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APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos

A pré-história da sociologia situa-se, assim, num período aproximado


SOCIOLOGIA de cem anos, de 1750 a 1850, entre a publicação de L'Esprit des lois (O
espírito das leis), de Montesquieu, e a formulação das teorias de Auguste
Relações entre indivíduo e sociedade, distinção entre espaço Comte e Herbert Spencer. Sua constituição como ciência ocorreu na
segunda metade do século XIX.
público e privado, o estado e dos direitos humanos, cidadania
e diversidade. O termo sociologia foi consagrado por Auguste Comte na obra Cours
de philosophie positive (1839; Curso de filosofia positiva), em que batizou a
Sociologia nova "ciência da sociedade" e tentou definir seu objeto. No entanto, a
Disciplina que se distingue das demais ciências sociais pela abrangên- palavra sociologia continuou suscetível de inúmeras interpretações e
cia de seu objeto, a sociologia busca conhecer, mediante métodos científi- definições no que diz respeito à delimitação de seu objeto, pois cada
cos, a totalidade da realidade social como tal, sem proposta de transforma- escola sociológica criou suas próprias definições, de acordo com as pers-
ção. pectivas teóricas, filosóficas e metodológicas adotadas. Todas essas
definições, no entanto, partilhavam um substrato comum: o estudo das
Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e efeitos das re- relações e interações humanas.
lações que se estabelecem entre os indivíduos organizados em sociedade.
Assim, o objeto da sociologia são as relações sociais, as transformações Abrangência. As ciências sociais se constituem a partir de dois pilares:
por que passam essas relações, como também as estruturas, instituições e a teoria e o método. A teoria se ocupa dos princípios, conceitos e generali-
costumes que têm origem nelas. A abordagem sociológica das relações zações; o método proporciona os instrumentos necessários para a pesqui-
entre os indivíduos distingue-se da abordagem biológica, psicológica, sa científica dos fenômenos sociais.
econômica e política dessas relações. Seu interesse focaliza-se no todo A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a sociologia
das interações sociais e não em apenas um de seus aspectos, cada um do conhecimento, da família, dos meios rurais e urbanos, da religião, da
dos quais constitui o domínio de uma ciência social específica. As preocu- educação, da cultura etc. A essa lista seria possível acrescentar um sem-
pações de ordem normativa são estranhas à sociologia e não lhe cabe a número de novas especializações, como a sociologia da vida cotidiana, do
aplicação de soluções para problemas sociais ou a responsabilidade pelas teatro, do esporte etc., já que os interesses do pesquisador se orientam
reformas, planejamento ou adoção de medidas que visem à transformação para a compreensão e explicação sistemática, mediante a utilização das
das condições sociais. teorias e dos métodos mais adequados, dos aspectos sociais de todos os
Vários obstáculos impediram a constituição da sociologia como ciên- setores e atividades da vida humana.
cia, desde que ela surgiu, no século XIX. Entre os mais importantes citam- Teorias sociológicas. Na sociologia, a teoria é o instrumento de enten-
se a inexistência de terminologia clara e precisa; a tendência a subjetivar dimento da realidade, dentro da qual se enunciam as leis gerais. Difere, por
os fatos sociais; a multiplicidade de temas de seu interesse e aplicação; as isso, da doutrina social, de cunho normativo e ideológico, e a ela se opõe.
afinidades partilhadas com outras ciências sociais; a dificuldade de experi-
mentação, já que os elementos com que lida são seres humanos; e a As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX e XX
proliferação de métodos, técnicas e escolas que tentaram elaborar uma centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre elas distinguem-se a
teoria sociológica unificada como instrumento adequado de análise, descri- determinação do que representam a sociedade e a cultura; a fixação de
ção e interpretação dos fenômenos sociais. unidades elementares para seu estudo; a especificação dos fatores que
condicionam sua estabilidade ou sua mudança; a descoberta das relações
Antecedentes. O interesse pelos fenômenos sociais já existia na Gré- que mantêm entre si e com a personalidade; a delimitação de um campo; e
cia antiga, onde foram estudados pelos sofistas. Os filósofos gregos, a especificação de um objeto e de métodos de estudos próprios à sociolo-
porém, não elaboraram uma ciência sociológica autônoma, já que subor- gia.
dinaram os fatos sociais a exigências éticas e didáticas. Assim, a contribui-
ção grega à sociologia foi apenas indireta. O desenvolvimento da teoria sociológica pode ser analisado de acordo
com três grandes temas: os tipos de generalização empregados, os concei-
Um pensamento social existiu na Idade Média, mas sob uma forma tos e esquemas de classificação e os tipos de explicação.
não-sistemática de raciocínio e análise dos fenômenos sociais, pois se
baseava na especulação e não na investigação objetiva dos fatos. Além São seis os tipos de generalização geralmente aceitos: (1) correlações
disso, nesse período anulou-se a distinção entre as leis da natureza e as empíricas entre fenômenos sociais concretos; (2) generalizações das
leis humanas e impôs-se a concepção da ordem natural e social como condições sob as quais surgem as instituições e outras formas sociais; (3)
decorrência da vontade divina, que não seria passível de transformação. generalizações que afirmam que as mudanças que determinadas institui-
Assim, eivado de conotações ideológicas, éticas e religiosas, o pensamen- ções experimentam estão regularmente associadas às mudanças que
to social medieval pouco evoluiu. ocorrem em outras instituições; (4) generalizações sobre a existência de
repetições rítmicas de vários tipos; (5) generalizações que enumeram as
As profundas modificações econômicas, sociais e políticas ocorridas principais tendências evolutivas da humanidade; e (6) elaboração de leis
na sociedade europeia nos séculos XVIII e XIX, em decorrência da revolu- sobre as repercussões e hipóteses relacionadas ao comportamento huma-
ção industrial, permitiram o surgimento do capitalismo e libertaram pensa- no.
mento dos dogmas medievais. Assim, as ciências naturais e humanas
fizeram rápidos progressos. A sociologia se mostrou mais fecunda no campo da elaboração de
conceitos e esquemas de classificação. No entanto, e apesar de terem sido
Os principais antecedentes da sociologia são a filosofia política, a filo- criados muitos conceitos, as definições existentes continuam ainda insatis-
sofia da história, as teorias biológicas da evolução e os movimentos pelas fatórias, o que impede a classificação adequada das sociedades, dos
reformas sociais e políticas, que ensaiaram um levantamento das condi- grupos e das relações sociais, assim como o descobrimento de conceitos
ções sociais vigentes na época. Nos primórdios da sociologia, foram mais centrais que permitam a elaboração de uma teoria sistemática. Verifica-se
influentes a filosofia da história e os movimentos reformistas. que numerosos conceitos foram utilizados com significados distintos por
A história permitiu o acesso ao conhecimento de dados objetivos sobre diferentes sociólogos. Mais ainda, tentativas recentes de aperfeiçoar a
a sociedade, acumulados ao longo do tempo. Além disso, a evolução da base da conceituação atribuíram importância excessiva à definição do
historiografia contribuiu em parte para o aperfeiçoamento dos métodos conceito e relegaram a segundo plano sua finalidade fundamental, a utili-
empíricos de compilação de dados e a análise dos fatos sociais. Em rela- zação.
ção aos movimentos reformistas, a sociologia partilhou com eles sua As teorias de explicação dividem-se em dois tipos principais, a causal
preocupação com os problemas sociais e não mais aceitou como fato e a teleológica. A primeira, que seria uma ciência natural da sociedade,
natural condições como a pobreza, sequela da industrialização. Incorporou indaga o porquê dos fenômenos sociais, qual a causa de sua ocorrência. A
também os procedimentos dos reformistas, que se basearam nos métodos segunda indaga a finalidade dos fenômenos sociais, com que objetivo eles
das ciências naturais para fazer levantamentos sociais, numa tentativa de ocorrem, e tenta interpretar o comportamento humano em termos de
classificar e quantificar os fenômenos sociais. propósitos e significados.

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Métodos sociológicos. Distinguem-se sete métodos na sociologia: his- Os fundadores da nova disciplina adaptaram essa síntese ao ambiente
tórico, comparativo, funcional, formal ou sistemático, compreensivo, esta- social e intelectual de seus países: Auguste Comte, na França, Herbert
tístico e monográfico. O método histórico ocupa-se do estudo dos aconte- Spencer, no Reino Unido, e Lester Frank Ward, nos Estados Unidos. Os
cimentos, processos e instituições das civilizações passadas para proceder três eram partidários da divisão da sociologia em duas grandes partes,
à identificação e explicação das origens da vida social contemporânea. estática e dinâmica, embora tenham atribuído importância maior à primeira.
Algumas diferenças profundas, porém, marcaram seus pontos de vista.
O método comparativo, considerado durante muito tempo o método
sociológico por excelência porque permitia a realização de correlações Comte propôs, para o estudo dos fenômenos sociais, o método positi-
tanto restritas como gerais, estabelece comparações entre diversos tipos vo, que exige a subordinação dos conceitos aos fatos e a aceitação da
de grupos e fenômenos sociais com o fim de descobrir diferenças e seme- ideia segundo a qual os fenômenos sociais estão sujeitos a leis gerais,
lhanças. embora admita que as leis que governam os fenômenos sociais são menos
rígidas do que as que regulamentam o biológico e o físico. Comte dividiu a
O método funcional estuda os fenômenos sociais do ponto de vista de sociologia em duas grandes áreas, a estática, que estuda as condições de
suas funções. O sistema social total de uma comunidade seria integrado existência da sociedade, e a dinâmica, que estuda seu movimento contí-
por diversas partes inter-relacionadas e interdependentes e cada uma nuo. A principal característica da estática é a ordem harmônica, enquanto a
delas desempenharia uma função necessária à vida do conjunto. Nessa da dinâmica é o progresso, ambas intimamente relacionadas. O fator
abordagem são evidentes as analogias entre a sociedade e um organismo, preponderante do progresso é o desenvolvimento das ideias, mas o cres-
o que levou seus partidários a tentativas de diferenciar o funcionamento cimento da população e sua densidade também são importantes. Para
normal das instituições e sistemas sociais de seu funcionamento patológi- evoluir, o indivíduo e a sociedade devem atravessar três etapas: a teológi-
co. ca, a metafísica e a positiva.
O método formal, ou sistemático, analisa as relações sociais existentes Comte não aceitou o método matemático e propôs a utilização da ob-
entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito às diversas formas que servação, da experimentação, da comparação e do método histórico. Para
essas relações podem assumir independentemente de seu conteúdo. Em Comte, a sociedade era um organismo no qual a ordem não se realiza
completa oposição ao formal, o método compreensivo atribui uma impor- apenas automaticamente; é possível estabelecer uma ordem planejada,
tância fundamental ao significado e aos motivos das ações sociais, isto é, a baseada no conhecimento das leis sociais e de sua aplicação racional a
seu conteúdo. O método estatístico enfatiza a medição matemática dos problemas e situações concretas.
fenômenos sociais. No entanto, como a maior parte dos dados sociológicos
é do tipo qualitativo, não se pode adotar tratamento estatístico rígido. Spencer, o segundo grande pioneiro, negou a possibilidade de atingir o
progresso pela interferência deliberada nas relações entre o indivíduo e a
Por último, o método monográfico centraliza-se no estudo aprofundado sociedade. Para ele, a lei universal do progresso é a passagem da homo-
de casos particulares: um grupo, uma comunidade, uma instituição ou um geneidade para a heterogeneidade, isto é, a evolução se dá pelo movimen-
indivíduo. Cada um dos objetos de estudo deve necessariamente represen- to das sociedades simples (homogêneas), para os diversos níveis das
tar vários outros para que seja possível estabelecer generalizações. sociedades compostas (heterogêneas). Individualista e liberal, partidário do
Técnicas sociológicas. Antes de mais nada, é preciso estabelecer a di- laissez-faire, Spencer deu mais ênfase às concepções evolucionistas e
ferença entre métodos e técnicas sociológicas. Os métodos representam usou com largueza analogias orgânicas. Distinguiu três sistemas principais:
uma opção estratégica e não devem ser confundidos com os objetivos da de sustentação, de distribuição e regulador. As instituições são as partes
investigação, enquanto as técnicas constituem níveis de etapas práticas de principais da sociedade, isto é, são os órgãos que compõem os sistemas.
operação limitada, ligadas a elementos concretos e adaptadas a uma Seu individualismo expressou-se numa das diferenças que apontou: en-
finalidade determinada. O método é, portanto, uma concepção intelectual quanto no organismo as partes existem em benefício do todo, na socieda-
que coordena um conjunto de técnicas. de o todo existe apenas em benefício do individual.
Entre as principais técnicas utilizadas na investigação sociológica figu- Ward compartilhou das ideias de Spencer e Comte mas não incorreu
ram as entrevistas, as experiências de grupo, as histórias de vida ou de em seus extremos -- individualismo e conservadorismo utópico. Deu gran-
caso e os formulários ou questionários, que podem ser de tipo fechado, de ênfase, porém, ao aperfeiçoamento das condições sociais pela aplica-
que oferecem alternativas prévias de resposta, ou aberto, que permitem ao ção de métodos científicos e a elaboração de planos racionais, concebidos
entrevistado uma liberdade maior de expressão. Tais técnicas não são segundo uma imagem ideal da sociedade.
necessariamente excludentes, pois permitem a utilização simultânea e Depois da fase dos pioneiros, surgiu o chamado período clássico do
complementar. organicismo positivista, caracterizado por uma primeira etapa, em que a
Principais correntes sociológicas. De acordo com as classificações ge- biologia exerceu influência muito forte, e uma segunda etapa em que
ralmente aceitas, são cinco as correntes principais da sociologia: organi- predominou a preocupação com o rigor metodológico e com a objetividade
cismo positivista, teorias do conflito, formalismo, behaviorismo social e da nova disciplina.
funcionalismo. O organicismo biológico, inspirado nas teorias de Charles Darwin, con-
Organicismo positivista. Primeira construção teórica importante surgida siderava a sociedade como um organismo biológico em sua natureza,
na sociologia, nasceu da hábil síntese que Comte fez do organicismo e do funções, origem, desenvolvimento e variações. Segundo essa corrente,
positivismo, duas tradições intelectuais contraditórias. praticamente extinta, o que é válido para os organismos é aplicado aos
grupos sociais. A segunda etapa clássica do organicismo positivista, tam-
O organicismo representa uma tendência do pensamento que constrói bém chamada de sociologia analítica, foi marcada por grandes preocupa-
sua visão do mundo sobre um modelo orgânico e tem origem na filosofia ções metodológicas e teve em Ferdinand Tönnies, Émile Durkheim e
idealista. O positivismo, que fundamenta a interpretação do mundo exclusi- Robert Redfield seus expoentes máximos.
vamente na experiência, adota como ponto de partida a ciência natural e
tenta aplicar seus métodos no exame dos fenômenos sociais. Assim, os Para Tönnies, a sociedade e as relações humanas são fruto da vonta-
primeiros conceitos da nova disciplina foram elaborados de acordo com de humana, manifesta nas interações. O desenvolvimento dos atos indivi-
analogias orgânicas, três das quais são fundamentais para a compreensão duais permite o surgimento de uma vontade coletiva. A Tönnies deve-se a
dessa corrente sociológica: (1) o conceito teleológico da natureza, que distinção fundamental entre "sociedade" e "comunidade", duas formas
implica uma postura fatalista, já que as metas a serem alcançadas estão básicas de grupos sociais que surgem de dois tipos de desejo, o natural e
predeterminadas, o que impede qualquer tentativa de alterá-las; (2) a ideia o racional. Segundo Tönnies, não são apenas tipos de grupos mas também
segundo a qual a natureza, a sociedade e todos os demais conjuntos etapas genéticas -- a comunidade evolui para a sociedade.
existentes perdem vida ao serem analisados e por isso não se deve intervir O núcleo organicista da obra de Durkheim encontra-se na afirmação
em tais conjuntos. Essa noção leva, em consequência, à adoção de uma segundo a qual uma sociedade não é a simples soma das partes que a
atitude de laissez-faire; e (3) a crença de que a relação existente entre as compõem, e sim uma totalidade sui generis, que não pode ser diretamente
diversas partes que compõem a sociedade é semelhante à relação que afetada pelas modificações que ocorrem em partes isoladas. Surge assim
guardam entre si os órgãos de um organismo vivo.

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o conceito de "consciência coletiva", que se impõe aos indivíduos. Para determinar as condições que tornam possível o surgimento da sociedade, e
Durkheim, os fatos sociais são "coisas" e como tal devem ser estudados. Leopold von Wiese, que renovou a divisão kantiana entre forma e conteúdo
quando a substituiu pela ideia de relação.
Provavelmente o sociólogo que mais se aproximou de uma teoria sis-
temática, Durkheim deixou uma obra importante também do ponto de vista Em oposição à interpretação positivista e objetiva do formalismo kanti-
metodológico, pela ênfase que deu ao método comparativo, segundo ele o ano, o ramo fenomenológico contribuiu com uma perspectiva subjetivista.
único capaz de explicar a causa dos fenômenos sociais, e pelo uso do Concentrou-se não nas formas ou relações que a priori determinam o
método funcional. Afirmou que não basta encontrar a causa de um fato surgimento de uma sociedade e sim nas condições sociopsicológicas que a
social; é preciso também determinar a função que esse fato social vai tornam possível. Tem grande importância, portanto, o estudo dos dados
preencher. Sociólogos posteriores, como Marcel Mauss, Claude Lévi- cognitivos, isto é, das essências que podem ser diretamente intuídas, para
Strauss e Mikel Duffrenne, retomaram de forma atenuada o realismo cuja análise o filósofo alemão Edmund Husserl propôs um método de
sociológico de Durkheim. redução a fim de alcançar diversos níveis de profundidade.
Um dos principais teóricos do organicismo positivista, Redfield analisou Behaviorismo social. Surgida entre 1890 e 1910, o behaviorismo social
a diferença existente entre as sociedades consideradas em sua totalidade se dividiu em três grandes ramos -- behaviorismo pluralista, interacionismo
e sugeriu a utilização da dicotomia sagrado/secular. Em suas análises simbólico e teoria da ação social -- e legou à sociologia preciosas contribu-
utilizou, de forma mais avançada e profunda, a grande tipologia do organi- ições metodológicas. O behaviorismo pluralista, formado a partir da escola
cismo positivista clássico, basicamente sociedade/comunidade, e suas de imitação-sugestão representada pelo francês Gabriel Tarde, centralizou-
diversas configurações. se na análise dos fenômenos de massas e atribuiu grande importância ao
conceito de imitação para explicar os processos e interações sociais,
Teorias do conflito. Segunda grande construção do pensamento socio- entendidos como repetição mecânica de atos.
lógico, surgida ainda antes que o organicismo tivesse alcançado sua
maturidade, a teoria do conflito conferiu à sociologia uma nova dimensão Os americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead e Char-
da realidade. A partir de seus pressupostos, o problema das origens e do les Wright Mills são alguns dos teóricos do interacionismo simbólico que,
equilíbrio das sociedades perdeu importância diante dos significados ao contrário do movimento anterior, centralizou-se no estudo do eu e da
atribuídos aos mecanismos de conflito e de defesa dos grupos e da função personalidade, assim como nas noções de atitude e significado para expli-
de ambos na organização de formas mais complexas de vida social. O car os processos sociais.
grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio de forças e não
mais como uma relação harmônica entre órgãos, não-suscetíveis de inter- O alemão Max Weber foi o expoente máximo do terceiro movimento do
ferência externa. behaviorismo, a teoria da ação social. Com seu original método de "cons-
trução de tipos sociais", instrumento de análise para estudo de situações e
Antes mesmo de ser adotada pela sociologia, a teoria do conflito já ha- acontecimentos históricos concretos, exerceu poderosa influência sobre
via obtido resultados de grande importância em outras áreas que não as numerosos sociólogos posteriores.
especificamente sociológicas. É o caso, por exemplo, da história; da eco-
nomia clássica, em especial sob a influência de Adam Smith e Robert Funcionalismo. A reformulação do conceito de sistema foi o centro de
Malthus; e da biologia nascida das ideias de Darwin sobre a origem das todas as interpretações que constituem a contribuição do funcionalismo,
espécies. Dentro dessas teorias, cabe destacar o socialismo marxista, que última grande corrente do pensamento sociológico e integrada por dois
representava uma ideologia do conflito defendida em nome do proletariado, importantes ramos: o macrofuncionalismo, derivado do organicismo socio-
e o darwinismo social, representação da ideologia elaborada em nome das lógico e da antropologia, e o microfuncionalismo, inspirado nas teorias da
classes superiores da sociedade e baseada na defesa de uma política escola psicológica da Gestalt e no positivismo. Entre os adeptos do funcio-
seletiva e eugênica. Ambas enriqueceram a sociologia com novas perspec- nalismo estão os antropólogos culturais Bronislaw Malinowski e A. R.
tivas teóricas. Radcliffe-Brown.

Os principais teóricos do darwinismo social foram o polonês Ludwig O macrofuncionalismo se caracteriza pela unidade orgânica que con-
Gumplowicz, que explicava a evolução sociocultural mediante o conflito sidera fundamental: os esquemas em larga escala. Foi o italiano Vilfredo
entre os grupos sociais; o austríaco Gustav Ratzenhofer, que utilizou a Pareto quem permitiu a transição entre o organicismo e o funcionalismo,
noção do choque de interesses para explicar a formação dos processos quando concebeu o conceito de sistema, conferindo-lhe correta formulação
sociais; e os americanos William Graham Sumner e Albion Woodbury abstrata. A forma da sociedade, segundo ele, é determinada pela interação
Small, para os quais a base dos processos sociais residia na relação entre entre os elementos que a compõem e a interação desses elementos com o
a natureza, os indivíduos e as instituições. todo, o que implica a existência de uma determinação recíproca entre
diversos elementos: a introdução de qualquer mudança provoca uma
O darwinismo social assumiu conotações claramente racistas e sectá- reação cuja finalidade é a recuperação do estado original (noção de equilí-
rias. Entre suas premissas estão a de que as atividades de assistência e brio sistêmico).
bem-estar social não devem ocupar-se dos menos favorecidos socialmente
porque estariam contribuindo para a destruição do potencial biológico da O microfuncionalismo desenvolveu-se na área de análise dos grupos
raça. Nesse sentido, a pobreza seria apenas a manifestação de inferiorida- em sua dinâmica e não na área do estudo da sociedade como um sistema.
de biológica. O americano Kurt Lewin, com a teoria sobre os "campos dinâmicos", con-
juntos de fatos físicos e sociais que determinam o comportamento de um
Formalismo. A terceira corrente teórica do pensamento sociológico, indivíduo na sociedade, abriu novos caminhos para o estudo dos grupos
que definiu a sociologia como o estudo das formas sociais, independente humanos. ©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda.
de seu conteúdo, legou à sociologia um detalhado estudo sobre os aconte-
cimentos e as relações sociais. Para o formalismo, as comparações devem Sociedade
ser feitas entre as relações que caracterizam qualquer sociedade ou institu- A definição mais geral de sociedade pode ser resumida como um siste-
ição, como, por exemplo, as relações entre marido e mulher ou entre ma de interações humanas culturalmente padronizadas. Assim, e sem con-
patrão e empregado, e não entre sociedades globais, ou entre instituições tradição com a definição anterior, sociedade é um sistema de símbolos,
de diferentes sociedades. O interesse pela comparação entre relações valores e normas, como também é um sistema de posições e papéis.
permitiu à sociologia alcançar um nível mais amplo de generalização e
conferiu maior importância ao indivíduo do que às sociedades globais. Uma sociedade é uma rede de relacionamentos sociais, podendo ser a-
Essa segunda característica abriu caminho para o surgimento da psicologia inda um sistema institucional, por exemplo, sociedade anôni-
social. ma, sociedade civil, sociedade artística etc. A origem da palavra sociedade
vem do latim societas, que significa associação amistosa com outros.
Os dois ramos principais dessa corrente são o formalismo neokantiano
e o fenomenológico. O primeiro, baseado na divisão kantiana do conheci- O termo sociedade é comumente usado para o coletivo de cidadãos de
mento dos fenômenos em duas classes -- o estudo das formas, considera- um país, governados por instituições nacionais que aspiram ao bem-estar
das a priori como certas, e dos conteúdos, que seriam apenas contingentes dessa coletividade. Todavia, a sociedade não é um mero conjunto de indiví-
-- teve grandes teóricos nos alemães Georg Simmel, interessado em duos vivendo juntos em um determinado lugar, é também a existência de

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uma organização social, de instituições e leis que regem a vida dos indiví- assumamos, como assumimos, que estamos diante de duas coisas: a
duos e suas relações mútuas. Há também alguns pensadores cujo debate sociedade e (copulativa de fronteira) o indivíduo.
insiste em reforçar a oposição entre indivíduo e sociedade, reduzindo, com
frequência, ao conflito entre o genético e o social ou cultural. Quando vou para o meu quarto e fecho a porta, acredito que me isolei
realmente da sociedade. Toda a minha estrutura mental e físico-espacial
Durkheim, Marx e Weber conceituaram de maneiras diferentes a defini- me diz que, realmente, sensorialmente, eu me isolei. Estou dentro do meu
ção de sociedade. Cada um definiu a constituição da sociedade a partir do quarto, em paz, em silêncio, e lá fora está a sociedade, estão os outros.
papel político, social ou econômico do indivíduo. Sinto-me orgulhosamente apenas eu-mesmo. Os deuses criaram indiví-
duos irredutíveis, assim penso.
Para Émile Durkheim, o homem é coagido a seguir determinadas re-
gras em cada sociedade, o qual chamou de fatos sociais, que são regras Todavia, eu apenas me posso isolar socialmente, na sociedade. Mes-
exteriores e anteriores ao indivíduo e que controlam sua ação perante aos mo quando julgo estar isolado, continuo totalmente mergulhado na socie-
outros membros da sociedade. Fato social é a coerção do indivíduo, cons- dade da qual julgo ter-me afastado. Todas as minhas referências, tudo o
trangido a seguir normas sociais que lhe são impostas desde seu nascimento que manipulo, tudo o que sou pertence a essa sociedade. Nenhum tijolo de
e que não tem poder para modificar. uma casa se compreende fora da constituição da casa.
Em outras palavras, a sociedade é que controla as ações individuais, o Por outras palavras, apenas posso ser indivíduo se for sociedade. O
individuo aprende a seguir normas que lhe são exteriores (não foram criadas Sr. Julai do Bairro Polana Caniço A é, intrinsecamente, um dos "morado-
por ele), apesar de ser autônomo em suas escolhas; porém essas escolhas res" desse bairro, uma das partes integrais do todo de moradores.
estão dentro dos limites que a sociedade impõe, pois caso o indivíduo ultra-
passe as fronteiras impostas será punido socialmente. O social que depende do indivíduo

Para Karl Marx, a sociedade sendo heterogênea, é constituída Mas, por outro lado, acreditamos muitos de nós que a sociedade é um
por classes sociais que se mantêm por meio de ideologias dos que possu- saco cheio de batatas literalmente iguais, que os indivíduos são aí, apenas,
em o controle dos meios de produção, ou seja, as elites. Numa sociedade um epifenômeno do social.
capitalista, o acúmulo de bens materiais é valorizado, enquanto que o bem- Termos como população, sociedade, sociedade civil, multidão, mora-
estar coletivo é secundário. dores, populares, etc., são, a esse respeito, exemplares. Estes termos
Numa sociedade dividida em classes, o trabalhador troca sua força de reenviam para um comportamento zoológico, igual, mimético, unívoco, sem
trabalho pelo salário, que é suficiente apenas para ele e sua família se vírgulas, apenas com um ponto final.
manterem vivos, enquanto que o capitalista acumula capital (lucro), que é o A sociologia de questionário, a quantofrenia, a estatística que evacua o
símbolo maior de poder, de prestígio e status social. pensamento, constituem a formulação científica (ou assim suposta) da
crença de uma sociedade sem indivíduos. Na sua busca de disciplina do
A exploração do trabalhador se dá pela mais-valia, a produção é superi- diferente, eles remetem para uma entidade igual o que não é, de fato,
or ao que recebe de salário, sendo o excedente da produção o lucro do igual. Nem podia ser. Os deuses não têm essa palavra no seu dicionário.
capitalista, que é o proprietário dos meios de produção. Assim se concretiza Ora, perdoem o truísmo, não há nenhuma sociedade que não seja com-
a ideologia do capitalista: a dominação e a exploração do operá- posta por indivíduos diferentes. Nenhuma casa faz sentido se não for
rio/trabalhador para obtenção do lucro. percebida pelo esforço "individual" de cada tijolo.
Para Marx, falta ao trabalhador a consciência de classe para superar a Não é possível uma sociedade se, intersubjetivamente, os indivíduos
ideologia dominante do capitalista e assim finalmente realizar a revolução, não se sentirem sociais, seja qual for o tipo de sociedade ou de grupo que
para se chegar ao socialismo. tivermos em vista.
Max Weber não tem uma teoria geral da sociedade concebida, sendo Não importam a densidade, a extensão, a simetria de estilos de vida, o
que está mais preocupado com o estudo das situações sociais concretas padrão de privações do Bairro Polana Caniço A: este bairro só tem sentido
quanto à suas singularidades. Além da ação social, que é a expressão do enquanto entidade plural, social, se o Sr. Julai, o Sr. Massamba, a Sra.
comportamento externo do indivíduo, trabalha também o conceito de poder. Albertina e tantos outros se sentirem moradores diferentes, "eles-mesmo".
A sociedade, para Weber, constitui um sistema de poder, que perpassa Oficina de soliologia
todos os níveis da sociedade, desde as relações de classe a governados e
governantes, como nas relações cotidianas na família ou na empresa. O Karl Marx – indivíduo x sociedade
poder não decorre somente da riqueza e do prestígio, mas também de outras
Antes de vermos qual a visão que Karl Marx oferece sobre a relação
fontes, tais como: a tradição, o carisma ou o conhecimento técnico-racional.
entre indivíduo e sociedade devemos fazer algumas considerações biográ-
O poder por meio da dominação tradicional se dá através do costume, ficas sobre este autor.
quando já está naturalizada em uma cultura e, portanto, legitimada. Por
Marx viveu no século XIX. Nasceu em 1818 e faleceu entre 1883. Sua
exemplo, uma fonte de dominação tradicional é o poder dos pais sobre os
juventude, portanto, teve como ambiente a Europa agitada pelas ideias da
filhos, do professor sobre o aluno etc.
revolução francesa e sufocada pelo exército de Napoleão.
O domínio do poder carismático ocorre quando um indivíduo submete
A obra que escreveu reflete de maneira muito estreita a sua participa-
os outros à sua vontade, por meio da admiração/fascinação e sem uso da
ção nos eventos mais marcantes de sua época.
violência. O líder carismático controla os demais pela sensação de proteção,
que atrai as pessoas ao seu redor. Durante as agitações políticas de 1848 já era um lider político movi-
mento operário europeu. Neste período ele vivia num ambiente hostil as
A ação racional com relação aos fins ocorre na burocracia, visando or-
suas ideias e por conta delas constantemente ele fugia ou era expulso dos
ganizar as transações tanto comerciais como estatais, para que funcionem
países onde era levado pela tarefa da propaganda política.
de forma eficiente. Por conta dessa organização, os indivíduos são submeti-
dos às normas e diretrizes da empresa ou do Estado, para que o funciona- Esta opção política impactou sobremaneira sua obra, que consiste ba-
mento dessas organizações seja eficiente e eficaz. Orson Camargo sicamente numa interpretação do novo mundo que estava nascendo na
Europa e que agora chamamos de mundo moderno.
Sociedade “e” indivíduo
Sua obra então é basicamente uma interpretação deste movimento da
O indivíduo que depende do social
história em direção ao nosso mundo marcado por uma violenta transforma-
Julgo que todos sabemos quanto amamos distinguir as "pessoas" da ção social.
"sociedade", o eu do nós. Regra geral achamos que a sociedade é um todo
Viveu num período em que os países europeus estavam conhecendo
indiviso do qual, porém, nos podemos destacar sempre que quisermos.
novos problemas sociais. A natureza original destes problemas sociais
Parece tudo uma questão de entrar ou de sair de casa, tudo parece resu-
repousavam sobre a nova forma de organização da sociedade que tinham
mir-se a uma simples operação de adição ou de subtração, desde que
a curiosa característica de ao mesmo tempo permitir uma imensa acumula-

