado nelas,” eu disse de uma só vez. Pronto, é isso. Meu rosto formigava. Meus
amigos me olhavam com receio.

A mão direita de Frank envolveu a minha nervosa. Virei o rosto para ele. Frank me fitava, seus
imensos olhos preenchidos de carinho. “Hey,” ele sussurrou, seus lábios vermelhos curvando-se
levemente num sorriso. “Não se preocupe. Eu sou um bom nadador.”

E ele me puxou para si, seus braços envolvendo-me com naturalidade. Eu não o afastei, mesmo
quando Ray levantou os braços, preparando-se para o caso de eu retaliar Frank a pontapés. Mas
eu não o fiz. Deixei meu rosto se afundar em seu peito e fiquei ali, ouvindo seu coração, seu
divino e incansável coração que mantinha - e sempre manteria - o meu batendo.
Eu sabia que ele estaria ali. Eles. De uma forma ou de outra, eles estariam ali ao meu lado.
Sempre. Meus amigos. Meus irmãos. Minha vida.

Nós tínhamos passado a tarde toda naquele lugar horroroso, mais colorido do que o sonho mais
gay do homem mais gay de todo o universo. Eu não mais aturava os gritinhos das crianças.

“Não sei mais se quero ter filhos,” Ray reclamou em dado momento, cruzando seus braços
assustadores. Eu e Bob concordamos, mas Frank não: disse que, se pudesse, teria ao menos
cinco. Rimos e demos graças a Deus que ele não tinha um útero e não gostava de quem tinha.

No fim da tarde, Bob foi procurar um caixa eletrônico para tirar dinheiro, e Ray foi com ele. Claro
que eu e Frank ficamos para trás. Era proposital; eu queria segurar sua mão. E segurei, ao que
nós andávamos distraidamente por entre os brinquedos não tão lotados. As crianças já estavam
indo embora, os brinquedos fechando, as faxineiras varrendo.

“Pensa bem: a mulher está morta num caixão de vidro, morta. Daí o sujeito chega e dá um beijo
nela. Beijar uma morta, o que tem vem à mente?”

Franzi a testa, balançando minha mão com a do pequeno. “Que ele estava se despedindo?”

“Necrofilia, Gerard!” Frank praticamente gritou, e uma mulher que passava ao nosso lado nos
encarou, horrorizada, tapando as orelhas do filho e correndo para longe. Eu comecei a rir. “E um
bando de anões! Você acha que aqueles anões ficavam fazendo o quê o dia inteiro, huh?”

“Frank! Frank, meu Deus, pare com isso, você está arruinando minha infância,” eu implorei,
envolvendo-o pelos ombros e trazendo-o para mim. “Desde quando todo conto de fada é uma
tremenda farsa?”

Ele fechou a cara. “Desde quando ter seu quarto infestado de ratos é uma boa idéia, caramba?”

Eu arqueei as sobrancelhas. “Estranhamente dito por alguém que estava louco para vir aqui,”
ponderei, levando a mão livre à sua cintura e o beliscando de leve. Não, eu não estava dando
„mau exemplo‟ às crianças: estávamos num lugar basicamente deserto de pessoas.

“Eu gosto do Rei Leão, só isso,” ele choramingou, fazendo um bico. Eu não respondi. Apenas
olhei para Frank, meu pequeno Frankie em meus braços, eu e ele em meio a imensos
brinquedos coloridos e vazios. Ele percebeu e envolveu-me com os braços também, nossos
corpos juntos, quentes. “Oi,” eu sussurrei a ele.

“Oi,” ele sussurrou de volta. Pra que sussurrar? Talvez porque aquele era nosso segredo, nosso e
de Mikey. Porque tornava tudo tão mais novo e empolgante.

Ficamos apenas olhando um para o outro por alguns segundos, e eu absorvia cada detalhe do
rosto bonito quase colado ao meu. Uniformemente bronzeado, sem o menor rastro das olheiras
que eu sempre tive, o nariz perfeito pairando sobre os lábios absurdamente vermelhos. Frankie.
Meu Frankie.

E ali estava, o segundo que antecede o beijo. O brevíssimo momento onde os lábios estão para
se encontrar e um friozinho gostoso desce pelo seu corpo, sacudindo sua estrutura por um
minúsculo espaço de tempo no universo, sua alma dando vivas e seu coração se aquecendo.
Você sabe que está prestes a se mesclar com outro corpo, trocar calor e carinho, provar a carne
e o sentimento, tudo junto ao mesmo tempo. O maravilhoso segundo onde você não sabe se
sorri ou se continua no script. Eu faria os dois, mas tanto eu quanto Frank pulamos de susto
quando o céu foi sacudido por um fortíssimo trovão.

E não tivemos o trovão como aviso: simplesmente começou a chover. Forte, de uma vez, assim
como Frank boceja e depois de meio segundo já está roncando. Eu fiz menção de me afastar
para que fôssemos para algum lugar coberto, mas Frank segurou minha mão e fez-me voltar
para a posição inicial.

“Que se dane a chuva,” ele me disse com um sorriso atravessado.

Chuva, sem querer desrespeitar, mas você que se dane: eu tenho Frank em meus braços. Frank
em minha boca, nossos lábios mais escorregadios por conta da água que caía sobre nós dois.
Água gelada, escorrendo por nossos corpos quentes, molhando nossas roupas e nossa pele,
tornando Frank ainda mais macio de se tocar. E não pude deixar de, obviamente, lembrar da
noite anterior, quando estávamos no chuveiro.

E a lembrança definitivamente me afetou. Senti-me queimar por ele de repente, e água nenhuma
no mundo mudaria isso.

Afastei-me dele, um estalo alto quando nossas bocas se separaram. A camisa branca de Frank
havia ficada rente ao corpo e, minha nossa, transparente. Ele arfava, delicioso, e eu o pressionei
contra um mural do Pato Donald ao que voltava a beijá-lo. Aquele definitivamente não era o
local mais propício para isso. Era a maldita Disneylândia, cheia de crianças, seguranças e
câmeras, mas nós precisávamos de alguns momentos juntos, pelo amor de Deus.

Sabendo que tínhamos que refrear toda nossa energia, acabamos por voltarmos, em busca de
Ray e Bob. Eu corria, levando Frank pela mão, e ele ria comigo. A chuva castigava, refrescante,
uma ventania fazendo as gotas pesadas açoitarem nossos rostos.

Encontramos nossos amigos sob um toldo, molhados, loucos para sair daquele lugar. Queriam
sair dali, tomar um banho, fazer alguma coisa de acordo com nossa idade e, de preferência,
evitar um resfriado.

Eu tinha uma toalha envolta em meu quadril e outra em minha mão, secando meus cabelos. Saí
do banheiro bocejando, cansado, dolorido.
“Já com sono, super G?” Bob perguntou, terminando de amarrar o tênis. Seus fios molhados
caíam sobre seus olhos claros, parecendo um pouco preocupados.

“Meh, mais ou menos.”

Lá fora, o sol se escondia lentamente atrás do horizonte, um arco-íris formado lá longe. Eu


fechei as cortinas, me sentei na cama e apoiei as costas contra a cabeceira; peguei um
quadrinho no travesseiro ao lado e comecei a ler. Era o novo Batman e eu quase o arrancara das
mãos de Bob mais cedo.

