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CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA GERAL E ANÁLISE DO COMPORTAMENTO


PSICOLOGIA CLÍNICA NA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

Terapia Comportamental de Casais

Ana Paula M. Carvalho


Cinthia Cavalcante
Fernanda Barros Moreira

A terapia comportamental de casal surgiu junto com o movimento

político de emancipação feminina. As novas relações de trabalho, associadas à

maior liberdade da mulher, levaram a uma mudança profunda na relação

conjugal. Para manter a convivência, os parceiros passaram a necessitar de

habilidades de comunicação e de solução de problemas. Foi a partir dos anos

de 1950 e 1960, principalmente na Inglaterra e Estados Unidos, que surgiu a

terapia comportamental de casais.

A primeira geração de terapeutas comportamentais de casal tinha uma

formação em Análise Aplicada do Comportamento. Nesta linha, procuravam-se

as causas do comportamento em variáveis ambientais (contingências), e a

técnica era baseada na aquisição de habilidades de comunicação objetiva e

pela busca de padrões eficientes de trocas por meio de negociação direta e

estabelecimento de acordos concretos (Vandenberghe, 2006). A terapia,

nestes casos, restringia-se a comportamentos definidos e observáveis.


A partir dos anos 1970 e 1980, uma nova onda de terapias

comportamentais aparece. É a Terapia Cognitivo-Comportamental, que procura

identificar e modificar determinantes psicológicos internos. Assim como na

primeira geração de terapeutas comportamentais, aqui também se busca

estratégias de solução de problemas e modificações nos padrões de trocas

comportamentais, mas também se trabalha na reestruturação cognitiva de

atribuições irracionais ou expectativas distorcidas.

Os parceiros aprendem a monitorar o conteúdo de


pensamentos automáticos, tanto na sessão (por
exemplo, quando o terapeuta interrompe a expressão de
emoções por uns minutos para reestruturar uma
atribuição irracional) quanto em casa, com o uso do
registro diário de pensamentos disfuncionais.
Vandenberghe, 2006, p. 151.

Com a utilização da Terapia Cognitivo-Comportamental, observou-se

que muita ênfase era dada ao controle verbal, por meio de disposição de

regras, o que coloca o terapeuta como alguém que deve ensinar a forma

correta de pensar.

No entanto, esta técnica mostrava-se insuficiente, pois não considerava

os aspectos subjetivos. Foi então que surgiu a terceira geração de terapias

comportamentais de casais: a Análise Clínica do Comportamento. Pela Análise

Clínica do Comportamento, sentimentos, pensamentos e sensações são

importantes, pois são sinais das contingências que os geram. Nesta linha,

contingências artificialmente planejadas são abandonadas a favor da

exploração do comportamento espontâneo. Busca-se uma aceitação

(Mindfulness) de aspectos negativos de si e do outro, num jogo dialético de

aceitação e mudança.
Mindfulness é o termo usado para descrever este ato de
aceitar plenamente de forma consciente e intencional
eventos, sentimentos ou pensamentos, com o mínimo de
elaboração intelectual ou julgamento. Vandenberghe,
2006, p. 155.

Neste novo modelo, um relacionamento saudável não é mais decorrente

de um ambiente ausente de conflitos, mas sim, decorrente de um ambiente

onde os conflitos são construtivos e capazes de produzir maior intimidade e

proximidade.

Neste contexto, para auxiliar esses casais, a TCC precisou ser

reformulada para integrar novas estratégias de aceitação emocional com as

estratégias tradicionais promotoras de mudança. Dessa reformulação

conceitual e técnica, nasce a terapia de casal comportamental integrativa

(TCCI). O termo integrativo refere-se a mistura do foco tradicional (promoção

de mudanças) com foco mais recente (promoção de aceitação). (CORDOVA &

JACOBSON, 1999)

De acordo com Cordova & Jacobson (1999), a TCCI tem como base

teórica o behaviorismo moderno, que apresenta, entre outros, os seguintes

princípios: o comportamento é formado e mantido por eventos ambientais

singulares, ou seja, o modo que cada membro do casal se comporta depende

de todas as suas experiências singulares. O passado é importante para

compreender os comportamentos, porém a intervenção do terapeuta é pautada

no momento presente. É fundamental que o terapeuta realize análises

funcionais para compreender a manutenção dos comportamentos,

principalmente aqueles que contribuam para a crise do casal.

A TCCI utiliza, sempre que possível, de reforçadores naturais e procura

promover o contato direto com as contingências naturais para que os ganhos


da terapia sejam generalizados e mantidos depois do término da mesma. A

TCCI desenvolveu conjuntos de intervenção que são destinadas para ter efeito

sobre os eventos privados. A técnica de “aceitação” é um exemplo de

intervenção que visa promover efeito sobre as experiências privadas de cada

pessoa.