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ção uma interpretação entre outras e principalmente, trata-se de uma interpre-
de tação ortodoxa que nem todos os marxistas aceitariam.
rique
que- Indivíduo e sociedade em Karl Marx - O indivíduo na história
za e Como dissemos a obra de Karl Marx é na verdade um interpretação da
ainda história da Europa, uma teoria da história, de como os homens fazem a sua
as- história. A teoria de Marx ficou conhecida como Materialismo Histórico, pois
sim sua interpretação, diferente de outras teorias, identifica o motor da história
mul- com fatores materiais, ou seja, com os fatores econômicos.
tipli-
car Para a compreenssão do argumento de Marx devemos reter alguns
enor- conceitos.
nor- Forças Produtivas (FP), são os instrumentos produtivos disponíveis em
me- dado momento da história. Cada sociedade produz seu arsenal produtivo.
men- As forças produtivas são importantes no esquema de Marx porque elas é
te o que vão criar as condições para que as diversas sociedades gerarem
nú- riqueza e em consequência, permitir aos homens maior possibilidade de
mero alcançar uma vida mais compensatória.
das
pes- Relações de Produção (RP), são a forma como os homens se organi-
soas zam para produzir a riqueza. Olhando o nosso mundo, por exemplo, nós
sem vemos que a maioria das pessoas não tem lojas, nem bancos, nem qual-
as quer tipo de empresa. Essas pessoas para participar da geração da rique-
míni- za roduzida na nossa sociedade tem que procurar um emprego, ou seja,
ni- elas procuram alguem que queria contratar o trabalho dela e que em troca
mas ofereça um salário. De modo que o assalariamento é a relação de produ-
condi ção típica da nossa sociedade. As relações de produção são também
di- chamadas de Estrutura Econômica, pois toda a economia de um socieda-
ções de, em dado momento da história vai ser caracterizada pelas relações de
de produçã que forem hegemônicas
so-
Superestrutura, é o conjuto de instituições que caracterizam determi-
bre-
nada sociedade em determinado instante da história. As instituições tam-
vivência economica.
bém incluem os valores, as normas e as ideias que caracterizam aquela
Era este o mundo que estava diantede Karl Marx e sua opções políti- sociedade naquele instante da história.
cas refletiam uma escolha de alternativas para a superação não apenas
Modo de Produção, é a forma assumida por determinada sociedade
destes problemas, mas da própria sociedade que os gerava.
em determinado instante da história a partir da combinação das forças
Na verdade é sobre a possibilidade de transformação da sociedade ao produtivas, das relações de produção e também da superestrutura. O
longo da história que está assentada a forma como Karl Marx entende a feudalismo e o capitalismo, por exemplo, são exemplos de modos de
relação entre indivíduo e sociedade. produção que a Europa conheceu de modo sucessivo, ou seja, primeiro
havia um e depois o outro surgiu.
Antes porém de avançar na sua teoria da história, vamos ainda indicar
alguns elementos importantes para ter em conta quando se estuda de Classes e Luta de classes. A forma como Marx compreende a história
maneira tão preliminar, como é o nosso caso, a obra deste pensador. confere um papel central para as relações de produção. Em consequência,
no seu esquema conceitual as classes são um elemento fundamental pois
Começemos por registrar um evento essencial para que a obra de Karl as classes sociais são coletividades que se definem pelas diferentes for-
Marx se tornasse o que se tornou. É que quando era perseguido ou expul- mas como os indivíduos participam das relações de produção.
so de vários países na Europa chegou o momento em que Londres se
revelou um valiosos refúgio. Esta cidade oferecia a ele o amparao de um Para retomar o que dissemos sobre as relações de produção logo a-
forte movimento operário e também um valioso registro da história econo- cima, há uma classe social formada pelos trabalhadores assalariados e há
mia da Europa e particularmente da Inglaterra, o mais rico país daquele outra formada pelos patrões, ou seja, uma classe social formada pelos
período, onde as transformações características daquela época eram mais empresários.
sensíveis e visíveis. Sua ida para Londres, foi então fundamental para sua
Para Marx entretanto a função das classes é importante porque, como
obra.
sugere nosso exemplo, as classes sociais tem interesses diferentes e
A partir de Londres sua obra também ganhou as condições para se opostos, ou seja, os empresários, entre outras coisas, querem vender seus
consolidar. Ali ele produziu uma obra monumental. É por conta da magni- produtos pelo maior preço possível e em relação aos seus empregados,
tude do conteúdo e do uso da obra de Marx que o que texto que segue eles querem manter ou diminuir o valor salário; já os trabalhadores assala-
deve ser lido com duas recomendações especiais. riados eles quando vão comprar querem comprar pelo menor preço possí-
vel e, em relação aos patrões eles querem ganhar o maior salário possí-
Em primeiro lugar a obra de Marx é uma referência científica obrigató- vel.
ria ainda hoje. Quem tem a oportunidade de avançar nos estudos vai ter
que se deparar com mais Karl Marx pela frente. E se for estudar algum Estes interesses as vezes são expressos coletivamente e esta expres-
curso das área humanas vai ter uma longa caminhada ao lado de Marx ou são coletiva, que é política, dos interesses opostos das classes sociais é o
de algum outro marxista (adepto das ideias de Karl Marx). que caracteriza as lutas de classes.
Outra questão é consequência das demais, Marx era uma homem de Marx mostra que as classe não são todas iguais. Algumas aparecem
ação, participava como um dos líderes do movimento operário; e produziu claramente como dominantes e outras como dominadas. E a História seria
uma grande obra científica. O resultado disto é que boa parte da história então uma interminável sequência de diferentes lutas de classes onde uma
política do século XX foi conduzida tendo como referência a interpreação classe dominada se torna a dominante e depois será substituída por outra.
de Karl Marx sobre a história e o papel do capitalismo na história.
O materialismo histórico consiste numa proposta de explicação do fun-
Finalmente, por conta de tudo ele produziu uma tradição intelectual, o cionamento da história humana. Ele propõe que observemos alguns ele-
marxismo, que gira em torno de interpretação de sua obra. Existem muitas mentos específicos para que possamos compreender porque os homens
interpretações do que Marx efetivamente disse. Portanto, o que veremos é viveram como nômades e hoje vivem em cidade, porque que em dado

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momento estes homens criaram regimes de escravidão e em certo momen- disto, houve no feudalismo uma série e instituições que reforçavam este
to foi possível conferir dignidade ao individuo e criar um sistema em que sistema (hoje diríamos que são as instituições feudais). É a segunda
todos são formalmente livres e iguais. proposição do materialismo histórico.
O modelo se apóia em duas proposições fundamentais (para entendê- A manufatura e principalmente a industrialização geram novas cama-
las guarde os conceitos que vimos acima). das sociais (na verdade, novas classes sociais) que não participam do
universo ruralizado e não se encaixam muito bem no mundo feudal. Estas
A primeira diz que o desenvolvimento das forças produtivas explica o novas classes sociais vão participar do feudalismo como motores de uma
funcionamento das relações de produção crise que é social e política, crise que anuncia um novo mundo.
A segunda diz que a estrutura econômica (ou seja, as relações de pro- Este é o aspecto fundamental pois as novas forças produtivas necessi-
dução) explica a superestrutura. tam se desfazer do feudalismo, mas é necessário que os indivíduos se
A dinâmica do materialismo histórico engajem no processo de construir um novo tipo de sociedade.
A chave do materialismo histórico está na relação entre as forças pro- Aqui nos encontramos diante do aspecto definidor de como aparece a
dutivas e as relações de produção. Na medida em que aquelas determinam relação entre indivíduo e sociedade dentro do pensamento de Karl Marx.
estas últimas, uma sociedade que apresenta determinado nível de desen- É que, da mesma forma como estamos ilustrando o caso particular do
volvimento das forças produtivas só vai poder apresentar certos tipos de feudalismo, aquelas duas proposições fundamentais do materialismo
relações de produção, aqueles compatíveis com o estágio das forças histórico vão sempre resultar em crises sociais que são sempre lutas
produtivas. políticas entre classes sociais, ou seja, segundo o materialismo histórico a
O exemplo que Marx descreve com maestria (reveja os aspectos da história resulta das lutas de classes.
sua biografia acima) é o das transformações que a industrialização (forças Nesta forma de ver a história os indivíduos são antes de tudo membros
produtivas) provocou nas relações de servidão que caracterizam o feuda- das classes sociais com um sentimento mais ou menos lúcido acerca do
lismo (relações de produção) e que resultaram no capitalismo. conteúdo das lutas sociais e políticas do seu tempo.
O fundamental aqui é que a história da humanidade tem um certo sen- Deste ponto de vista é que Marx esclarece a transição do feudalismo
tido, qe é o do aumento das forças produtivas. Por motivos que não vamos para o capitalismo, de um lado, no plano da determinação macrosociológi-
expor aqui, a humanidade procura sempre dominar a natureza e gerar mais ca do materialismo histórico, como o reflexo da defasagem da servidão
riqueza e este movimento em direção ao desenvolvimento das forçar (relações de produção) frente a industrialização (forças de produção) e, de
produtivas torna obsoletas as relações de produção vigentes. outro lado, como o projeto de indivíduos que participavam da classe social
Dado que há um movimento, um sentido da história, na direção do que reunia as condições de se tornar dominante na sociedade que se
aumento das forças de produção e dado que que este movimento torna as anunciava, ou seja, a burguesia.
relações de produção obsoletas, a história é vivida como uma incessante Este em linhas gerais é o conteúdo das proposições de Karl Marx. O-
sucessão de crises que refletem uma necessidade de novas relações de corre, entretanto, que ele propôs que o capitalismo não significa o ponto
produção que possibilitem que as forças de produção continuem a se final do desenvolvimento das forças de produção. E é por isto que sua obra
desenvolver. tem uma importância política espetacular.
Aqui é proveitoso retomar o exemplo mais feliz de Karl Marx, o da pas- É que segundo ele o capitalismo iria desenvolver as forças de produ-
sagem do feudalismo (sua crise) para o capitalismo. ção até chegar o momento em que as relações de produção que lhes são
Muito grosseiramente podemos dizer que o feudalismo surge da des- típicas (o trabalho assalariado) iriam se tornar obsoletas. Ou seja, o capita-
truição do mundo romano. Para criar uma oposição útil, vamos lembrar que lismo também conheceria uma crise social de caráter político que poria
o Império Romano construiu uma civilização urbana com certa complexida- frente a frente a classe social dominante na sociedade em crise (a burgue-
de de trocas e de produção. A destruição de Roma foi a destruição desta sia) e a classe que reunia as condições de realizar a nova sociedade, que
civilização urbana e a ruralização da Europa. Em linhas gerais o feudalismo seria socialista/comunista (esta classe seria o operariado, os trabalhado-
era a expressão de um mundo inteiramente ruralizado cuja vida gira em res).
torno dos feudos e se organiza sobre o trabalho servil. Todo o século XX, e o nosso nascente século XXI, vive em torno des-
Posto desta maneira o feudalismo tem uma história de alguns séculos. tas assertivas que são consequência lógica do materialismo histórico.
O importante para nós é guardar que esta história se desenvolve como http://prosouza.blogspot.com.br/
uma linha que produz um curva descendente e lentamente retoma o mes- O Indivíduo e a Sociedade
mo nível da linha inicial.
Sempre aprendemos que o meio é quem molda e até define o destino
Típicamente o mundo feudal é rural, gira em torno do feudo e se apóia dos indivíduos, que o homem e produto de meio, ou como diz Almeida
no trabalho servil. Entretanto, o feudalismo compreende um período em Garret... o homem e ele e suas circunstanciais..., a maneira como Krish-
que a Europa conhece um lento mais continuado processo de aumento das namurti , enxerga o individuo e a sociedade, nos coloca em uma posição
forças produtivas, quando o mundo urbano vai sendo reorganizado em de contraposição a esta visão ocidental , que parece norteada pela filosofia
torno de uma produção artesanal, que depois cria as condições para o hegeliana , que fora do estado o individuo não existe...então veremos como
surgimento de uma camada social que sobrevive através da manufatura este pensador indiano define a sociedade e o individuo.
que enfim vai se transformar na industrialização.
A vida em sociedade sempre e originaria de problemas, onde os indi-
A retomada da urbanização da Europa, ainda sob o feudalismo, é o re- víduos têm que ter a capacidade de administrar os conflitos próprios e os
flexo do desenvolvimento das forças produtivas (artesanato, manufatura, sociais, bem como saber lhe dar com as frustrações e sonhos. A grande
indústria) que criam condições em que as relações de produção típicas do questão e que o problema , dentro de uma sociedade sempre se renova,
feudalismo se tornem um embaraço para que as forças produtivas sigam como os problemas são originados nos seres sociais e como todo ser
se desenvolvendo. social e transitório e mutável e lógico que os problemas dentro de uma
De que maneira isto acontece? Antes de mais nada isto significa, do sociedade também sejam moveis e se renovem a cada momento em um
ponto de vista dos indivíduos uma experiência de crise social. Mas, como constante vim a Ser heracletiano, as crises , mesmo sendo colocadas de
nosso resumo do feudalismo já deixa ver, em todos os momentos as forma repetitivas , da ao individuo a ideia que e sempre a mesma , que e
sociedades apresentam algum grau de complexidade. Ou seja, mesmo no uma repetição..uma reinvenção incessante da roda...mas toda crise e nova
feudalismo havia algo mais que servos e senhores feudais. e tem sua própria dinâmica..e só uma mente aberta e fresca e capaz de
perceber o dinamismo das crises sociais.
O feudalismo é o instante em que as relações de produção são tipica-
mente servis, refletindo o predomínio de uma produção basicamente O que podemos mencionar a partir desta colocação e que a sociedade
agrária. Esta é a primeira proposição do materialismo histórico. Por conta e fruto das intenções internas são individuais de cada ser social, que os

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conflitos e lutas de cada Ser, e desencadeado e se desenrola no campo de de imitação e importante quando se trata de pequenos grupos sociais, por
batalha que se chama sociedade, a sociedade e fruto destes conflitos exemplo, à família, formamos nosso caráter nossos valores imitando os
individuais, sem os conflitos e sonhos dos indivíduos qualquer sociedade membros de nossa família, um grupo religioso só tem coerção devido o
esta fadada ao esquecimento ao fracasso. todos os grandes impérios fenômeno mimético, o que prova que o mimetismo só e fatalistico para a
quando alcançaram o Maximo que buscavam , quando as necessidades de grande sociedade, mas e fundamental aos pequenos grupos sociais.
seus SERES SOCIAIS, já estavam, plenamente satisfeita , onde os indiví-
duos não precisavam mais se preocuparem com sua sobrevivência , a A grande característica das sociedades miméticas e a velocidade que
sociedade se tornou estática e sem dinamismo social..levando estes gru- as crises surgem, o homem moderno cria o problema e depois se pergunta
pos ao total esquecimento e destruição...podemos dizer que temos aqui um o que fazer com ele, por exemplo, criamos o automóvel, nos tornamos
argumento plausível sobre a ascensão,apogeu e queda dos grandes homens sapiens motorizados, e não paramos para pensar que ao ver um
grupos sociais. O que nos leva a outro ponto de vista, a sociedade não cria individuo andar de carro o outro também quis, e o próximo também se
o individuo ou molda este, na verdade o comportamento do individuo e que achou no direito de ter um automóvel, e o mimetismo foi sendo reproduzido
molda uma sociedade, uma sociedade e fruto de comportamentos individu- socialmente, agora estamos diante dos problemas ambientais provocado
ais, de sonhos decepções de seus indivíduos, por exemplo, a ascensão de em parte pela queima dos combustíveis fosseis, e não sabemos como
Hitler ao poder na Alemanha, levou toda uma nação a se comportar medi- resolver esta crise. O problema e que nossas ações diante de uma crise e
ante seu comportamento individual, um único homem, com seus sonhos, determinada pela nossa ideologia, pelas nossas crenças, um homem que
loucura e frustrações moldaram uma realidade social que encaixasse em foi criado dentro dos valores materialistas economicista, não estará preo-
seu sonho de poder, de sociedade, e ate de individuo, mas não só Hitler, a cupado com a questão ambiental, ai esta a prova que o individuo age sobre
historia esta cheia de exemplos, Jesus, Maomé, Napoleão Bonaparte, a sociedade, que o eu do individuo em certas questões e mais forte que o
Sócrates e Alexandre o grande, são exemplos de que o comportamento do eu da sociedade, milhares de seres humanos são reféns do desejo e dos
individuo pode determinar o estado social de um grupo, ou ate mesmo de conflitos e desejos de um pequeno grupo de homens animais. Esta reali-
uma nação, como afirma Krisrnamurt, - O MUNDO E O QUE VOCE É – o dade nos leva a uma questão fundamental, -POR QUE EXISTE DISTIN-
mundo seria fruto de nossos próprios pensamentos, um individuo que seu ÇÃO DE HOMEM –HOMEM? Por que sou alemão, e ele italiano? Por que
interior e uma local de conflito, sofrimento e desesperança, não existe sou europeu e ele africano? Por que nos fomos os únicos animais que
nenhum lugar na terra que fará ele enxergar um paraíso, ele reproduz no criamos distinções entre nos mesmo? Esta divisão e que tem levado o
mundo exterior nada mais nada menos que seu mundo interior, antes de homem a guerras e mortes, pois se sou europeu ou norte americano tenho
sermos afetado pela sociedade somos afetados por nos mesmo. o direito divino de poluir de conquistar de fazer matanças legalizadas, mas
se sou sul americano ou africano tem o direito divino de aceitar os desíg-
Sabemos sobre tudo que o homem vive em uma preocupação perpe- nios dos escolhidos de Deus. A sociedade esta cega , estes valores ideo-
tua, dando razão ao pensador alemão, que pregava A VIDA E DOR E lógicos são errados , são inexistentes, pois um individuo maduro e de
TEDIO- onde estamos apenas sobrevivendo neste inferno dantesco e não mente aberta percebera que antes de todos estes títulos devemos respeitar
e difícil notar estas verdades , estamos sempre preocupados com nossas o titulo de SER HUMANO, americano, brasileiro , católico, mulçumano,
dividas , buscando adquirir mais conforto, mais amor, mais beleza, esta- judeu ou árabe, são apenas títulos ideológicos que tem levado o homem a
mos sempre preocupados com nossas dividas, nosso trabalho, o que nos guerras e mortes , precisamos repensar esta divisão de homem – homem,
lança a um PRESENTE PERPETUO, não estamos vivendo no presente, como dizia o poeta, - ou aprendemos a viver todos como irmão ou morre-
mas estamos sempre vivendo ou no passado, ou no futuro, a sociedade de remos todos juntos como animais- a divisão leva a conflitos.
consumo que vivemos nos levou a esta loucura a este presente perpetuo,
estamos sempre buscando algo que nunca iremos atingir principalmente As questões levantadas no texto nos levam a perguntar será que o in-
nos que vivemos na era do avanço tecnológico, nunca teremos uma paz... dividuo e mesmo determinante na sociedade? Sim podemos dizer que sim,
Pois invertemos a lógica que por séculos moveu a humanidade, - APARE- o grande problema e que os indivíduos vivem no campo do IDEAL e es-
CENDO A NESCESSIDADE SE CRIA O PRODUTO-, nos dias de hoje e o quecem de viver no campo do REAL, nossa realidade só pode ser alterada
contrario – CRIE O PRODUTO E DEPOIS ESTIMULE O DESEJO, A quando tomamos consciência de nossa vida verdadeira, quando criamos
NESCESSIDADE NÃO E IMPORTANTE- se olharmos em nossas casas um dialogo com nos mesmo, quando temos o que Sócrates chamou de
veremos que 80% do que acumulamos foi fruto de nossa insatisfação auto-cuidado, quando nos tornamos responsáveis por nos mesmo quando
temporária com nos mesmo. assumimos o destino de nossas vidas em nossa própria mão, quando
somos capazes de pensar por nos mesmo, e não pensar a partir do pen-
Podemos nos perguntar e as sociedades socialistas que pregavam samento de outro individuo, lideres são importante em uma sociedade, mas
que todos os indivíduos devem ter seus desejos igualmente atendidos, por ó líder mais importante somos nos mesmos, só quando obtemos vitórias
que não deram certo? Por um motivo simples, os socialistas poderiam sobre nos mesmo e que somos grandes e que somos heróis. O inicio e o
entender muito bem de economia e política, mas não entediam nada de fim esta em nos mesmo, busca coisas e sentimentos fora , nos leva a
psicologia humana, pois desde que o mundo e mundo sabemos que o que ilusão, a solidão e ao sofrimento. Euzébio Costa
move um grupo social e o que grande parte das religiões tentam apagar no
ser humano, ou seja, o nosso traço de inveja,... Qualquer um que tiver um Indivíduo, Sociedade E A Formação Da Subjetividade
pouco de atenção com o comportamento humano vera que o que move a ALVES, Denise Maria
sociedade e a inveja, em qualquer grupo social a inveja e o motor de ÁLVARO, Alex Leandro Teixeira
evolução, em uma igreja, no trabalho, no amor, no esporte, o que todos
1. INTRODUÇÃO
estão querendo? Chegar aonde o outro chegou, tomar o que o outro con-
quistou possuir um objeto melhor que o de seu oponente, obter uma perfei- A reflexão sobre os conceitos de indivíduo e sociedade, para as ciên-
ção estética melhor que o outro. Mas isto e importante em qualquer socie- cias sociais, é de suma importância. É, justamente, o problema da intera-
dade, sem a inveja o individuo se torna estático e sem vida, consequente- ção entre as duas dimensões que adotamos como objeto. Seja nas inter-
mente a sociedade se torna apática e esta fadada ao fracasso, estimular a pretações que postulam a prevalência do indivíduo sobre a sociedade, ou
inveja nos indivíduos em um grau saudável e importante e fundamental desta sobre aquele, ou ainda nas que os enxergam através do prisma da
para qualquer grupo social. pois sem a inveja os indivíduos deixam de ser dialética, o traba lho sempre foi construído em torno de se determinar até
criativos , deixam de buscar a suas próprias superações se dão por satis- que ponto eles são dependentes ou independentes e, mais do que isso, de
feito com sua situação atual, a inveja e que leva o individuo a superar suas se determinar leis gerais para esta interação. Devemos ressaltar que o
limitações, e que faz nascer sistemas políticos e ideológicos, religiosos e problema considerado sempre teve sua dimensão política.
econômicos. O que acontece quando deixamos de ser criativos? A socie-
dade passa a ser formada por indivíduos copistas, passamos a copiar A postulação da prevalência da sociedade, ou Estado, sobre o indiví-
outros indivíduos que já copiaram de outros tantos, desta forma a originali- duo, quando naturalizada por leis gerais e estáticas, estava vinculada a
dade morre a criatividade desaparece,pois ao copiar não somos nada nem ideologias e à manutenção do status quo. Também, a generalização da
ninguém este e um fenômeno que denominasse MIMETISMO, uma socie- prevalência do indivíduo, contraditoriamente, estava ligada à dominação. A
dade mimética em breve deixara de ser uma sociedade para ser apenas primeira servia, como ainda pode servir, à manutenção das monarquias e
um aglomerado de pessoas... Mas vale ressaltar que uma pequena dose dos nacionalismos. A segunda serve à manutenção de uma ordem que

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privilegia um Estado de organização econômica, o capitalismo, apesar da passa, então, a ter um lugar fundamental: de manter o contrato social, de
ligação aos ideais iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade. Essas modificá-lo quando apropriado e livrá-lo dos atentados bárbaros.
postulações, por estarem vinculadas a interesses, foram defendidas,
naturalizadas, tomadas enquanto verdade última e independente da histó- A 'tendência natural dos homens para se causarem danos recíprocos'
ria. entra em conflito com as imposições da razão natural, que exige 'a preser-
vação da vida e a possibilidade de cada um dos membros do grupo a
Foi, justamente, a contextualização histórica aliada a uma concepção conservar'. E esse conflito termina com o triunfo da razão, isto é, com o
dialética da relação indivíduo-sociedade que permitiu a Marx, Adorno e contrato que assegura a cada um a propriedade a determinados bens
Marcuse, entre outros, fazer a crítica das relações sociais estabelecidas e (Adorno e Horkheimer,op. cit., p.31).
das ideologias que as sustentam. Estes autores estavam comprometidos
com o progresso da humanidade em detrimento da manutenção interessa- Antes de chegarmos a qualquer conclusão acerca do conceito de soci-
da, da justificação, de um determinado estado das relações sociais. edade, devemos olhar para a ontogênese do homem. O recém-nascido é
uma criatura extremamente débil e dependente da mãe. Esta, além de
2. A RELAÇÃO ENTRE INDIVÍDUO E SOCIEDADE prover materialmente seu bebê, faz o papel de provedor simbólico da
aquisição cultural da espécie; pois, antes de tudo, a criança não consegue
Somente através de uma visão crítica e ampliada das transformações separar o mundo de si, mesmo porque não há necessidade. Não há oposi-
da dinâmica social, pode-se perceber que as "verdades" produzidas no ção, até então, entre eu e alteridade. Mas, na medida em que a maturação
seio de uma concepção da sociedade, e que a naturalizam, se referem a e as agruras se apresentam, ela passa a ter que reconhecer a sua situação
valores, interesses e ideais relativos, justamente, ao contexto em que são de indivíduo, de mônada.
produzidos.
Antes da civilização, esse homem “desamparado” viu-se entregue à
Essa naturalização das relações mantém caladas, até certo ponto, as insatisfação pulsional e, talvez, à possibilidade menos aterrorizante da vida
contradições entre as possibilidades materiais da sociedade e sua efetiva em horda com seus irmãos, também, ameaçados pelo pai castrador. Em
organização. Ou seja, as possibilidades de transformação progressista são civilização ficou obrigado a admitir a repressão, a lei, em troca das aquisi-
abafadas pelas tentativas de legitimação ideológica. ções simbólicas da cultura e da satisfação deslocada das pulsões. Neste
Quando se aponta para uma relação dinâmica entre o indivíduo e a último caminho, mais frequente, o indivíduo é contraposto à sociedade e
sociedade, na qual estes são interdependentes, entendidos em uma de- dela forja-se. Sobre a natureza social do homem Freud (1969b, p. 91)
terminação dialética de suas dimensões, admite-se a possibilidade de afirma Algo mais está invariavelmente envolvido na vida mental do indiví-
diversas configurações sociais, de acordo com as possibilidades históricas. duo, como um modelo, um objeto, um auxiliar, um oponente, de maneira
A construção da sociedade em função de valores humanísticos, de uma que, desde o começo, a psicologia individual, nesse sentido ampliado,
ética que se sobreponha a qualquer forma de organização do social, deixa mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, psicologia
de ser inconcebível. Com essa apreensão das dimensões de indivíduo e social.
sociedade, e a ampliação e inscrição do caráter histórico, o olhar do inves- Dessa maneira Freud (1969b), postula a inextrincável determinação do
tigador sociológico passa a ser crítico. Sobre isso, firmam Adorno e Hor- eu pelo outro e vice-versa. Semelhantemente, Hegel (1992), em "Fenome-
kheimer (1973, p. 32), nologia do Espírito", não deixa dúvidas de que a consciência de si se dá
A sociologia converte-se em crítica da sociedade a partir do instante em oposição à alteridade; pois, para que se possa determinar o eu é
em que não se limita a descrever e examinar as instituições e os processos necessário o não-eu. Isso é a base do pensamento dialético, em que cada
sociais, mas trata, além disso, de confrontá-los com esse substrato, a vida pólo carrega o oposto em si, na sua negatividade e mútua determinação.
daqueles a quem essas instituições estão sobrepostas e dos quais elas Uma consciência só pode realizar-se em oposição a outra consciência.
próprias se compõem, nas mais diversas formas. Quando o pensamento Pode-se depreender disso que o não-eu, a alteridade, constituí o que é
sobre o caráter e a natureza da sociedade perde de vista a tensão entre oposto ao indivíduo – sociedade. A relação com o outro é relação social.
instituições e vida, e procura resolver o social no natural, não orienta um Ontológica e filogeneticamente, o homem não pode prescindir da con-
impulso de libertação no que diz respeito à pressão das instituições, mas vivência com o outro, como vimos. A relação social passa a determinar a
pelo contrário, corrobora uma segunda mitologia, a ilusão idealizada de essência do que, existencialmente, constitui o homem. Vale destacar que A
qualidades primitivas que se referiria, na verdade, ao que surge através vida humana é, essencialmente e não por mera casualidade, convivência.
das instituições sociais. Com essa afirmação, põe-se em dúvida o conceito de indivíduo como
Para traçar um arrazoado sobre os conceitos de indivíduo e de socie- unidade social fundamental. Se o homem, na própria base de sua existên-
dade, temos que nos remeter à ontogênese e à filogênese da sociedade cia, é para os outros, que são seus semelhantes, e se unicamente por eles
humana. Para tal, podemos buscar em Freud (1969a), uma sólida argu- é o que é, então a sua definição última não é a de uma indivisibilidade e
mentação. Em Totem e Tabu, o autor especula, com base na Teoria da unicidade primárias mas, outrossim, a de uma participação e comunicação
Evolução das Espécies de Darwin e em descrições antropológicas de necessárias com os outros. Mesmo antes de ser indivíduo o homem é um
povos primitivos, o surgimento da civilização. A vida em sociedade, de dos semelhantes, relaciona-se com os outros antes de se referir explicita-
acordo com Freud (1969a), só foi possível devido à repressão das pulsões mente ao eu; é um momento das relações em que vive, antes de poder
sexuais. Isto porque o homem, naturalmente, se vê disposto a aniquilar as chegar, finalmente, à autodeterminação (Adorno e Horkheimer, op. cit.,
barreiras à satisfação do prazer. Seus pares, também por natureza, são p.47).
impedimentos de tal satisfação. A violência passional da sexualidade se Mas com isso, não se encerra a discussão sobre os conceitos de indi-
expressava na expulsão dos machos concorrentes pelo líder ciumento do víduo e sociedade. A mútua determinação não resolve as contradições
grupo, que tinha o privilégio de ter as mulheres – tantas quanto pudesse existentes. Ao contrário, isso implica em uma relativa autonomia, em
controlar. Dito isto, muito grosseiramente, a resolução para o conflito que relativa liberdade, por parte dos atores sociais. Quer dizer que a penetra-
se instalava foi a morte do macho dominante, pelos outros então expulsos, ção da cultura, da sociedade, no que determina o indivíduo, lhe dá uma
e a instauração de tabus que passaram a regular a vida entre estes últi- medida do eu, que tem por base os próprios valores sociais estabelecidos.
mos. Deste fato, surgem as questões que se podem fazer a uma determinada
A instituição repressiva dos tabus visava à preservação individual e contextura social. Quando esta se estabelece sobrepondo-se aos indiví-
instaurou, por sua vez, as relações sociais, já que a não-repressão poderia duos, às possibilidades existenciais que potencializam a liberdade e o gozo
acarretar em novas disputas pelo domínio do bando. Mecanismos de vigília humano, há uma incongruência, um desequilíbrio entre as dimensões
da lei foram criados e tiveram a finalidade de manter a organização social, opostas que constituem o social. Justamente, por ser social, o homem vê-
isto em detrimento e sacrifício da satisfação das pulsões. Porém, naquele se seduzido pelas instituições, por isso pode naturalizar um estado de
momento, era essa a possibilidade de organização. No entanto deu-se o organização de suas relações. De acordo com esses "a socialização é
primeiro passo para a organização do trabalho e o controle da natureza, concebida na base da divisão do trabalho como meio para satisfazer as
que era por demais agressiva. Esse domínio da natureza e a construção de necessidades materiais de uma comunidade" (Id., ibid., p.27); ou seja, a
uma cultura passaram a mudar os destinos pulsionais do homem. A razão contextura social é tida enquanto algo que deve regular as relações em
prol de benefício comum dos homens, destinada a satisfazer as necessi-

Sociologia 8 A Opção Certa Para a Sua Realização


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dades humanas, tanto quanto possível. De acordo com o alcance cultural O indivíduo surge, de certo modo, quando estabelece o seu eu e eleva
de cada sociedade, as regras são mais ou menos rígidas, no sentido de o seu ser-para-si, a sua unicidade, à categoria de verdadeira determinação.
permitir maior ou menor satisfação. Antes, a linguagem filosófica e a linguagem comum indicavam tudo isso
mediante a palavra 'auto-consciência'. Só é indivíduo aquele que se dife-
Mas devido à institucionalização das regras, com a internalização no rencia a si mesmo dos interesses e pontos de vista dos outros, faz-se
indivíduo, a sociedade tende a sobrepor-se. Essa sobreposição se dá substância de si mesmo, estabelece como norma a autopreservação e o
porque é necessária uma submissão por parte de cada sujeito às leis desenvolvimento próprio (Id., ibid. p.52)
sociais. De outra forma, não se poderia mantê-las e o destino seria a
barbárie. O problema é que a submissão, frequentemente, é afetiva e REVISTA CIENTÍFICA ELETRÔNICA DE PSICOLOGIA – ISSN:
irracional. As mudanças não são bem toleradas a não ser para quem, 1806-0625
devido a um estado insuportável de existência, já não resta alternativa.
Sobre isso os mesmos autores afirmam que, Revista Científica Eletrônica de Psicologia é uma publicação semestral
da Faculdade de Ciências da Saúde de Garça FASU/FAEF e Editora
Assim se produziu uma revolta ideológica de extraordinário alcance: o FAEF, mantidas pela Associação Cultural e Educacional de Garça – A-
fator secundário, a instituição, passa para o primeiro lugar, na cabeça dos CEG. Rua das Flores, 740 – Vila Labienópolis – CEP: 17400-000 – Gar-
homens que vivem sob tais instituições e que eliminam da sua consciência, ça/SP – Tel: (0**14) 3407-8000 – www.revista.inf.br –
em grande parte, o elemento verdadeiramente primordial, isto é, o seu www.editorafaef.com.br – www.faef.br. Ano IV – Número 7 – Novembro de
efetivo processo vital (Id., ibid., p.29). 2006 – Periódicos Semestral
Ainda: Cidades: espaços públicos e privados
(…) a socialização afeta o 'homem' como pretensa individualidade ex- Quando pensamos em o que é uma cidade, vários pensamentos, ima-
clusivamente biológica, não tanto desde fora mas, sobretudo, na medida gens e reflexões aparecem em nossa mente! Sabemos que as cidades são
em que envolve o indivíduo em sua própria interioridade e faz dele uma compostas por ruas, bairros, casas, prédios, comércios, indústrias e por
mônada da totalidade social. Nesse processo, a racionalização progressi- pessoas. A população de uma cidade pouco se pergunta, ou quase nunca,
va, como padronização do homem, faz-se acompanhar de uma regressão sobre os espaços que formam a cidade, os espaços públicos e os espaços
igualmente progressiva. O que outrora talvez acontecesse aos homens de privados. O que são eles? Você sabe responder?
fora para dentro, têm eles agora de sofrê-lo também no seu íntimo (Id.,
ibid., p.40). Toda cidade está dividida entre os espaços públicos e os privados. Os
espaços públicos são os lugares administrados pelo governo e pertencem
3. CONCLUSÕES à população, são exemplos de espaços públicos: as praças, as ruas, os
A transformação social, como a devemos entender, não é tomada en- parques, as avenidas, as praias que existem em cidades litorâneas etc.
quanto necessária por todos. A captura ideológica dos indivíduos é parte Os espaços privados pertencem a alguém, como pessoas ou empre-
do jogo político que se estabelece em qualquer sociedade. Isso porque o sas, são exemplos de espaços privados: casas, lojas comerciais, escolas
estado atual das relações sempre privilegia uma determinada classe, um particulares, Shopping Centers. Geralmente, os espaços privados ou
determinado grupo, por vezes muito restrito. Este grupo, invariavelmente, particulares são mantidos pelos proprietários, eles cuidam e fazem a
detém os modos de produção material e ideológica, e exerce extenso manutenção para a sua preservação.
controle sobre as demais partes do todo social. Os mecanismos de contro-
le são criados em favor de um abrandamento das tensões entre indivíduo e Os espaços públicos são de responsabilidade do governo; as prefeitu-
sociedade, "(…), o poder do mais forte, no estado natural, converte-se em ras, por exemplo, cuidam das praças, fazendo a manutenção dos bancos e
poder de domínio, no estado legal" (Id., Ibid., p.31). dos jardins.