“Gerard, não vai se vestir?” Ele perguntou, sentando-se na cama, ao lado dos meus pés. Segurou
meu dedão e balançou, fazendo-me rir e afastar as pernas pro outro lado - cuidado com a
toalha!, gritou Mikey.

“Vestir pra quê? Vamos sair?” Eu não queria tirar os olhos das páginas coloridas. Sai daí, Bruce, é
fria!

“Ray não falou? Ah, vamos procurar um bar, uma sinuca, pelo amor de Deus. Não agüento mais
sungas e princesas,” ele reclamou num tom baixo. “E... Gerard, eu tenho que conversar com
você.”

Tirei os olhos da revistinha, meu coração parando. “Hm? Sobre o quê, conversar sobre o quê?”
Ah não, por favor não seja o que eu estou pensando.

Bob estava prestes a abrir a boca quando ouvimos algumas batidas na porta, que logo se abriu
para Frank entrar. “Uh, oi,” ele saudou, seus olhos se demorando em mim. “Posso tomar banho
aqui?”

Ele tinha, de fato, a toalha e algumas roupas nos braços. “O que há com o chuveiro de vocês?”
Bob perguntou, sugando o anel de metal em seu lábio em seguida. Ainda tentava agarrar meu pé
com uma mão.

“Ah, quebrou quando eu fui tomar banho,” Frank explicou sorrindo. Tive a ligeira (fortíssima)
impressão (certeza) que de quem quebrou o chuveiro foi ele. “Ah, Bob, o Ray está te esperando
pra sair ou algo assim.”

“Você também não vai,” Bob falou, não em tom de pergunta. Bateu as mãos nas coxas e
levantou. “Tudo bem, estou indo. Se decidirem aparecer, só me ligar que eu venho buscar
vocês.”

Ele fez tudo muito rapidamente, meio estranho, e mal pude murmurar um „tchau‟ antes dele
sair.

Frank ficou ao lado da porta fechada, olhando para mim como quem quer uma explicação que
eu não tinha. Continuamos parados até ouvir o barulho do motor do jipe, que se afastou
lentamente até sumir.

“O-kaay,” Frank disse com olhos muito abertos. Jogou suas coisas no chão (ele sempre joga tudo
no chão) e passou a tirar a blusa. Eu já nem lembrava da revistinha. Apenas fiquei observando,
admirando a pele de Frank se revelar mais e mais ao que ele se despia lentamente. A barriga, o
peito, aqueles lindos braços tatuados se flexionando sob o tecido branco que logo foi
descartado. As mãos dele foram até o cinto cor de rosa, desafivelando, afrouxando, as calças
caindo por suas pernas, deixando-o somente com aquela peça minúscula, igualmente branca e
molhada, que revelava mais do que devia.

“Fecha a boca, Gerard.” Só então eu reparei que estava, de fato, boquiaberto.

Sorri. “Certeza?”

Frank tirou a última peça que o cobria e a jogou em mim. Caiu no meu rosto - eu poderia ter
pegado no ar, mas deixei cair no meu rosto, escorregando em seguida até meu peito. “Certeza,”
ele afirmou antes de ir para o banheiro.

Hey, vai mesmo tomar banho? É pra eu fechar a boca... é pra eu ir atrás? Ou não?

“Frank?”

Ele não me respondeu. Mas não ligou o chuveiro tampouco. Fiquei ali, cueca branca em mãos,
seminu, me perguntando o que diabos ele estava fazendo sozinho naquele banheiro. Estava
prestes a ir atrás dele quando ele reapareceu.

Nu. Sério, imagine só, Frank nu: desarma países. Encostou-se contra a parede, de frente para
mim. Tinha aquela expressão maliciosa no rosto. Levou uma mão ao pescoço, sobre a tatuagem
de escorpião que o marcava, e deixou a cabeça cair para o lado oposto ao que deixava a mão
escorregar; pelo pescoço, pelo peito, pela barriga...

“Frank...”

Ele passou a vir na minha direção. Meus calcanhares se arrastaram contra o lençol, ansiedade e
desejo revirando-me completo. Frank pousou as mãos na cama, depois os joelhos, avançando
rapidamente em minha direção, seu corpo inteiro ondulando, até parar com o rosto sobre
minhas coxas.

“Mmmm,” ele fez ao levar a mão até minha toalha. Puxou-a delicadamente, deixando-me
exposto - e mostrando o quanto eu estava disposto ao que eu esperava que viesse a acontecer.
Frank agarrou meus quadris com força e puxou-me um pouco para baixo; colocou as mãos nas
partes interiores das minhas coxas e as separou. Eu levei a mão a seu rosto, afastando o cabelo
de seus olhos ao que ele mergulhou para morder-me as pernas.

E Frank não só mordia. Apertava-me com força, cravando as unhas na minha pele e fazendo
marcas compridas, vermelhas, inchadas. Inchadas como eu estava por ele, transbordando
vontade de agarrá-lo imediatamente e fazê-lo meu como ele queria. Porém, aquela espera, a
tortura da provocação era, de certa forma, deliciosa. Toda a graça das preliminares está ali, e
Frank sabia trabalhar nelas maravilhosamente.

E parece que foi proposital quando ele pulou das minhas pernas para meu pescoço, fazendo-me
jogar a cabeça para trás e gemer longamente para o ar. Frank tocou minha orelha com seus
lábios bonitos, respirando ali por um momento antes de dizer: “Eu adoro você branquinho
assim.”

E eu morrendo por sua pele bronzeada. Tudo bem por mim, desde que ele não parasse o que
fazia. E não parou.

Eu o agarrei pelas coxas (ou seria mais pra cima?), trazendo-o mais para cima de mim, e Frank
se esfregou deliberadamente contra... é. Com aqueles malditos quadris soltos, perfeitos,
movendo-se no mesmo ritmo do beijo intenso que ele impunha. Eu estava começando a ter que
lutar por ar, mas não conseguia, todo meu corpo preso entre os travesseiros e o corpo de Frank.
Corpo este que eu tocava, minhas mãos passeando pelas suas costas antes de voltar a agarrar-
lhe pelas pernas e o pressionar cada vez mais contra mim mesmo.

Frank segurava meus cabelos, na minha nuca, e de vez em quando os puxava com força. Força o
suficiente para separar nossas bocas, e ele simplesmente me olhava por alguns segundos. Eu
sabia que eu estava tão descabelado, corado e com lábios inchados como ele, e ele parecia
apreciar a mim como eu apreciava a ele, um sorriso torto em seu rosto. E depois voltava a me
beijar, grunhindo, delicioso, mordendo minha língua e tirando meu fôlego.

E de repente ele saiu de cima de mim, minhas mãos pairando no ar, o vazio entre elas
correspondendo ao local onde as pernas dele estavam antes. Mas ele não foi para longe por
muito tempo. Abaixou-se para pegar alguma coisa, e eu vi as marcas das minhas unhas na
bunda dele: que vontade de mordê-lo, lambê-lo, pra sempre.