OTERO & INGBERMAN (2009) afirmam que no Brasil, até pouco mais

de 30 anos, os casais que procuravam ajuda terapêutica eram

predominantemente pessoas “legalmente” casadas e de no máximo meia

idade. Hoje em dia, há uma crescente variedade de parceiros que procuram

auxílio, sendo eles namorados, casais jovens ou idosos, heterossexuais ou

homossexuais. Então, na terapia de casais não se diferencia se os parceiros

são do mesmo sexo ou não, visto que as questões que os preocupam são do

mesmo âmbito, como comunicação, afeto, tolerância, aceitação, etc. Assim,

deve o terapeuta ter cautela no momento de coletar os dedos iniciais,

principalmente se abstendo de partir de algum pressuposto, permitindo assim

que o cliente aborde todos os temas que lhe preocupam.

A TCCI possui vários estágios, dentre eles: avaliação; sessão de

feedback; estrutura da terapia; estrutura da sessão terapêutica; estratégias

para promover a aceitação emocional; estratégias para promover a mudança; e

treinamento em comunicação e solução de problemas. (CORDOVA &

JACOBSON, 1999)

A avaliação é o primeiro estágio e abrange as primeiras duas ou três

sessões. O objetivo desse estágio é obter uma visão geral das queixas do

casal e avaliar se a TCCI é um tratamento adequado para eles. As entrevistas

são realizadas com os casais juntos e também individualmente. Nessas


entrevistas, o terapeuta irá avaliar como é a crise desse casal, qual é o nível

dessa crise, se há episódios de violência. O clínico também poderá analisar

como cada casal relata a sua versão da história. Nessas entrevistas, o

terapeuta deverá identificar qual é o compromisso desse casal com o seu

relacionamento, pois a partir desses dados, é decidido se o tratamento iniciará

com ênfase na aceitação ou com a mudança de comportamento. Se o casal

não estiver muito comprometido com o seu relacionamento, as estratégias de

aceitação serão mais eficazes, pois a promoção de aceitação exerce um efeito

profundo sobre os estímulos que funcionam como reforçadores. (CORDOVA &

JACOBSON, 1999)

De acordo com OTERO & INGBERMAN (2004), o processo terapêutico

acontece em sessões conjuntas e individuais, como já mencionado sobre as

entrevistas. É importante, para a terapia de casal, realizar sessões individuais,

pois o terapeuta pode se atentar a algumas questões que um dos membros do

casal pode trazer, visto que nas sessões individuais o cliente tende a ser mais

honesto, principalmente em relação a assuntos sensíveis, como sexo e

violência. Dessa forma, o cliente se assegura de que sua versão da história foi

ouvida, e acaba por se sentir compreendido quando ocorrer de o terapeuta agir

de modo neutro em sessões seguintes. Porém, o terapeuta deve tomar o

cuidado para que essas sessões sejam intercaladas por sessões conjuntas.

Nas entrevistas conjuntas, o terapeuta irá avaliar quais são os

problemas que afastam o casal, e como os cônjuges lidam com esses

problemas no relacionamento, pois isso possibilita que o terapeuta conheça o

nível da crise desse casal. É importante que ele (terapeuta) compreenda quais

os problemas que desunem o casal têm maior ou menor probabilidade de


mudar e a partir desses dados decidir quais estratégias serão utilizadas. Sendo

assim, problemas que têm baixa probabilidade de mudar ou que envolvam

eventos privados deverão ser tratados, principalmente, com as estratégias de

aceitação. (CORDOVA & JACOBSON, 1999)

O terapeuta também deverá verificar quais as forças que mantêm o

casal juntos, pois conhecer essas forças indicará para o terapeuta como o

casal irá se comportar na terapia, pois se o casal não puder gerar lembranças

positivas do seu relacionamento, o sucesso da terapia será mais duvidoso que

a dos casais que apresentam lembranças positivas. Alguns dados da avaliação

inicial podem ser obtidos por meio de questionários e inventários psicológicos.

Após a obtenção de todas essas informações da avaliação o terapeuta irá

converter as mesmas no esboço de um plano terapêutico, a fim de definir o que

o tratamento pode fazer para ajudar o casal que procurou pela terapia.

Na sessão de feedback serão colocadas as informações obtidas no

decorrer da avaliação e também a proposição de um plano terapêutico. Nessa

sessão serão discutidos os problemas e os temas do casal, e o terapeuta dará

o feedback no que o tratamento poderá ajudar. Também serão discutidos os

objetivos da terapia, bem como os procedimentos necessários para alcançar

tais objetivos. (CORDOVA & JACOBSON, 1999)

A terapia deve ser estruturada após o clínico decidir se começará o

tratamento com ênfase na mudança ou na aceitação. Essa decisão depende do

resultado da avaliação de cada casal. Mesmo se a terapia começar com ênfase

nas estratégias de mudança, as estratégias de aceitação também serão

integradas no processo. Há casais que expressam desejos por determinadas


estratégias, nesses casos é melhor aderir aos desejos do casal. (CORDOVA &

JACOBSON, 1999)

A estrutura da sessão terapêutica é a seguinte: a sessão inicia com o

estabelecimento de uma agenda que resume os objetivos para a sessão, em

seguida o terapeuta solicita para que o casal escolha os problemas que serão

focalizados em cada semana. A sessão termina com um resumo do que foi

discutido e, se for o caso, o terapeuta atribua ao casal tarefas de casa.