E, de acordo com esses autores Mas quem ajuda a preservar e cuidar dos espaços públicos? A popu-
lação é a responsável por manter os espaços públicos preservados. Entre-
As leis históricas de determinada fase não constituem simples modos tanto, muitas pessoas contribuem para a destruição desses espaços,
de manifestação de leis mais gerais mas, pelo contrário, todas as leis são muitos monumentos são pichados e destruídos por essas pessoas.
instrumentos conceptuais criados com a finalidade de dominar as tensões
sociais em suas origens teóricas (Id., ibid., p.35). Sabemos que os atos de destruição e deterioração dos espaços públi-
cos é crime e o infrator pode ser preso. Dessa maneira, como cidadãos,
Esse modo de operar o controle gera um aumento do aparato social. temos o papel de garantir que os espaços públicos sejam preservados, a
Cada vez mais, as leis procuram abranger as múltiplas e possíveis conscientização dessa preservação deve fazer parte da rotina e da vida da
formas de expressão dos indivíduos, regulando-as e podando-as a ponto população.
de, em nosso atual estado, não enxergarmos outras possibilidades. A Vimos anteriormente a diferença entre espaços públicos e privados,
complexidade do sistema somente revela a extrema socialização que tolhe mas falamos somente em relação a quem pertence esses espaços, agora
a expressão individual em sua origem criativa. Nesse ponto, revela-se, falaremos sobre a utilização desses espaços pela população; veremos que
intensamente, a oposição entre indivíduo e sociedade. alguns espaços privados são utilizados como espaços públicos. Mas
A dinâmica da sociedade como correlação funcional de homens ex- como? Isso será simples de compreender!
pressa-se, no plano mais elevado, no fato de que o curso da História nos O supermercado no qual fazemos nossas compras é um espaço priva-
permite ajuizar, a tendência de socialização dos homens é para aumentar, do, ou seja, ele é uma propriedade privada, possui um dono. Porém, ele é
isto é, em termos gerais, há cada vez mais sociedade (Id., ibid., p.37). utilizado como espaço público, pois qualquer cidadão que queira realizar
Encontramo-nos, agora, diante do imprescindível objeto das ciências suas compras pode ir ao recinto a fim de adquirir ou não alguma mercado-
sociais: as relações entre indivíduos e instituições, a tensão entre liberdade ria.
e dominação. "A interação e a tensão do indivíduo e da sociedade resu- Mas as pessoas podem ir aos supermercados em qualquer horário?
mem, em grande parte, a dinâmica de todo o complexo" (Id., ibid., p.53).
Não, todos os espaços privados que são estabelecimentos comerciais
Uma atitude edificante diante desse objeto é a da crítica que aponta os (supermercados, shopping centers, açougues) e estabelecimentos de
limites do que está posto e sinaliza para a superação. Esta implica em que serviços (bancos, salão de beleza) possuem horários de funcionamento,
o indivíduo possa emergir através de uma tomada de consciência da sua portanto as pessoas podem utilizar esses espaços respeitando seus horá-
situação, diante do todo histórico e imediato, que possa entender os meca- rios.
nismos de captura subjetiva do aparato social e determinar as regras
sociais efetivando-se enquanto um dos pólos na dinâmica dialética. Existem também espaços públicos que possuem horários de funcio-
namento, como escolas, museus, bibliotecas, parques, instituições públicas
Finalizando, consideramos procedente a seguinte posição dos autores: de serviços à comunidade (bancos, postos de saúde), os cidadãos somen-
te podem utilizar esses espaços dentro dos horários de funcionamento. Ao

Sociologia 9 A Opção Certa Para a Sua Realização


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contrário das ruas, das praças, que são espaços públicos, mas que não • Existem ainda os espaços que, ainda que possuam uma certa
possuem horários de funcionamento. Leandro Carvalho restrição ao acesso e à circulação, pertencem à esfera do público:
ESPAÇO PÚBLICO portanto, nestes espaços, a presença do privado deve ser
teoricamente controlada e, até mesmo, evitado. São, em geral, os
O espaço público é considerado como aquele que, dentro do território edifícios e equipamentos públicos, como instituições de ensino,
urbano tradicional (especialmente nas cidades capitalistas, onde a hospitais, centros de cultura etc. Fonte - Wikipedia
presença do privado é predominante), seja de uso comum e posse coletiva
(pertence ao poder público). A rua é considerada o espaço público por Propriedade privada
excelência. A propriedade privada é o direito que assegura ao seu titular uma
Histórico série de poderes, sendo que seu conteúdo constitui objeto de estudo pelo
direito civil.
Ela compreende, na sua formulação clássica, os poderes de usar,
gozar e dispor de uma coisa, a princípio de modo absoluto, exclusivo e
perpétuo. Não podem, no entanto, esses poderes serem exercidos
ilimitadamente, dado que desta forma colidiriam com direitos alheios, de
igual natureza, e porque existem interesses públicos assim como
interesses coletivos que podem limitá-la e cuja tutela incumbe ao Poder
Público. Assim, por exemplo, o poder público pode desapropriar uma
propriedade privada, se for usada para benefício múltiplo e comum.
Acredita-se que a propriedade privada, enquanto elemento constituinte
da trama de relações sócio-econômicas no processo de produção
capitalista, deva ela mesma exercer sua função social. Ainda que este não
seja um conceito unânime e globalmente difundindo, sua implementação
legal tem sido discutida e respaldada nas últimas décadas. No Brasil, esta
noção somente tornou-se plena com a Constituição de 1988, que pela
primeira vez na história definiu a função social da propriedade. Entretanto,
tal função não raro é interpretada por militantes políticos com o intuito de
constestar a legitimidade da propriedade privada em sí, como por exemplo
o discurso do Movimento dos Sem Terra ao pregar o fim do latifúndio.
A rua como o espaço público por excelência O direito à propriedade está previsto na Declaração Universal dos
A ideia de que as cidades possuem uma esfera pública, pertencente e Direitos Humanos de 1948. O seu artigo 17 dispõe que "todo homem tem
usada pela coletividade e uma esfera privada, cuja posse e manutenção direito à propriedade, só ou em sociedade com outros e que ninguém será
respondem aos interesses de um ou mais indivíduos específicos, é arbitrariamente privado da sua propriedade". Verifica-se que referido artigo
bastante antiga, mas virá a se definir plenamente com a urbanística grega nada especifica em relação ao modo como alguém perderá sua
durante a Antiguidade Clássica. Para os gregos, a ágora era o espaço que propriedade, nem em que termos, ou se haverá indenização em dinheiro
inserido na pólis, representava o espírito público desejado pela coletividade ou em títulos, etc. O motivo é obvio: respeitar a soberania de cada nação.
da população e onde se exercia a cidadania. A definição clara do limite Fato é que no mundo capitalista a propriedade é a pilastra do sistema e
entre os espaços públicos e privados, porém, perdeu-se em vários sua interpretação não é uniforme, variando segundo a área política em que
momentos ao longo da história. As cidades europeias medievais vive o hermeneuta.
construíram-se através de uma constante apropriação da terra pública e da Regulação da propriedade no Brasil
definição desordenada de ruas, normalmente estreitas e insalubres. Tal
situação repetiu-se, grosso modo, até o advento do urbanismo sanitarista No Brasil está prevista na Constituição Federal, no artigo 5º (incisos
no século XIX, através das intervenções de Georges-Eugène Haussmann XXII e XXIII, respectivamente, a garantia do direito de propriedade e a
em Paris e de Ildelfons Cerdá em Barcelona. Ainda que baseados em um instituição da função social da propriedade), 170 dentre outros, como
discurso muito mais estatizador que público, estas intervenções colocaram direito fundamental. Também está prevista no Código Civil de 2002 em seu
o desenho das áreas públicas (grandes avenidas, especialmente) como artigo 1.228. weber e paraguaia
prioritárias na definição da paisagem urbana. Propriedade privada urbana
O Movimento Moderno na arquitetura e no urbanismo (no início do A propriedade privada normalmente constitui o principal elemento
século XX) representou uma releitura da ideia de público. Segundo vários definidor dos espaços intraurbanos na constituição da cidade capitalista.
de seus representantes todo o solo existente dentro dos perímetros Tradicionalmente, este modelo de cidade se constrói a partir da repartição
urbanos deveria ser de propriedade pública, sendo pertencentes à esfera de seu solo e de sua consequente comercialização, parcelamento,
privada apenas frações ideais destes terrenos correspondentes aos ocupação e uso.
apartamentos particulares. Esta ideia foi pouco posta em prática, sendo
considerada por diversos críticos como "ingenuamente utópica". Entre as A noção de "habitar a cidade no espaço privado" está de tal forma
cidades que adotaram este modelo destaca-se a capital do Brasil, Brasília. ligada à ideia da propriedade privada que a ampla maioria das cidades do
mundo têm no lote a sua unidade básica de parcelamento. Por este motivo,
Diversos teóricos, entre os quais destaca-se a canadense Jane considerável parte do planejamento urbano e do urbanismo realizados no
Jacobs, criticaram as propostas modernas e sua aplicação na cidade real. século XX envolve justamente o traçado de diretrizes jurídicas que regulem
Todo este conjunto de críticas gerou nas últimas décadas uma grande o lote e sua ocupação.
valorização da rua como o espaço público essencial às cidades.
Regulação da propriedade privada urbana
Configuração e tipologias
A noção de inviolabilidade da propriedade privada (tendo seu
A caracterização de um espaço público é bastante variada: proprietário total direito sobre seu uso, a apropriação de sua renda e sua
• Os espaços públicos livres podem se definir como espaços de comercialização) constituiu sempre um limite de atuação do Planejamento
circulação (como a rua ou a praça), espaços de lazer e recreação Urbano, em todo o mundo. A partir do momento em que assumiu-se a
(como uma praça ou parque urbano), de contemplação (como um função social da propriedade privada, as perspectivas de intervenção nas
jardim público) ou de preservação ou conservação (como um grande formas de produção do espaço urbano (e portanto, no modo como a
parque ou mesmo uma reserva ecológica). Nestes locais, o direito de ir propriedade privada é utilizada) alteraram-se radicalmente.
e vir é total.

Sociologia 10 A Opção Certa Para a Sua Realização


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Atualmente, o usucapião é considerado um instrumento legítimo de julgador torna-se indispensável na aplicação do direito de acordo com essa
combate à ociosidade da propriedade privada. multiplicidade de soluções. Abstraindo-se das possíveis críticas que teorias
sociológicas fazem ao que chamariam de uma nova forma de positivismo,
A propriedade privada foi concebida, desde a fundação do este trabalho, dentro das chamadas "acepções da palavra ‘direito’ ", tem
constitucionalismo moderno, como um direito humano, cuja função consiste por escopo a análise de um dos estudos mais desenvolvidos pela clássica
em garantir a subsistência e a liberdade individual contra as intrusões do teoria geral do direito: a distinção entre as noções de direito público e de
Poder Público. Sob esse aspecto, reconheceu-se que ao lado do direito de direito privado.
propriedade havia também um direito à propriedade.
Sempre adotada como um paradigma de didaticidade no ensino da te-
A evolução socioeconômica contemporânea estendeu o conceito oria geral do direito, tal forma de investigação epistemológica traz em seu
constitucional de propriedade privada, bem como alargou funcionalmente o bojo uma série de considerações críticas no sentido de se abolir por com-
instituto. Doravante, a proteção da liberdade individual e do direito de pleto tal enfoque. Para verificarmos a veracidade de tal posicionamento,
subsistência já não dependem, unicamente, da propriedade de bens far-se-á uma investigação sobre o papel das esferas pública e privada na
materiais, mas abarcam outros bens de valor patrimonial, como os direitos teoria de Hannah Arendt, a partir da análise dos conceitos que compõem
trabalhistas e previdenciários. a vita activa, do livro "A Condição Humana". Diante disso, teremos o arca-
Por outro lado, o direito contemporâneo passou a reconhecer que todo bouço teórico suficiente para verificar as mutações da referida dicotomia
proprietário tem o dever fundamental de atender à destinação social dos pela história da humanidade, em especial com o surgimento do Estado
bens que lhe pertencem. Deixando de cumprir esse dever, o Poder Público moderno e seus respectivos pilares que passaram a caracterizar a moder-
pode expropriá-lo sem as garantias constitucionais que protegem a nidade ocidental(4).
propriedade como direito humano. Ademais, perde o proprietário, em tal Esboçada a teoria da vita activa de Hannah Arendt, nosso passo se-
hipótese, as garantias possessórias que cercam, normalmente, o domínio. guinte será a identificação do problema a partir do desenvolvimento do agir
No campo penal, a querela sobre a existência do crime de esbulho humano, tomado com a base na teoria do chamado direito natural. As
possessório deve ser julgada, também, à luz do dispositivo constitucional observações de tal capítulo buscarão esclarecer o caminho de legitimação
que impõe o dever de atender à função social da propriedade. da ação humana a partir de argumentos próprios de cada tempo, e ver a
ilação das ideias de público e privado em tais formas. Observaremos como
Há um paradoxo histórico com o direito de propriedade privada. as mudanças no quadro social favoreceram a emergência de critérios
Embora tendo sido declarada, no início do constitucionalismo moderno, legitimadores os mais diversos da prática político-jurídica, tais como a
direito fundamental da pessoa humana e garantia inviolável e sagrada da vontade divina, a vontade da maioria etc, e como o espaço público foi se
liberdade individual, sem a qual não há constituição, a propriedade passou moldando a essas realidades, propiciando o surgimento da esfera social,
a ser analisada e discutida na teoria jurídica, a partir do movimento de que traria ao espaço público as esferas da vita activa que, nos antigos, não
codificação civil do século passado, exclusivamente como um instituto de eram próprias dele, no entender de Hannah Arendt. Logo, tal capítulo
direito privado, estranho, portanto, à organização política do Estado. também terá a influência da pensadora alemã no seu desenvolvimento.
A explicação para esse aparente paradoxo só se revela quando a Determinado, enfim, o arcabouço teórico de trabalho, fixaremos estudo
propriedade privada, tal como a família e o contrato, é recolocada no sobre o tema em um ponto do direito dogmático, especificamente no diri-
complexo de instituições sociais que compõem a civilização moderna. E a gismo contratual, com a ascensão do chamado Estado social(5). Nesta
especificidade desta última só cobra sentido quando a comparamos com parte do trabalho, a abordagem será concentrada ao instituto do dirigismo
as que a precederam, notadamente com a civilização greco-romana, cuja tal como entendido pelo direito civil, em que alguns exemplos serão dados
importância decisiva para a formação de nossa consciência jurídica é bem a fim de esclarecimento a respeito de sua incidência no mundo empírico. A
conhecida. Fonte - Wikipédia partir de então, aliaremos a teoria à praxis, demonstrando como o dirigismo
A dicotomia público x privado com o advento do Estado pode fundamentar a inexistência prática da distinção entre direito público
e privado, restando a sua utilização com um perfil eminentemente acadê-
Social
mico, especificamente pela didaticidade da referida distinção.
uma análise crítica à obra de Hannah Arendt
Em virtude do tema objeto de análise, nossa pesquisa utilizará basi-
Alexandre da Maia camente dados bibliográficos, não havendo a intenção de realizar estudos
de caso para comprovar a possível utilização do dirigismo contratual nos
1. Introdução: linguagem e acepções da palavra "direito" na mo- dias de hoje, mas não é nosso objetivo tal estudo. Adotamos o sistema
dernidade. completo de citações bibliográficas, o que facilita ao leitor a identificação
Pode-se dizer que o mundo ético, do qual se destaca a esfera jurídica, imediata das fontes pesquisadas sem a necessidade de interromper a
tem por um caráter básico a sua expressão através de signos, da lingua- leitura para a consulta da fonte na listagem de bibliografia contida ao final
gem. Tal linguagem toma para si, dentro de um estudo do positivismo do trabalho. Apesar de o sistema autor-data vir sendo bastante utilizado
clássico, uma ideia de cristalização de códigos e critérios que, em tese, hoje na Academia, preferimos a adoção do sistema completo, pelas facili-
garantiriam a chamada "plenitude hermética" do ordenamento jurídico dades já expostas supra.
estatal. Os trabalhos mais recentes na área da linguagem jurídica têm O emprego das aspas neste texto tem utilização a destaque dos arti-
mostrado uma tendência cada vez mais acentuada em admitir a impossibi- gos científicos consultado e a palavras que carreguem um duplo sentido
lidade da observação do fenômeno jurídico através de uma estrutura única em seu emprego, dando a ele inclusive um certo caráter jocoso. O negrito
de linguagem. Tais estudos indicam que a língua possui em sua natureza e itálico, utilizados simultaneamente, destacam, nos dados bibliográficos,
uma estrutura polissêmica, em que temos várias palavras com um mesmo os títulos dos livros e das revistas especializadas manuseadas e citadas
significado e, no mais das vezes, palavras diferentes que são entendidas como fonte da pesquisa; no decorrer do texto, destacará passagens julga-
como sinônimos(1). das importantes para a compreensão das ideias ora esposadas. A função
Essa estrutura aberta - que possibilita a existência de diversidade na do destaque em itálico será destinado a palavras de língua estrangeira
relação significante-significado nas mais diversas palavras - seria uma porventura mencionada no decorrer da exposição.
marca registrada do discurso jurídico. Tal assertiva, a princípio, iria de Vale ressaltar a importância do tema abordado no presente ensaio.
encontro às teses positivistas mais exacerbadas, utilizando o argumento de Com ele, teremos a valiosa oportunidade de fazer uma análise crítica de
que essa "textura aberta" (2) seria uma forma de se admitir decisões que um dos pontos mais clássicos do estudo da teoria geral do direito, visto
fugissem ao âmbito das fontes formais de produção do direito. sempre, no nosso entender, de uma maneira bastante analítica, sem
Tal afirmativa é, desde logo, rejeitada por Herbert Hart(3), que dá ao sopesar o seu enquadramento em dados de História e de tópica(6) valiosos
julgador o poder de, dentre as diversas formas que existem para a decisão no estudo do direito, e, com isso, passaremos por pontos controvertidos
de um conflito - formas essas fruto da estrutura aberta - a que mais se não só na teoria, mas também nas práticas hodiernas no que diz respeito à
adequaria ao caso em análise. Com isso, na tese de Hart, o papel do aplicabilidade dos contratos no nosso sistema jurídico, o que nos permitirá

Sociologia 11 A Opção Certa Para a Sua Realização


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uma reflexão atenta sobre as bases epistemológicas clássicas da teoria saciar as necessidades vitais do homem, e os instrumentos utilizados para
geral do direito e da efetividade do mundo contratual. a realização do labor ou estão no próprio corpo do homem ou são como
uma extensão dele, chamado por Tercio Sampaio Ferraz Júnior de ativida-
Assim, a primeira parte de nosso trabalho consistira em fixar esses de ininterrupta de produção de bens de consumo(14).
pontos de abordagem do problema, para, em seguida, fixarmos a teoria do
direito dogmático, com o dirigismo contratual aplicado a essa estrutura Era chamado de animal laborans o homem que realizava o labor, com
eminentemente teórica, permitindo uma investigação rígida desses fenô- atividades realizadas no domínio da casa, onde não havia liberdade. Tal
menos que nos acompanham todos os dias e que às vezes, pelas contin- ausência de liberdade é vista sob as óticas interna e externa. A falta de
gências próprias da vida, não paramos para refletir sobre suas implicações liberdade interna está fundamentada na relação de mando que o pater
no nosso mundo. familias detinha sobre os seus dominados, quer filhos e esposa, quer
escravos(15). Ou seja, os que estavam sob o jugo do pater familias não
PRIMEIRA PARTE tinham liberdade de espécie alguma, muito menos no sentido grego da
2. A dicotomia público x privado na antiguidade: a vita activa de palavra, que se restringe ao conceito de ação, como veremos mais adiante.
Hannah Arendt. No âmbito externo, não se pode dizer que o pater familias detinha liberda-
de, haja vista que ele não poderia tomas assento nas decisões que eram
2.1 Linhas gerais do trabalho de Hannah Arendt: natureza, mundo próprias do homem livre, entendido como animal político, o politikon zoon.
e vita activa. Percebemos, nessa fase do atuar humano, que o labor está restrito à
Analisar as circunstâncias que criaram a distinção entre as esferas pú- atividade do setor privado (privus) na antiguidade. Posteriormente, verifi-
blica e privada na antiguidade é uma árdua tarefa, mas o auxílio de Han- car-se-á como essas fronteiras se romperam no passar dos tempos, com o
nah Arendt, nesse aspecto, torna-se fundamental para uma abordagem surgimento da chamada esfera social.
crítica a respeito. A análise de Arendt, além de detalhada e bem estrutura- O trabalho, chamado por João Maurício Adeodato de produção de ob-
da, favorece ao perfeito entendimento do tema, além de se ter um quadro jetos(16), já diferenciava do labor no sentido de que aquele está centrado
das possíveis mudanças que a sociedade viria ater depois, com o avançar na produção de bens duráveis, bens estes que não têm a ideia de consu-
dos tempos. mo imediato como os que são fruto do labor(17). O fruto do trabalho se
O seu estudo, no que tange ao espaço público e ao privado - que cria- consubstancia em bens de duração, que não se consomem instantanea-
riam a distinção entre direito público e privado - é analisada a partir do mente no tempo, adquirindo permanência no mundo, como resultado de
conceito de vita activa, fundamental na obra da autora. Ou seja, toda a uma "relação meio/fim" (18). O objetivo do homo faber, aquele que traba-
atividade do homem corresponde a uma porção da vita activa, tornando, lha, é produzir bens não de consumo, mas que tenham uma duração no
pois, a ontologia de Hannah Arendt como sendo um estudo da "experiência tempo. Nesse sentido, pode-se dizer que a lex, tomando por base a análise
existencial do homem" (7). dos antigos, seria fruto do trabalho do legislador, assim como a casa seria
fruto do trabalho do que hoje conhecemos como engenheiro, e assim por
Assim, pois, a ideia de natureza é fundamental à obra de Hannah A- diante. Trata-se de uma atividade com começo, meio e fim, o que a distin-
rendt, mas não apenas ela. Natureza, no seu entender, constitui os meios gue sobremaneira do labor, em que, para a satisfação das necessidades,
dados ao homem para a vida, sem nenhuma interferência humana nesse tinha que ser necessariamente uma atividade ininterrupta, caso contrário
proceder. A vita activa seria composta não apenas da natureza, mas poderia haver o risco de desaparecimento da espécie(19). A posição do
também pela ideia de mundo, que aliaria à natureza toda a interferência do trabalho no mundo antigo seria um intermédio entre o público e o privado,
homem na transformação do estado bruto da natureza, formando obje- mais próximo do público.
tos/bens que, em tese, não foram colocados à disposição do homem
naturalmente(8). A atividade que forma o mundo insiste em modificar o Chega-se, finalmente, ao último dos pólos componentes da vita activa:
estado de natureza. É nesse ponto específico, de transformação da natu- a ação. Esta caracterizaria o espaço público por excelência, e praticada
reza para a formação do mundo - ambos os conceitos formadores da pelos homens livres, aqueles que são iguais e que se autogovernam, sem
condição humana - é que surge a noção de vita activa em Hannah Arendt. as amarras próprias de quem vive unicamente para retirar o sustento. A
ação não possui começo, meio e fim: trata-se de uma atividade imprevisí-
Hannah Arendt nos fornece um conceito de vita activa - no capítulo vel, pois não se sabe ao certo quais serão as consequências que hão de
justamente que versa sobre as esferas pública e privada - ao afirmar que advir de sua ocorrência, diferenciando-se, em tal ponto, do trabalho(20).
se trataria da "vida humana na medida em que se empenha ativamente em Outra característica da ação seria o fato de ser ilimitada, pois seu espaço é
fazer algo" (9). Logo, a atividade humana seria o grande pano de fundo da o da política, do diálogo, que já estaria inserido em sistemas de diálogo
ideia de vita activa. Como assevera Adeodato, não se pode resumir a antecedentes, e que formariam um moto contínuo de ações, surgindo,
condição humana apenas nesse âmbito de atuar. Existe, também, a cha- desse modo, espontaneamente. A ação é sempre pensada entre homens,
mada vita contemplativa, que se encontram em outra obra da autora. Na praticada pelo politikon zoon, necessitando do fenômeno de interação, o
obra ora em análise, diz Adeodato, a autora observa "apenas o lado ativo que não permite o isolamento da ação: ela se insere no contexto das
da condição humana" (10). Assim, a autora desmembra a ideia de vita demais(21).
activa conforme as atividades humanas na formação do mundo e transfor-
mação da natureza. Chega ela, então, a três esferas de vita activa: o labor, Outra característica da ação seria a irreversibilidade, visto que a ideia
o trabalho e a ação. de pluralidade e interação advertem que não se pode controlar as conse-
quências advindas do início do desenrolar da ação, até pelo próprio princí-
2. Labor, trabalho e ação como integrantes da vita activa na condição pio do "moto contínuo", não se pode pensar em ação que, uma vez inicia-
humana. da, não possa ser concluída por razões alheias à própria razão. É o exercí-
cio político por excelência, "é a única que não pode sequer ser imaginada
Ressalte-se que o primeiro problema a ser enfrentado no estudo des-
fora da sociedade dos homens" (22). A esfera pública, na antiguidade, é a
sas esferas é trazido por Adeodato, dedicando boa parte de um capítulo de
esfera da ação por excelência. O espaço público é caracterizado pela
sua obra a dissecar a problemática da tradução desses termos, em especi-
liberdade, ou seja, pelo convívio do cives entre os seus, também livres,
al aos dois primeiros, que trazem complicações na tradução(11). Escrito
idealizando e pondo em prática a ação na polis através do discurso, ou
originalmente em inglês, os termos labor, work e action são difíceis de
seja, "tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através da
serem traduzidos com a fidelidade científica que se requer à matéria.
força ou violência" (23). Fica, pois, na seara jurídica, clara a distinção, em
Adeodato prefere traduzir labor como "trabalho" e work como "produção de
tempos antigos, entre jus e lex, direito e lei, esta sendo fruto do trabalho do
objetos" (12). Optamos pelo posicionamento do tradutor para o português
legislador e aquele como o resultado de um moto contínuo da ação huma-
de A Condição Humana.
na(24).
É na esfera eminentemente privada que se encontra o labor na anti-
As esferas pública e privada, pois, possuíam traços nítidos de distin-
guidade, segundo Hannah Arendt. Trata-se de uma atividade eminente-
ção entre os antigos, mas o advento da modernidade, dentre outras carac-
mente de subsistência, que tem por escopo a manutenção das condições
terísticas próprias do nosso tempo, fizeram com que a distin-
vitais do homem. Por isso, Hannah Arendt afirma que a condição humana
ção entre direito público e privado ficasse cada vez mais tênue.
do labor é a vida(13). O labor, pois, é praticado com o intuito básico de

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3. O público e o privado no avançar dos tempos: as teses jusnatu- são sociais. A forma de solucionar tal impasse consiste em se criar um
ralistas. ente que envolva ambas as partes da dicotomia social, que funcionará
como um catalisador a equilibrar essas forças. Tal ente, fruto do trabalho, é
A teoria do direito natural nos rumos da filosofia do direito é um grande o Estado(29). O fundamento de um direito natural dito democrático, pois,
panorama de abordagem histórica para compreendermos o problema da estaria na vontade da maioria, pois a maioria deteria a legitimidade do
distinção público x privado nos nossos dias. Tais teorias jusnaturalistas nos poder e seria apta a decidir os conflitos surgidos. Aqui, já se percebe o
permitem uma espécie de "radiografia" da história política ocidental, aonde, abandono da divindade como epicentro de um direito natural, em virtude do
conforme os desenvolvimentos de uma determinada tendência de poder, surgimento da modernidade ocidental com o Estado moderno e as respec-
sempre se fez necessária a implantação de um mecanismo legitimador tivas diferenciações normativas. Nos dias de hoje, o que se observa é uma
desse poder, com a finalidade precípua de justificá-lo. Nessa nossa obser- crescente identificação do labor com o trabalho.
vação, faremos ilações com os conceitos harendtianos
de labor, trabalho e ação, que servirão de substrato teórico para a explica- A revolução industrial transformou aquele que trabalhava em um ope-
ção do dirigismo contratual. rário, numa atividade ininterrupta - característica própria do labor arendtia-
no - de produção de objetos de consumo. O labor passa então a ser mais
Inicialmente, o pano de fundo das teses jusnaturalistas está em se uma força de produção do que quaisquer outras formas de conceituação,
pensar numa ordem jurídica que seria superior aos ordenamentos jurídicos sendo o homem o próprio instrumento da consecução de seus fins. Trans-
positivos, servindo de base de apoio desses direitos. Logo, havendo confli- pondo tal conceito para a esfera pública, verificamos o Estado como inter-
to entre a ordem natural e as ordens positivas, prevaleceria a norma de ventor na atividade econômica, um dos pilares do dirigismo contratual, e o
direito natural, que seria a base do surgimento destas. Além das próprias direito agora observado como objeto de consumo, ou seja, pouco importa a
circunstâncias históricas, as teorias do direito natural, apesar de possuírem matéria regulada: o que interessa é a produção em larga escala, por parte
esse ponto em comum, na verdade diferem no que venha a ser esse do Estado, de normas jurídicas que venham a regular as condutas inter-
postulado de base dos direitos positivos(25). subjetivas relevantes. O problema está exatamente na questão da relevân-
O jusnaturalismo, que surgiu da passagem do enterro de Polínice na cia, pois hoje em dia cada vez mais a máquina estatal serve mais para
tragédia Antígona, desenvolveu-se no decorrer da história, tendo como seu atender aos interesses de grupos setorizados, muito embora utilize um
primeiro ponto de referência a época do exercício do poder temporal da mecanismo de legitimação legal-racional que, no mais das vezes, é estri-
igreja. É o chamado jusnaturalismo teológico, em que o direito superior que tamente formal, pois a ilação entre labor e trabalho não permite uma ob-
seria a base dos ordenamentos positivos seria a vontade divina, que seria servação de cunho material. A produção em larga escala é o que interessa.
imutável para todos os tempos e lugares, com um pequeno detalhe: no Como o povo parece estar ávido pela normatização, tenta-se resolver a
jusnaturalismo teológico, sempre existe a figura de um órgão oficial que questão através de fórmulas prontas, que não se coadunam às necessida-
seria o intérprete dos desígnios da divindade, como tal a igreja católica. des sociais, gerando o chamado jusnaturalismo de conteúdo variável como
Assim, o homem, por si só, não podia ser capaz de perceber tal "ordem sendo aquele que acompanha as mudanças sociais, e como tal, não paira,
natural", ficando sempre a mercê dos mandamentos da igreja católica(26). no nosso entender, sobre o direito estatal, mas sim caminha lado a lado,
A ordem pública, pois, se é que a podemos chamar assim, estaria no dinamizando a estrutura de direitos que não se efetivam pela inércia do
desígnio de Deus. Estado. Como o Estado pretende deter o monopólio dessa produção, ele
se encontra em um beco sem saída, pois a regulação formal, quando há,
Posteriormente, com o advento da reforma protestante, esquiva-se em não possui mecanismos de efetivação no mundo empírico, gerando a
parte da tese sustentada pelo jusnaturalismo teológico. Agora, muito embo- atuação intensa da sociedade civil no sentido de se auto-regular, em
ra não se negue a divindade, cada pessoa, se for pura de coração e dotada função da inércia do Estado na tutela ao mundo da experiência(30), o que
de razão, seria capaz de perceber os desígnios de Deus. Claro que as torna a distinção entre direito público e privado desprovida de rigor científi-
ideias de Lutero serviram de um grande pano de fundo para se legitimar co, pois a produção, por ser em série, pode abarcar tanto uma quanto outra
certas ações do poder, como no caso de Henrique VIII, que criou a igreja esfera, indistintamente. Caso patente dessa realidade é o dirigismo contra-
anglicana para contrair núpcias que não eram permitidas pela Igreja católi- tual, ponto a ser analisado com mais vagar.
ca. Ainda assim, começa a ser questionado o poder de Deus, com a con-
vicção de que ele não seria tão poderoso quanto se pensava anteriormen- 4. Passagem do Estado liberal para o Estado social: reflexos no
te. Hugo Grotius, um dos maiores mentores intelectuais dessa corrente direito dogmático.
chamada de jusnaturalismo antropológico, é um dos que salienta que o Com o advento da Revolução Francesa e a consequente consagração
poder de Deus, apesar de supremo, não seria ilimitado, pois, segundo ele, dos ideais da burguesia(31), surge o Estado moderno, como pilar básico da
nem Deus poderia modificar o direito natural. Em suas palavras: "...embora emancipação das ordens normativas, que, a princípio adotou os ideais
seja imenso o poder de Deus, podem-se, contudo, assinalar algumas liberais de então. Era o chamado Estado liberal, que tinha por modus
coisas as quais não alcança...assim, pois, como nem mesmo Deus pode operandi a existência do Estado mínimo, que só regularia a estruturação do
fazer com que dois e dois não sejam quatro, tampouco pode fazer com que poder estatal e os limites de seu exercício, que configurariam a esfera
o que é intrinsecamente mau não o seja...Por isso, até o próprio Deus se pública, entendida como estatal. Tal atuação mínima tinha por escopo a
sujeita a ser julgado segundo esta norma..." (27). Como se vê, há uma preservação da liberdade individual(32), no sentido de permitir a existência
limitação ao poder da divindade, muito embora não se negue a sua força de relações jurídicas quaisquer, desde que não ferissem os interesses e as
de mecanismo legitimador da esfera pública. normas do Estado. Como o Estado só normatizava de maneira genérica a
Com o advento da Revolução Francesa, e surgimento da Era Moder- respeito de sua organização, exercício e limites do seu poder, praticamente
na, começa a ocorrer um fenômeno curioso: a identificação dos conceitos os indivíduos, em suas relações entre si, ficavam livres para estipular
de trabalho e ação, próprios da teoria de Hannah Arendt. A ação passa a quaisquer cláusulas e condições em um negócio jurídico. Desse modo, a
perder a noção de virtude que lhe era intrínseca, passando a ser obsder- doutrina do Estado liberal passa a interferir diretamente na teoria dos
vada como uma atividade voltada para a obtenção de fins a partir de de- contratos, surgindo com ele o chamado princípio da autonomia privada e
terminados meios. Tal fenômeno traz em seu bojo uma crescente aproxi- adágios como o pacta sunt servanda, que estavam totalmente justificados
mação entre jus e lex, passando o direito a ser visto como sinônimo de pelo liberalismo então reinante no mundo ocidental(33).
norma, adotando-se uma razão meramente instrumental. O agir político, Problemática surgida no seio do Estado liberal foi o abuso da liberdade
agora, é visto como um centro produtor de "bens de uso", como ordem, por parte dos particulares. Baseados na ideia de que o contrato seria uma
segurança, paz etc. Começa a surgir não uma esfera autônoma, intermedi- manifestação inequívoca de vontades que deve ser observada a todo
ária entre a pública e a privada, a social, haja vista que tal esfera tem a custo, começa a ocorrer o fenômeno da exploração do homem pelo ho-
finalidade de trazer elementos que, na antiguidade, eram próprios do mem, devidamente legitimada pelo sistema. Aliado ao fato da revolução
mundo privado para a seara que era estritamente pública. industrial - mais uma vez trazido à tona - o liberalismo passa a acentuar
Pode-se dizer que o social, pois, seria como que uma junção de as- desigualdades sociais, em que mulheres e crianças trabalhavam sem as
pectos da esfera pública e privada(28). Logo, surge a dicotomia direito mínimas condições de higiene e de vida, nem de respeito à dignidade do
individual (privado) versus direito coletivo (público), com a ideia de preva- ser humano, mas isso não era problema do Estado....se se concorda em
lência deste sobre aquele, muito embora ambas as formas de observação trabalhar, em celebrar um contrato, aplica-se cegamente o pacta sunt