Frank voltou quase correndo e se jogou sobre mim, o encaixe perfeito de nossos corpos
fazendo-me fechar os olhos e morder os lábios para evitar sons altos demais. Frank levou uma
mão ao meu pescoço - de frente, seus dedos espaçados, empurrando minha cabeça para trás de
forma possessiva. Levou a outra mão até minha virilha, descendo provocante até finalmente me
segurar firmemente, o dedão sobre minha fenda, espalhando rusticamente a umidade que se
acumulara ali. Quando eu abri a boca para que meus gemidos não explodissem minha cabeça,
senti um dedo de Frank escorregar para dentro dela.

Ali estava, a ponta de seu dedo, contra meus dentes. Ele moveu a mão, espalhando minha saliva
em meus próprios lábios ao que meu rosto voltava à posição normal. A mão que estava lá em
baixo (infelizmente) foi até meu pescoço, e ele novamente segurou meus cabelos ao que agarrou
meu queixo. Aproximou o rosto do meu, esticou a língua para fora e traçou uma linha pelos
meus lábios antes de me beijar de forma suja e puramente sexual. Eu tinha as mãos espalmadas
em suas costas, e meus quadris investiam involuntariamente contra ele.

Mordeu-me o lábio com força - força mesmo, chegou a cortar. “Eu quero você dentro de mim,
Gerard,” ele disse de repente, sua voz grossa preenchida de luxúria. “Todo dentro de mim,”
repetiu, voltando a escorregar dois dedos para dentro da minha boca. E eu os suguei como se
fosse a última coisa que ia fazer na vida, meus olhos fechados, as palavras dele ecoando em
meus ouvidos tão alto quando seus gemidos constantes - e ambos faziam com que eu me
contorcesse de desejo. Frank recuava e avançava os dedos na minha boca, e parecia realmente
amar o que via, movendo-se no meu colo no mesmo ritmo.

Colou sua boca na minha antes mesmo de retirar os dedos dela, e eu o segurei ali, sabendo que
teria um infarto ou um derrame a qualquer minuto. Frank era demais para mim, era demais para
qualquer um. E em dado momento, notei que ele parou o beijo - apenas permaneceu com a
boca aberta contra a minha ao que choramingou, lamurioso. Segurei seu rosto, afastei-nos,
olhei: os dedos que antes estavam na minha boca estavam agora preparando Frank. Sim, ele
preparou a sim mesmo, santíssimo senhor, como eu sobrevivi a isto?

“Porra, Frankie,” eu sibilei, incapaz de conter-me, observando seu rosto contorcido, os lábios
vermelhos muito inchados, entreabertos. Ele abriu os olhos e me fitou, um sorriso se abrindo ao
notar o quão fascinado e desesperado eu estava por ele.

Ele tinha uma mão no meu ombro para apoio, e a outra, que estava usando em si próprio, ele
deslizou pelo lençol à procura de alguma coisa. Achou um tubo de loção - era isso que ele foi
pegar mais cedo. Fiquei agradecido por Frank ter deliberadamente quebrado o chuveiro do
hotel, mentido para todos e trazido lubrificante - eu não queria machucá-lo. Considerando o
estado em que eu estava, seria muito fácil perder o controle e ferir meu pequeno. Porém, as
coisas mostraram-se caminhar bem.

Ele arqueou o corpo um pouco, recuando para que pudesse, livremente, cobrir-me com a loção.
Esquentava, e eu não suportei ficar quieto com aquelas maravilhosas mãos correndo por toda
minha extensão, o polegar experiente passando sobre a veia inferior e a fenda, tão sensíveis, tão
divino. “Guarde um pouco disso pra mim,” eu ouvi ele dizer quando eu grunhi por entre dentes
cerrados.

Eu ainda tinha muito para ele. Peguei o tubo de sua mão e o joguei longe, logo levando minhas
mãos ao traseiro macio dele e o trazendo para cima de mim novamente. Frank riu de leve,
maroto, apertando meus ombros e me beijando mais uma vez. Posicionou-se contra mim, uma
mão na minha base ao que começou a descer sobre meu colo.

Se eu achava que Frank era quente, era porque nunca havia estado dentro dele antes. Ao que eu
entrava nele cada vez mais, eu sentia seu hálito quente contra meu pescoço, os dentes dele
travados no momento inicial de dor, tão familiar, tão maravilhoso. E Frank deslizou, abrindo-se
para mim, mordendo o músculo entre meu pescoço e meu ombro, até que eu estivesse
completamente dentro dele - como ele disse que queria.

Eu estava com vontade de jogá-lo na cama e sabe-se lá o que mais, porém me segurei. De
forma alguma eu faria isso; tinha tanto medo de machucá-lo. Acabei me segurando bem,
segurando seus quadris com força ao que ele começava a movimentar-se comigo dentro dele.
Tão, tão bom; minha pele sensível mandando ondas de prazer por todo meu corpo.
“Gerard,” Frank grunhiu ao lado da minha orelha, e meu nome nunca soou tão bem a mim
mesmo. Após um breve „uh‟, ele continuou: “Comece a gemer pra mim agora, antes que eu
comece a te bater.”

Preciso dizer que eu queria que ele batesse? Eu queria. Mas não falei nada, apenas permiti todos
os sons que meu corpo produzia ecoarem pelo ar cada vez mais quente ao nosso redor.
Estávamos ambos suados, nossos peitos juntos, deslizando um contra o outro. O traseiro de
Frank batia contra minhas coxas ao que ele ia mais e mais rápido, rápidos sons de „slap‟
preenchendo o ambiente, junto com os gemidos grossos, deliciosos e quentes dele.

Em certo momento, Frank alcançou o ângulo certo e choramingou alto. Eu o segurei naquela
posição para que atingisse aquele ponto outra e outra vez, fazendo os músculos das pernas dele
queimarem com a rapidez e intensidade de seus movimentos de vaivém. Ele me beijou mais uma
vez, rápido e desordenado e tão fodidamente delicioso, antes de deixar o corpo cair para trás,
facilitando para ele conseguir o que queria. Eu não estava nem perto de reclamar, porque
sinceramente, socorro, Frank, como você faz isso?

E ele cavalgava meu colo - e outras coisas -, mordendo seus lábios inchados, seu peito tomado
por desenhos e suor. Estiquei a mão para tocar sua pele, sentindo seu coração batendo rápido
como o meu, quando senti o frio transformar-se em calor e descer pelo meu corpo e ah, sim, a
maldita plenitude aí de novo.

Joguei a cabeça contra os travesseiros e permiti-me grunhir o nome de Frank umas boas vezes,
meu rosto franzido, arfante, deliciado. E Frank continuava se movendo, até que inclinou-se
sobre mim. “Me leve até o fim, Gerard,” ele pediu, o corpinho trêmulo. “Minhas pernas...”

Ele não precisou terminar de falar. Eu segurei suas coxas - douradas, doloridas - e nos virei na
cama, ficando por cima de Frank, que ronronou em aprovação. E comecei a investir contra ele. A
princípio, tentei não ir muito rápido, arqueando-me no ângulo que agora eu sabia ser o certo
para que cada toque em sua próstata fosse longo e delirante. E Frank pareceu estar, de fato,
entrando em um novo universo, seus gemidos tão longos e tão altos e tão excitantes e meu
deus, eu quero de novo.