(CORDOVA & JACOBSON, 1999)

As estratégias para promover aceitação emocional são: união empática

sobre o problema, com o objetivo de enfatizar o sofrimento sem a acusação, o

terapeuta encoraja cada parceiro a expressar suas emoções boas e entender

as emoções amenas do outro; transformação do problema em um “atrativo”, o

terapeuta poderá ajudar o casal a reformular seus problemas como algo que

seja melhor; exploração dos temas e padrões que caracterizam as interações

negativas do casal. (CORDOVA & JACOBSON, 1999)

A promoção da aceitação emocional é proposta por meio do

desenvolvimento da tolerância. O terapeuta auxilia o casal a desistir da

tentativa de cada membro querer mudar o outro, deixar de focar apenas o

aspecto negativo do outro e sim fazer com que os comportamentos

insuportáveis do outro se tornem mais toleráveis. Por meio de maior

autocuidado, cada parceiro é encorajado a responsabilizar-se pelas suas

próprias necessidades, estimulando cada um a exercer um papel ativo na

satisfação destas, com o objetivo de reduzir a frequência de um membro culpar

o outro por seus descontentamentos.


As estratégias para a promoção de mudanças são: mudança de

comportamentos e treinamento em comunicação e solução de problemas. Para

possibilitar a mudança de comportamento cada membro do casal deve

identificar o que pode ser feito para aumentar a satisfação do outro no

relacionamento e em seguida tentar aumentar a frequência desses

comportamentos que são positivos para o relacionamento na vida cotidiana do

casal. (CORDOVA & JACOBSON, 1999)

O treinamento em comunicação tem como objetivo instruir o casal a ter

habilidades para falar sobre os conflitos de maneira mais eficiente, e com

conseqüência a comunicação poderá ser mais franca, aumentando o nível de

intimidade do casal. O treinamento em soluções de problemas visa instruir os

casais a usarem estratégias concretas para lidar com os diversos tipos de

problemas que ocorrem no relacionamento. Essas estratégias envolvem uma

série de passos para solucionar os problemas de forma eficaz, sendo estas:

definição do problema, o casal deve relatar os problemas de forma clara e não

vagamente; solução do problema, o casal deve apresentar alternativas para

resolver os problemas que foram levantados; obter um acordo sobre a

mudança que foi proposta pelo próprio casal. (CORDOVA & JACOBSON,

1999)

A mudança da TCC para TCCI foi um avanço na terapia de casal

comportamental, visto que foram incluídas várias estratégias que promoveram

melhores resultados na terapia com casais em crise. Principalmente em crises

severas, essas técnicas auxiliaram (por exemplo, através de estratégias com

objetivos de promover aceitação emocional) não somente na mudança do

comportamento público, mas também dos contextos emocionais. No entanto,


novos estudos deverão ser realizados para desenvolver mais técnicas e

melhorar ainda mais o tratamento de casais em crise.

Tendo em vista o modelo de intervenção apresentado, deve-se também

ser levado em consideração que cada casal tem sua própria história de

relacionamento. Então, a terapia desses parceiros requer objetivos e

estratégias próprios, portanto o terapeuta deve saber adequar as técnicas que

irá aplicar, assim como o modo de intervir. (OTERO & INGBERMAN, 2004)

Referências Bibliográficas:

CORDOVA, J. V., & JACOBSON, N. S. Crise de casais. Em D. H. Barlow


(Org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos, 2ªed. p.535-567. Porto
Alegre: Artmed. 1999.

VANDENBERGHE, L. Terapia comportamental de casal: uma retrospectiva da


literatura internacional. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn. v.8, n.2, p. 145-160.
2006.

OTERO, V. R. L. & INGBERMAN, Y. K. (2004) Terapia Comportamental de


Casais: da teoria à prática. In: Sobre Comportamento e Cognição:
contingências e metacontingências – contextos sócio-verbais e o
comportamento do terapeuta. v.13 (pp. 363-373). Santo André: Estec.

OTERO, V. R. L. & INGBERMAN, Y. K. (2009) Terapia Comportamental de


Casais: especificidades da prática clínica e questões atuais. In: Sobre
comportamento e Cognição (pp. 397-412). Santo André: Estec.

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