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servanda, sem quaisquer restrições, a princípio(34). Trocando em miúdos, tudo é feito por parte do Departamentos Estaduais de Trânsito (DE-
o Estado liberal serviu para acirrar ainda mais a desproporcional distribui- TRAN’s), sem a mínima interferência do particular.
ção de renda, concentrando mais poder nas mãos dos homens fortes de
então, detentores do poder econômico e político(35). Note-se que também temos o chamado dirigismo privado, que ocorre
por parte das empresas de grande porte, que possuem um sistema de
Com as desigualdades se acirrando, o Estado, através de pressões normas muito rígido, "concorrendo com o dirigismo público" (39), este
vindas da sociedade, a partir da criação de movimentos sindicais e a praticado eminentemente pelo Estado, no sentido de se criar limitações
consolidação do chamado direito do trabalho, passa a adotar um novo cada vez mais rígidas no exercício do poder de contratar.
perfil. A caracterização desse novo perfil se deve a partir da inclusão, nas
Cartas Constitucionais, de normas relativas não apenas à organização do 6. Conclusões: descabimento técnico e cabimento didático da di-
Estado, poderes e limites, mas também uma parte reservada à regulamen- cotomia direito público x direito privado.
tação da ordem econômica e social. Isso significa que o Estado não vai A partir do exemplo do dirigismo contratual, percebe-se claramente
mais ser um mero observador das relações jurídicas que sempre o perme- que, cada vez mais, a distinção entre as esferas pública e privada, e con-
aram, mudando sua posição como atuante na normatização e fiscalização sequentemente, direito público e privado, fica cada vez mais tênue, não
dos cumprimento das regras de ordem econômica. Vislumbra-se a interfe- dotada de rigor científico em função da interligação entre trabalho e labor,
rência do Estado na ordem privada para que não mais se permita a verifi- que transforma o direito num objeto de consumo por parte dos que neces-
cação dos excessos praticados num passado não tão distante(36). sitam de normas, eminentemente formais, para que se possa ter a certeza
Torna-se claro que os contratos, como manifestações, a princípio, es- na manutenção do equilíbrio entre as partes que contratam.
tritamente de direito privado, não estariam fora dessa normatização. Logo, Os espaços público e privado na modernidade ficam cada vez mais
há uma grande limitação ao princípio da autonomia privada, haja vista que, preenchidos pela ideia de um direito social, patrocinado por um Estado
agora, deve haver a observação atenta das normas estatais relativas à social, que tem a função de zelar pelo bem-estar dos que compõem a sua
elaboração dos contratos, normas essas que antes, em função da existên- estrutura, ficando cada vez mais difícil a delimitação das fronteiras, ou seja,
cia do Estado liberal, não existiam. aonde começa um e termina outro.
O Estado é chamado para promover o bem-estar, tutelando as rela- Muito embora percebamos a inexistência de rigor na distinção entre di-
ções econômicas para não haver abusos, criando direitos sociais, regula- reito público x direito privado, percebemos também que ela traz um aspec-
mentando atividades privadas etc. É em tal momento histórico que se to funcional importante: é através da divisão dos ramos do direito positivo
começa a falar em dirigismo contratual. Em função dessa normatização que se organiza a justiça brasileira (varas cíveis, criminais etc.), e a manu-
excessiva, diria Hannah Arendt, é que não se poderia distinguir de maneira tenção dessa distinção se torna útil para que se facilite a prestação jurisdi-
eficaz os planos público e privado, em função da ascensão do modelo cional, bem como a estruturação acadêmica dos cursos de bacharelado em
social de Estado, e é o que transformaria o direito num objeto de consumo. direito, que também se mantêm dessa maneira, inclusive na descentraliza-
Apesar da configuração de um Estado social, não se pode dizer, efeti- ção administrativa das disciplinas jurídicas (departamento de direito civil
vamente, que ele está alcançando de fato os seus fins. Tal assertiva se etc.).
sustenta pela cada vez maior impossibilidade de o Estado deter plenamen- Hannah Arendt e as práticas do Estado social nos mostram um quadro
te o monopólio da produção e aplicação do direito. Mais que isso: quase em que as instituições estatais, e as particulares no caso do dirigismo
sempre a normatização dos chamados direitos sociais não conseguem privado, atuam no sentido de zelar por um equilíbrio que, na época do
chegar a uma concretização efetiva de seus pressupostos, utilizando-se o Estado liberal, não foi alcançado, muito embora as instituições jurídicas e a
Estado de uma estruturação retórica de que a mera produção legislativa, doutrina clássica da teoria geral do direito(40) continuem a consagrar dita
de per si, pode ser eficiente ao efetivo exercício dessa nova geração de dicotomia. Vamos ver o desenrolar dessa polêmica, em que as esferas
direitos constitucionalmente prescritos, no caso do Brasil. Tal crise institu- política e jurídica, além de diretamente envolvidas, são fundamentais para
cional é cada vez mais evidente. O Estado se observa inerte ante aos a concretização de um direito cada vez mais voltado aos anseios sociais,
direitos sociais, especialmente com as políticas de privatização, como bem como o surgimento de práticas políticas que assim o procedam,
numa tentativa de se regressar ao Estado mínimo característico do libera- dinamizando normas que não têm função alguma se não verificadas no
lismo. Todavia, não se pode negar a existência, ao menos formal – com mundo empírico, exceto a de justificar o poder nas mãos de quem sempre
uma eficácia cada vez mais acentuada - , de normas jurídicas estatais o deteve em toda a História do Brasil.
regulando matérias que eram próprias do mundo privado, quando da
experiência do Estado liberal. 7. NOTAS

5. O dirigismo contratual com o advento do Estado social. 1. Cf. KOZICKY, Katia: "A Estrutura Aberta da Linguagem do Direi-
to: Vagueza e Ambiguidade". Curitiba, mimeo, s/d, bem como WARAT, Luis
Note-se que o dirigismo contratual se verifica através da intervenção Alberto: O Direito e sua Linguagem. Porto Alegre: Fabris, 1984, pp. 76 s.
do Estado nos contratos, inicialmente no sentido de efetivar o equilíbrio
entre as partes contratantes, criando normas gerais com esse intuito. 2. A expressão é de HART, Herbert: O Conceito de Direito. Lisboa:
Posteriormente, o interesse social é trazido à tona, com o estado ditando Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 137.
as regras no sentido de preservá-lo(37). Vemos aí uma clara aplicação da 3. HART, Herbert: O Conceito de Direito. (n.2), pp. 155 s.
teoria de Hannah Arendt, quando ela salienta o surgimento da esfera
social, fazendo com que certos princípios anteriormente próprios da esfera 4. Para uma análise sobre o conceito de modernidade e distinção
privada viessem a integrar a seara pública, visto que o social nada mais é entre modernidade central e modernidade periférica, cf. NEVES, Marcelo:
do que uma junção deles. O objetivo do dirigismo, pois, é efetuar uma "Do Pluralismo Jurídico à Miscelânea Social: o Problema da Falta de
limitação à autonomia privada, no sentido de que ela fica tolhida, na medi- Identidade da(s) Esfera(s) de Juridicidade na Modernidade Periférica e
da em que certos aspectos da realidade jurídico-contratual já estão prees- suas Implicações na América Latina". Anuário do Mestrado em Direito, n. 6.
tabelecidos a partir de normas jurídicas estatais. Recife: Universitária (UFPE), 1993, pp. 313-357. Tal ideia de modernidade
assenta seus pilares na diferenciação das ordens normativas, em que se
Como se vê, trata-se sempre da atuação do poder público na atividade pode distinguir, por exemplo, o direito da moral e da religião, o que no
econômica limitando a forma de contratar, a liberdade ou não de contratar tempo antigo, dito primitivo, não era observado.
(o que na época do Estado liberal era impensável), a liberdade de poder ou
não escolher a outra parte contratante etc(38). 5. Muito embora a concepção do welfare state seja consagrada
pela Constituição Federal, na verdade o que se verifica é uma inércia cada
Exemplo típico de dirigismo contratual está no seguro obrigatório dos vez mais acentuada do Estado em tutelar todo o direito, o que cria uma
automóveis. Percebam que, neste tipo de contrato, o particular, em primei- crise (na acepção leiga) do chamado direito dogmático. Maiores detalhes,
ro lugar, é obrigado a contratar, ou seja, uma vez adquirido um automóvel, cf. MAIA, Alexandre da: "O Movimento do Direito Alternativo e sua Influên-
surge a obrigação de contratar, haja vista que o seguro é uma espécie de cia no Poder Judiciário da Comarca do Recife". Revista da OAB – Secção
contrato no nosso direito positivo. Além de o particular ter que contratar, de Pernambuco. Recife: OAB – TS, 1997, pp. 41-62.
não pode ele, de igual sorte, determinar com qual seguradora contratar:
Sociologia 14 A Opção Certa Para a Sua Realização
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6. Para um estudo sobre tópica, cf. VIEHWEG, Theodor: Tópica e 25. Todas as referências sobre as teses jusnaturalistas foram estu-
Jurisprudência. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1979, bem dadas em ADEODATO, João Maurício: "Ética, Jusnaturalismo e Positivis-
como GARCÍA AMADO, Juan Antonio: Teorias de la Topica Juridica. mo no Direito". Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito, n. 7.
Madrid: Civitas, 1988, ambos passim. Recife: Universitária (UFPE), 1995, pp. 199-216.
7. A expressão é de ADEODATO, João Maurício : O Problema da 26. Cf. ECO, Umberto: O Nome da Rosa. São Paulo-Rio de Janeiro:
Legitimidade - no Rastro do Pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janei- Record, 1986, em que há uma amostra do poder da igreja na época em
ro: Forense Universitária, 1989, p. 113. questão.
8. A distinção entre "natureza" e "mundo" está esboçada em A- 27. GROTIUS, Hugo: De Jure de Belli ac Pacis (Del Derecho de la
RENDT, Hannah: A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitá- Guerra y de la Paz). Madrid: Reus, 1925, vol. I, p. 54 apud ADEODATO,
ria, 1997, p. 10, em que a autora salienta que o mundo é um "artifício João Maurício: "Ética, Jusnaturalismo e Positivimo no Direito". Anuário dos
humano", e a natureza é "a única capaz de oferecer aos seres humanos Cursos de Pós-Graduação em Direito (n. 24), p. 206.
um habitat no qual eles possam mover-se e respirar sem esforço nem
artifício". Fica bem claro que são dois conceitos distintos, em que o mundo 28. Cf. ARENDT, Hannah: A Condição Humana (n. 6), p. 47 e s.,
seria um sucedâneo da vita activa, em suas formas, sobre a natureza. quando fala do surgimento da ideia do social, nos moldes tratados supra.

9. ARENDT, Hannah: A Condição Humana (n.7), p. 31. 29. FERRAZ JR., Tercio Sampaio: Introdução ao Estudo do Direito -
Técnica, Decisão, Dominação (n. 11), p. 136.
10. ADEODATO, João Maurício: O Problema da Legitimidade - no
Rastro do Pensamento de Hannah Arendt (n. 6), p. 114. 30. O que fundamenta a tese da existência de um pluralismo jurídi-
co em sociedades subdesenvolvidas, e as teorias do chamado direito
11. ADEODATO, João Maurício: O Problema da Legitimidade - no alternativo, bem como a tentativa de explicação por parte da teoria dos
Rastro do Pensamento de Hannah Arendt (n. 6), pp.; 116-118. sistemas, em especial no que tange à autopoiese do direito moderno. Para
um estudo detalhado desses temas, cf. LUHMANN, Niklas: Legitimação
12. ADEODATO, João Maurício: O Problema da Legitimidade - no pelo Procedimento. Brasília, UnB, 1980, MAIA, Alexandre da: "O Movimen-
Rastro do Pensamento de Hannah Arendt (n. 6), p. 118. Assim não o faz o to do Direito Alternativo e sua Influência no Poder Judiciário da Comarca
tradutor de A Condição Humana, empregando os ter- do Recife" (n. 5) pp. 41-62, NEVES, Marcelo: A Constitucionalização Sim-
mos labor, trabalho e ação. Cf. FERRAZ JR., Tercio Sampaio: Introdução bólica. São Paulo: Acadêmica, 1994, TEUBNER, Gunther: O Direito como
ao Estudo do Direito - Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, Sistema Autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989,
1994, pp. 134-138, em que o referido autor utiliza os mesmos termos do TEUBNER, Gunther (org.): Autopoietic Law: a New Approach to Law and
tradutor para o português da referida obra de Hannah Arendt. Cf. tb. LA- Society. Berlin-New York: Walter de Gruyter, 1987.
FER, Celso: Hannah Arendt - Pensamento, Persuasão e Poder. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 28 s, especificamente na p. 29, em que o 31. LÔBO, Paulo Luiz Neto: O Contrato - Exigências e Concepções
autor opta por traduzir labor por trabalho, o mesmo entendimento de Adeo- Atuais. São Paulo: Saraiva, 1986, p.10.
dato.
32. Percebe-se nitidamente a diferença do conceito de liberdade
13. ARENDT, Hannah: A Condição Humana (n.6), p. 15. dos antigos para o desenvolvido pela teoria do Estado liberal. Muito embo-
ra a liberdade fosse também um dever, no sentido de se respeitar o contra-
14. FERRAZ JR., Tercio Sampaio: Introdução ao Estudo do Direito - to social, na verdade a teoria serviu de base para que as relações jurídicas
Técnica, Decisão, Dominação (n. 11), p. 134. entre particulares passassem à margem dos olhos do Estado.
15. ARENDT, Hannah: A Condição Humana (n. 6), p. 36. 33. É justamente no Estado moderno em que a teoria do negócio ju-
16. Cf. nota 11, infra. rídico surge no mundo ocidental. Cf. LÔBO, Paulo Luiz Neto: O Contrato -
Exigências e Concepções Atuais (n. 30), p. 13.
17. ADEODATO, João Maurício: O Problema da Legitimidade - no
Rastro do Pensamento de Hannah Arendt (n. 6), p. 119. Tal distinção tem 34. Cf. ZOLA, Émile: Germinal. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 1997,
fundamento, pois, como a atividade do labor era de subsistência, os bens em que o autor, num belíssimo romance, expõe a realidade do trabalho
que são fruto de sua atividade têm por função o consumo imediato por indigno, porém devidamente justificado pelos detentores do poder, dos
quem o produziu, a fim de saciar suas necessidades básicas. mineiros de carvão na França de fins do Séc. XIX. É um retrato fiel do que
se transformou o Estado liberal.
18. A expressão é de FERRAZ JR., Tercio Sampaio: Introdução ao
Estudo do Direito - Técnica, Decisão, Dominação (n. 11), p. 135. 35. Cf. LÔBO, Paulo Luiz Neto: O Contrato - Exigências e Concep-
ções Atuais (n. 30), p. 11.
19. Note-se que até nesse aspecto a ideia de liberdade não está
presente no labor antigo: o homem estaria sempre preso às necessidades 36. Cf. LÔBO, Paulo Luiz Neto: O Contrato - Exigências e Concep-
de sustento, e vivia para supri-las. Como ele inexoravelmente deve cuidar ções Atuais (n. 30), pp. 10-12.
de seu sustento enquanto ser vivo, não pode sair do âmbito da oikia(casa), 37. Cf. LÔBO, Paulo Luiz Neto: O Contrato - Exigências e Concep-
local de atividade do labor, pois, se assim acontecer, põe-se em cheque a ções Atuais (n. 30), p. 25
noção de humanidade.
38. LÔBO, Paulo Luiz Neto: O Contrato - Exigências e Concepções
20. FERRAZ JR. Tercio Sampaio: Introdução ao Estudo do Direito - Atuais (n. 30), p. 27.
Técnica, Decisão, Dominação (n. 11), p. 23.
39. LÔBO, Paulo Luiz Neto: O Contrato - Exigências e Concepções
21. ADEODATO, João Maurício: O Problema da Legitimidade - no Atuais (n. 30), p. 28.
Rastro do Pensamento de Hannah Arendt (n. 6), p. 120.
40. Cf. AFTALIÓN, Enrique & VILANOVA, José: Introducción al De-
22. ARENDT, Hannah: A Condição Humana (n. 6), p. 31. recho. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994, pp. 903 s
23. ARENDT, Hannah: A Condição Humana (n. 6), p. 35-36. O pa-
O Estado e os Direitos Humanos: uma visão em perspecti-
pel do discurso sempre é salientado por Hannah Arendt, que chega a
afirmar que o uso da força para convencer as pessoas não poderia ser va
usado e nível de ação, pois o uso dela seria próprio de quem não possui o Maria Bernadette de Moraes Medeiros
dom da palavra, de quem não é livre, de quem precisa, como o pater
familias, impor sua vontade sem liberdade. Introdução

24. Sobre essa distinção, cf. FERRAZ JR., Tercio Sampai- Vivemos um período de grande perplexidade neste início de século. O
o: Introdução ao Estudo do Direito - Técnica, Decisão, Dominação (n. 11), progresso e a grande profundidade das mudanças na capacidade científi-
p. 24. ca, tecnológica e produtiva levantam questionamentos até então impensá-

Sociologia 15 A Opção Certa Para a Sua Realização


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veis. Vivemos um momento de rupturas epistemológicas onde as certezas zação e a autonomia da política frente à religião, constituíram-se como
e as grandes utopias do século XIX são questionadas quanto à sua capa- novos referenciais para a interpretação das estruturas institucionais e
cidade em responder ou explicar os tempos atuais. Novos e velhos questi- sociais. O traço marcante do Iluminismo, que dominou o pensamento
onamentos são recolocados no debate contemporâneo. As lutas pela europeu no Século XVIII, é o de uma confiança sem limites da razão e, a
igualdade e pela liberdade retornaram com nova roupagem a partir dos partir dela, na libertação do conhecimento humano de tudo aquilo que não
anos 80 do século XX, tendo por base as questões advindas da crise dos seja conforme a razão. A afirmação da razão possibilitou também a afirma-
“Estados de bem-estar” e dos “socialismos reais”, colocando em relevo a ção da necessidade do respeito aos direitos naturais do homem, não com
necessidade de extensão das liberdades individuais e de superação das base no direito divino, mas como expressão racional de sua própria nature-
desigualdades sociais. za humana (Bussinger, 1997).
Ao mesmo tempo, é retomada uma crescente demanda por direitos de A laicização, a quebra da hegemonia da Igreja Romana nas questões
cidadania, em termos pluralistas e participativos. Há frequente alusão à públicas e a Reforma Protestante, em decorrência de todo um processo de
necessidade de contratos, pactos e entendimentos sociais. Temas clássi- lutas internas e externas, tiveram implicações materiais e espirituais que
cos como liberdade, igualdade, solidariedade, contrato social, cidadania, foram fundamentais na formação do espírito daquele tempo. O processo de
direitos, proteção social, função do Estado são investidos de diferentes transformação iniciado a partir dos séculos XVII e XVIII no mundo europeu,
significados, conforme os diferentes interesses e necessidades das pesso- em substituição aos ideais da Idade Média, resultou num novo código
as que as usam, tornando-se cada vez mais atual e vivenciado pelas moral que correspondia aos ideais da burguesia nascente.
pessoas, embora permaneçam confusos e indeterminados, perdidos na
generalidade e na falta de referência histórica, em cada país, tempo, lugar A descoberta do novo continente americano, com a exploração do ou-
e grupo social. ro e da prata daí decorrente, favorecia a acumulação e estimulavam a
comercialização, que era respaldada pela adoção de um sistema monetário
O objetivo do presente trabalho é retomar estes temas, procurando mais estável. Consolidava-se a política do mercantilismo. Para criar formas
captar o sistema de ideias e a dialética de significados que posicionaram políticas que se ajustassem à mudança de valores que estruturavam as
as práticas e as ações dos sujeitos, nos diferentes contextos históricos, na relações de dominação na nova ordem social, monarca e burguesia se
expectativa de uma melhor compreensão para seu entendimento dos associam, nos séculos XV e XVI. Governo forte e comércio se apoiam
desafios persistentes no tempo presente. mutuamente. No entanto, conquistados estes objetivos pelos burgueses,
iniciam-se as manifestações contra este poder absoluto, que se afigurava
A era moderna e a possibilidade da emancipação pela razão como desnecessário ou até mesmo indesejável (Hill, 1998). Os burgueses,
A grande mudança do paradigma cosmológico (a ordem do mundo, a pautando-se nos novos conceitos que apontavam para os direitos individu-
ordem das coisas), vigente na filosofia grega, para o paradigma antropoló- ais, aspiram por total autonomia na condução de seus negócios, no uso de
gico (a descoberta do homem como ser pensante, capaz de conhecer e seus bens e propriedades e na expressão de suas convicções políticas e
transformar o mundo), marca o início da Época Moderna. religiosas.
A partir do empirismo proposto por Francis Bacon (1561-1626), onde Os fundamentos do Estado Moderno no âmbito das teorias libe-
observar é conhecer, e conhecer é poder, o homem experimenta a possibi- rais
lidade de, pela indução e experimentação, conhecer e intervir na natureza. É neste contexto que, no campo de Filosofia Política, encontram-se as
Porém é com o racionalismo de René Descartes (1596-1650) que a ciência discussões sobre a origem e os fundamentos do Estado Moderno, as quais
deixa de procurar a Ordem do Mundo para descobrir o Mundo da Ordem. tentam “encontrar razões plausíveis que justifiquem as relações de subor-
Esta descoberta se dá a partir do próprio homem. É ele que, de forma dinação dos indivíduos a uma instituição que transcende, de forma dura-
metódica, seguindo a ordem das coisas, é capaz de chegar ao conheci- doura, as suas existências” (Ferreira, 1993, p. 27).
mento. Colocando como único fundamento seguro do conhecimento o
homem, como eu pensante, Descartes emancipou a filosofia moderna da Duas categorias conceituais produziram resultados políticos de suma
teologia. A descoberta desta subjetividade deu uma nova dimensão ao importância para a história da humanidade: o jusnaturalismo – com seus
pensamento filosófico, que passa ser fundamentalmente antropocêntrica, conceitos sobre direitos inatos, estado de natureza e contrato social, rei-
em oposição à cosmocêntrica da época dos gregos e a teocêntrica da era vindicando respeito por parte da autoridade política aos direitos inerentes
medieval. Configura-se um momento de perplexidade social, que culmina ao homem e o contratualismo – ao defender que o fundamento do poder
com um processo de laicização, no qual são questionados o conhecimento, político reside no contrato, que assinala o fim do estado natural e o início
a autoridade e o direito. A natureza, afastada de seus mistérios, torna-se do estado social.
objeto de um conhecimento racional. Trata-se agora de decifrar suas leis,
em lugar de contemplar sua magia. O espírito humano abre perspectivas Tomando como base de argumentação tais categorias, três autores
para o conhecimento científico. O método científico constrói a unidade são considerados clássicos para explicitar os princípios subjacentes à ideia
entre a razão e a ciência. de Estado, no âmbito das teorias liberais: Hobbes – o princípio de Estado;
Locke – o princípio do mercado; e Rousseau – o princípio da comunidade.
A maçã cai, mas é o homem quem relaciona esse conhecimento à for- Suas ideias constituíram-se diretrizes teóricas fundamentais ao pensamen-
ça da gravidade. Mais ainda: é o homem quem descobre a lei que explica a to filosófico moderno.
queda da maçã como a de outros corpos (Ferreira, 1993, p. 36).
Que ideias são estas?
Cabe à razão selecionar, analisar, coordenar e sintetizar os dados a-
preendidos pela percepção. A verdade exige agora que as falsas crenças e Para Thomas Hobbes (1588-1679), no estado de natureza, os homens
as ilusões sejam eliminadas. A ciência separa-se da fé, a matemática se eram livres e iguais. No entanto, essa condição de igualdade geral poderia
torna a linguagem do mundo. O conhecimento é resultado da atuação tornar a vida insuportável, pois, sendo egoístas, vaidosos, com igualdade
racional, intuitiva e afetiva do homem. “Com o poder da razão analítica, de condições quanto à capacidade e também quanto à esperança de
aflora um novo humanismo” (Ferreira, 1993, p. 37). atingir seus fins, todos teriam direito a tudo, na luta pela autoconservação,
pelo prazer e pela felicidade, o que levaria a um estado de permanente
Mas é Imanuel Kant (1724-1804) quem formula uma nova questão em conflito. No estado de natureza os homens viveriam em “uma guerra que é
relação à natureza do saber. “Descobri, diz ele, que muitos dos princípios de todos os homens contra todos os homens” (Hobbes, 1973, p.75). A lei
que consideramos objetivos são, na realidade, subjetivos, isto é, só abran- moral seria a autoconservação, a preservação de seu direito à vida. Hob-
gem condições sob as quais conhecemos ou compreendemos o objeto” bes sugere a superação desta contradição, pelo caminho da razão, que é a
(Benda, 1961, p. 20). Instaura ele, assim, uma revolução “coperniana” na capacidade que tem
filosofia, ao admitir que o conhecimento não se rege pelos objetos e sim os
objetos pelo conhecimento. É a consciência do eu, o eu penso, que está o homem para fazer frente às paixões. É pela razão que os homens
presente em todo seu conhecer. são impelidos a associar-se e a organizarem-se em uma outra forma de
sociedade que não a sociedade natural. É pela razão que os homens
É, pois, com o recurso da razão que o homem organiza suas necessi- acordam em firmar um “pacto”, em impor “restrição sobre si mesmos”,
dades e conquista a emancipação, sem depender da revelação. A seculari- tendo como objetivo o “cuidado com sua própria conservação e com uma

Sociologia 16 A Opção Certa Para a Sua Realização


APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
vida mais satisfeita” (Hobbes, 1973, p. 103). É pela razão, portanto, que os no contrato social. A delegação conferida ao Estado, ao contrário da re-
homens intuem a necessidade de sair do Estado de Natureza e passar núncia hobbesiana, não lhe confere poderes ilimitados. A liberdade que
para o Estado Civil. existia no Estado de Natureza não desaparece ao se instituir o Estado
Social. O consenso é dado aos governantes sob a condição de que exer-
Mas, para manutenção deste pacto, é necessário um poder comum çam o poder dentro dos limites estabelecidos. Locke reconhece como
capaz de garantir a segurança, a possibilidade do usufruto dos ganhos do legítimo, portanto, o direito de resistência do povo ao exercício ilegal do
trabalho, a manutenção da propriedade. Este poder se chama Estado, o poder, uma vez que este direito à rebelião teria como função, corrigir a
grande Leviatã, criado para manter a paz e a defesa, com a autoridade que transgressão dos limites do contrato por parte do governo e garantir os
lhe é transferida por cada indivíduo. Para Hobbes, o fundamento da sobe- direitos naturais dos indivíduos. Ao Estado compete governar por meio de
rania absoluta do Estado, reside no direito do indivíduo de se preservar, de leis estabelecidas e promulgadas, que não poderão sofrer variações em
ter segurança, de evitar a morte. E, como resulta de uma concordância dos casos particulares (Ferreira, 1993). Portanto, os direitos são conferidos a
homens entre si em “submeterem-se a um homem ou a uma assembleia todos os cidadãos, independentemente de sua situação de classe.
de homens, voluntariamente, com a esperança de serem protegidos por ele
contra todos os outros”, este Estado, cumprindo uma função moral, pode Os pobres devem se esforçar para também conseguir riqueza pessoal,
“usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveni- pois só podem gozar dos mesmos direitos e deveres aqueles que têm
ente, para assegurar a paz, a defesa comum” (Hobbes, 1973, p. 106). condições de garantir seu próprio sustento e o de seus dependentes, não
cabendo ao Estado qualquer proteção que venha a inibir a criatividade e o
Desse modo, afirma Ferreira (1993, p.61), a sociedade hobbesiana é esforço individual. Na visão de Locke, alimentar a imprevidência dos ho-
“uma sociedade de indivíduos cuja organicidade depende da ação estatal, mens é abrir as portas ao vício e à preguiça. Deste modo, para ele, com
fonte legítima do direito e da justiça” que, necessariamente, portanto, tem exceção dos escravos, só poderiam estar fadados à dependência mulhe-
que ser forte e deter um poder absoluto para dirimir os conflitos e preservar res, crianças e doentes mentais, por não terem condições físicas ou psico-
a paz, garantindo, deste modo, o direito fundamental, ou seja, a vida. lógicas para gerirem suas vidas. Na condição de dependentes, não são
Assim como Hobbes, John Locke (1632-1704) é jusnaturalista. Afir- cidadãos, ou seja, não são portadores nem de direitos, nem de deveres.
mando que “Deus, deu o mundo aos homens em comum”, dando-lhes Alguém precisa responder por seus atos (Ferreira, 1993).
também “a razão para que o utilizassem para maior proveito da vida e da Observa-se, pois, que se encontram em Locke as bases fundamentais
conveniência” (Locke, 1978, p. 45), supõe ele a possibilidade de, inspira- em que se apóia o pensamento liberal: aboliu os limites morais que condi-
dos pela razão, os homens viverem em relativa paz e harmonia no estado cionavam a posse da propriedade individual livrando-a dos constrangimen-
de natureza. Nele cada indivíduo dispõe de si próprio e pode usufruir a tos sociais, ao vinculá-la ao trabalho. Deu centralidade ao indivíduo que,
natureza de forma particular. Dono de si mesmo e sem que ninguém tenha com qualidades próprias, se esforça ao máximo para satisfazer os seus
qualquer direito sobre ele, senão ele próprio, o homem é também dono dos interesses. Refutou a ideia da soberania estatal na medida em que a
frutos de seu trabalho. transferiu ao povo, que a delega a um Poder – que a exerce fundamentado
Embora a água que corre na fonte seja de todos, quem poderia duvi- no império das leis. Defendeu a autonomia da sociedade civil e seu direito
dar que na bilha está somente a que pertence a quem recolheu? Pelo de efetuar transações, estabelecer contratos, ter propriedades (Bussinger,
trabalho tirou-a das mãos da natureza onde era comum e pertencia igual- 1997). Pode-se atribuir também a Locke o que podemos chamar como os
mente a todos e, de tal forma, dela se apropriou para si mesmo (Locke, primeiros direitos humanos que contemplam o homem como cidadão: o
1978, p. 46). direito à vida, à liberdade, à propriedade, à resistência contra a opressão e
a tirania.
No entanto, este direito à apropriação dos bens naturais pelo trabalho
não é ilimitado. Este limite é dado, tanto pela disponibilidade de sua exis- As ideias de Jean-Jacques Rousseau (1724-1804) constituem-se, para
tência em quantidade suficiente “e igualmente de boa qualidade para muitos autores, em um hino à liberdade; ao antiabsolutismo que proclama
terceiros” (Locke, 1978, p. 46), como pela capacidade de fruição. Ou seja, a necessidade de negar o Estado como um sistema de exploração privada;
é de sua propriedade aquilo que o homem é capaz de usufruir. A proprie- ao combate ao sistema de privilégios que dominava seu país, a França. A
dade sobre a parcela da natureza que o homem, por seu esforço individual crítica social de Rousseau dirige-se à sociedade na medida em que esta
é capaz de adquirir, manter e usufruir é sua por direito natural. A moral contraria a ordem natural. Pretende que se possa separar o que é natural
natural, porém, impõe limites à propriedade, fixados não só pela capacida- do homem e o que é adquirido socialmente. Aquilo que é original daquilo
de de trabalho de cada um, como por sua capacidade de consumo, pois “o que é artificial. Se as diferenças humano-sociais não são naturais do
excedente ultrapassa a parte que lhe cabe e pertence a terceiros” (Locke, homem, e sim adquiridas, artificiais, entende que, metodologicamente,
1978, p. 47). deve-se poder separar aquilo que é original do homem, para podermos
estabelecer as condições para reconstrução deste estado original. Partindo
A teoria da propriedade e sua escassez explicam, em Locke, a neces- da hipótese/constatação de que “o homem nasce livre, e por toda parte
sidade da transição do estado de natureza, mediante um acordo positivo, encontra-se a ferros”, quer saber “como adveio tal mudança” e o que
para o estado civil. Este acordo que possibilitou o estabelecimento de “poderá legitimá-la” (Rousseau. 1973, p.28). Este estudo é, para Rousse-
parcelas distintas de terra, no entanto, já nasceu com a marca da desigual- au, o meio de entender a origem das desigualdades. Sem ele não se
dade, pois, ao atribuir valor ao ouro e à prata, “e concordando tacitamente poderá distinguir a diferença entre estado de natureza e estado social.
com respeito ao uso do dinheiro” (Locke, 1978, p. 52), os homens tornaram
praticáveis as trocas que resultaram em posses particulares desiguais, A liberdade para Rousseau é a primeira distinção essencial entre o
resguardando-se o direito de realização destes negócios individuais fora homem e o animal, pois, enquanto o animal não pode desviar-se das
dos limites do pacto geral. Os homens, livres por direito natural, estabele- regras que lhe são prescritas, o homem executa suas ações como agente
cem transações livres. As trocas aparecem como manifestação da vontade livre para concordar ou resistir. Dispõe do poder de querer e de escolha,
de dois sujeitos, capazes de estabelecerem negócios igualitários, sem escolha esta, “que tanto lhe possibilita benefícios como prejuízos”, assinala
constrangimentos. Vieira (1997, p.54). No entanto, não sendo os homens iguais em talentos, a
sociedade por ele desenvolvida é marcada pela divisão do trabalho e pela
Fundam-se aí as bases para o princípio do mercado: “Para que as tro- desigualdade.
cas sejam legítimas é preciso haver liberdade individual” (Ferreira, 1993, p.
76). O pacto social, em Locke, tem por objetivo permitir que os direitos Desde o instante em que um homem sentiu a necessidade do socorro
naturais dos indivíduos, presentes no Estado de Natureza, possam ser de outro, desde que se percebeu ser útil a um só contar com provisões
garantidos, mais eficazmente, por um aparelho institucional eficiente repre- para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o traba-
sentado pelo Estado, a quem é delegada a capacidade de mediar os lho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em cam-
esforços individuais e a proteção dos direitos dos indivíduos. O poder pos aprazíveis que se impôs a regar com o suor dos homens e nos quais
governamental é de natureza judicial e a ele compete a mediação na logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e crescerem com as
disputa entre homens livres e proprietários, circunscrita ao espaço legal. O colheitas (Rousseau, apud Vieira, 1997, p. 59).
estabelecimento de um marco legal, representado pela lei civil, tem o papel Rousseau aponta que a divisão do trabalho decorrente do desenvolvi-
de reforço dos direitos naturais que não são alienados, como em Hobbes, mento da metalurgia e da agricultura marcou profundamente a história da