Eu levei uma mão até a sua, sobre sua cabeça, e entrelacei nossos dedos ao que segurava sua
coxa com a outra mão. E investia contra Frank, saindo quase todo de dentro dele antes de entrar
novamente. E Frank gemia, e eu o beijava, e eu o mordia, e Frank grunhia meu nome, e
arranhava minhas costas, e apertava minha mão, e eu aumentava a velocidade, e mantinha
nossas bocas juntas e abertas e nossos sons se misturavam, e nossos corpos se misturavam, e
eu não sabia o que era Gerard e o que era Frank, éramos a mesma desordem transbordando
prazer.

E quando Frank chegou ao clímax... Frank. O rosto dele ficou ainda mais vermelho e sua boca se
abriu num „O‟, os lábios vermelhos pendendo, trêmulos, seus olhos fechados, meu nome
morrendo na ponta de sua língua. Eu apertei sua mão e juntei minha boca à dele ao que o
pequeno divino Frank ficou sem forças sob mim.
Frank, belo, adorável e sexy como o inferno ao mesmo tempo, gozando sob mim, comigo dentro
dele, os lábios nos meus, sua mão na minha.

Eu o beijei, ainda me movendo nele, porém bem mais devagar. Porque agora que Frank
terminou, eu estava novamente no meio do caminho. De onde vem essa energia? Experimente
ter Frank naquelas condições a seu dispor. É fácil.

Eu saí de dentro dele com relutância, caindo, ainda de bruços, sobre os lençóis desarrumados.
Eu estava tão quente, vibrando, precisando de alívio - isso não acontecia comigo há tanto
tempo. Inconscientemente eu me movi contra os lençóis, ficando agradecido por qualquer tipo
de contato. Frank ainda arfava ao meu lado, e logo eu senti a mão dele no meu ombro.

Levantei o rosto e olhei para ele. Frank nada disse; apenas me empurrou, fazendo-me ficar de
barriga para cima. Sim, sim, sim Frankie, obrigado.

Ele pegou a toalha que antes me cobria e limpou-me rapidamente, e logo depois me abocanhou
sem cerimônias, usando toda sua habilidade de uma só vez, se nariz quase tocando minha pele
ao que ele ia fundo, levando-me ao deleite. Eu grunhi tão alto que levei um punho à boca,
mordendo os nós dos dedos ao que meus olhos iam parar na minha nuca. Frank fazia „hmm‟
contra mim, como se gostasse do que estava provando. Eu certamente gostava.

E quando eu reuni forças para olhar para baixo, vi os cabelos castanhos dele caindo em frente
ao seu rosto, formando uma cortina - como que para esconder tamanha indecência. Aquela
língua me circulando, os dentes passando contra minha pele sensível, e a força deliberadamente
aplicada sobre a veia que me fazia ficar muito próximo da morte - ainda mais próximo do
orgasmo (sim, o segundo da noite, o quão bom é isso!), que tomou conta de mim poucos
segundos depois.

A boca de Frank saiu de mim, sua mão tomando conta. Ele deitou-se sobre meu corpo, sua boca
juntando-se à minha, e eu sabia que era o meu gosto ali. Não me importei. Frank invadiu minha
boca com sua língua ao que me bombeava rapidamente, e eu acho que perdi a consciência por
um milésimo de segundo, todo meu corpo ficando leve e pesado ao mesmo tempo, fraco demais
apenas para sorrir - as únicas coisas a funcionar eram minhas cordas vocais. Senti-me esvaziar
sobre meu próprio peito, não podendo realmente ligar a mínima.

Fiquei ali, arfante, Frank por cima, sorrindo contra meu queixo até que eu tive energia para tocar
seus cabelos molhados. Senti que ele ia voltando para níveis mais baixos do meu torso, e espiei
bem em tempo para vê-lo esticar a língua para fora e pousá-la na minha pele, lambendo a
sujeira que eu havia acabado de fazer ali. Frank, Frank, Frank! E ele lambeu. Lambeu tudo,
mordiscou, sugou minha barriga e meu peito, todo prazer e beleza infinda.

Voltou a nivelar-se comigo e deitou-se, de lado, puxando-me para ficar de frente para ele.
Toquei seu rosto bonito, suado, sorridente. Frank deslizou um braço por baixo do meu e me
puxou para si, uma perna passando por cima de mim, num abraço forte, tão forte, impossível de
se separar.
Eu passava a mão por seus cabelos molhados, e na hora nem notei que cantava para ele. Sentia
seu polegar acariciar meu ombro de leve, sua testa suada contra meus lábios, nossos corpos
molhados emanando um calor incomparável. “Ger,” ele chamou, a voz baixinha.

“Hm?”

“Posso dormir cinco minutos?” Ele pediu, levantando o rosto para olhar-me propriamente. “Só
um pouco, pode me acordar.”

Ele estava obviamente exausto, como eu. “Claro, meu anjo,” eu respondi, beijando levemente
sua pálpebra já fechada. “O tempo que você quiser.”

O puxei para cima do meu peito, sua mão colorida descansando sobre meu coração. Frank
adormeceu pouquíssimo tempo depois, sua respiração batendo de leve na minha pele. Eu tinha
uma mão em suas costas e outra em seus cabelos, que eu simplesmente não podia parar de
acarinhar. Certas palavras estavam rebelando-se dentro de mim, clamando que queriam ser
ditas, precisavam ser pronunciadas imediatamente, mesmo que eu não tivesse idéia do que
poderiam acarretar.

“Frankie,” eu sussurrei para o pequeno adormecido em meus braços. Ele não acordou, e eu
toquei seu rosto quente. “Eu acho que estou apaixonado por você.”

Em paz e completo, eu dormi junto a ele.

A cidade de Orlando é muito bonita à noite. Tem todo o clima da Flórida, tornando a grande
cidade diferente de Nova York ou quaisquer outras com as quais eu estava acostumado. As
pessoas na rua andam de bermudas floridas e são bem mais abertas, não tão concentradas na
sua própria merda diária. Querem festas e mais festas, boates para todo lado.

Eu estava a caminho de um bar. Bar de macho, na verdade, pela descrição que Ray me deu pelo
telefone.

Após alguns minutos de descanso, eu e Frank havíamos tomado banho e nos vestido (sob
protestos de ambos os lados), e pegamos um taxi para encontrar nossos amigos. O lugar onde
estavam era praticamente uma taverna, constatei ao chegarmos. Imensos canecos de cerveja,
mesas de sinuca e rock antigo num jukebox. Sorte a minha Frank ser todo tatuado, pois me
poupou uma surra e até ganhamos uns créditos com os habitantes locais, que meneavam a
cabeça para o pequeno quando ele passava. Sim, eu não tenho tatuagens porque sou um
medroso mulherzinha de merda, e daí?

Eu imaginei meu irmão naquele lugar - ele estaria no balcão, bebericando uma cerveja e
detestando, achando um bêbado para aconselhar ou um velho sábio para discutir idéias com ele.
O que eu fiz? Fui para o lado de Bob e Ray, que jogavam numa mesa no canto do lugar, e tentei
ficar bem quieto num canto. Tive que amarrar uma bandana estúpida no pescoço para esconder
as marcas imensas que tinham ficado ali. Às vezes, eu escorregava um dedo para debaixo do
tecido, tocando a pele ainda sensível, brevemente revivendo o momento no qual a marca foi
feita.