Sociologia 17 A Opção Certa Para a Sua Realização


APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
subsistência e da sociabilidade humana, progressivamente aumentando as que levaram às lutas pela independência dos Estados Unidos e à Revolu-
desigualdades. A competição e o interesse tornaram os homens falsos e ção Francesa, através da qual a burguesia inaugura seu poder político
artificiosos e provocou o desejo de lucrar às custas dos outros. Ao iniciar a como classe e dá inicio a uma nova fase do Estado Moderno, de inspiração
“Segunda Parte” de seu “Discurso sobre a Desigualdade”, Rousseau afirma liberal.
que “o verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primeiro que, tendo
cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas O liberalismo e os direitos civis e políticos
suficientemente simples para acreditá-lo” (Rousseau, 1973, p. 265). É, O século XIX marcou a consolidação do Estado Liberal e o desenvol-
pois, pelo conceito de propriedade que Rousseau explica o surgimento da vimento das forças produtivas. O caminho irreversível da industrialização
sociedade civil, sociedade esta em que, uma vez rompida a igualdade da economia alterou radicalmente relações e processos de produção. O
natural e o poder se impondo pela força, é levada à “pior desordem”, onde Estado Liberal resultante da ascensão política da burguesia, no dizer de
“as usurpações dos ricos, as extorsões dos pobres, as paixões desenfrea- Dallari (1990), deveria cumprir funções restritas quase que à mera vigilân-
das de todos, abafando a piedade natural e a voz ainda fraca da justiça, cia da ordem social e à proteção contra ameaças externas, caracterizando-
tornaram os homens avaros, ambiciosos e maus”, colocando a “sociedade se como Estado Mínimo ou Estado de Polícia.
nascente” no “mais tremendo estado de guerra” (1973, p. 274). No entanto,
esta sociedade desigual, tornada “estável e legítima graças ao estabeleci- A defesa dos direitos naturais do homem, com base na filosofia ilumi-
mento da propriedade e das leis” é “manifestamente contra a lei da nature- nista e na tradição liberal, subsidiou as lutas da ascendente burguesia
za”, não sendo esse “o estado original do homem”. O “espírito da socieda- europeia contra o Estado Absolutista e suas arbitrariedades. A ideia do
de” e a desigualdade por ela engendrada é que mudaram e alteraram indivíduo como autor do consentimento, cerne do contratualismo de Hob-
“nossas inclinações naturais” (1973, p. 288). bes e especialmente de Locke, dava o substrato necessário a esse movi-
mento. O crescimento do individualismo andava pari passu com o constitu-
É a partir deste diagnóstico que Rousseau procura estabelecer os no- cionalismo, que se materializava nas lutas pelas garantias contra o poder
vos fundamentos sobre os quais precisa se instituir a verdadeira sociedade arbitrário, da mesma forma que contra o exercício arbitrário do poder legal,
política, que deve nascer como a negação das desigualdades, responsável consubstanciando a “ideia de limites do Estado”, que caracteriza o movi-
pelos problemas da vida social, e ser construída sobre os princípios da mento
Igualdade e da Liberdade. Para tanto, propõe o estabelecimento de um
novo “Contrato Social”, que represente “uma forma de associação” para liberal. O conceito do Contrato Social rousseauniano subsidiava as lu-
defender e proteger “a pessoa e os bens de cada associado com toda a tas reivindicatórias por uma Constituição, a qual seria a explicitação do
força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, só obedece, contu- Contrato.
do a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”. Para Rous- O liberalismo como doutrina, portanto, foi se construindo nas lutas con-
seau, esse é o problema fundamental “cuja solução o contrato social tra o absolutismo. Ao final do século XIX, com a consolidação das conquis-
oferece” (Rousseau, 1973, p. 38). tas liberais – liberdades, direitos humanos, ordem legal, governo represen-
O Contrato Social proposto por Rousseau supõe a união entre iguais e tativo, legitimação da mobilidade social – e, no cenário da industrialização
não resulta da submissão. Cada um renuncia a seus próprios interesses e da consequente urbanização, o liberalismo já havia mudado a estrutura
em favor da coletividade. O poder assim constituído é um poder soberano, econômica, social e política da Europa, influenciando de forma drástica a
expressão da vontade geral e do interesse comum que une e dá existência comunidade internacional. A valorização do indivíduo, como centro e ator
a uma comunidade política. Esta vontade do coletivo é fixada através de fundamental do jogo político e econômico; o estabelecimento do poder
leis legal, baseado no direito estatal e o progresso econômico são consequên-
cias do projeto liberal.
fundamentais que o povo, enquanto corpo soberano, institui. Portanto,
o poder resultante do Contrato Social é um poder absoluto porque não é No campo dos direitos humanos as lutas da burguesia revolucionária,
subordinado a nenhum outro; é um poder inalienável porque a soberania é com base da filosofia iluminista e na tradição liberal, contra o absolutismo,
o exercício da vontade geral e a vontade não se transfere; é um poder ofereceu como produto, o que T.H. Marshall (1967) chamou de primeira
indivisível porque, enquanto representante de um corpo social, só pode geração de direitos humanos. Para esse autor, tais direitos, que se inscre-
agir como ato deste corpo no seu conjunto. vem na ordem do que se convencionou chamar de direitos e garantias
individuais são de duas ordens: os direitos civis e os direitos políticos. Os
Desde o momento em que essa multidão se encontra assim reunida direitos civis são os necessários à liberdade individual: liberdade de ir e vir;
em um corpo, não se pode ofender um dos membros sem atacar o corpo, liberdade de imprensa, pensamento e fé; o direito à propriedade e de
nem, ainda menos, ofender o corpo sem que os membros se ressintam concluir contratos válidos e o direito à justiça. Consolidaram-se ao longo do
(Rousseau, 1973, p. 41). século XVIII, tendo já, em seus elementos essenciais, a mesma aparência
No Contrato Social proposto por Rousseau, o homem perde “a liberda- que têm hoje. Os direitos políticos tiveram seu período de formação no
de natural” e o “direito ilimitado a tudo quanto aventura e pode alcançar”. início do século XIX. Referem-se ao direito de “participar no exercício do
Em oposição ganha a “liberdade civil”, que se limita pela “vontade geral” e poder político, como um membro de um organismo investido de autoridade
a “propriedade de tudo o que possui”, fundada em “título positivo”, e distinta política ou como um eleitor dos membros de tal organismo” (Marshall,
da “posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do primeiro 1967, p. 63). Estão ligados à formação do Estado democrático representa-
ocupante” (1973, p. 42). A liberdade para Rousseau não é a simples au- tivo e implicam uma liberdade ativa, uma participação dos cidadãos na
sência de impedimentos à realização da liberdade individual, ou seja, a determinação dos objetivos políticos do Estado.
liberdade negativa; mas é, principalmente, a liberdade positiva, isto é, A afirmação dos direitos humanos (civis e políticos), consagrados no
aquela alcançada pelos cidadãos que, conscientes de sua natureza social, decorrer dos séculos XVIII e XIX, foi conquista da burguesia em sua luta
assumem sua responsabilidade pela organização e conservação do corpo emancipatória de inspiração liberal contra o absolutismo. São, portanto,
político. Sua medida é a medida da liberdade do conjunto social. É uma produtos do liberalismo. No entanto, liberdade, igualdade e participação
liberdade conquistada coletivamente. Como consequência, afirma Vieira, necessitam de condições reais para seu desenvolvimento e não apenas
“para Rousseau, liberdade é participação no destino da Comunidade” formais. E, a contraface da realidade gerada pelo projeto liberal teve como
(Vieira, 1997, p. 109). E, “renunciar à liberdade é renunciar à qualidade de subproduto uma postura ultra-individualista, expressa em um comporta-
homem, aos direitos de humanidade” (Rousseau, 1973, p. 33). mento egoísta; uma concepção formal da liberdade onde há o direito e não
Seu Contrato Social , como bem assinalam Streck e Morais (2001, p. o poder de ser livre; e a formação de um proletariado pauperizado, vivendo
40), dá origem a um Estado democrático, “na medida em que o poder já em péssimas condições de trabalho, segurança pública, saúde e urbaniza-
não pertence a um príncipe ou a uma oligarquia, e sim à comunidade”, ção, como resultado da Revolução Industrial (Bussinger, 1997).
sendo esta, segundo esses autores, a grande contribuição de Rousseau à Os direitos e garantias individuais tão enfaticamente defendidos pelos
filosofia política. Sua ênfase em prol de um ideal de sociedade fundada em liberais não correspondiam à realidade concreta de homens não-
princípios universais, na qual predominem a liberdade, a igualdade, o bem- proprietários, que, apesar de livres e juridicamente iguais aos homens
estar de todos e, onde os interesses individuais não se sobreponham aos proprietários e capitalistas, sujeitavam-se a ser explorados para poder ter o
interesses da vida coletiva, tiveram forte influência sobre os movimentos “direito” de comer para continuar sobrevivendo (Bussinger, 1997, p. 31).
Sociologia 18 A Opção Certa Para a Sua Realização
APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
A igualdade propalada é, na verdade, uma igualdade formal que sub- No entanto, o enfraquecimento das bases materiais e subjetivas dos
trai as diferenças classistas, não levando em consideração as reais condi- argumentos liberais, em decorrência da concentração e monopolização do
ções de existência dos indivíduos sociais. Os direitos e garantias individu- capital, trouxe abaixo a utopia liberal do
ais são proclamados mediante uma concepção abstrata de universalidade
que não tem condição de se realizar. Frente à desigualdade gestada, a indivíduo empreendedor. O crescimento do movimento operário, que
questão operária é explicitada como questão social para o conjunto da passa a ocupar espaços políticos importantes na segunda metade do
sociedade. As lutas sociais urbanas se multiplicam e têm como principais século XIX e início do século XX, levanta novos questionamentos e coloca
protagonistas a classe operária, a burguesia industrial e o Estado liberal em xeque a ordem social. No campo econômico, as propostas de Keynes,
não-intervencionista. criticando a crença liberal de auto-regulação do mercado, revolucionam o
pensamento econômico e obrigam um reposicionamento do referencial
Referenciado por este contexto e, a partir da realidade objetiva, Marx teórico do liberalismo em relação à participação do Estado na vida dos
explicita sua crítica ao caráter meramente formal dos proclamados direitos cidadãos. O advento do Fordismo, alterando a forma de produção, oferece
humanos, uma vez que a igualdade perante a lei – todos os homens são maior poder coletivo aos trabalhadores, que passam a requisitar acordos
iguais – convivia com a desigualdade vivida cotidianamente coletivos de trabalho e ganhos de produtividades, com maior capacidade
de barganha. Também a vitória do movimento socialista na Rússia, em
pela maioria da população, que se encontrava submetida a uma ex- 1917, contribui para configurar uma atitude defensiva do capital frente ao
tensa jornada de trabalho, sem proteção e sem nenhum tipo de direito movimento operário, que reivindica o direito a ter direitos. A burguesia via-
social assegurado. Embora a liberdade conquistada significasse um avan- se obrigada “a entregar os anéis para não perder os dedos” (Behring, 2000,
ço frente à obediência servil devida aos senhores feudais, a nova realidade p. 25).
social impunha, para grande parte da população, uma outra forma de
liberdade: “a de se deixar explorar em nome da própria sobrevivência” E, é neste binômio concessão/conquista, neste movimento contraditó-
(Santos, 2002, p. 29). rio entre luta e reconhecimento, que foram se forjando os direitos sociais,
fundamentados pela ideia da extensão da igualdade, como contraposição
No entanto, como bem afirmam Streck e Morais (2001, p. 51), “o devir às desigualdades gestadas na sociedade capitalista. Foi através das
histórico da doutrina liberal apresenta constantes transformações pela manifestações dos trabalhadores, ao final do século XIX, que, organizados
incorporação de novas situações” que, a novas demandas, impõe-lhe, e ganhando força em suas reações às precárias condições de vida e de
dialeticamente, a necessidade de novas respostas. Portanto, ainda em trabalho, os direitos sociais começaram a criar condições objetivas de
meados do século XIX já é possível perceber uma mudança de rumos e de serem constituídos, colocando em evidência a insuficiência dos direitos
conteúdos no Estado Liberal, em sua concepção clássica. Pressionado civis e políticos para reversão das desigualdades. A crise do capitalismo de
pelas lutas do movimento operário que reage às péssimas condições de 1929 e as ideias difundidas por Keynes, ofereceram o substrato necessário
trabalho e à miséria que se generaliza, bem como pelas crises cíclicas para evidenciar a insuficiência do sistema de auto-regulamentação do
engendradas pelo próprio capitalismo, o Estado Liberal passa a assumir mercado e a necessidade de intervenção do Estado como agente ativo na
prestações públicas de proteção social ou a agir como ator privilegiado do regulação econômico-social.
jogo socioeconômico, diminuindo o âmbito da atividade livre do indivíduo.
Contrariamente aos direitos civis e políticos, cuja função é incrementar
O Estado e os direitos sociais a esfera de autonomia dos indivíduos, os direitos sociais, que também são
Em 1789, quando os revolucionários franceses discutiam o projeto da chamados por alguns autores, como direitos de crédito, se definem como
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, já havia um acordo uma forma de dívida da sociedade para com os indivíduos. Possuem um
generalizado para reconhecer que a sociedade devia ajudar àqueles seus caráter distributivo. Buscam promover a igualdade de acesso a bens soci-
membros que se encontrassem em desamparo. Dizia-se que os socorros almente produzidos, como forma de fortalecer a coesão social. Enquanto o
públicos correspondiam a uma dívida sagrada. Ao mesmo tempo em que sujeito de direitos civis e políticos é o homem genérico, o indivíduo abstra-
proclamavam o direito à assistência, era salientado outro elemento funda- to, o requerente dos direitos sociais é o indivíduo situado, definido por suas
mental: o direito a viver do próprio trabalho. Na Lei de 19 de março de características econômicas e sociais (Rosanvalon, 1995). Por isso mesmo,
1793, considerada uma das primeiras expressões do Estado Providência, a conquista e amplitude dos direitos sociais é histórica e socialmente
já constava: “Todo homem tem direito a sua subsistência pelo trabalho se é determinada. Embora subscritos em tratados que aspiram à universaliza-
sadio; por socorros gratuitos, se não está em condições de trabalhar. A ção, sua legitimidade e concretização depende do padrão civilizatório
tarefa de prover a subsistência do pobre é uma dívida nacional” (Rosanva- requerido e aceito por cada sociedade nacional.
lon, 1995, p. 130). A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pe-
A preocupação em responder à indigência mediante a provisão do tra- las Nações Unidas em 1948, após dois anos de negociação entre os
balho e não por entrega de esmola, já se encontrava presente desde países membros, não esteve imune a esta situação, uma vez que mesmo
começos do século XVI e se vincula à ideia da própria definição do Estado nos Estados que participaram de sua redação, foram inúmeras as resistên-
Moderno, como Estado Protetor, redutor da incerteza e garantidor da cias à outorga de natureza obrigatória aos direitos nela definidos. O direito
seguridade social (Rosanvalon, 1995). Porém, a ideia de proporcionar à propriedade, por exemplo, conforme ressalta Alves,
trabalho aos pobres não estava implicada apenas com uma dívida moral da registrado no Art. nº 17, desagradava sobretudo os países socialistas,
sociedade, mas vinha completamente impregnada de uma visão discipliná- enquanto os direitos econômicos e sociais não se adequavam à ortodoxia
ria e arcaica do social. A ideia que subsidiava esta ação era colocar a liberal capitalista. A igualdade de direitos entre homens e mulheres, sobre-
trabalhar as classes virtualmente perigosas, com o objetivo de controlá-las tudo no casamento (Art. nº 16), assim como a proibição de castigo cruel
e moralizá-las; existindo a preocupação de fixar em um território os vaga- (Art. nº 5º), causavam dificuldades a países muçulmanos de legislação
bundos e as pessoas sem vínculos. Muitas vezes se confundia a oferta de não-secular (Alves, 1998, p. 2).
trabalho aos necessitados e trabalhos quase forçados. Os pobres eram
pressionados a realizar os trabalhos de saneamento dos esgotos, limpezas No entanto, apesar das dificuldades para sua efetivação, esta declara-
das ruas ou reparação das muralhas das cidades. Importa considerar, ção é considerada um marco na história das conquistas da sociedade, na
ainda, que os pobres, isto é, aqueles que viviam da venda de sua força de medida em que proporcionou base legal às
trabalho, não eram considerados cidadãos, porquanto sua situação de
subordinação limitava sua capacidade de autonomia e discernimento para lutas políticas pela liberdade e inspirou a maioria das constituições na-
realizar escolhas livres. Para os liberais clássicos, só eram portadores de cionais na positivação dos direitos da cidadania, além de conferir à pessoa
direitos (civis e políticos) os proprietários da terra ou dos meios de produ- física, a qualidade de sujeito do direito para além das jurisdições nacionais.
ção, cuja inserção privilegiada na sociedade lhes conferia a liberdade Porém, embora tenha lançado os alicerces de uma nova e profusa discipli-
necessária para exercer de forma emancipada, sem coação, seus direitos na jurídica, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, a concretização
civis e políticos. desses direitos, conforme assinalado anteriormente, é histórica e social-
mente determinada pelo padrão civilizatório alcançado por cada Estado
nacional. Por essa razão, os dois principais tratados internacionais de
direitos humanos – o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o

Sociologia 19 A Opção Certa Para a Sua Realização


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Pacto Internacional sobre Diretos Econômicos, Sociais e Culturais –, de um principio orientador das relações dos homens em sociedade, com
caráter compulsório para os respectivos Estados-partes, também negocia- desdobramentos essenciais sobre a desregulamentação e flexibilização
dos desde 1946, levaram vinte anos para serem aprovados na ONU (em dos direitos vinculados ao trabalho. A obsessiva competitividade e busca
1966) e trinta para entrar em vigor no âmbito internacional (Alves, 1998). da eficiência faz aumentar continuamente o número dos que por ela são
Igualmente, apesar de reconhecer a diversidade econômico-política e marginalizados; a racionalização da produção empurra os pobres para as
cultural dos países membros, o texto da Declaração e Programa de Ação margens da economia; com a informatização crescente da indústria e dos
de Viena, aprovado na Conferência Mundial dos Direitos Humanos, reali- serviços; o trabalho, especialmente o não-especializado, torna-se supérfluo
zada em junho de 1993, pela ONU, assinala, em seu Art. 5º: e o desemprego estrutural; fragilizam-se as lutas sindicais em um contexto
em que a oferta de mão-de-obra é muito superior à demanda. Nos países
“Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependen- ditos de primeiro mundo a mão-de-obra barata, ainda imprescindível à
tes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos produção, é recrutada fora do espaço nacional, pelas filiais de grandes
humanos de forma global, justa e equitativa, em pé de igualdade e com a corporações, instaladas no exterior. Nas sociedades pobres, a atração por
mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser investimentos externos é disputada através de uma guerra fiscal fratricida,
levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, embora não haja a garantia de permanência do capital volátil, que pode
culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os sair do país do dia para a noite, em busca de novos atrativos em qualquer
direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forem seus outra parte do mundo. O desmonte do sistema público de proteção social é
sistemas políticos, econômicos e culturais” (ONU, 1993). alegado como necessário à gestão estatal eficaz, garantidora da competiti-
Desse modo, por decisão dos países partícipes desta Conferência vidade nacional; transfere-se à iniciativa privada e às organizações da
Mundial, de forma insofismável, os direitos civis, políticos e sociais passam sociedade civil a responsabilidade pela administração do social. O reforço
a integrar, em seu conjunto, em caráter interdependente e indivisível, a à difusão da cultura privatista cria obstáculos à universalização dos direitos
categoria ampla dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais. sociais. A centralidade no mercado, própria do neoliberalismo, substitui o
conceito de cidadania pelo de consumidor, sendo relegada a assistência
Referenciado, portanto, por todo um arcabouço legal, de caráter inter- àqueles que não têm capacidade própria de prover suas necessidades pelo
nacional, é o Estado o responsável pela garantia do direito à vida, à liber- consumo de mercado. O pobre, desnecessário à produção porque sobran-
dade, à segurança pessoal; de não ser torturado nem escravizado; de não te, é estigmatizado e responsabilizado pela própria pobreza. O acesso às
ser detido ou exilado arbitrariamente; à igualdade jurídica e à proteção respostas públicas como condição universal é fragilizado, enquanto é
contra a discriminação; ao julgamento justo; às liberdades de pensamento, reforçado o modelo político da subsidiariedade, que propõe a regulação
expressão, religião, locomoção e reunião; à participação na política e na estatal para o último plano ou só quando ocorrer ausência de capacidade
vida cultural da comunidade; à educação, ao trabalho e ao repouso; a um da família ou da comunidade em prover tais necessidades. “Abandona-se,
nível adequado de vida, abrangendo questões de saúde, moradia, seguri- assim, a concepção dos direitos econômico-sociais” (Alves, 1998, p. 5).
dade social, proteção do meio ambiente, da família, da velhice, da infância
e da adolescência, do incapaz, dentre outros. Contudo, a efetividade O crescimento da pobreza aumenta os riscos sociais e ambientais –
desses direitos – especialmente aqueles que dizem respeito à proteção incluindo-se aí, o aumento da violência e da inseguridade urbana. A classe
social e à garantia de acesso igualitário a bens e serviços socialmente rica se isola em sistemas de segurança privada. A classe média, atemori-
produzidos – cuja materialidade se traduz através de políticas públicas zada pela insegurança generalizada, requer dos legisladores
executadas na órbita do Estado, está atrelada a condições econômico- penas aumentadas para o criminoso comum. A classe pobre é associ-
políticas e à base fiscal estatal. Por estas características, no campo do ada, ideologicamente, ao que há de mais negativo na esfera nacional: a
direito formal é profundo o debate sobre a possibilidade legal e efetiva de superpopulação, o vício, o tráfico de drogas, a exploração do trabalho
reconhecer esses direitos, como passíveis de serem cobrados e exigidos. infantil, a violência urbana e a criminalidade. A impunidade para os chama-
Embora a existência de um estatuto legal, expresso pela legislação de dos crimes de colarinho branco é aceita e pouco questionada. Constatam-
cada Estado nacional, possa se constituir em vigoroso instrumento para a se com maior frequência episódios de revolta e execução de atos de justiça
garantia de seu exercício, a simples existência da Lei não se traduz em com as próprias mãos. Há uma descrença cada vez maior sobre o sistema
garantias de sua efetivação. de justiça e sobre a capacidade do Estado em cumprir seu papel de medi-
O instrumento legal, por si só, não dá conta de impor o novo nessa re- ador dos conflitos, como expressão da vontade geral e em defesa do
lação. Esse novo é estabelecido pelo movimento social, pelas reivindica- interesse comum. “Anulam-se, assim, os direitos civis” (Alves, 1998, p. 6).
ções dos trabalhadores, pela presença das classes subalternas na luta por A política, desacreditada por sua ineficácia, perde seu sentido emanci-
verem reconhecidos seus interesses. E esse novo o tempo todo está se patório, organizador e condutor das relações sociais em direção a fins
debatendo com o velho, aquele que impõe as regras, submetendo os socialmente desejáveis, passando a ser vista como fonte de corrupção e
segmentos subalternos à lógica do mercado e impingindo aos direitos defesa de interesses privados. Cresce a indiferença e o absenteísmo em
sociais sua transformação em mercadoria (Couto, 2003, p. 45). relação ao sistema eleitoral e é praticamente nulo o exercício do controle
Portanto, apesar da existência de normas constitucionais e de um ar- público sobre os representantes do povo. “Perdem o valor, dessa forma, os
cabouço legal enunciador dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamen- direitos políticos, arduamente conquistados nas lutas da modernidade”
tais, é fundamental a compreensão de que eles somente serão efetivados (Alves, 1998, p. 6).
como resultado das lutas e dos consensos estabelecidos na sociedade, Instaura-se a noção de uma pós-modernidade, complexa e utilizada
que se traduzem em acordos explicitados pela sociedade política. Neste para as mais diversas finalidades. O Estado, portador de mensagens
sentido, sua configuração é contextualizada no campo mais amplo da idealmente igualitárias e emancipatórias, garantidor da proteção e da
sociedade, a qual é suscetível às determinações que lhe asseguram, ou convivência social, na tradição iluminista, torna-se, pós-modernamente,
não, sua efetiva consolidação na vida concreta da nação. simples gestor da competitividade econômica. Os Estados nacionais per-
As transformações societárias e os direitos humanos dem cada vez mais, tanto sua autonomia real frente às grandes corpora-
ções, como, inclusive, sua função identitária, neste mundo cada vez mais
Apesar do vigor alcançado pelo discurso contemporâneo em torno dos globalizado econômica e culturalmente. O capitalismo, pós-guerra-fria, “não
Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais, como alicerce para a é mero sistema econômico, mas uma forma global de vida em sociedade;
conquista de um estamento legal mais igualitário e fraterno intra e entre os ou, se quiser, dando ao termo um sentido neutro, uma civiliza-
diferentes Estados nacionais, é inegável observar, contraditoriamente, o ção”(Comparato, 2001, p. 5). O egoísmo competitivo, excludente e domi-
quanto as inovações tecnológicas e a crescente globalização financeira e nador rege não apenas as relações econômicas, mas toda a vida social,
dos mercados, verificada de forma crescente a partir dos últimos anos do fundamentando a supremacia absoluta da razão de mercado. O capital é
século XX, têm sido acompanhadas de transformações fundamentais no elevado à condição de “sujeito de direito”, enquanto o homem “é reificado
mundo do trabalho e o quanto estas têm custado em matéria de instabili- como simples mercadoria, ou instrumento produtivo a serviço do capital”
dade, desemprego, exclusão social e agudização das desigualdades. (2001, p. 5). Sob essas condições, agudizam-se as desigualdades entre e
Novos processos de trabalho substituem a produção em massa pela flexibi- intra os Estados Nacionais. A insegurança e o crescimento da barbárie são
lização da produção, a qual, extrapolando seu próprio âmbito, passa a ser projetados em todos os quadrantes da terra. Assiste-se, nesta passagem

Sociologia 20 A Opção Certa Para a Sua Realização


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de milênio, uma profunda crise paradigmática, com o aparente desmante- Os Direitos Humanos e o Estado Brasileiro
lamento dos grandes ideais que subsidiaram as lutas da modernidade em
prol de uma sociedade fundada em princípios universais de liberdade e por Érika M. Yamada, advogada do Instituto Socioambiental (ISA)
igualdade. Como reflexo de sua Constituição democrática e do importante papel
No entanto, como afirma Fiori, “as crises, são o momento por excelên- que assume na política internacional com o compromisso de direitos hu-
cia, em que se repõem ou se refazem as relações entre as formas políticas manos, o Estado Brasileiro reconhece os principais instrumentos interna-
e econômicas de dominação” (1995, p. 68). Portanto, é a partir da crise e, cionais de direitos humanos. Entre estes, destacamos: a Convenção nº
em função dela, que já é possível perceber, uma retomada histórica, con- 169 da Organização Internacional do Trabalho o Pacto Internacional de
tra-hegemônica, de rearticulação das forças sociais, para a construção Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,
urgente de um novo mundo possível e necessário,2 que assegure a todos Sociais e Culturais; a Convenção pela Eliminação de Todos os Tipos de
os seres humanos, respeitando as diversidades culturais e biológicas que Discriminação Racial; e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
os distinguem entre si, o direito elementar à felicidade, fundamentada na Cada instrumento ratificado estabelece obrigações de direito interna-
irradiação da fraternidade universal e na organização de uma humanidade cional ao Estado brasileiro para garantir os direitos declarados e reconhe-
solidária. cidos, sem usurpar os dispositivos e obrigações do direito doméstico. Estes
Uma civilização que garanta a toda a humanidade o direito de ser feliz deveres e obrigações internacionais pertencem aos Estados e se direcio-
há que contrapor-se radicalmente ao capitalismo, tanto pelo seu espírito, nam a todos os níveis de governo: federal, estadual e municipal; e a todas
quanto pelo sistema institucional ou a prática da vida (Comparato, 2001, p. as esferas de Poderes: executivo, judiciário e legislativo.
7). Ao ratificar tratados multilaterais de direitos humanos, o Estado reco-
Para tanto, é essencial uma nova repactuação com a instauração da nhece seus princípios humanitários e se compromete a implementar e
igualdade substancial das condições de vida, que se materializa por meio proteger o rol de direitos fundamentais ali dispostos. Os instrumentos
de políticas públicas mediadas pelo Estado. Este Estado, fortalecido pela internacionais de direitos humanos servem de ferramentas de interpretação
superação da dicotomia entre Estado e sociedade civil, que separa a da lei nacional e, detêm status constitucional, de acordo com a Emenda
economia da política e coloca a atividade empresarial ao abrigo de qual- Constitucional 45, quando passam a incorporar o ordenamento jurídico
quer interferência governamental, precisa, porém, organizar-se no sentido doméstico, como é o caso da Convenção OIT 169, recepcionada pelo
do serviço à coletividade e do atendimento prioritário das necessidades e Decreto 5.051/2004.
da proteção social. “Um Estado fraco, permanentemente submetido às Instrumentos internacionais refletem em si a manifestação da sobera-
injunções do capital privado, é incapaz de atender à exigência do estabele- nia e liberdade nacional de cada país no cenário internacional. Cada país
cimento de condições de vida digna para todos”, diz Comparato (2001, p. pode escolher ou não ratificar um tratado (seja de direito comercial ou de
7). direitos humanos) e incorporá-lo como lei doméstica e vinculante. Cada
Nesta perspectiva, o sonho rousseauniano da possibilidade de um No- país também tem a liberdade para votar favoravelmente ou contra uma
vo Contrato Social no sentido de viabilizar uma verdadeira sociedade Declaração de direitos humanos, arcando com as consequências morais e
política, a partir da negação e superação das desigualdades concretas e políticas de seu posicionamento internacional.
historicamente situadas, assume substancial contemporaneidade. No O Brasil optou por votar favoravelmente à Declaração da ONU sobre
entanto, o requerimento atual transcende os grandes enunciados que se Direitos dos Povos Indígenas, mantendo a coerência de seu posiciona-
transmutam em liberdades ou igualdades meramente formais, estabeleci- mento nacional e internacional em matéria de direitos humanos e povos
das como concessão, a partir dos grupos que detêm o poder político e indígenas. No plano nacional, estes instrumentos internacionais têm sido
econômico. Quanto a isso, não há mais ilusão. O Novo Contrato Social de interpretados e aplicados para proteger os direitos dos povos indígenas às
caráter verdadeiramente emancipatório, no qual os interesses individuais suas terras e aos recursos naturais nelas encontrados, tal como dispõe o
não se sobreponham aos interesses da vida coletiva, será fruto de disputas artigo 231 da Constituição Federal Brasileira.
e conflitos entre projetos societários distintos, submetidos a tensões sócio-
político-culturais, mediatizadas pelo Estado democrático. O Estado, assim No entanto, na prática, a verificação dos direitos humanos dos povos
concebido, não é um ente distante, que paira acima do bem e do mal. Ao indígenas ainda enfrenta inúmeros obstáculos de ordem política, social e
contrário, é um Estado que se renova, permanentemente, na reorganiza- econômica. Por isso, quando comunidades indígenas, por meio de suas
ção das relações sociais. E, “é no momento das crises que essa reorgani- organizações ou organizações parceiras, acessam o sistema internacional
zação se faz mais profunda e aquela renovação mais radical”, afirma Fiori de direitos humanos para fazer valer seus direitos fundamentais (inclusive
(1995, p. 68). os aqueles reconhecidos pela Constituição Federal), elas também estão
contribuindo para que o país se auto-examine e reconheça seus limites
No contexto de retomada contra-hegemônica, também a disputa pela para daí então poder avançar.
conquista e garantia do exercício dos Direitos Humanos e Liberdades
Fundamentais ressurge com uma nova radicalidade, uma vez que inseridos Deste modo, ao contrário de constituir uma intromissão estrangeira ao
na dinâmica das lutas sociais. A presença, cada vez mais politizada, da Estado-Nação, as reclamações internacionais de direitos humanos ajudam
exclusão social nas mais diversificadas realidades, traz ao debate a ques- a fortalecer as políticas de direitos humanos e os mecanismos nacionais de
tão do risco social e humano e das incertezas sociais de muitos, em oposi- proteção aos seus cidadãos. Em assunto indígena, reclamações interna-
ção às garantias e seguranças de alguns. O debate sobre a direção civili- cionais de direitos humanos evidenciam o entendimento de que as comu-
zatória desejada torna-se pauta da agenda social. “O problema fundamen- nidades indígenas reclamantes vêem o Brasil como seu Estado, e por essa
tal em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, razão reclamam por igualdade de tratamento e de direitos enquanto cida-
mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas políti- dãos brasileiros.
co”, como já assinalava Bobbio, em 1964 (Bobbio, 1992, p. 24).
Os Direitos Humanos e as Cortes Nacionais
O estreito vínculo entre conquista dos Direitos Sociais e conquista do
A dificuldade de implementar domesticamente os direitos fundamentais
Estado Democrático de Direito exige o aprimoramento dos processos
reconhecidos em leis nacionais e tratados internacionais é identificada
participativos não só nos resultados das políticas de proteção social, mas
como um dos principais desafios de direitos humanos para os Estados.
também em sua concepção e gestão. Trata-se de alcançar aquela liberda-
Embora essa desconexão da lei com a prática atinja a todas as pessoas e
de positiva preconizada por Rousseau, que é exercida pelos cidadãos que,
grupos, ela acaba por impactar especialmente os povos indígenas e seus
conscientes de sua natureza social, assumem a responsabilidade pela
direitos territoriais, em grande parte devido à histórica invisibilidade de suas
organização e conservação do corpo político-social. A medida desta liber-
demandas e das violações cometidas contra seus interesses.
dade é, portanto, a medida da liberdade do conjunto social. Sua conquista
é uma conquista coletiva. O sociólogo mexicano Rodolfo Stavenhagen, primeiro relator da ONU
sobre direitos fundamentais e liberdades indígenas, notou que os proble-
mas e desafios enfrentados pelos indígenas derivam de processos históri-
cos e causas estruturais que não podem ser simplesmente atacadas com a

Sociologia 21 A Opção Certa Para a Sua Realização


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adoção de novas leis e a criação de novas instituições públicas, apesar de esmagando os protestos, prendendo líderes oposicionistas e silenciando as
estas serem ferramentas fundamentais para a defesa dos direitos indíge- vozes dissidentes.
nas. Para o relator é necessário haver uma abordagem multidimensional,
vontade política, ativa participação dos povos indígenas com base no As demandas por direitos humanos também ecoaram nas Américas –
respeito à diferença e na sensibilidade intercultural, bem como pleno nas ruas, nos tribunais nacionais e no sistema interamericano. Os apelos
envolvimento dos governos e de toda a comunidade nacional e internacio- por justiça feitos por pessoas comuns, por organizações da sociedade civil
nal. e por povos indígenas ganharam força e levaram, quase sempre, a um
confronto direto com poderosos interesses econômicos e políticos.
A preocupação com a permanente e até mesmo crescente descone-
xão entre lei e prática de proteção de direitos humanos faz com que uma No coração desses confrontos, estavam políticas de desenvolvimento
parte da atenção e boa dose de esperança se voltem para as cortes nacio- econômico que deixaram muitas pessoas, principalmente as comunidades
nais. A Suprema Corte de Belize reconheceu o direito do povo Maya às pobres e marginalizadas, ainda mais vulneráveis a abusos. A discrimina-
suas terras em 2007, a Suprema Corte de Botswana em 2006 decidiu pelo ção, em suas muitas formas, continuou a fomentar sentimentos de injusti-
retorno dos indígenas Basarwa às suas terras tradicionais, a Suprema ça, que vieram à tona e se refletiram nos protestos por todo o mundo.
Corte do Kenia reconheceu o direito dos Ilchamus a terem representação Todos esses eventos e tendências estão reproduzidos no Informe
no parlamento, a Suprema Corte da África do Sul reconheceu a proprieda- 2012 da Anistia Internacional, que documenta o estado dos direitos huma-
de costumeira da comunidade Richtersvel às suas terras tradicionais com nos em 155 países e territórios em 2011 – o ano em que a Anistia Interna-
direitos inclusive sobre os recursos de subsolo, uma corte federal australi- cional comemorou seus 50 anos.
ana decidiu pelo reconhecimento da ocupação tradicional dos indígenas
Noonger sobre uma área tradicional. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal O relatório chama a atenção para o déficit endêmico de liderança, em
foi positivamente mencionado pelo Relator da ONU devido ao julgamento nível local e internacional, para proteger os direitos humanos. Mostra que a
em agosto de 2006 que condenou ao crime de genocídio os quatro indiví- resposta da comunidade internacional às crises de direitos humanos carac-
duos responsáveis pela morte de 12 Yanomami em 1993. terizou-se por medo, má-fé, oportunismo e hipocrisia. Em nenhum outro
lugar isso foi tão visível quanto no Oriente Médio e no norte da África, onde
Entretanto, a inconsistência entre as legislações indígenas e de outros a repressão governamental às manifestações que tomaram a região provo-
setores (como por exemplo de exploração de recursos naturais), e a exis- cou respostas diversas.
tência de legislação seguida de não-implementação geram ampla insegu-
rança jurídica e crescente conflito social que merecem especial atenção. O O déficit de liderança evidenciou-se também nas constantes tentativas
relator Stavenhagen identificou que em países como Cambodja, Chile, dos governos de se aproveitarem de preocupações legítimas com a segu-
México e Filipinas os conflitos de direitos tendem a ser resolvidos de forma rança ou com os altos índices de criminalidade para justificar ou ignorar os
a contrariar os interesses indígenas formalmente protegidos. abusos cometidos por suas próprias forças de segurança. Evidenciou-se
ainda no fracasso dos governos em fazer com que as corporações empre-
Em visita ao Brasil em agosto de 2009, o professor James Anaya, rela- sariais prestem contas de seu impacto sobre os direitos humanos.
tor da ONU sobre direitos fundamentais e liberdades indígenas, cumpri-
mentou o país pelos seu comprometimento com o avanço dos direitos dos Quando a Anistia Internacional inicia sua sexta década de existência,
povos indígenas. Segundo ele, a proteção legal e constitucional aos povos este relatório presta testemunho não apenas das agruras sofridas pelos
indígenas no Brasil está entre as mais avançadas do mundo. No entanto, o que vivem à sombra de violações dos direitos humanos, mas da coragem
relator observou que ainda há muito o que se melhorar para que as prote- dos que se sentem motivados a agir, geralmente arriscando a própria vida,
ções constitucionais e as normas internacionais sejam efetivamente im- para garantir os direitos humanos e a dignidade de todos.
plementadas na prática. http://www.amnesty.org/pt-br/annual-report/2012/introduction

O relator ressaltou a necessidade de assegurar a plena auto- Direitos humanos


determinação dos povos indígenas em um sistema de Estado que esteja
integralmente aberto ao respeito à diversidade. Também destacou que é
evidente que os povos indígenas frequentemente não controlam as deci-
sões que afetam suas vidas e suas terras por causa de invasões e explo-
ração de recursos naturais por terceiros, mesmo quando estas tenham sido
oficialmente demarcadas e homologadas.
O estado dos direitos humanos no mundo
Um divisor de águas para o ativismo
O ano de 2011 foi um ano rebelde. Milhões de pessoas saíram às ruas
para exigir liberdade, justiça e dignidade – algumas vezes, conseguindo
vitórias memoráveis.
O sucesso dos levantes na Tunísia e no Egito, no início do ano, insti-
gou novos protestos que tomaram a região e se alastraram pelo mundo: de
Moscou, Londres e Atenas, na Europa, até Dacar e Campala, na África; de
La Paz e Cuernavaca, nas Américas, a Phnom Penh e Tóquio, na Ásia.
No Oriente Médio e no norte da África, os ressentimentos e as deman-
das acumuladas de uma nova geração explodiram nas ruas, derrubando ou
ameaçando a sobrevivência de regimes autocráticos que, por décadas,
mantiveram-se a ferro e fogo no poder e pareciam invencíveis.
Mais ao sul da África, inspiradas por esses eventos, as pessoas tam-
bém se arriscaram a sofrer represálias para protestar contra sua situação
social e econômica desesperadora, e para expressar seu desejo de liber-
dade política.
Na Europa e na Ásia Central, assim como na Ásia e na Oceania, as Direitos do homem e da mulher - Pintura mural em Saint-Josse-
pessoas desafiaram a injustiça e as violações dos seus direitos. Alguns ten-Noode (Bélgica). O texto resume os artigos 18 e 19 da Declaração
governos reagiram intensificando os níveis já sufocantes de repressão. Foi Universal dos Direitos Humanos.
o que aconteceu com os regimes autocráticos de diversos Estados que
sucederam a União Soviética. Eles aferraram-se ainda mais ao poder,

Sociologia 22 A Opção Certa Para a Sua Realização


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Os direitos humanos são os direitos e liberdades básicos de todos social e jurídica justa, mas a lei divina tem prevalência sobre o direito laico
os seres humanos. Normalmente o conceito de direitos humanos tem a tal como é definido pelo imperador, o rei ou o príncipe. Logo foram criadas
ideia também de liberdade de pensamento e de expressão, e a igualdade muitas coisas no decorrer do tempo.
perante a lei.
Com a idade moderna, os racionalistas dos séculos XVII e XVIII,
A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das reformulam as teorias do direito natural, deixando de estar submetido a
Nações Unidas afirma que : uma ordem divina. Para os racionalistas todos os homens são por natureza
livres e têm certos direitos inatos de que não podem ser despojados
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em di- quando entram em sociedade. Foi esta corrente de pensamento que
reitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os acabou por inspirar o atual sistema internacional de proteção dos direitos
outros em espírito de fraternidade. – Artigo1º 1) do homem.
As ideias de direitos humanos tem origem no A evolução destas correntes veio a dar frutos pela primeira vez
conceito filosófico de direitos naturais que seriam atribuídos em Inglaterra, e depois nos Estados Unidos. A Magna Carta (1215) deu
por Deus; [2]alguns sustentam que não haveria nenhuma diferença entre garantias contra a arbitrariedade da Coroa, e influenciou diversos
os direitos humanos e os direitos naturais e vêem na distinta nomenclatura documentos, como por exemplo o Ato Habeas Corpus (1679), que foi a
etiquetas para uma mesma ideia. Outros argumentam ser necessário primeira tentativa para impedir as detenções ilegais. A Declaração
manter termos separados para eliminar a associação com características Americana da Independência surgiu a 4 de Julho de 1776, onde constavam
normalmente relacionadas com os direitos naturais.,[3] sendo John os direitos naturais do ser humano que o poder político deve respeitar, esta
Searl talvez o mais importante filósofo a desenvolver esta teoria.[2] declaração teve como base a Declaração de Virgínia proclamada a 12 de
Existe um importante debate sobre a origem cultural dos direitos Junho de 1776, onde estava expressa a noção de direitos individuais.
humanos. Geralmente se considera que tenham sua raiz na cultura A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada
ocidental moderna, mas existem ao menos duas posturas principais mais. na França em 1789, e as reivindicações ao longo dos séculos XIV e XV em
Alguns afirmam que todas as culturas possuem visões de dignidade que se prol das liberdades, alargou o campo dos direitos humanos e definiu os
são uma forma de direitos humanos, e fazem referência a proclamações direitos econômicos e sociais.
como a Carta de Mandén, de 1222, declaração fundacional do Império de
Mali. Não obstante, nem em japonês nem em sânscrito clássico, por Mas o momento mais importante, na história dos Direitos do Homem, é
exemplo, existiu o termo "direito" até que se produziram contatos com a durante 1945-1948. Em 1945, os Estados tomam consciência das
cultura ocidental, já que culturas orientais colocaram tradicionalmente um tragédias e atrocidades vividas durante a 2ª Guerra Mundial, o que os
peso nos deveres. Existe também quem considere que o Ocidente não levou a criar a Organização das Nações Unidas (ONU) em prol de
criou a ideia nem o conceito do direitos humanos, ainda que tenha estabelecer e manter a paz no mundo. Foi através da Carta das Nações
encontrado uma maneira concreta de sistematizá-los, através de uma Unidas, assinada a 20 de Junho de 1945, que os povos exprimiram a sua
discussão progressiva e com base no projeto de uma filosofia dos direitos determinação « em preservar as gerações futuras do flagelo da guerra;
humanos. proclamar a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e valor
da pessoa humana, na igualdade de direitos entre homens e mulheres,
As teorias que defendem o universalismo dos direitos humanos se assim como das nações, grande e pequenas; em promover o progresso
contrapõem ao relativismo cultural, que afirma a validez de todos os social e instaurar melhores condições de vida numa maior liberdade.». A
sistemas culturais e a impossibilidade de qualquer valorização absoluta criação das Nações Unidas simboliza a necessidade de um mundo de
desde um marco externo, que, neste caso, seriam os direitos humanos tolerância, de paz, de solidariedade entre as nações, que faça avançar o
universais. Entre essas duas posturas extremas situa-se uma gama de progresso social e económico de todos os povos.
posições intermediárias. Muitas declarações de direitos humanos emitidas
por organizações internacionais regionais põem um acento maior ou menor Os principais objetivos das Nações Unidas, passam por manter a paz,
no aspecto cultural e dão mais importância a determinados direitos de a segurança internacional, desenvolver relações amigáveis entre as
acordo com sua trajetória histórica. A Organização da Unidade nações, realizar a cooperação internacional resolvendo problemas
Africana proclamou em 1981 a Carta Africana de Direitos Humanos e de internacionais do cariz econômico, social, intelectual e humanitário,
Povos[4], que reconhecia princípios da Declaração Universal dos Direitos desenvolver e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas
Humanos de 1948 e adicionava outros que tradicionalmente se tinham liberdades fundamentais sem qualquer tipo de distinção.
negado na África, como o direito de livre determinação ou o dever dos
Estados de eliminar todas as formas de exploração econômica estrangeira. Assim, a 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações
Mais tarde, os Estados africanos que acordaram a Declaração de Túnez, Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
em 6 de novembro de 1992, afirmaram que não se pode prescrever um A Declaração Universal dos Direitos Humanos é fundamental na nossa
modelo determinado a nível universal, já que não podem se desvincular as Sociedade, quase todos os documentos relativos aos direitos humanos tem
realidades históricas e culturais de cada nação e as tradições, normas e como referência esta Declaração, e alguns Estados fazem referência direta
valores de cada povo. Em uma linha similar se pronunciam a Declaração nas suas constituições nacionais.
de Bangkok, emitida por países asiáticos em 23 de abril de 1993, e
de Cairo, firmada pela Organização da Conferência Islâmica em 5 de A Declaração Universal dos Direitos Humanos ganhou uma
agosto de 1990. importância extraordinária, contudo não obriga juridicamente que todos os
Estados a respeitem e, devido a isso, a partir do momento em que foi
Também a visão ocidental-capitalista dos direitos humanos, centrada promulgada, foi necessário a preparação de inúmeros documentos que
nos direitos civis e políticos, se opôs um pouco durante a Guerra Fria, especificassem os direitos presentes na declaração e assim força-se os
destacando no seio dasNações Unidas, ao do bloco socialista, que Estados a cumpri-la. Foi nesse contexto que, no período entre 1945-1966
privilegiava os direitos econômicos, sociais e culturais e a satisfação das nasceram vários documentos.
necessidades elementais.
Assim, a junção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os
História dois pactos efetuados em 1966, nomeadamente O Pacto Internacional dos
Os direitos humanos ou coletivos são aqueles adquiridos em Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
decorrência do resultado de uma longa história, foram debatidos ao longo Sociais e Culturais, bem como os dois protocolos facultativos do Pacto dos
dos séculos por filósofos e juristas . Direitos Civis e Políticos ( que em 1989 aboliu a pena de morte),
constituem A Carta Internacional dos Direitos do Homem.
O início desta caminhada, remete-nos para a área da religião, quando
o Cristianismo, durante a Idade Média, é a afirmação da defesa da Evolução histórica
igualdade todos os homens numa mesma dignidade, foi também durante Muitos filósofos e historiadores do Direito consideram que não se pode
esta época que os matemáticos cristãos recolheram e desenvolveram a falar de direitos humanos até a modernidade no Ocidente. Até então, as
teoria do direito natural, em que o indivíduo está no centro de uma ordem normas da comunidade, concebidas na relação com a ordem cósmica, não

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deixavam espaço para o ser humano como sujeito singular, concebendo-se
o direito primariamente como a ordem objetiva da sociedade. A sociedade
estamental tem seu centro em grupos como a família, a linhagem ou as
corporações profissionais ou laborais, o que implica que não se concebem
faculdades próprias do ser humano enquanto tal. Pelo contrário, se
entende que toda faculdade atribuível ao indivíduo deriva de um duplo
status: o do sujeito no seio da família e o desta na sociedade."Fora do
Estado não há direitos".
A existência dos direitos subjetivos, tal e como se pensam na
atualidade, será objeto de debate durante os séculos XVI, XVII e XVIII, o
que é relevante porque habitualmente se diz que os direitos humanos são
produto da afirmação progressiva da individualidade e que, de acordo com
ele, a ideia de direitos do homem apareceu pela primeira vez durante a luta
burguesa contra o sistema do Antigo Regime. Sendo esta a consideração
mais estendida, outros autores consideram que os direitos humanos são
uma constante na História e tem suas raízes no mundo clássico; também
sua origem se encontra na afirmação do cristianismo da dignidade moral
do homem enquanto pessoa.
Antecedentes remotos

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789


No século XVII e XVIII, filósofos europeus, destacando-se John Locke,
desenvolveram o conceito do direito natural. Os direitos naturais, para
Locke, não dependiam da cidadania nem das leis de um Estado, nem
estavam necessariamente limitadas a um grupo étnico, cultural ou religioso
em particular. A teoria do contrato social, de acordo com seus três
principais formuladores, o já citado Locke, Thomas Hobbes e Jean-
Jacques Rousseau, se baseia em que os direitos do indivíduo são naturais
O Cilindro de Ciro hoje no British Museum, a primeira declaração e que, no estado de natureza, todos os homens são titulares de todos os
dos direitos humanos. direitos.
Um dos documentos mais antigos que vinculou os direitos humanos é A primeira declaração dos direitos humanos da época moderna é
o Cilindro de Ciro, que contêm uma declaração do rei persa (antigo a Declaração dos Direitos da Virgínia de 12 de junho de 1776, escrita por
Irã) Ciro II depois de sua conquista da Babilônia em 539 aC. Foi George Mason e proclamada pela Convenção da Virgínia. Esta grande
descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em 1971 a todos seus idiomas medida influenciou Thomas Jeffersonna declaração dos direitos humanos
oficiais. Pode ser resultado de uma tradição mesopotâmica centrada na que se existe na Declaração da Independência dos Estados Unidos da
figura do rei justo, cujo primeiro exemplo conhecido é o rei Urukagina, América de 4 de julho de 1776, assim como também influenciou a
de Lagash, que reinou durante o século XXIV aC, e de onde cabe destacar Assembleia Nacional francesa em sua declaração, a Declaração dos
também Hammurabi da Babilônia e seu famoso Código de Hammurabi, Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 esta última definia o direito
que data do século XVIII aC. O Cilindro de Ciro apresentava características individual.
inovadoras, especialmente em relação à religião. Nele era declarada a
liberdade de religião e abolição da escravatura. Tem sido valorizado A noção de direitos humanos não experimentou grandes mudanças
positivamente por seu sentido humanista e inclusive foi descrito como a até o século seguinte com o início das lutas operárias, surgiram novos
primeira declaração de direitos humanos. direitos que pretendiam dar solução a determinados problemas sociais
através da intervenção do Estado. Neste processo são importantes
Documentos muito posteriores, como a Carta Magna da Inglaterra, a Revolução Russa e a Revolução Mexicana.
de 1215, e a Carta de Mandén, de 1222, se tem associado também aos
direitos humanos. Na Roma antiga havia o conceito de direito na cidadania Desde o nascimento da Organização das Nações Unidas em 1945, o
romana a todos romanos. conceito de direitos humanos se tem universalizado, alcançando uma
grande importância na cultura jurídica internacional. Em 10 de
Confirmação do conceito dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi
A conquista da América no século XVI pelos espanhóis resultou em adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em sua
um debate pelos direitos humanos na Espanha. Isto marcou a primeira vez Resolução 217 A (III), como resposta aos horrores da Segunda Guerra
que se discutiu o assunto na Europa. Mundial e como intento de sentar as bases da nova ordem internacional
que surgia atrás do armistício. Coincidência ou não, foi proclamada no
Durante a Revolução inglesa, a burguesia conseguiu satisfazer suas mesmo ano da proclamação do estado de Israel.
exigências de ter alguma classe de seguridade contra os abusos da coroa
e limitou o poder dos reis sobre seus súditos, proclamando a Lei Posteriormente foram aprovados numerosos tratados internacionais
de Habeas corpus em 1679, em 1689 o Parlamento impôs a Guilhermo III sobre a matéria, entre os quais se destacam os Pactos Internacionais de
da Inglaterra na Carta de Direitos (ou Declaração de direitos) uma série de Direitos Humanos de1966, e foram criados numerosos dispositivos para
princípios sobre os quais os monarcas não podiam legislar ou decidir. sua promoção e garantia. hg
Classificação
Em 1979, em uma conferência do Instituto Internacional de Direitos
Humanos, Karel Vasak propôs uma classificação dos direitos humanos em
gerações,inspirado no lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade,
fraternidade).[5]
Assim, os direitos humanos de primeira geração seriam os direitos de
liberdade, compreendendo os direitos civis, políticos e as liberdades

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clássicas. Os direitos humanos de segunda geração ou direitos de como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as na-
igualdade, constituiriam os direitos econômicos, sociais e culturais. Já ções, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade,
como direitos humanos de terceira geração, chamados direitos de tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e
fraternidade, estariam o direito ao meio ambiente equilibrado, uma da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela
saudável qualidade de vida, progresso, paz, autodeterminação dos povos e adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por
outros direitos difusos.[6] assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva,
tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os
Posteriormente, com os avanços da tecnologia e com a Declaração povos dos territórios sob sua jurisdição.
dos Direitos do Homem e do Genoma Humano feita pela UNESCO, a
doutrina estabeleceu a quarta geração de direitos como sendo os direitos Artigo I.
tecnológicos, tais como o direito de informação e biodireito.[7]
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direi-
O jurista brasileiro Paulo Bonavides, defende que o direito à paz, que tos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos
segundo Karel Vasak seria um direito de terceira geração, merece uma outros com espírito de fraternidade.
maior visibilidade, motivo pelo qual constituiria a quinta geração de direitos
humanos.[8] Artigo II.

Dia Nacional dos Direitos Humanos (Portugal) 1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liber-
dades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
A Assembleia da República de Portugal, reconhecendo a importância seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra nature-
da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovou em 1998 uma za, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra
Resolução na qual institui que o dia 10 de Dezembro passa a ser condição.
considerado o Dia Nacional dos Direitos Humanos.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição po-
Referências lítica, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma
1. ↑ Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem gover-
adoptada e proclamada pela Resolução 217A (III) da Assembleia Geral das no próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948.
2. ↑ a b Natural rights. The Columbia Electronic Encyclopedia, 2005. Artigo III.
3. ↑ Peter Jones. Rights. Palgrave Macmillan, 1994, p. 73 Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pesso-
4. ↑ Carta Africana de Direitos Humanos e de Povos al.
5. ↑ Aproximaciones a los Derechos Humanos de Cuarta Generación
6. ↑ Os Direitos Humanos na Idade Moderna e conteporânea Artigo IV.
7. ↑ Direitos Humanos de 4ª Geração Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o
8. ↑ A Quinta Geração de Direitos Fundamentais tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Declaração dos Direitos Humanos Artigo V.


Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel,
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos
desumano ou degradante.
básicos das Nações Unidas e foi assinada em 1948. Nela, são enumerados
os direitos que todos os seres humanos possuem. Artigo VI.
Preâmbulo Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhe-
cido como pessoa perante a lei.
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos
os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o Artigo VII.
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incita-
e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de mento a tal discriminação.
palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da neces-
sidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum, Artigo VIII.

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegi- Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais compe-
dos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como tentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais
último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações Artigo IX.


amistosas entre as nações, Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Car- Artigo X.
ta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no
valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e públi-
que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida ca audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para
em uma liberdade mais ampla, decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acu-
sação criminal contra ele.
Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a pro-
mover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos Artigo XI.
direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direi-
1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser
tos e liberdades,
presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liber- acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido assegu-
dades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse com- radas todas as garantias necessárias à sua defesa.
promisso, agora portanto,
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no
A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional.
dos Direitos Humanos

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Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momen- 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta von-
to da prática, era aplicável ao ato delituoso. tade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio univer-
sal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de
Artigo XII. voto.
Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua famí- Artigo XXII.
lia, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e
reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais inter- Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à seguran-
ferências ou ataques. ça social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional
e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos
Artigo XIII. econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência desenvolvimento da sua personalidade.
dentro das fronteiras de cada Estado. Artigo XXIII.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o 1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de empre-
próprio, e a este regressar. go, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o
Artigo XIV. desemprego.
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remu-
de gozar asilo em outros países. neração por igual trabalho.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legiti- 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa
mamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência
objetivos e princípios das Nações Unidas. compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se neces-
sário, outros meios de proteção social.
Artigo XV.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles in-
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. gressar para proteção de seus interesses.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do Artigo XXIV.
direito de mudar de nacionalidade.
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação
Artigo XVI. razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de Artigo XXV.
raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e
fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegu-
sua duração e sua dissolução. rar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuá-
rio, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consenti- direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
mento dos nubentes. velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circuns-
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direi- tâncias fora de seu controle.
to à proteção da sociedade e do Estado. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência es-
Artigo XVII. peciais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão
da mesma proteção social.
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade
com outros. Artigo XXVI.

2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade. 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita,
pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar
Artigo XVIII. será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos,
bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência
e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos hu-
pelo culto e pela observância, em público ou em particular. manos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compre-
ensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou
Artigo XIX.
religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este manutenção da paz.
direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar,
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução
receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e indepen-
que será ministrada a seus filhos.
dentemente de fronteiras.
Artigo XXVII.
Artigo XX.
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultu-
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação
ral da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico
pacífica.
e de seus benefícios.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e
Artigo XXI. materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística
da qual seja autor.
1. Todo ser humano tem o direito de fazer parte no governo de seu pa-
ís diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. Artigo XXVIII.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em
seu país. que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam
ser plenamente realizados.

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Artigo XXIX. proletariado, como condição indispensável da passagem do socialismo
para o comunismo. E o que isto significou, como supressão efetiva das
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o li- liberdades para todos os cidadãos, trabalhadores ou não, a crônica dos
vre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. últimos 70 anos tem ilustrado com cores dramáticas.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará Tudo isso ilumina o caráter essencialmente ambíguo da relação entre
sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o Estado e direitos humanos e justifica a divisão desta exposição em duas
fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liber- partes, que se completam ao se contraporem: 1) a realização dos direitos
dades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem humanos pelo Estado e 2) o controle do abuso do poder estatal como
pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. condição de proteção dos direitos humanos.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser Ora, a humanidade veio a conhecer, neste século, organizações esta-
exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas. tais cuja capacidade de opressão superou, de longe, tudo o que se havia
Artigo XXX. experimentado, até então, ao longo da história.

Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada A realização dos direitos humanos pelo Estado
como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de Se a primeira geração dos direitos humanos consistiu na definição e
exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição preservação das liberdades fundamentais – de locomoção, de religião, de
de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos. pensamento e opinião, de docência e aprendizado, de correspondência, de
voto etc., a segunda, inaugurada no início deste século, correspondeu à
Direitos humanos e responsabilidade do Estado. montagem de um mecanismo estatal que dispensasse, a todos, certas
prestações sociais consideradas básicas, como a educação, a saúde, as
FÁBIO KONDER COMPARATO oportunidades de trabalho, a moradia, o transporte, a previdência social. A
diferença específica entre essas duas gerações de direitos humanos é de
Desde as primeiras formulações teóricas modernas, na Europa Ociden- primeira intuição: enquanto o respeito à liberdade supõe a não-interferência
tal do século XVIII, os direitos humanos apareceram estreitamente vincula- estatal na esfera de vida própria do ser humano, seja individualmente, seja
dos ao Estado. Mas uma vinculação, contraditoriamente, positiva e negati- em grupos sociais, a realização daquelas prestações sociais implica, ao
va ao mesmo tempo. contrário, uma sistemática intervenção do Estado nas relações privadas,
limitando a liberdade individual ou grupal. Assim as liberdades são, basi-
camente, direitos humanos contra a ação estatal, ao passo que a exigência
A concepção de direitos naturais do homem, anteriores e superiores à
de prestações sociais se dirige contra a omissão do Estado.
organização institucional dos Poderes Públicos (ou seja, aquilo que se
convencionou denominar Estado), foi sem dúvida a grande arma de com- De qualquer forma, tanto num campo quanto no outro, os direitos fun-
bate contra a monarquia absoluta da época. Diante da concentração de damentais da pessoa humana só se realizam graças à boa organização
todos os poderes num só indivíduo, sustentou-se a necessidade de se dos Poderes Públicos.
criarem instituições impessoais para o exercício do mando: ou seja, a
necessidade de se erigir um Estado, em lugar de se entronizar um monar- Quanto às liberdades
ca. No entanto, a Revolução Francesa, ao final do século, veio demonstrar No que tange à liberdades, como já foi assinalado, a proteção estatal
que a concentração de poderes incontroláveis, nesse organismo impesso- passa pela eficiente atuação do Poder Judiciário. Não farei o elenco de
al, acarretava abusos iguais ou superiores aos do ancién régime. O Estado todos os remédios judiciais aptos à defesa das liberdades, mas vou deter-
moderno aparece assim, concomitantemente, desde o seu nascimento, me nos principais e, ainda assim, de modo a chamar a atenção unicamente
como o protetor e o principal adversário dos direitos humanos. sobre os aperfeiçoamentos jurídicos que se impõem.
Essa contradição, aliás, estava ínscia no famoso teorema de Rousse- Comecemos pelo primeiro, cronologicamente, dos remédios judiciais
au, o qual constitui, como disse ele: “O problema fundamental” do Contrato de defesa das liberdades: o habeas corpus. Ele se destina, como se sabe,
social: “encontrar uma forma de associação que defenda e proteja, de toda a proteger a livre locomoção, a liberdade de ir e vir e, portanto, a de não
a força comum, a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada ser preso, exilado ou confinado, fora das hipóteses delituosas ou dos casos
um, unindo-se a todos, só obedeça no entanto a si mesmo e continue tão excepcionais (estado de sítio), definidos na Constituição e nas leis.
livre quanto antes”. Rousseau reconhecia que a sociedade política implica
a necessária submissão dos homens uns aos outros, e que isto representa A respeito do habeas corpus, gostaria de lembrar que se trata de um
a negação de uma liberdade natural. Mas entendia que era possível encon- provimento judicial criado no direito inglês, com as peculiaridades próprias
trar uma fórmula social que preservasse a superioridade dos direitos inatos desse sistema jurídico. No direito anglo-saxônico, com efeito, os tribunais
do homem, com a transformação de força em poder e da liberdade em do rei sempre ostentaram uma supremacia sobre todas as demais autori-
liberdade civil. Não escondeu, toda via, seu ceticismo quanto à generaliza- dades, inclusive eclesiásticas, como manifestações institucionais da própria
ção desse tipo de associação política, fundada no consenso geral. Pôr a lei soberania da Coroa. O habeas corpus faz parte do gênero dos writs ou
acima da vontade dos homens, dizia, equivale à quadratura do círculo em ordens judiciais que não podem ser descumpridas, sob pena do cometi-
geometria. mento do delito gravíssimo de contempt of court, equivalente ao crime de
lesa-majestade.
Seja como for, a concepção política de Rousseau fundava-se no pos-
tulado de que o Estado só se legitima quando existe para proteger os Ora, a especialidade do habeas corpus, na classe do writs, parece ter
direitos naturais do homem. Qualquer desvio dessa finalidade última, por se perdido, ou não se ter jamais realizado, fora do ambiente anglo-
menor que fosse, transformaria a livre associação em intolerável opressão saxônico. Na tradição inglesa, a ordem judicial, que consiste na imediata
e justificaria a ruptura do vínculo associativo. apresentação do detido ao magistrado, a fim de que este possa se infor-
mar, direta e pessoalmente, da existência individual do paciente.
Ora, a humanidade veio a conhecer, neste século, organizações esta-
tais cuja capacidade de opressão superou, de longe, tudo o que se havia Entre nós, no entanto, essa providência utilíssima foi desde o início
experimentado, até então, ao longo da história. Alguns desses Estados substituída pelo pedido de informações judiciais à autoridade coatora. Não
absolutíssimos filiaram-se a uma ideologia que, nos seus albores, manifes- é difícil imaginar o que significa isso, em termos de demora na solução
tou as mais expressas reservas quanto ao poder estatal e propugnou judicial, de possibilidade de ocultação do tratamento desumano infligido ao
mesmo a supressão, pura e simples, do Estado. Como sabido, todos os paciente nesse meio tempo, ou mesmo de transferência abusiva do preso
primeiros socialistas, inclusive o jovem Marx, vaticinaram o desapareci- de uma autoridade para outra, para nos darmos conta de como pode ser
mento do Estado com o advento irrelutável do socialismo. Este, ao realizar frustrada, na prática, essa garantia judiciária da liberdade de locomoção.
plenamente a liberdade e a igualdade de todos, sem divisões de classes, Pense-se, por exemplo, no caso mais banal de pedido de habeas corpus
dispensaria definitivamente a opressão estatal. O Marx provecto, no entan- numa imensa comarca como São Paulo: a necessidade de distribuição do
to, seguido e aperfeiçoado por Lênin, pregou a instalação da ditadura do feito entre as diferentes varas competentes, a autuação do pedido em