Meus amigos estavam bêbados. É necessário uma boa quantidade de álcool para deixar aqueles
brutamontes bêbados, e eu imaginei quantos canecos eles teriam tomado - Frank estava no
segundo. Eu teria que dirigir até o hotel. Só precisava lembrar o caminho.

“E aí,” Ray me dizia, sentado na cadeira ao meu lado. Estávamos à mesa redonda de madeira
entalhada - mais medieval impossível. “E aí, haha, eu fiz assim,” - e moveu os dedos num
videogame airguitar. “E peguei do azul pra lá e o Bob” - soluço e pedido de desculpa - “e o Bob
falou que eu roubei, mas cara, eu sou bom nessa merda!”

“Claro que é, Ray,” eu concordei, batendo levemente em seu ombro, segurando o riso.

“Pode apostar que eu sou,” confirmou ele, meneando a cabeça com tanta veemência que seus
cabelos mergulharam na cerveja do caneco, espirrando um bocado do líquido em mim na volta.
“Ops!” E Ray passou a rir. Levantou quase correndo quando Bob anunciou que era a vez dele
jogar.

Era infinitamente impressionante como aqueles dois, bêbados como porcos, conseguiam jogar
sinuca perfeitamente. Eles estavam se divertindo imensamente com o jogo, Frank marcando a
pontuação no quadro - bem, ele estava desenhando no quadro, e dizia que estava mantendo a
contagem na cabeça. É óbvio que não estava, mas os outros dois estavam por demais
embriagados para notar qualquer coisa.

“Vamos de duplas” Bob sugeriu de repente, levantando as mãos - uma segurava o taco, a outra
segurava a cerveja, que derramou um bocado. “Anda anda, vamos lá mocinhas, vamos jogar!”

Frank levantou o olhar. “Mas eu não sei jogar...”

“Vamos, Frank!” Ray praticamente arrancou o braço do meu pequeno ao puxá-lo do banco, o
quadrinho da pontuação caindo com um baque abafado, a música alta sobrepondo tudo (Eye Of
The Tiger, vê se pode).

“Tudo bem,” eu ofereci, sorridente. Me levantei num pulo. “Eu te ajudo, Frank.” Eu não tenho um
pingo de vergonha na cara e não estou ligando a mínima para o que você acha. Até porque
Frank gostou da idéia, abrindo um sorriso no rosto bonito, seus olhos boêmios brilhando.

Tudo certo, Bob, eu, Ray, Frank, nessa ordem, por pontuação, não matem aquela. A tacada de
Bob: errada, okay. A minha: certa, chupem essa. Ray: certa, anda logo. Finalmente, chegou a vez
de Frank.

Ele ficou parado com o taco na mão, olhando de mim para Bob e de Bob para Ray como uma
criança que espera alguém segurar-lhe a mão para atravessar a rua. Vem aqui, Frankie. Vem
aqui, estou esperando por você. Quero te abraçar, quero sentir seu cheiro pro resto da vida, e
sei que nada irá me atingir enquanto você estiver ao meu lado.

“Assim,” eu disse somente, posicionando-me atrás de Frank. Ele dobrou o corpo contra a mesa e
eu dobrei o meu contra o dele, já tão familiar. Segurei seus braços, o ajudei a encontrar o ângulo
certo (sem maldades, dessa vez). O pescoço dele tinha cheiro do morango de seus cabelos. “Ta
bom assim, ta vendo? Vai,” instruí, e ele deu a tacada. Bateu na quina e não entrou.

“Ahh,” Frank fez, endireitando o corpo - não antes que eu lhe lambesse o pescoço. Não pude me
segurar! Ele estava ali, tão... tão Frank. Fui discreto, certo? Não tinha ninguém olhando? Acho
que não, ufa.

“Frankie,” Ray chamou, rindo muito, “você é uma porcaria.”

“Não sou!” Frank gritou, mesmo que fosse. Começou a discutir com Ray, mas eu tinha meus
olhos em Bob. Ele havia se curvado para dar sua tacada, mas de repente fez uma careta. Apoiou
uma mão no tecido verde e vomitou.

E essa é a história de como Bob pagou três mil dólares numa mesa nova de sinuca que nunca viu
na vida.

“O Ray vai te trazer o remédio? Quer que eu pegue sua toalha?” Perguntei a Bob, o ajudando a
tirar os sapatos. Não que ele ainda estivesse bêbado: vomitou basicamente todo o álcool que
consumiu. Eu só queria ser útil, ele me ajudou tanto nas últimas semanas.

“É, pode ser,” ele murmurou, chateado. Estava sentado na cama, curvado, as mãos límpidas
sobre o colo.

Peguei outra garrafa de água para ele no frigobar. Fui até o banheiro e peguei a toalha, levando
os dois de uma vez, e Bob os aceitou em silêncio. “Hey, Bobbert, acontece,” eu ofereci,
sentando-me na minha cama, de frente para ele.

“A gente precisa conversar,” ele disse pela segunda vez naquele dia, sem cerimônias, enrolação
ou qualquer coisa do gênero. Ainda encarava os próprios sapatos, apertando a toalha que eu lhe
dera.

“Sobre o quê?” Deliberadamente fingindo obliqüidade. Meu coração já pulava desenfreado, e eu


me preparava para o que viria. Eu realmente não estava com vontade de ouvir bronca: mal
humorado, Frank no outro quarto, eu preso aqui.

Bob suspirou antes de olhar para mim. “Eu vi o Bert ontem.”


Alívio imediato.

“E eu sei que você dormiu com o Frank.”

Tensão infinita, e agora, e agora?

“Eu... eu...” gaguejei, não sabendo por onde começar, o que dizer. “Eu também vi o Bert,” disse
finalmente. Bob arqueou as sobrancelhas.

“Viu?” Eu meneei a cabeça, e disse que o vi de manhã, saindo de um quarto. “Ah. Certo. Bem, eu
vou falar porque acho melhor você saber por aqui do que de outra forma... e eu sei que do jeito
que as coisas são, você definitivamente vai ficar sabendo.” Continuei somente olhando,
esperando, tentando já bolar uma desculpa para Frank. “Ele está trabalhando... er, trabalhando-
--”

“Eu sei, Bob,” eu interrompi - puta conversa incômoda. “Eu vi um sujeito jogando notas nele,” eu
falei, minha voz triste. Era realmente puramente triste.

“Olha só sua voz, Gerard,” ele choramingou. Hey, Bob, não é isso... “E aí, pra melhorar tudo, você
dorme com o Frank,” ele adicionou, e meu deus, que agonia sem fim, pare de falar nisso. Isso é
a maçaneta fazendo barulho? Estou ficando paranóico, Bob.

“Bob, não é o que você está pensando,” eu adiantei, mas ele continuava balançando a cabeça.
Teimoso, sim, mas preocupado comigo - eu tentava manter em mente que ele tinha boas
intenções. Não queria brigar com ele, mas estava difícil.

“Gerard, tem certeza do que você está fazendo? Tudo isso acontecendo, Mikey, Bert, e agora o
Frank!”

“Bob! Bob, sério, não preciso ouvir isso!” Eu praticamente gritei, levantando-me da cama. Diga
alguma coisa, rápido. Mas não diga nada que envolva seu sentimento absurdo por Frank, Bob
não vai entender, vai teimar na preocupação, não vai entender a explicação, isso não dá, não
agora, simplesmente não. Essa viagem não é sobre vocês. Anda, Gerard, fala! “Eu e o Frank não é
nada, é só físico! Você realmente acha que eu criaria sentimentos por ele? E... eu não ligo pro
Bert, okay? Chega dessa história, eu não sou o veado emocional que você acha que eu sou.” Sou
sim. “Eu sei me cuidar! Cristo.”

Bob tinha os olhos arregalados, encarando-me com surpresa. “Uh... certo. Okay então,
desculpa.”

“Não vamos arruinar o fim da viagem do Mikey com essa conversa estúpida,” eu ralhei com ele.
Me joguei na cama - a cama onde fiz amor com Frank naquela mesma tarde. Ah, Frankie. Peguei
a revistinha amassada sob o travesseiro, fingindo lê-la, fingindo que realmente não estava
ligando a mínima para todos aqueles assuntos.
Bob foi para o banheiro, finalmente tomar seu banho e tirar de si o cheiro de vômito. Fiquei
quieto na minha, e dormi antes que ele voltasse.

Acordei com batidas incessantes na porta. O quarto já estava claro, o sol da manhã brilhando lá
fora. Bob parecia completamente desorientado em sua cama, tapando o rosto com o travesseiro.
E as batidas na porta. Batidas, batidas, calma, estou indo.
O rosto amassado de Ray apareceu, seus cabelos murchos. “Frank está aí?” Ele perguntou sem
nem um bom dia, enfiando a cabeça pela porta para espiar dentro do quarto. “Frank!”

“Não - hey, Ray, ele não está aqui,” eu disse, abrindo caminho para que ele passasse. Ray entrou
dentro do quarto e olhou ao redor. Levou as mãos à cabeça, e eu senti que havia algo
extremamente errado. “O que... o que aconteceu, Ray? Cadê ele?”

Ray se virou pra mim, as mãozorras sobre o rosto. “Ele sumiu. As malas dele não estão no
quarto, ele sumiu. Acho que ele foi embora.”

Meu coração afundou. As coisas ao meu redor pareceram girar, tudo perdeu proporção, o chão
sumiu. Ray continuava falando, mas eu não estava ouvindo. Bob saiu de debaixo do travesseiro,
preocupado.

“Como assim ele sumiu?” Eu praticamente gritei. “Onde... Ray!” Segurei seu braço forte e o puxei
de frente para mim.

“Eu não sei!” Ele gritou, sua voz mais fina do que nunca. “Não sei, acordei e a cama dele estava
feita, e as malas sumiram-”

“Quando foi a última vez que você o viu? Ele entrou no quarto com você, não entrou?” Se alguém
tiver colocado as mãos no meu pequeno, eu juro por deus...

“Entrou! Eu dei o remédio pra ele trazer pro Bob e dormi, não vi nada depois...”

Chegamos. Remédio. Conversa. Não, não pode ser. „Eu e o Frank não é nada, é só físico´‟. Não,
não, por favor não. “Assim que vocês chegaram? Você deu o remédio assim que...” Ray assentiu.

O ar foi expulso dos meus pulmões como se eu tivesse levado um soco no estômago. Minha
garganta deu um nó, meu rosto formigou, meus joelhos cederam. Eu vi toda a cena. Frank vindo
pelo estacionamento escuro, sorridente, levando a mão à maçaneta, ouvindo-me dizer que
estava usando seu corpo para fins sexuais e só. Frank voltando ao quarto, pequenino, pegando
suas coisas no silêncio da madrugada e indo embora. Frank indo embora, Frank indo embora.

Encostei-me contra uma parede a fim de não deixar-me cair no chão, mas falhei. Meu corpo
escorregou pela superfície ríspida ao que era sacudido por soluços profundos e silenciosos, meu
rosto se contorcendo e sendo lavado por lágrimas. Caí sentado, escondi o rosto em mãos.
Imbecil. Como eu sou imbecil, eu deveria ter tomado mais cuidado, eu nunca deveria ter-nos
negado. Eu menti, eu tive preguiça, eu falei merda e destruí a melhor coisa que havia na minha
vida atualmente. Idiota, idiota, seu retardado de merda, eu pensava outra e outra vez, batendo
as palmas das mãos na minha testa franzida. Que vontade enfiar uma faca imensa no pescoço,
mover-me com brutalidade, destruir essa porra de corpo imbecil que só sabe falar e fazer
merda.

Ouvi Bob dizer algo como um „eu sabia‟ ao que corria para fora, provavelmente indo checar o
outro quarto. Ray ajoelhou-se em minha frente, segurando meus braços para que eu parasse de
tentar me ferir. Eu não escutei o que ele dizia. Gritei contra minhas palmas, inacreditável culpa
me dominando, e eu simplesmente não acreditava que eu tinha feito burrada tão grande.

„Eu e o Frank não é nada, é só físico‟ - que burrice desmedida, que mentira mais absurda. Eu
deveria ter começado a queimar ao dizer tamanha besteira. Devia ter um aviso divino gritando
que atenção, Frank está lá fora, não diga isso! Ele ficará magoadíssimo - e com razão! -, irá
embora, coração partido, com um ódio eterno de você. Nunca irá aceitar falar com você,
portanto não irá escutar explicações, não aceitará suas desculpas, não irá admitir a pronúncia do
seu nome perto dele. Parabéns, Gerard. Acabou de traçar seu caminho para o inferno, mas hey,
você merece.

E eu havia prometido a mim mesmo que nunca iria magoá-lo. Não fiz de propósito, mas eu
poderia ter tomado a atitude certa. Poderia ter enfrentado a situação, explicado aos meus
amigos, e que se foda se eles vão ficar preocupados, eu os provaria errados na prática, vivendo
com Frank e sendo feliz. Seria de certo melhor fazer isso do que ter em mãos o que acontecia no
momento. Desabando em lágrimas e culpa, a luz ensolarada de Frank indo para longe de mim e
deixando-me de volta na fossa escura da qual eu nunca merecia ter saído.

Capítulo 10

CAPÍTULO 10

O céu cinza de Jersey trazia toda a familiaridade dolorosa da minha vida anterior. Anterior a
quê? Familiar a quê? Ah; a tanta coisa.

Familiar a Mikey. Às nossas escapadas para ir à loja de quadrinhos, à sorveteria, à casa dos
amigos. Aos dias que passávamos juntos, fazendo-se sabe-se lá o quê, rindo, meu irmãozinho,
meu herói. Familiar ao cabelo claro e fininho dele, seus óculos de armação grossa, os braços
bonitos do meu irmão magrinho.

Familiar à amizade de Mikey com Frank. Às tardes que eles passavam brincando, lendo, me
pentelhando. Às horas barulhentas dos dois na piscina de plástico, amiguinhos de escola,
amigos de adolescência, amigos adultos.

Anterior à morte de Mikey.

Anterior à minha paixão por Frank.