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cartório, a expedição do mandado judicial de informações à autoridade progressiva das desigualdades. Função ativa, portanto, de decidida interfe-
coatora, o cumprimento do mandado pelo oficial de justiça, a redação das rência no jogo dos interesses privados.
informações pela autoridade que detém o paciente, a entrega dessas
informações em cartório e, finalmente, a sua apreciação pelo juiz. Tudo Estabelecem-se, nos últimos tempos, um razoável consenso a respeito
isso, antes que possa ser prestado alívio à pessoa privada de sua liberda- da necessidade de igualdade básica, de todos os homens, quanto a deter-
de e, em não raros casos, sujeita à tortura ou mesmo a ser morta em minadas situações sociais concernentes à educação, à saúde, à habitação,
detenção. ao transporte coletivo, ao trabalho e à previdência social. Ainda não se
firmou, universalmente, a consciência do direito essencial de todos à
Tal situação é tanto mais aberrante, quando se pensa que em matéria informação e à comunicação social, mas o movimento em prol dessa
de mandado de segurança as medidas liminares são normalmente conce- reivindicação fundamental ganha corpo em vários países.
didas sem audiência de autoridade coatora. Seria a liberdade de ir e vir
menos importante, como valor jurídico, que as demais liberdades e direitos É preciso reconhecer que, em sociedades subdesenvolvidas, onde as
protegidos pelo mandado de segurança? condições de desigualdade tendem a acelerar-se, provocando a desinte-
gração social pelo aviltamento crescente das massas, o estabelecimento
Não vejo, portanto, como se possa manter inalterado o procedimento de mecanismos aptos a realizar essas prestações sociais configura a
do habeas corpus, entre nós, sem abandonarmos toda esperança de evitar instituição não propriamente do estado do bem-estar, característico das
a institucionalização de detenções arbitrárias, sobretudo dos mais pobres e sociedades desenvolvidas, mas simplesmente do estado da dignidade
carentes, por todo este imenso país. social.
No tocante ao mandado de segurança, que é outra garantia fundamen- Esses mecanismos jurídicos de realização dos direitos humanos a
tal das liberdades, o necessário aperfeiçoamento deveria ser feito em outra prestações sociais podem ser classificados, de modo um tanto impreciso
direção. Pelo mandado de segurança, podem ser defendidos os chamados mas significativo, em coletivos e individuais.
direitos líquidos e certos, distintos da liberdade de locomoção, contra atos
ou omissões abusivas do Poder Público. São considerados líquidos e A condição maior para a transformação da sociedade por via da ação
certos os direitos cujo reconhecimento independe de uma instituição proba- estatal é a instituição de um planejamento global e vinculante. O Estado
tória no processo (testemunhas ou vistorias, por exemplo). O mandado de brasileiro encontra-se, hoje, em momento histórico decisivo: ou seremos
segurança tem sido sempre, no entanto, uma ação judicial movida pelo capazes de transformá-los, instituindo poderes incumbidos de dirigir, de
próprio titular do direito violado. A lei reconhece a legitimidade de mandado modo racional e democrático, as transformações sociais, ou sucumbiremos
de segurança impetrado por alguém, em nome próprio, no interesse alheio. na desintegração social, da que a presente crise aguda de anomia (des-
Assim, se o ato abusivo do Poder Público atingir toda uma categoria de respeito generalizado às normas de vida em comum) é o sintoma mais
pessoas – um conjunto de funcionários públicos, por exemplo – cada alarmante. Sem planejamento, atribuído como função proveniente do
indivíduo deve constituir advogado e figurar no processo, explicitamente, Estado a órgãos independentes do Congresso e do Executivo, absoluta-
como autor. mente nada será feito de duradouro e profundo em matéria de desenvolvi-
mento neste país.
Essa condição de legitimidade processual tornou-se indefensável nu-
ma sociedade de massas, em que a ação das autoridades estatais costu- Isto posto e reafirmado, diante da insensatez da classe política e da
ma produzir efeitos sobre grupos e categorias sociais, e não apenas sobre incompetência arrogante do meio universitário, é preciso dizer que a reali-
determinados administrados, isoladamente considerados. Daí o movimen- zação dos direitos humanos a essas prestações sociais fundamentais
to, largamente difundido entre os especialistas, para a criação de um poderá ser reforçada com a instituição de meios judiciários adequados.
mandado de segurança coletivo, que poderia funcionar tal como a class Nesse particular, tirando a ação popular, ressente-se o nosso sistema
action do direito norte-americano (o integrante de uma categoria social age jurídico da inexistência de ações judiciais de defesa individual dos interes-
judicialmente em prol de todos os que a integram), ou então segundo a ses coletivos. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem sido muito útil o
estrutura das ações populares, isto é, qualquer do povo atua em juízo no recurso às chamadas class actions, pelas quais o indivíduo, membro de um
interesse coletivo. Uma medida desse tipo seria entre nós da maior impor- grupo social qualquer, tem qualidade para agir judicialmente na defesa dos
tância para a defesa, por exemplo, dos direitos e liberdades das nações interesses grupais, esteja ou não o grupo organizado como pessoa jurídica.
indígenas, que vivem dispersas em nosso território. Enfim, a problemática aqui é idêntica àquela a que me referi há pouco, a
respeito da mandado de segurança.
O Estado contemporâneo, no entanto, não se limitou a atender contra
a liberdade física e a esfera jurídica, sigamos assim, exterior da pessoa Por outro lado, ressentimo-nos também da falta de provimentos judici-
humana. Foi mais além, ao organizar a invasão sistemática da vida íntima ais específicos para impor ao Estado o cumprimento de deveres positivos.
e a manipulação da imagem pessoal, com apoio nas técnicas eletrônicas Em geral, os remédios jurídicos utilizáveis – como mandado de segurança
mais avançadas. Contra isso, os remédios tradicionais do habeas corpus e e a ação popular – objetivam anular ou desconstituir atos praticados por
do mandado de segurança revelaram-se inadequados. É que ambos agentes estaduais. Ainda nos Estados Unidos, é das mais largas a utiliza-
pressupõe uma violação patente, isto é, pública e aberta das liberdades e ção da injunction, pela qual o judiciário manda à Administração Pública que
direitos subjetivos; ao passo que aquelas práticas de invasão da intimidade pratique certo ato ou desenvolva certa atividade, sob as penas de lei.
e da manipulação da imagem pessoal se desenvolvem no segredo dos
arquivos e das fitas magnéticas dos computadores. O controle do abuso de poder estatal
A esse respeito, tive oportunidade de propor, em anteprojeto de Cons-
tituição de fevereiro de 1986, duas medidas, a meu ver fundamentais, de Até aqui, vimos os meios e os modos de realização dos direitos huma-
proteção da dignidade da pessoa humana. De um lado, a proibição de o nos por via do aparelho estatal. Observamos, então, que se o poder do
Estado operar serviços de informação sobre a vida particular das pessoas, Estado serve, utilmente, para a defesa da pessoa humana, notadamente
exceto na esfera estritamente policial ou militar, determinando-se portanto pela ação do judiciário, não é menos exato que a violação desses direitos
a imediata dissolução do Serviço Nacional de Informações. De outro lado, tem sido praticada, largamente, também por agentes estatais. De onde a
o direito reconhecido de qualquer pessoa de tomar conhecimento do que necessidade de estabelecer mecanismos eficazes de controle do poder do
constar a seu respeito nos registros oficiais, ainda que policiais ou milita- Estado, em todos os níveis.
res, e de exigir a retificação de dados incorretos ou inverídicos. É o que Essa foi a ideia central de outro grande pensador francês, Montesqui-
passou a ser denominado entre nós, com o acolhimento da sugestão de eu. Para ele, o único antídoto eficaz ao abuso do poder é a instituição de
um jurista estrangeiro, habeas data. contrapoderes adequados. Só o poder controla o poder, não a moral nem o
Quanto aos direitos a prestações sociais pelo Estado direito. Mas é evidente a necessidade moral, isto é, jurídica; como não é
menos evidente a necessidade moral, assinalada também por Montesqui-
Neste capítulo, está em causa não a liberdade da pessoa humana, eu, de se desenvolver no povo a virtude, ou seja, o espírito de comunhão
mas a fundamental igualdade de todos os homens. A função do Estado já social. O que Montesquieu quis sublinhar, no entanto, é que a simples
não é de abstenção, mas sim de transformação social, pela eliminação

Sociologia 28 A Opção Certa Para a Sua Realização


APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
regra jurídica, despida de poder, é ineficaz para impedir o abuso. E isto, público de qualquer pessoa, nas hipóteses em que o Ministério Público
tanto no plano interno, quanto no plano internacional. deixa de oferecer denúncia contra os agentes públicos (chefe do Poder
Executivo, Ministros ou Secretários de Estado, por exemplo). Essa medida,
Ora, esses contrapoderes, suscetíveis de deter o abuso – isto é, capa- completada pela definição legal do crime genérico de violação dos direitos
zes de evitar que o poder se transforme em força bruta -, são de vários humanos inscritos na Constituição – proposta também incluída em meu
tipos. O próprio Montesquieu apontou a diferença importante entre o que anteprojeto -, reforçaria sobremaneira a proteção da pessoa humana
ele chamava faculdade de estatuir e a faculdade de impedir. É justamente contra os abusos governamentais.
da sábia combinação desses diferentes tipos de poder – e não de uma
arquitetura triangular entre Executivo, Legislativo e Judiciário, considerados No que se refere, agora, aos abusos do Poder Legislativo contra os di-
como trindade natural e imutável – que se podem extrair todas as esplên- reitos humanos, deve-se assinalar que eles se cingem à sua função precí-
didas virtualidades da teoria da separação de poderes. A faculdade de pua, que é a votação de leis. O controle das leis abusivas faz-se pela sua
estatuir corresponde ao poder de ditar normas ou de dar ordens. A facul- referência às normas e princípios constitucionais. Nesse particular, além do
dade de impedir, ao poder de aprovar ou vetar normas ou ordens dadas. veto oposto pelo chefe do Executivo, caracterizados daquele poder impedi-
ente de que falava Montesquieu, há também a ação judicial de declaração
Vejamos então, separadamente, os controles internos e os controles de inconstitucionalidade da lei. O direito brasileiro, a par da declaração de
internacionais do abuso de poder estatal. inconstitucionalidade incidente em qualquer processo judicial, criou uma
No plano interno ação direta desse tipo, proposta por certas autoridades públicas e também
por qualquer cidadão. Mas a jurisprudência do Suprema Tribunal Federal
Para facilidade da exposição, tomemos os três órgãos ou Poderes da interpretou essa lei no sentido de atribuir, ao Procurador Geral da Repúbli-
teoria clássica, tal como eles aparecem constitucionalmente estruturados: o ca, chefe do Ministério Público Federal, o arbítrio de dar seguimento ou
Executivo, o Legislativo e o Judiciário. não a essa ação direta, transformando-a, portanto, em mera iniciativa
O Executivo é sempre apontado como o grande fator de abuso, sem particular, não vinculante para o Ministério Público. A correção desse
dúvida, porque ele, muito mais do que os outros órgãos do Estado, é defeito, no texto constitucional, é uma das medidas saneadoras que con-
dotado de poder ativo, ou seja, das prerrogativas constitucionais de impelir, tam com o mais largo consenso, atualmente.
comandar e tomar as iniciativas. Justamente por isso, convém assinalar o Até aqui, examinamos formas de controle de abuso de poder estatal
fato de que os grandes abusos do Executivo não são apenas os comissi- por via judiciária. Tem-se, pois, a impressão de que a defesa dos direitos
vos, como prender, comandar ou destruir, contra a lei e a razão jurídica. Na humanos repousa, em última instância, no poder dos juizes de dizer o
civilização contemporânea, em que as exigências de igualdade e bem- direito de modo definitivo e no geral acatamento, pelos outros órgãos
estar social tendem à universalidade, as omissões estatais tornam-se estatais, das decisões proferidas pelos magistrados. Mas se estes últimos
verdadeiros crimes coletivos. A falta de escolas, de saúde pública, de prevaricarem, por ação ou omissão, na correção dos abusos ou desvios de
controle ecológico, por exemplo, aparecem sempre mais como violações poder, quem atuará contra os juizes? É a indagação capital, formulada
caracterizadas dos direitos humanos. pelos romanos, com o seu agudo senso da coisa pública: Qui custodiet
Ora, em relação a esses abusos omissivos, o direito tradicional é sin- custodes? Quem controlará o controlador?
gularmente carente de remédios adequados. No Brasil, foi só recentemen- É preciso reconhecer que, na teoria constitucional clássica, os magis-
te, isto é, em 1985, que se editou a primeira lei atribuidora de um direito de trados são os grandes irresponsáveis, no conjunto dos agentes estatais.
ação pública, ao Ministério Público e às associações de consumidores, Essa irresponsabilidade constitui uma falha grave na arquitetura do cha-
para suprir a falta de medidas governamentais adequadas na proteção ao mado estado de direito, no qual todos os que exercem o poder público são
consumidor. Ainda assim, esse suprimento das omissões do Governo não sujeitos ao império impessoal da lei. Se a vida, a liberdade e a honra de
é feito com a ação propriamente dita, que visa à reparação de danos, mas cada um de nós dependem de uma ordem de habeas corpus ou da con-
com as medidas cautelares, que são provimentos judiciais preliminares ao cessão de um mandado de segurança, e se o magistrado encarregado de
processo principal. De qualquer modo, foi graças a esse novo remédio proferir essa decisão salvadora descumpre o seu dever, por desídia, cor-
judicial, consubstanciado na Lei nº 7.347, que um competente e denodado rupção, ou acumpliciamento com os fatores do abuso, quem chamará o
representante do Ministério Público paulista logrou obter do Judiciário, magistrado prevaricador à ordem, punindo-o se necessário? O próprio
malgrado a escandalosa resistência do Governo federal, a apreensão, nos Poder Judiciário. Aqui, o princípio da separação de Poderes não encontra
estabelecimentos comerciais e centros distribuidores, do leite irradiado pela aplicação e esse defeito substancial é capaz de comprometer a eficácia de
catástrofe de Chernobyl e que havia sido criminosamente importado da todas as garantias constitucionais.
Europa.
No direito brasileiro vigente, os casos de responsabilidade por atos de
Uma lição a tirar-se do episódio é a de que, se o Ministério Público pô- magistrados estão regulados no Código de Processo Civil, no Código de
de agir no caso, foi graças ao fato de que o órgão não pertencia à unidade Processo Penal e na Lei Orgânica da Magistratura. Mas a aplicação das
da Federação responsável pelo abuso. Na verdade, o verdadeiro fiscal do normas daqueles Códigos é estritamente nenhuma e, no caso da Lei
Poder deve ser sempre o cidadão, ou o conjunto dos cidadãos organizados Orgânica da Magistratura, muito deficiente.
em associações. Sob esse aspecto, a Lei nº 7.347 representa um marco de
progresso, na história da defesa dos direitos humanos entre nós, ao atribuir O art. 639 do Código de Processamento Penal prevê a responsabilida-
às associações de consumidores a legitimidade para agir em juízo em de do Estado e, por via regressa, dos juizes, no caso de decisões dolosas
defesa do interesse geral dos consumidores e não apenas do de seus contra os jurisdicionados. No Código de Processo Civil (art. 133), regula-se
membros associados. a responsabilidade direta dos juizes por perdas e danos, no caso de des-
cumprimento de normas processuais, ou de decisões proferidas de má-fé.
No tocante aos abusos comissivos, essa legitimidade dos cidadão para
propor ações judiciais no interesse coletivo já existe, felizmente, há muito. Quanto à Lei Orgânica da Magistratura, ferozmente combatida pelos
É a ação popular, pela qual qualquer eleitor pode pedir em juízo o desfazi- magistrados – o que explica, sem dúvida, a sua deficiente aplicação -,
mento de atos da Administração Pública lesivos ao Erário, ou ao patrimônio prevê ela seis modalidades escalonadas de punição: advertência, censura,
artístico e cultural do país. remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria e demissão.
O controle mais enérgico dos abusos governamentais, porém realiza- Em meu anteprojeto de Constituição, ao invés de criar um órgão su-
se por meio de ações penais. No entanto, a persistência da atribuição, ao prajudicial para o controle dos magistrados, preferi atribuir poderes amplia-
Ministério Público, do monopólio da persecução criminal tem sido, entre dos de interpelação ao Poder Legislativo, sobre assuntos administrativos
nós, um fator de larga impunidade dos agentes públicos. É que, apesar de do Poder Judiciário, e, sobretudo, dar a qualquer do povo, por via da ação
alguns progressos institucionais, o Ministério Público continua submetido à penal privada subsidiária, a legitimidade para propor ações criminais contra
suserania do Executivo, sendo portanto praticamente impossível que o juizes e membros de tribunais superiores, quando o Ministério Público
vassalo controle adequadamente os atos de seu senhor. É por isso que deixa de oferecer denúncia.
incluí, entre as medidas inovadoras constantes de meu anteprojeto de Seja como for, essa falha no anel final que fecha o sistema de poderes
Constituição, a ação penal privada subsidiária, como direito subjetivo do Estado está a nos indicar, com inafastável clareza, a necessidade de se
Sociologia 29 A Opção Certa Para a Sua Realização
APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
completar o conjunto das garantias dos direitos humanos mediante institui- necessidade de cada um desses sistemas completar e aperfeiçoar o outro.
ções e poderes não-estatais. Essa função garantidora cabe nos dias atu- Da sábia montagem de mecanismos de fertilização recíproca, entre esses
ais, inquestionavelmente, aos órgãos de comunicação de massa: a im- duas técnicas políticas, dependerá a sobrevivência do homem, em sua
prensa, o rádio e a televisão. Eis por que pareceu-me indispensável regular eminente dignidade de pessoa. dhnet@dhnet.org.br
esses órgãos, que exercem uma autêntica função pública, na própria
Constituição, excluindo-os tanto da dominação estatal, quanto da explora- Direitos humanos na Constituição Federal.
ção capitalista. Os veículos de comunicação de massa devem ser os faróis Direitos Humanos na Constituição Brasileira de 1988
a iluminar, incessantemente, a ação do Estado, em todos os setores. Eles
não podem, pois, ser manejados pelo próprio Estado, ou por proprietários Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
privados, cujas concessões de instalação empresarial dependem do Go-
A dignidade da pessoa humana pode ser considerada como o funda-
verno ou do Congresso. Não é de se admitir, por conseguinte, que a classe
mento último do Estado brasileiro. Ela é o valor-fonte a determinar a inter-
política reagiu negativamente a essa proposta.
pretação e a aplicação da Constituição, assim como a atuação de todos os
No plano internacional poderes públicos que compõem a República Federativa do Brasil. Em
síntese, o Estado existe para garantir e promover a dignidade de todas as
A proteção dos direitos humanos não pode, porém, cingir-se ao territó- pessoas. É nesse amplo alcance que está a universalidade do princípio da
rio onde cada Estado atua. A época contemporânea assistiu ao surgimento dignidade humana e dos direitos humanos.
de aparelhos estatais, dotados de poderes incomensuravelmente maiores
do que os detidos por qualquer organização política em épocas anteriores. Como valor-fonte, é da dignidade da pessoa humana que decorrem
Esse reforço descomunal de poderes, acoplado à teoria da soberania todos os demais direitos humanos. A origem da palavra dignidade ajuda-
absoluta do Estado, criou situações de esmagamento completo da pessoa nos a compreender essa ideia essencial. Dignus, em latim, é um adjetivo
humana, como nas trágicas experiências nazista e stalinista deste século. ligado ao verbo decet (é conveniente, é apropriado) e ao substantivo decor
Impõe-se, portanto, um controle internacional sobre a ação de cada Esta- (decência, decoro). Nesse sentido, dizer que alguém teve tratamento digno
do, no que tange ao respeito aos direitos humanos. significa dizer que essa pessoa teve tratamento apropriado, adequado,
decente.
Ora, a situação do direito internacional vigente está longe de ser satis-
fatória, nesse particular (como em vários outros, aliás). O princípio de não- Se pensarmos em dignidade da vida humana ou o que é necessário
ingerência dos Estados, ou de organismos internacionais, nos assuntos para se ter uma vida digna, começaremos a ver com mais clareza como
internos de outros Estados, inscrito no art. 2º, § 7º, da Carta das Nações todos os direitos humanos decorrem da dignidade da pessoa humana.
Unidas, tem servido de pretexto para se evitar a aplicação de sanções Para que uma pessoa, desde sua infância, possa viver, crescer e desen-
internacionais aos Estados para se evitar a aplicação de sanções interna- volver suas potencialidades decentemente, ela precisa de adequada saú-
cionais aos Estados que violam sistematicamente os direitos da pessoa de, alimentação, educação, moradia, afeto; precisa também de liberdade
humana. Trata-se, obviamente, de um pretexto, uma vez que, a toda para fazer suas opções profissionais, religiosas, políticas, afetivas, etc.
evidência, a violação de direitos humanos não é assunto de competência Esse conjunto de necessidades e capacidades nada mais é que o conteú-
interna dos Estados, mas interessa, antes, a toda a humanidade. do dos direitos humanos, reconhecidos, por essa razão, como princípios e
direitos fundamentais na Constituição Brasileira.
A aceitação dos indivíduos como sujeitos do direito das gentes, com
legitimidade para recorrer diretamente às instâncias internacionais, tem A dignidade é atributo essencial do ser humano, quaisquer que sejam
sido parcimoniosamente admitida. Ela existe, no âmbito da Organização suas qualificações. Em última instância, a dignidade humana reside no fato
dos Estados Americanos, pelo disposto no art. 44 da Convenção de São da existência do ser humano ser em si mesma um valor absoluto, ou como
José de Costa Rica, que criou a Comissão Interamericana de Direitos disse o filósofo alemão Kant: “o ser humano deve ser compreendido como
Humanos. Mas essa medida, por si só, tem sido perfeitamente inócua, um fim em si mesmo e nunca como um meio ou um instrumento para a
dado que há sempre a possibilidade de os Estados recusarem a jurisdição consecução de outros fins”.
internacional.
O Estado deve ser instrumento a serviço da dignidade humana e não o
Creio que o progresso jurídico, nessa matéria, adviria da adoção de contrário. Por essas razões, o princípio da dignidade da pessoa humana
três providências. Em primeiro lugar, a geral aceitação da legitimidade da exige o firme repúdio a toda forma de tratamento degradante (indigna) do
queixa individual junto aos tribunais internacionais, no caso de ausência de ser humano, tais como a escravidão, a tortura, a perseguição ou o mau
mecanismos adequados de produção dos direitos humanos no plano trato por razões de gênero, etnia, religião, orientação sexual ou qualquer
interno dos Estados. Em segundo lugar, a submissão obrigatória de todos outra.
os Estados-membros das Nações Unidas, ou de organismos regionais, à
É em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana que a
jurisdição internacional. Em terceiro lugar, o estabelecimento de sanções
Constituição de 1988, no seu Título II, “Dos Direitos e Garantias Funda-
adequadas, no plano internacional, para a violação estatal dos direitos
mentais”, afirma uma extensa relação de direitos individuais e coletivos
humanos. Penso, nesse particular, em duas espécies de sanções. De um
(Capítulo I, Artigo 5o), de direitos sociais (Capítulo II, Artigos 6o a 11), de
lado, a suspensão do direito do voto do Estado-réu, nos organismos inter-
direitos de nacionalidade (Capítulo III, Artigos 12 e 13) e de direitos políti-
nacionais a que pertence. De outro lado, na hipótese de não-cooperação
cos (Capítulo IV, Artigos 14 a 16).
do Estado com o tribunal internacional (criando, por exemplo, obstáculos
às investigações in loco, ou recusando-se a apresentar os agentes do Prevalência dos Direitos Humanos nas Relações Internacionais
Poder Público responsáveis por abusos), no proferimento de uma sentença
de pronúncia, pela qual se declara a existência de crime contra os direitos A Constituição de 1988, em seu Artigo 4o, inciso II, é a primeira em
humanos e de indícios veementes de autoria, na pessoa de agentes públi- nossa história a estabelecer a prevalência dos direitos humanos como
cos designados. Proferida essa sentença, qualquer Estado teria competên- princípio do Estado brasileiro em suas relações internacionais.
cia para prender os indiciados que se encontrarem em seu território; ainda Se a dignidade da pessoa humana, com todos os direitos humanos de-
que transitoriamente, submetendo-os a julgamento segundo as leis desse la decorrentes, deve orientar a atuação do Estado no âmbito nacional, seria
Estado. contraditório renegar esses princípios no âmbito internacional. Afinal, não
Ao cabo desta exposição, penso ter deixado claro que a proteção dos são apenas os brasileiros que devem ter sua dignidade humana respeitada
direitos humanos é uma questão de organização de poderes na sociedade. e promovida, mas todas as pessoas, todos os seres humanos, pelo fato
É claro que, nessa organização, os poderes do Estado (os chamados único e exclusivo de serem pessoas. Negar a prevalência desse princípio
Poderes Públicos) assumem papel decisivo. Mas a experiência histórica nas relações internacionais seria negar a humanidade dos que não são
indica que uma sociedade bem organizada deve sempre manter uma boa brasileiros.
cópia de poderes nas mãos dos próprios cidadãos, como o necessário Assim, ao afirmar esse princípio, o Estado brasileiro compromete-se a
corretivo aos desvios e abusos que acabam sempre por se instalar na respeitar e a contribuir na promoção dos direitos humanos de todos os
organização estatal. Afinal, superada a polêmica entre os adeptos da povos, independentemente de suas nacionalidades.
democracia direta e os da democracia representativa, é preciso convir na

Sociologia 30 A Opção Certa Para a Sua Realização


APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
A prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais ganha direção de um poder central dominante” (WAGNER ROCHA D’ANGELIS,
maior relevância no momento histórico em que vivemos, no qual, em Organização Popular e Prática da Justiça, p. 50). Ou, como conceitua
virtude do desenvolvimento tecnológico, as distâncias entre as nações DALMO DE ABREU DALLARI, “ESTADO é uma ordem jurídica soberana
tendem a se encurtar cada vez mais e todas as pessoas tendem a se que tem por fim o bem comum de um povo situado de determinado territó-
tornar verdadeiras cidadãs do mundo. rio”(Elementos de Teoria Geral do Estado, 1976).
Um estado regido pelo princípio fundamental da dignidade da pessoa Assim, podemos concluir que: 1º) o ESTADO é constituído por três e-
humana não pode desprezar as violações dos direitos humanos praticadas lementos básicos – povo, território e governo soberano; e 2º ) a finalidade
por ou em outros estados. Com a adoção desse princípio, o Brasil une-se à geral e o ESTADO consiste na obtenção do bem comum do povo que
comunidade internacional, assumindo com ela e perante ela a responsabi- habita seu território.
lidade pela dignidade de toda pessoa humana.
Mas, o que devemos entender por bem comum? É o conjunto de todas
A Carta de 1988 é a primeira constituição nacional a consagrar um u- as condições de vida social, que assegurem e favoreçam o desenvolvimen-
niverso de princípios que guiam o Brasil no cenário internacional, fixando to integral da personalidade humana. Daí porque não se pode aceitar que a
valores que orientam a agenda internacional do País. Essa orientação função do ESTADO seja só a de preservar a segurança dos indivíduos,
internacionalista se traduz nos princípios da prevalência dos direitos huma- proteger a liberdade individual e/ou fazer cumprir as leis. Mais que isso, o
nos, da autodeterminação dos povos, do repúdio ao terrorismo e ao racis- ESTADO tem o dever de intervir em assuntos sócio-econômicos para
mo e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, nos assegurar a prestação dos serviços fundamentais a todos os indivíduos,
termos do artigo 4o, incisos II, III, VIII e IX. O artigo 4o, como um todo, especialmente aos mais pobres e com menos possibilidade de exercitar os
simboliza a reinserção do Brasil na arena internacional. seus direitos.
Essa inovação em relação às Constituições anteriores consagra a prio- Por outro lado, uma vez que é constituído para atender as necessida-
ridade do respeito aos direitos humanos como a principal referência para a des ou as conveniências das pessoas e dos grupos sociais, cabe ao ES-
atuação do País no cenário internacional. Isso implica não apenas o enga- TADO elaborar leis ou normas que disciplinem a vida em sociedade, bem
jamento do Brasil no processo de elaboração de normas internacionais de como aplicá-las e fazer com que sejam cumpridas. O conjunto dessas
direitos humanos, mas também a busca da plena incorporação de tais normas é denominado de “ordenamento jurídico” do ESTADO, e nele a
normas no direito interno. Implica ainda o compromisso de adotar uma Constituição é a lei principal, situada acima de todas as outras.
posição política contrária aos Estados em que os direitos humanos sejam
gravemente desrespeitados. De acordo com o artigo 1º da Constituição Federal de 1988, o ESTA-
DO brasileiro tem com fundamentos precípuos: a cidadania, a dignidade da
Ao reconhecer a prevalência dos direitos humanos em suas relações pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o
internacionais, o Brasil também reconhece a existência de limites e condi- pluralismo político.
cionamentos à soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado fica subme-
tida a regras jurídicas, tendo como padrão obrigatório a prevalência dos Ademais, constituem objetivos fundamentais da República Brasileira: I
direitos humanos. Rompe-se com a concepção tradicional de soberania – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvol-
estatal absoluta, relativizando-a em benefício da dignidade da pessoa vimento social; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
humana. Esse processo condiz com o Estado Democrático de Direito desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem
constitucionalmente pretendido. preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação (Artigo 3º , da Const. Federal de 88).
Se para o Estado brasileiro a prevalência dos direitos humanos é prin-
cípio a reger o Brasil no cenário internacional, está-se, consequentemente, CONSTITUIÇÃO E DIREITOS HUMANOS
admitindo a ideia de que os direitos humanos são tema de legítima preocu- A CONSTITUIÇÃO é a lei fundamental, um conjunto de normas bási-
pação e interesse da comunidade internacional. Nessa concepção, os cas que compõe a estrutura jurídica, política, social e econômica de um
direitos humanos surgem para a Carta de 1988 como tema global. Tudo país. Por isso ela é chamada de Carta Magna, pois a ela nada se sobre-
isso tem levado o Brasil a adotar os mais relevantes tratados internacionais põe.
de direitos humanos.
Para DALMO DALLARI, “a CONSTITUIÇÃO é a declaração da vonta-
Também é de extrema importância o alcance da previsão do Artigo 5o, de política de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que é
parágrafo segundo da Carta de 1988, ao determinar que os direitos e superior a todas as outras que, visando a proteção da dignidade humana,
garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes dos estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivíduos,
tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Isto é, ao aderir a um dos grupos sociais, do povo e do governo”(Constituição e Constituinte,
tratado internacional de direitos humanos, o Brasil não apenas assume 1984).
compromissos perante a comunidade internacional, mas também amplia o
catálogo de direitos humanos previstos em nossa Constituição. dh- A CONSTITUIÇÃO surgiu com a finalidade de afirmar e garantir os di-
net@dhnet.org.br reitos elementares dos indivíduos, disciplinar o uso e evitar o abuso de
poder, assentando a organização racional da sociedade e do governo.
Estado e Direitos Humanos Todavia, só isso não basta para assegurar “os direitos de todos os a todos
os direitos”. Em decorrência, aponta WAGNER ROCHA D’ANGELIS,
Para compreendermos o significado de Estado é preciso antes relacio- defende-se hoje a atualização dos objetivos da CONSTITUIÇÃO, incluindo
ná-lo com outros termos: país, nação e pátria. neles o reconhecimento da necessidade de se utilizá-la para impor limites
PAÍS é o território ocupado por uma determinada população. É o es- jurídicos ao poder econômicos, bem como para favorecer a participação
paço geográfico que uma população habita. ampla, a repartição dos bens e o acesso aos benefícios da vida social a
todas as pessoas (Organização Popular e Prática da Justiça, 1992).
NAÇÃO é o agrupamento humano considerado sob o ponto de vista de
seu povo, sua organização e seu território. Pressupõe, além disso, uma Contudo, muito pouco adianta a existência de uma CONSTITUIÇÃO,
desta comunidade de origem, cujos membros são ligados por laços históri- se ilegítima ou desrespeitada. Já o devido cumprimento da Lei Maior, por
cos, culturais, sócio-econômicos e linguísticos. parte dos governantes e governados, não exclui os embates democráticos
para seu constante aperfeiçoamento e regulamentação de normas consti-
PÁTRIA é o país onde nascemos (ou que adotamos) e ao qual nos tucionais.
vinculamos emocionalmente. A ideia de Pátria subentende a existência de
uma solidariedade entre as diversas regiões de seu território, bem como Por outro lado, para que ocorra a eficácia da CONSTITUIÇÃO, ou seja,
um espírito comum e uma certa unidade de interesses, de aspirações, de para que passe da teoria à prática, é essencial que todos tenham conheci-
sentimentos, de costumes e de esforços entre seus habitantes. mento dos seus direitos e responsabilidades, bem como dos instrumentos
jurídicos para efetivá-los. Do que se depreende que o exercício da cidada-
Por sua vez, o ESTADO vem a ser “a união organizada de um certo nia não é somente um direito, mas é também um dever de todos, pois a
número considerável de indivíduos, estabelecidos em um território e sob a omissão de cada um contribui com as injustiças e impunidades.