Tentei ligar para ele pela enésima vez naquela noite. Já fazia quatro dias desde que nos vimos, e
eu estive insuportavelmente apático desde então. Mas ele não atendia. O telefone chamava e
chamava e chamava, e ele não tinha secretária eletrônica. Celular desligado.

Eu repassava outra e outra vez tudo o que vivemos nos últimos dias. A maneira como ele
sussurrava ao meu ouvido, sua voz grossa, seu hálito quente, fazendo-me arrepiar. Suas mãos
em minhas costas toda vez que ele me beijava. A risada espontânea, os olhos carinhosos, a mão
na minha, tão pequenino, tão magnífico, meu Frankie. Que eu machuquei com as palavras mais
afiadas que eu poderia ter dito, sem cuidado, sem pensar.

Conversei com Bob e Ray sobre o assunto. Contei a eles sobre como tudo começou, sobre o
motivo da minha pirraça anterior. Ambos ficaram em silêncio absoluto enquanto eu descrevia a
maneira como via Frank, o quanto eu o adorava, cada pedacinho dele. Disse que estava
apaixonado por ele. Ray me abraçou, clamando nunca ter imaginado e estar simplesmente
felicíssimo por nós dois - ao mesmo tempo em que surtava comigo pela merda acontecida. Bob
desculpou-se profusamente, mas eu lhe disse que não era necessário.

Eu pretendia ir atrás de Frank. Eu mal havia chegado da viagem e já planejava ir para Nova York
no dia seguinte. Pegaria meu carro e iria - nem sequer desfiz as malas. Eu não dormia bem
desde que ele foi embora. Era como se ele tivesse levado consigo uma parte de mim,
literalmente, porque eu me sentia doente. Fraco, incompleto, nunca realmente acordado, tudo
era surreal para mim. Eu comia, andava, falava, mas não estava realmente fazendo nada. Não
estava dormindo, não estava acordado, não estava nem vivo nem morto. Era um moribundo
mental, precisando urgentemente do retorno daquela parte do meu coração que Frank levou
consigo quando entrou naquele avião.

Já havia sete horas que eu estava sentado no chão do corredor do prédio de Frank, encostado
contra a parede ao lado da porta de seu apartamento. Meu corpo doía, não tanto quanto minha
alma despedaçada. Eu não sairia dali até ele chegar. E enquanto isso, pensava.

Nunca imaginei que isso tudo aconteceria. Nunca imaginei que me apaixonaria por Frank. Nunca
imaginei que ele me amasse tampouco. Nunca imaginei que ele me faria suspirar, sorrir, sentir-
me desejado. Nunca imaginei que eu me sentiria tão mal por tê-lo magoado.

Eu poderia ter ferido seu coração, mas estava pronto para entregar-lhe o meu. E se ele não o
quisesse? Ah, eu não desistiria. Como desistir da minha vida? Mesmo que ele me rejeitasse, eu
tentaria novamente, guardando na alma as lembranças de nossos momentos juntos.

Já era mais de meia-noite quando o elevador se abriu naquele andar. Lá estava ele.

Frank avançou pelo corredor. Tinha uma mala, uma bolsa e algumas sacolas de papel em mãos,
a câmera pendurada no peito, e enquanto ele olhava para elas ao que quase as deixava cair, eu
me levantei. Ele só me viu quando estava a menos de dois metros de mim. Estancou
repentinamente, os olhos muito abertos.

“Frankie por favor me deixa explicar,” eu falei de uma só vez, meu coração tocando uma
marchinha dentro do meu peito. “Eu prometo que tenho uma explicação, por favor, só me escuta
um pouco.” Não chore, Gerard, fica na tua. Seja forte.

Ele me olhou de cima a baixo, seus lábios vermelhos torcidos num bico. Seus cabelos pareciam
sujos, a camisa preta surrada, e ainda assim ele estava lindíssimo. Ele arqueou as sobrancelhas e
meneou a cabeça, concordando sem dizer uma palavra. Eu lutava contra a forte vontade de
tomá-lo em meus braços, apertá-lo, implorar para que ele não se vá, não me deixe, por favor,
Frank, me aceite de volta. Eu sei que eu não mereço, mas eu prometo nunca mais fazer isso, por
favor, o que será de mim sem você?

Permaneci com as mãos nos bolsos ao que ele abriu a porta, e nós entramos.

A primeira coisa que chamou minha atenção ao entrarmos foi a vista da janela, e de repente eu
soube o motivo de Frank ter escolhido morar ali. Era muito bonito. As luzes eram vaga-lumes
sem asas, piscando infinitamente por toda a extensão da vista, a ponte altiva ligando cidades.

Thomp, as coisas dele jogadas ao chão. Me virei de volta, piscando muito, dentes travados,
coração desembestado, estômago destruído. Frank mordeu o lábio inferior e arqueou as
sobrancelhas, as mãos nos quadris, a câmera ainda pendurada em seu pescoço. “Quer sentar?”
Ele perguntou, apontando o sofá com o queixo.

Ouvir a voz dele novamente foi horrível e maravilhoso ao mesmo tempo. Lembrou-me de aquilo
estava acontecendo. Ele estava bem ali, esperando uma explicação para minhas palavras
desprezíveis. Algo que provasse que eu menti por razões boas, que não era verdade, que eu não
o via como um pedaço de carne...

Eu preferiria ficar de pé, mas minhas pernas estavam trêmulas - todo meu corpo estava, das
minhas mãos aos meus lábios. Tanto, tanto medo de ele me jogar pra fora dali a pontapés.
Sentei-me no sofá macio, no mesmo lugar onde eu estava sentado momentos antes do nosso
primeiro beijo. Aqueles lábios que agora estavam franzidos - eu os havia beijado...

“Frank,” eu comecei, minha voz falha. Pigarreei, curvado para frente, braços apoiados nas coxas
e mãos inquietas, suadas, retorcendo-se uma na outra. Frank não falou nada. Eu não estava
olhando, mas sabia que ele continuava com as mãos nos quadris. “Sobre aquilo que você
escutou.”

“Hm,” ele murmurou de imediato. Não queria floreios. Queria a maldita explicação logo.

Eu precisava escolher as palavras certas e ser firme - mas quem consegue? Pânico, medo, culpa.
“Eu não quis realmente dizer aquilo.” Minha voz inconstante, meu lábio trêmulo me parecendo
inchado, minha testa formigando - não vá chorar, cacete.
“Ah não?” Frank perguntou. Não havia ironia em sua voz, e senti uma pontinha de esperança me
fortalecer um pouco. Ele te deu uma chance, Gerard - você teria feito o mesmo? Não, você não é
bom como ele. Fale logo.

“Definitivamente não,” eu comecei, as palavras finalmente encontrando algo que se parecia


levemente com organização e sendo pronunciadas antes mesmo que eu pensasse. “Eu só falei
aquilo pro Bob sair do meu pé, eu juro, eu não quis dizer aquilo, de verdade, Frankie.” Parei ali.
Ele ficaria bravo por eu tê-lo chamado de Frankie? Não fique, por favor, não vá embora, não leve
o sol da minha vida. “Eu sei que não justifica, eu deveria ter contado a eles, você merece tão
melhor, mas eu entrei em pânico e...”

Lágrimas imbecis, fiquem quietas aí dentro. Minha voz estava quase sumindo.

“Não era verdade,” continuei. Vi os pés dele se moverem, mas ainda assim não olhei para seu
rosto. Não conseguiria, assim como não conseguiria viver nesse mundo amargo sem a doçura
dele, e isso só me deixava mais pressionado e mais aflito. “Eu nunca faria isso, você é tão
maravilhoso, Frank. Eu já contei tudo pra eles agora, e eu vou lutar por você, Frankie, porque
eu... eu...”

Eu amo você. Falei isso alto? Não. Minha garganta se fechou, o eco das palavras na minha mente
ativando o mecanismo que destravou o que estava segurando minhas lágrimas. Aquelas
palavras, aquelas três palavras, tornavam tudo tão mais difícil complicado profundo definitivo
explícito sincero exposto. Levei as mãos ao rosto, tentando esconder minha vergonha, meu
queixo se curvando, meus lábios num bico infantil, os soluços me sacudindo por completo -
minha garganta doía intensamente.

Eu não conseguia nem pedir desculpas. Um fraco de merda, um idiota apaixonado, um imbecil
tempestuoso e emocional. Não sabia o que Frank viu em mim em primeiro lugar, e de repente
um pensamento me invadiu: talvez fosse melhor para ele ficar longe de mim. Ele merecia
alguém do seu nível, não um retardado como eu. Mas eu sou egoísta, eu o queria, dane-se se eu
sou um perdedor, por favor, Frank, não me expulse, eu vou conseguir terminar de falar, eu vou
conseguir...

O som familiar de clique ecoou no apartamento. Ele tinha tirado uma foto minha chorando
daquele jeito? Para se vangloriar. Não sei, não sei, não consigo olhar para ele. Me concentrei em
tentar controlar minha respiração, apertando minhas palmas contra minha testa. Até que senti
outras mãos sobre meus pulsos.

Assustei-me, sim. Imediatamente olhei para cima. Frank estava à minha frente. A câmera não
estava mais em seu peito e ele tinha os olhos tristes, sobrancelhas franzidas.

E encostei-me no sofá ao que Frank sentou-se em meu colo. Não posso nem nunca poderei
expressar como eu me senti naquele momento. Sentir o toque dele, saber que eu ainda tinha
chances de continuar vivendo... e Frank me abraçou. Eu imediatamente envolvi seu corpinho
com os braços, e deixei-me chorar contra o pescoço dele, o cheiro de morango embriagando
meus sentidos, suas pernas ao lado das minhas. Que alívio imenso, não sei descrever, eu
simplesmente queria mantê-lo ali comigo para sempre, protegê-lo de tudo e de mim mesmo,
guardá-lo dentro de mim, pra sempre, pra sempre.

Por dias eu imaginei as piores coisas possíveis. Sentia que todos estavam me observando, que
cada olhar vindo de um estranho continha uma repreensão pelo que eu fiz. Todos sabiam o
idiota que eu era. Eu não merecia que aquele anjo se entregasse a mim, e ainda assim, ali estava
ele, permitindo que eu o tocasse, dando-me uma segunda chance.

Murmurei seu nome por entre soluços, minha mão em suas costas sentindo o coraçãozinho dele
batendo rápido. Queria tanto dizer a ele o que eu sentia, aquelas palavras tão, tão difíceis,
tirando minhas forças...

“Shh, está tudo bem,” ele disse contra minha pele. Afastou-se levemente de mim, tomando meu
rosto em suas mãos - o dele estava molhado como o meu, tão, tão perto. “Eu também, meu
amor,” ele sussurrou, sorrindo levemente. Olhou-me nos olhos. Não precisávamos de
incontáveis palavras para saber ao que ele se referia, aquele silêncio eloqüente nos dominava e
falava por nós. Seus polegares passaram pelas minhas bochechas. “Eu também,” repetiu,
abaixando-se para tomar meus lábios nos seus.

Nada mais é mundo. O universo se resume àquele momento, àquele toque, àquele pequeno ser
magnífico em meus braços. E tive vontade de morrer, de sair correndo de felicidade, de explodir,
de abraçá-lo ainda mais forte, de chorar, de rir, de gritar a ele o quanto eu o amava outra e
outra vez.

E eu ri por entre gotas salgadas, tocando sua pele, dizendo seu nome, não acreditando que ele
me aceitou de volta. Pressionei o rosto contra seu peito. Queria ficar ali, sentindo seu cheiro e
ouvindo seu coração.

"Eu já imaginava,” ele declarou de repente. Afastei o rosto um pouco, e Frank segurou minhas
mãos contra seu peito. “Na hora eu fiquei muito chateado, mas depois eu fui pensar e eu meio
que já sabia. Foi impulso,” declarou ele, acariciando minhas palmas com os polegares. “Você
tinha avisado que não queria contar...”

Levei um tempo para responder qualquer coisa. Eu tinha, eu sei, mesmo que nada perdoasse o
que eu disse. O que eu fiz foi muito, muito feio. Não se nega coisas tão boas. Não se nega
Frank. “Mas... por que você sumiu então?” Questionei - como se ele fosse quem me devesse
satisfação. Eu só precisava saber, eu fiquei tão surtado...

Frank levou minhas mãos ao rosto, beijando os nós dos meus dedos - não faça isso, Frankie, eu
não mereço. “Trabalho,” ele explicou baixinho. “Casamento numa ilha... o fotógrafo deles
passou mal e me chamou. Tive que sair de repente.” Colocou minhas mãos nos seus ombros,
levantando os olhos bonitos para me fitar. “Fui porque pagava bem. E eu vou precisar do
dinheiro, já que vou ter que comprar umas panelas.”

Ele voltou a pressionar-se contra mim num abraço, que eu retribuí com alegria, minhas lágrimas
agora secando, deixando minha pele com aquela sensação esquisita. A cozinha do apartamento
era, de fato, preenchida somente por comida congelada, comida de restaurante e três pratos.
“Panelas pra quê?” Eu perguntei, alisando seus cabelos. Já mencionei que eu estava feliz pra
porra? Eu estava, muito obrigado.

“Pra você fazer macarrão pra mim igual fazia pro Mikey,” ele explicou de imediato, como se
fosse a coisa mais óbvia do mundo. Eu sentia suas mãos quentes sob o tecido da minha camisa,
acarinhando-me levemente. “E você vai ter que fazer toda semana, agora que você vai morar
aqui.”

Meus olhos se abriram por um momento em minha surpresa, mas após meio segundo, sorri.

Eu não disse nada - quem cala consente. Eu faria o que ele quisesse, na hora que ele quisesse,
pelo tempo que ele quisesse. Meu Frank dourado, meu caramelo doce, pentelhinho, adorável,
magnífico em seu corpo pequeno. O embalei em meus braços, tonto de carinho.

Do canto da sala, Mikey nos observava, encostado contra a parede, seus braços bonitos
cruzados sobre o peito. Tinha um sorriso no rosto magrinho, contente e orgulhoso. Piscou para
mim e pôs-se a partir. Saiu pela porta da frente sem abri-la, mas sem tampouco fechá-la.

--

FIM

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