Sociologia 31 A Opção Certa Para a Sua Realização


APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
A CONSTITUIÇÃO justa, legítima e respeitada é um poderoso instru- Rumo à universalização. A cidadania é originalmente um direito
mento de promoção humana e desenvolvimento social. burguês. Contudo, quando reivindicada como soma de direitos
fundamentais do indivíduo, estes se tornam neutros quanto a seus
Sobre a questão dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Constitui- beneficiários presentes e potenciais.
ção Federal de 1988 dedica cinco capítulos, a saber: Cap. I Dos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos (art 5º Incisos I à XXVII); Cap II Dos Direi- Vista como processo histórico gradual, a extensão da cidadania é (1) a
tos Sociais (art 6º a 11); Cap III Da Nacionalidade (art. 12 e 13); Cap IV – transformação da estrutura social pré-moderna no quadro da economia
Dos Direitos Políticos (Art 14 e 16); Cap. V – Dos Partidos Políticos. capitalista e do estado nacional moderno e (2) o reconhecimento e a
universalização de toda uma série de novos direitos que, em parte, são
Fonte: http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/bib/estaddh.htm indispensáveis ao funcionamento da economia capitalista moderna e, em
CIDADANIA parte, são resultado concreto do conflito político dentro de cada país.
Portanto, trata-se de um conceito ao mesmo tempo jurídico, sociológico e
Foi de um discurso do dramaturgo Pierre-Augustin Caron de político: descreve a consagração formal de certos direitos, o processo
Beaumarchais, em outubro de 1774, que surgiu o sentido moderno da político de sua obtenção e a criação das condições socioeconômicas que
palavra cidadão -- que ganharia maior ressonância nos primeiros meses da lhe dão efetividade.
revolução francesa, com a Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão. Cidadania e democracia. A cidadania tem dois aspectos: (1) o
institucional, porque envolve o reconhecimento explícito e a garantia de
Em sentido etimológico, cidadania refere-se à condição dos que certos direitos fundamentais, embora sua institucionalização nunca seja
residem na cidade. Ao mesmo tempo, diz da condição de um indivíduo constante e irredutível; (2) e o processual, porque as garantias civis e
como membro de um estado, como portador de direitos e obrigações. A políticas, bem como o conteúdo substantivo, social e econômico, não
associação entre os dois significados deve-se a uma transformação podem ser vistos como entidades fixas e definitivas, mas apenas como um
fundamental no mundo moderno: a formação dos estados centralizados, processo em constante reafirmação, com limiares abaixo dos quais não há
impondo jurisdição uniforme sobre um território não limitado aos burgos democracia. Democrático, no sentido liberal, é o país que, além das
medievais. garantias jurídicas e políticas fundamentais, institucionaliza amplamente a
Na Europa, até o início dos tempos modernos, o reconhecimento de participação política.
direitos civis e sua consagração em documentos escritos (constituições) Direitos e garantias individuais. A necessidade de certas prerrogativas
eram limitados aos burgos ou cidades. A individualização desses direitos a que limitem o poder político em suas relações com a pessoa humana são,
rigor não existe até o surgimento da teoria dos direitos naturais do muito provavelmente, criação do cristianismo, que definiu o primeiro
indivíduo e do contrato social, bases filosóficas do antigo liberalismo. terreno interditado ao estado: o espiritual.
Nesse sentido, os privilégios e imunidades dos burgos medievais não
diferem, quanto à forma, dos direitos e obrigações das corporações e No campo do direito positivo, foi a revolução francesa que incorporou o
outros agrupamentos, decorrentes de sua posição ou função na hierarquia sistema dos direitos humanos ao direito constitucional moderno. A teoria do
social e na divisão social do trabalho. São direitos atribuídos a uma direito constitucional dividiu, de início, os direitos humanos em naturais e
entidade coletiva, e ao indivíduo apenas em decorrência de sua civis, considerando que a liberdade natural, mais ampla, evolui para o
participação em um desses "corpos" sociais. conceito de liberdade civil, mais limitada, visto que seus limites coincidem
com os da liberdade dos outros homens.
O termo cidadão tornou-se sinônimo de homem livre, portador de
direitos e obrigações a título individual, assegurados em lei. É na cidade A primeira concretização da teoria jurídica dos direitos humanos foi o
que se formam as forças sociais mais diretamente interessadas na Bill of Rights, de 1689 -- a declaração de direitos inglesa. Só depois da
individualização e na codificação desses direitos: a burguesia e a moderna independência dos Estados Unidos, porém, as declarações de direitos,
economia capitalista. inseridas nas constituições escritas, adquirem o perfil de relação de direitos
oponíveis ao estado, e dos quais os indivíduos são titulares diretos. Dada
Ao ultrapassar os estreitos limites do mundo medieval -- pela sua importância, o direito constitucional clássico dividia as leis
interligação de feiras e comunas, pelo estabelecimento de rotas regulares fundamentais em duas partes: uma estabelecia os poderes e seu
de comércio, entre regiões da Europa e entre os continentes --, a dinâmica funcionamento; outra, os direitos e garantias individuais.
da economia capitalista favorece a imposição de uma jurisdição uniforme
em determinados territórios, cuja extensão e perfil derivam tanto da No Brasil, é clássica a definição dada por Rui Barbosa às garantias,
interdependência interna enquanto "mercado", como dos fatores culturais, desdobramento dos direitos individuais: "Os direitos são aspectos,
linguísticos, políticos e militares que favorecem a unificação. manifestações da personalidade humana em sua existência subjetiva, ou
nas suas situações de relações com a sociedade, ou os indivíduos que a
Em seus primórdios, a constituição do estado moderno e da economia compõem. As garantias constitucionais stricto sensu são as solenidades
comercial capitalista é uma grande força libertária. Em primeiro lugar, pela tutelares de que a lei circunda alguns desses direitos contra os abusos do
dilatação de horizontes, pela emancipação dos indivíduos ante o localismo, poder." É o caso do direito à liberdade pessoal, cuja garantia é o recurso
ante as convenções medievais que impediam ou dificultavam a escolha de do habeas corpus.
uma ocupação diferente da transmitida como herança familiar; libertária,
também, ante as tradições e crenças que se diluíam com a maior Direitos sociais. Na antiguidade, considerava-se que o trabalho manual
mobilidade geográfica e social; mas libertária, sobretudo, pela imposição não era compatível com a inteligência crítica e especulativa, ideal do
de uma jurisdição uniforme, que superava o arbítrio dos senhores feudais e estado. Daí o reconhecimento da escravidão, que restringia
reconhecia a todos os mesmos direitos e obrigações, independentemente consideravelmente os ideais teóricos da democracia direta. A revolução
de seu trabalho ou condição socioeconômica. social do cristianismo baseou-se principalmente na dignificação do trabalho
manual. Por conseguinte, durante a Idade Média, o trabalho era
Além do sentido sociológico, a cidadania tem um sentido político, que considerado um dever social e mesmo religioso do indivíduo.
expressa a igualdade perante a lei, conquistada pelas grandes revoluções
(inglesa, francesa e americana), e posteriormente reconhecida no mundo Com o declínio das corporações de ofício, que controlavam o trabalho
inteiro. medieval, e o surgimento das oficinas de trabalho, de características
diferentes, entre as quais a relação salarial entre operário e patrão, estão
Nessa perspectiva, a passagem do âmbito limitado - dos burgos - ao dadas as condições propícias ao capitalismo mercantilista da época do
significado amplo da cidadania nacional é a própria história da formação e Renascimento e da Reforma.
unificação dos estados modernos, capazes de exercer efetivo controle
sobre seus respectivos territórios e de garantir os mesmos direitos a todos Mais tarde, a burguesia, que dominara a revolução francesa, viu-se
os seus habitantes. É fundamentalmente uma garantia negativa: contra as diante dos problemas sociais decorrentes da revolução industrial. Assim,
limitações convencionais ao comportamento individual e contra o poder tornou-se indispensável a intervenção do estado entre as partes desiguais
arbitrário, público ou privado. em confronto no campo do trabalho, para regular o mercado livre em que o
trabalhador era cruelmente explorado.

Sociologia 32 A Opção Certa Para a Sua Realização


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Atualmente não se pode conceber a proteção jurídica dos direitos 15 de novembro de 1889 e que não manifestaram disposição em contrário
individuais sem o reconhecimento e a proteção dos direitos sociais do até seis meses após a entrada em vigor da constituição; e os que, entre
homem, que são oponíveis não ao estado, mas ao capital, e têm na ação 1891 e 16 de julho de 1934, possuíram bens imóveis no Brasil, foram
do estado sua garantia. casados com brasileiras ou tiveram filhos brasileiros e não manifestaram a
intenção de mudar de nacionalidade.
Hoje existe um grande movimento pelo reconhecimento, definição e
garantia internacionais dos direitos humanos. Em 10 de dezembro de 1948, Só o presidente da república pode conceder a naturalização brasileira.
a assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU) adotou em Aos portugueses, requer-se apenas idoneidade moral e física e residência
Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que só terá força no país por um ano ininterrupto. Para outros estrangeiros, há exigências
obrigatória quando for uma convenção firmada por todos os países como prazo mínimo de residência de quatro anos, capacidade civil,
membros da ONU. sanidade física, boa conduta, ausência de pronúncia ou condenação
judiciais no Brasil, capacidade de ler e escrever em português etc. O
Os regimes de governo são justos na medida em que as liberdades período de residência é reduzido em alguns casos, como o de estrangeiro
são defendidas, mesmo em épocas de crise. Os princípios gerais de direito filho de brasileiro ou brasileira; empregado em missão diplomática
são sempre os mesmos: processo legal, ausência de crueldade, respeito à brasileira; se tem filho ou cônjuge brasileiro; e se recomendado por
dignidade humana. As formas de execução desses princípios também não capacidade artística, profissional ou científica. ©Encyclopaedia Britannica
variam. Resumem-se em leis anteriores, em garantias eficazes de defesa do Brasil Publicações Ltda.
e, como sempre, acima de tudo, em justiça independente e imparcial.
Art. 12. São brasileiros:
Suspensão das garantias constitucionais. No Brasil, a instabilidade do
poder político e as lutas oligárquicas durante a primeira república fizeram I - natos:
do estado de sítio e da intervenção federal os centros de convergência dos
debates jurídicos e das ações políticas. Também o Supremo Tribunal a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais
Federal defrontou-se frequentemente com o problema. No entanto os fatos estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
mais de uma vez atropelaram o direito ao longo da história do Brasil. b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, des-
©Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. de que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;
NACIONALIDADE c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira,
desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou
O direito do homem a uma nacionalidade, de não ser dela privado
venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer
arbitrariamente e não ter negado o direito de mudá-la é afirmado na
tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira;
Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 54, de 2007)
Nacionalidade é o vínculo jurídico que liga uma pessoa a um estado.
II - naturalizados:>
Por ela, o indivíduo sujeita-se à autoridade do estado, que lhe reconhece
direitos políticos e civis e lhe dá proteção. A nacionalidade situa o indivíduo a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigi-
no âmbito da lei internacional e lhe dá acesso aos direitos e privilégios das aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por
conferidos pelos estados a seus nacionais. O estado, por direito um ano ininterrupto e idoneidade moral;
reconhecido na norma internacional, estabelece em dispositivos
constitucionais e mecanismos legais os critérios para determinar quem é b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República
seu nacional. A proteção do estado a seus nacionais se estende além de Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condena-
suas fronteiras. Há jurisprudência internacional que garante ao estado ção penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.(Redação dada
meios de fazer cessar uma injustiça ou obter do estado responsável pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
reparações por prejuízos causados a um seu nacional. § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver
A nacionalidade pode ser originária, quando resulta do nascimento, ou reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes
adquirida, quando advém de substituição de nacionalidade. Os critérios ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.(Redação dada
que determinam a nacionalidade de origem são o jus sanguinis, em que a pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
nacionalidade dos filhos é determinada pela dos pais, independente do § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e
local de nascimento; o jus soli, em que prepondera o local de nascimento; naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.
e a combinação das duas situações. Os estados variam no uso dessas
normas consuetudinárias do direito internacional. A nacionalidade § 3º - São privativos de brasileiro nato os cargos:
adquirida, ou outorgada, deriva de casamento, naturalização ou benefício I - de Presidente e Vice-Presidente da República;
da lei, quando a legislação de um estado prevê sua aquisição automática
ou a pedido. A naturalização, de modo geral, proporciona ao estrangeiro II - de Presidente da Câmara dos Deputados;
que a recebeu o gozo dos mesmos direitos e deveres dos nacionais de
III - de Presidente do Senado Federal;
origem, com restrições. A nacionalidade pode ser perdida por mudança no
benefício da lei, casamento, naturalização, renúncia, cessões ou IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
anexações territoriais, ato incompatível com os interesses nacionais e
aquisição voluntária de outra nacionalidade. V - da carreira diplomática;

A nacionalidade é fundamental no direito político porque determina a VI - de oficial das Forças Armadas.
condição de cidadania, da qual é pressuposto necessário, já que apenas VII - de Ministro de Estado da Defesa(Incluído pela Emenda Constitu-
os nacionais podem participar da vida política plena; no direito civil, por cional nº 23, de 1999)
integrar um dos estados da pessoa e condicionar o gozo dos direitos; e nos
direitos administrativo, fiscal e penal, nos quais a condição de nacional tem § 4º - Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:
influência decisiva. A questão do apátrida é um dos problemas ainda não
I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude
resolvidos por divergências de leis nacionais ou ausência de leis ou
de atividade nociva ao interesse nacional;
práticas internacionais.
II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos: (Redação dada pela
No Brasil, dispositivo constitucional estabelece que são brasileiros
Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
natos os que nasceram no país, mesmo os filhos de estrangeiros que não
estejam a serviço de sua pátria, e os filhos de pais brasileiros no exterior a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira;
registrados em repartição brasileira; e naturalizados os estrangeiros que (Incluído pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de 1994)
adquiriram a nacionalidade brasileira segundo as normas em vigor.
Adquiriram nacionalidade brasileira os estrangeiros residentes no Brasil em

Sociologia 33 A Opção Certa Para a Sua Realização


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b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro ser uma ilusão de ética também, à medida em que se deturpa a visão
residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu sobre o outro e sobre a compreensão dele”.
território ou para o exercício de direitos civis; (Incluído pela Emenda Consti- “Os latinos que geraram boa parte do nosso idioma tinham uma ex-
tucional de Revisão nº 3, de 1994) pressão para eu, que era ego e usavam duas outras para identificar o não
eu. Uma delas é alter, significa o outro, mas também utilizavam alios,
Art. 13. A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa significa o estranho. Ora, olhar o outro como outro, é fundamental para que
do Brasil. ele não seja percebido como o estranho. De maneira geral, quando se fala
§ 1º - São símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o de alguém que não é do nosso mundo, ele é olhado como o estrangeiro,
hino, as armas e o selo nacionais. como o forasteiro, aquele que é de fora, aquele que é estranho, aquele que
não pertence à nossa comunidade, ou que não é igual a nós. Isso significa
§ 2º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão ter sím- que um ponto central para afastar o preconceito é uma visão de alteridade,
bolos próprios. em que se possa olhar o outro como outro e não como um estranho. Olhar
Cidadania e diversidade o outro como o outro, implica também em acolhê-lo como um igual. Afinal
de contas, um dos elementos centrais para se pensar isso, é observar que
“Uma questão central quando se pensa em direitos humanos é justa- reconhecer as diferenças não significa ressaltar as desigualdades. Homens
mente e exatamente a manutenção da suas múltiplas formas de vida, seja e mulheres são diferentes, não são desiguais; brancos e negros são dife-
a vida humana ou outras formas de vida que se abrigam dentro da nossa rentes, não são desiguais; cegos e pessoas com visão completa são
realidade do nosso planeta ou do nosso universo, isso significa dentre diferentes, não são desiguais. A diferença é um dado cultural ou biológico,
outras coisas que a proteção à vida dentre aqueles que têm algum tipo de a igualdade é um dado ético”.
diferença que acarreta a eles prejuízo na relação de conviveu no cotidiano, “Independentemente de alguém ser eventualmente portador de alguma
mas que não tira deles a comunidade de direitos como humano. Implica coisa que acumule um agravamento na condição dele, por comparação a
então numa percepção e numa estruturação de condições de exercício da outros seres humanos, é claro que ele não pode ou ela, abrir mão do seu
sua cidadania da sua humanidade que ultrapassa uma mera relação que direito, da sua sexualidade completa. São os nossos sonhos, os nossos
fique no cuidado da doença ao contrário è muito mais do que isso. O direito desejos, as nossas possibilidades de imaginar que ninguém pode seques-
humano é aquele que protege eleva, supera as condições que diminuiriam trar, ninguém pode sequestrar de mim, homem, ou de mim mulher, inde-
a capacidade de estruturação e de ação de alguém na vida”. pendentemente da minha condição, a minha procura de ser mais feliz, de
“Em última instância falar em direitos humano, especialmente no cam- ter a felicidade, de ter alegria, de partilhar o meu corpo com outro, de
po dos portadores de deficiência é pensar na preservação da dignidade repartir a minha amorosidade, de expressar a minha capacidade estética
coletiva e é aí que eles se encerem”. na produção de algo e especialmente da minha possibilidade de conviver”.
“O que significa estar bem? Estar bem é estar em paz e estar m paz “É necessário uma vigilância contínua, uma atenção permanente em
não significa ausência de atribulação. Ausência de atribulação significa relação aos direitos de uma sociedade. Por isso, numa sociedade, o Con-
ausência de impossibilidade, ausência de desespero, isso que é estar bem. selho do idoso, o Conselho da pessoa portadora de deficiência, o Conselho
Estar bem é não ser vitimizado por uma sexualidade que fica fraturada e de educação, o Conselho de saúde, os Conselhos tutelares, precisam não
não ser atacado por uma doença que não tem alternativa individual e só ser frequentados como, ora assiduidade, como amparados, como
coletiva. Estar bem é não ser vitimado também pela ausência de escolari- procurados, e onde eles não existem, fortalecidos e criados, onde eles já
dade, pela ausência de convivência, de lazer saudável, pela pratica de uma existem, vigiados na sua propositura porque afinal de contas, eles são um
religiosidade que possa ser livre e não alienante, portanto indicadores veículo, um instrumento extremamente poderoso para que a gente não
outros de qualidade de vida que não aqueles que exclusivamente são deixe escapar e esvair o cuidado com a vida na sua totalidade”.
utilizados como dado técnico são todos aqueles que permitem que a pes- “Incluir não significa tolerar, significa acolher. Essa inclusão não é uma
soa se sinta integral na sua condição independente até de eventuais difi- inclusão de trazer para junto, é trazer para junto para repartir, portanto é
culdades ou deficiências que carregue que ele não se sinta de forma outra noção de inclusão. É incluir para promover, incluir para elevar, incluir
nenhuma diminuído, que ele possa até se sentir limitado como cada um de para repartir, e não para dividir, porque há uma diferença entre repartição e
nos tem na vida em relação a várias circunstâncias, mas não se sinta divisão. Quando você divide, você fragmenta, quando você reparte, você
menos, menos digno, menos possível, menos humano. Daí indicador de aumenta, você distribui, você oferece uma possibilidade de acesso que
qualidade de vida são todos aqueles que protegem a vida humana do seja muito mais extensa. Inclusão é repartição”.
conjunto das suas perspectivas. O transporte que me leva, claro, mas o Esse texto é uma transcrição da fala de Mário Sérgio Cortella que foi
transporte que também me ofereça uma condição de conforto e as habili- extraído de um vídeo que é produto da pesquisa “Diversidade e Exclusão:
dades do mundo junto com os outros e a possibilidade de um local de A sensibilidade de quem os vive – construindo alternativas de políticas de
trabalho que me acolha e não me exclua dentro do processo que me sinta Inclusão”. O projeto foi realizado pela faculdade de educação da universi-
em última estância bem. Estar em paz, ora isso me exige antes de mais dade de São Paulo (FEUSP), junto à prefeitura municipal de Campinas
nada que a gente tenha clareza de que a paz é um direito coletivo e não com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
um privilegio individual”. (FAPESP).
“Um direito humano fundamental é o direito da capacidade de ser hu-
mano, parece redundante a expressão, mas ela não é. Humano significa Fonte: http://blog.espaco21.org.br/2007/08/20/diversidade-e-cidadania/
ser livre, só que a noção de liberdade é um conceito coletivo. Há uma frase PROVA SIMULADA
que circula por aí que é meio estranha que diz que ‘a minha liberdade
acaba quando começa a do outro’, isso não é verdadeiro, há minha liber- Nas questões que se seguem, assinale:
dade não começa quando acaba a do ouro, há minha liberdade acaba C – se a proposição estiver correta
quando acaba a do outro. Se algum ser humano não é livre ninguém é
livre”. E – se a mesma estiver incorreta
“É fundamental nos percebermos o quanto à expressão de um movi-
01. Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e efeitos das
mento de preconceito de uma compreensão excludente ela é aquilo que
relações que se estabelecem entre os indivíduos organizados em so-
Paulo Freire chamava miopia da realidade, de tornar míope a compreensão
ciedade. Assim, o objeto da sociologia são as relações sociais, as
do outro e da diferença e é claro isso produz não uma ilusão de ética,
transformações por que passam essas relações, como também as
apesar de ser miopia, mais aí uma ilusão marcada pela condição de ser
estruturas, instituições e costumes que têm origem nelas. A aborda-
uma ilusão de ótica a mediada que se deturpa a visão sobre o outro e
gem sociológica das relações entre os indivíduos distingue-se da a-
sobre a compreensão dele”.
bordagem biológica, psicológica, econômica e política dessas rela-
“É fundamental nós percebermos o quanto a expressão de um movi-
ções. Seu interesse focaliza-se no todo das interações sociais e não
mento de preconceito, de uma compreensão excludente, é aquilo o que
em apenas um de seus aspectos, cada um dos quais constitui o do-
Paulo Freire chamava de miopizar a realidade, de tornar míope a compre-
mínio de uma ciência social específica. As preocupações de ordem
ensão do outro e da diferença. E é claro, isso produz não uma ilusão de
normativa são estranhas à sociologia e não lhe cabe a aplicação de
óptica, apesar de ser miopia, mas aí uma ilusão marcada pela condição de
soluções para problemas sociais ou a responsabilidade pelas refor-

Sociologia 34 A Opção Certa Para a Sua Realização


APOSTILAS OPÇÃO A Sua Melhor Opção em Concursos Públicos
mas, planejamento ou adoção de medidas que visem à transforma- renúncia, cessões ou anexações territoriais, ato incompatível com os
ção das condições sociais. interesses nacionais e aquisição voluntária de outra nacionalidade.
02. A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a sociologia 10. A nacionalidade é fundamental no direito político porque determina a
do conhecimento, da família, dos meios rurais e urbanos, da religião, condição de cidadania, da qual é pressuposto necessário, já que
da educação, da cultura etc. A essa lista seria possível acrescentar apenas os nacionais podem participar da vida política plena; no
um sem-número de novas especializações, como a sociologia da vi- direito civil, por integrar um dos estados da pessoa e condicionar o
da cotidiana, do teatro, do esporte etc., já que os interesses do pes- gozo dos direitos; e nos direitos administrativo, fiscal e penal, nos
quisador se orientam para a compreensão e explicação sistemática, quais a condição de nacional tem influência decisiva. A questão do
mediante a utilização das teorias e dos métodos mais adequados, apátrida é um dos problemas ainda não resolvidos por divergências
dos aspectos sociais de todos os setores e atividades da vida huma- de leis nacionais ou ausência de leis ou práticas internacionais.
na.
03. As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX e XX RESPOSTAS
centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre elas distin- 01. C 06. C
guem-se a determinação do que representam a sociedade e a cultu- 02. C 07. C
ra; a fixação de unidades elementares para seu estudo; a especifica- 03. C 08. C
ção dos fatores que condicionam sua estabilidade ou sua mudança; 04. C 09. C
a descoberta das relações que mantêm entre si e com a personali- 05. C 10. C
dade; a delimitação de um campo; e a especificação de um objeto e
de métodos de estudos próprios à sociologia. TESTES
04. A reflexão sobre os conceitos de indivíduo e sociedade, para as 1- (UEL) A Sociologia é uma ciência moderna que surge e se desenvolve
ciências sociais, é de suma importância. É, justamente, o problema juntamente com o avanço do capitalismo. Nesse sentido, reflete suas
da interação entre as duas dimensões que adotamos como objeto. principais transformações e procura desvendar os dilemas sociais por ele
Seja nas interpretações que postulam a prevalência do indivíduo so- produzidos. Sobre a emergência da sociologia, considere as afirmativas a
bre a sociedade, ou desta sobre aquele, ou ainda nas que os enxer- seguir:
gam através do prisma da dialética, o trabalho sempre foi construído I. A Sociologia tem como principal referência a explicação teológica sobre
em torno de se determinar até que ponto eles são dependentes ou os problemas sociais decorrentes da industrialização, tais como a pobreza,
independentes e, mais do que isso, de se determinar leis gerais para a desigualdade social e a concentração populacional nos centros urbanos.
esta interação. Devemos ressaltar que o problema considerado sem- II. A Sociologia é produto da Revolução Industrial, sendo chamada de
pre teve sua dimensão política. “ciência da crise”, por refletir sobre a transformação de formas tradicionais
05. Somente através de uma visão crítica e ampliada das transforma- de existência social e as mudanças decorrentes da urbanização e da
ções da dinâmica social, pode-se perceber que as "verdades" produ- industrialização.
zidas no seio de uma concepção da sociedade, e que a naturalizam, III. A emergência da Sociologia só pode ser compreendida se for observa-
se referem a valores, interesses e ideais relativos, justamente, ao da sua correspondência com o cientificismo europeu e com a crença no
contexto em que são produzidos. Essa naturalização das relações poder da razão e da observação, enquanto recursos de produção do
mantém caladas, até certo ponto, as contradições entre as possibili- conhecimento.
dades materiais da sociedade e sua efetiva organização. Ou seja, as IV. A Sociologia surge como uma tentativa de romper com as técnicas e
possibilidades de transformação progressista são abafadas pelas métodos das ciências naturais, na análise dos problemas sociais decorren-
tentativas de legitimação ideológica. tes das reminiscências do modo de produção feudal.
06. O espaço público é considerado como aquele que, dentro do Estão corretas apenas as afirmativas:
território urbano tradicional (especialmente nas cidades capitalistas, a) I e III.
onde a presença do privado é predominante), seja de uso comum e b) II e III.
posse coletiva (pertence ao poder público). A rua é considerada o c) II e IV.
espaço público por excelência. d) I, II e IV.
07. A propriedade privada é o direito que assegura ao seu titular uma e) I, III e IV.
série de poderes, sendo que seu conteúdo constitui objeto de estudo
pelo direito civil.
08. Nacionalidade é o vínculo jurídico que liga uma pessoa a um estado. 2 – (UFUB) Selecione as afirmativas que indicam o contexto histórico,
Por ela, o indivíduo sujeita-se à autoridade do estado, que lhe social e filosófico que possibilitou a gênese da Sociologia.
reconhece direitos políticos e civis e lhe dá proteção. A nacionalidade I – A Sociologia é um produto das revoluções francesa e industrial e foi
situa o indivíduo no âmbito da lei internacional e lhe dá acesso aos uma resposta às novas situações colocadas por estas revoluções.
direitos e privilégios conferidos pelos estados a seus nacionais. O II – Com o desenvolvimento do industrialismo, o sistema social passou da
estado, por direito reconhecido na norma internacional, estabelece produção de guerra para a produção das coisas úteis, através da organiza-
em dispositivos constitucionais e mecanismos legais os critérios para ção da ciência e das artes.
determinar quem é seu nacional. A proteção do estado a seus III – O pensamento filosófico dos séculos XVII e XVIII contribuiu para
nacionais se estende além de suas fronteiras. Há jurisprudência popularizar os avanços científicos, sendo a Teologia a forma norteadora
internacional que garante ao estado meios de fazer cessar uma desse pensamento.
injustiça ou obter do estado responsável reparações por prejuízos IV – A formação de uma sociedade, que se industrializava e se urbanizava
causados a um seu nacional. em ritmo crescente, propiciou o fortalecimento da servidão e da família
09. A nacionalidade pode ser originária, quando resulta do nascimento, patriarcal.
ou adquirida, quando advém de substituição de nacionalidade. Os Assinale a alternativa correta:
critérios que determinam a nacionalidade de origem são o jus A) III e IV.
sanguinis, em que a nacionalidade dos filhos é determinada pela dos B) I, II e III.
pais, independente do local de nascimento; o jus soli, em que C) II, III e IV.
prepondera o local de nascimento; e a combinação das duas D) I e II.
situações. Os estados variam no uso dessas normas E) Todas as alternativas estão corretas.
consuetudinárias do direito internacional. A nacionalidade adquirida,
ou outorgada, deriva de casamento, naturalização ou benefício da lei,
quando a legislação de um estado prevê sua aquisição automática 3 – (UFUB) Sobre o surgimento da Sociologia, podemos afirmar que:
ou a pedido. A naturalização, de modo geral, proporciona ao I – A consolidação do sistema capitalista na Europa no século XIX forneceu
estrangeiro que a recebeu o gozo dos mesmos direitos e deveres os elementos que serviram de base para o surgimento da Sociologia
dos nacionais de origem, com restrições. A nacionalidade pode ser enquanto ciência particular.
perdida por mudança no benefício da lei, casamento, naturalização, II – O homem passou a ser visto, do ponto de vista sociológico, a partir de
sua inserção na sociedade e nos grupos sociais que a constituem.

Sociologia 35 A Opção Certa Para a Sua Realização


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III – Aquilo que a Sociologia estuda constitui-se historicamente como o (B) As diferenças de comportamento entre os grupos humanos se deve a
conjunto de relacionamentos que os homens estabelecem entre si na vida diferenciação dos padrões culturais produzidos pela humanidade.
em sociedade. (C) Não é correto separar aspectos naturais dos aspectos culturais do ser
IV – Interessa para a Sociologia, não indivíduos isolados, mas inter- humano. A humanidade só pode ser compreendida pela sua unidade
relacionados com os diferentes grupos sociais dos quais fazem parte, biológica, que tende a padronizar os comportamentos.
como a escola, a família, as classes sociais e etc. (D) As diferenças de comportamento entre os grupos humanos é uma
A) II e III estão corretas. evidência de que não se trata de uma espécie única. As diferentes etnias
B) Todas as afirmativas estão corretas. surgiram em épocas e locais distintos, por isso é possível afirmar que
C) I e IV estão corretas. alguns grupos evoluíram mais que outros.
D) I, III e IV estão corretas. (E) A humanidade é composta de diversas espécies em diferentes etapas
E) II, III e IV estão corretas. de desenvolvimento do processo evolutivo. Deste modo, cada sociedade
pode ser classificada e inserida em um contínuo, que vai das mais atrasa-
das e simples às mais adiantadas e complexas.
4 – (UFUB) Assinale a alternativa correta:
O surgimento da Sociologia foi propiciado pela necessidade de: 9 – Quanto ao espaço público:
A) Manter a interpretação mágica da realidade como patrimônio de um I - O espaço público é considerado como aquele que seja de uso comum e
restrito círculo sacerdotal. posse de todos. Entendendo-se a cidade como local de encontros e rela-
B) Manter uma estrutura de pensamento mítica para a explicação do ções, o espaço público apresenta, em seu ambiente, papel determinante. É
mundo. nele que se desenvolvem atividades coletivas, com convívio e trocas entre
C) Condicionar o indivíduo, através dos rituais, a agir e pensar conforme os os grupos diversos que compõem a heterogênea sociedade urbana.
ensinamentos transmitidos pelos deuses.
D) Considerar os fenômenos sociais como propriedade exclusiva de forças II - A existência do espaço público, portanto, está relacionada diretamente
transcendentais. com a formação de uma cultura agregadora e compartilhada entre
E) Observar, medir e comprovar as regras que tornassem possível, através os cidadãos.
da razão, prever os fenômenos sociais.
III - A rua é considerada o espaço público por excelência. Sendo o elemen-
5 – (UFUB) De acordo com o pensamento weberiano, é correto afirmar to articulador das localidades e da mobilidade, pode ser considerada a
que: formadora da estrutura urbana e de sua representação. De acordo com
A) Os juízos de valor do pesquisador não interferem em nenhuma fase do Kevin Lynch , também é o local principal em que se forma a imagem da
processo de investigação científica. cidade, já que é por ela que os habitantes transitam e tem a oportunidade
B) A sociologia de Weber é um esforço de explicação da sociedade en- de observá-la e entendê-la.
quanto totalidade social.
C) O objetivo da Sociologia é estabelecer leis gerais explicativas da reali- IV - Alamedas, praças e parques tem ainda a função de prover, aos espa-
dade social; ços urbanizados e edificados, áreas verdes e de lazer.
D) A Sociologia compreensiva busca apreender o sentido da ação social e Est(á)o corretas:
de seus nexos causais. a) somente uma está correta
E) Nenhuma das anteriores. b)somente duas elas
6 - Considere as sentenças abaixo: c) somente três
I - Para Durkheim, a Sociologia é o estudo dos fatos sociais. d) as quatro estão corretas
II - A Sociologia é chamada de geral quando consideramos a sociedade em
seu sentido mais amplo e é especial quando se ocupa de determinado 10-. A caracterização de um espaço público é bastante variada:
grupo de fatos sociais de mesma natureza. Os espaços públicos livres podem se definir como espaços de circulação
III - A Sociologia da Educação tornou-se uma disciplina autônoma, desvin- (como a rua ou a praça), espaços de lazer e recreação (como uma praça
culada da Sociologia Geral, pela importância que a educação assumiu no ou parque urbano), de contemplação (como um jardim público) ou de
mundo contemporâneo. preservação ou conservação (como um grande parque ou mesmo uma
Você considera corretas: reserva ecológica). Nestes locais, o direito de ir e vir é total.
(A) somente a sentença I.
(B) somente a sentença II. Existem ainda os espaços que, ainda que possuam uma certa restrição ao
(C) somente a sentença III. acesso e à circulação, pertencem à esfera do público: portanto, nestes
(D) somente as sentenças II e III. espaços, a presença do privado deve ser teoricamente controlada e, até
(E) somente as sentenças I e II. mesmo, evitado. São, em geral, os edifícios e equipamentos públicos,
como instituições de ensino, hospitais, centros de cultura etc.
7 - A Sociologia nasce sob a influência de duas Revoluções: a Industrial e As afirmações acima estão:
a Francesa. Que aspectos da Revolução Industrial mais influenciaram a a) corretas
formulação de problemas e conceitos pela Sociologia? b) incorreta
(A) A situação da classe trabalhadora, a transformação da propriedade, a
cidade industrial, a tecnologia e o sistema fabril.
(B) O crescimento do radicalismo, a situação da classe trabalhadora, a RESPOSTAS
religiosidade popular e o conservadorismo. 01. B
(C) O sistema fabril, o conservadorismo, o individualismo e a situação dos 02. D
trabalhadores rurais. 03. B
(D) A religiosidade, as mudanças na família, o individualismo e a transfor- 04. E
mação da propriedade. 05. D
(E) O desenvolvimento da ciência, a situação da classe trabalhadora, a 06. E
religiosidade popular, a tradição e o racionalismo. 07. A
08. B
8 - A partir da constatação de que todos os seres humanos são membros 09. D
de uma mesma espécie, as diferenças de comportamento entre os grupos 10. A
é justificado pela antropologia como:
(A) O ser humano é, entre os animais, o ser mais evoluído, razão pela qual
é superior aos demais. Esta superioridade implica na padronização dos
comportamentos humanos.

Sociologia 36 A Opção Certa Para a Sua Realização

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