Incerteza e Teoria Econômica
Sérgio Luiz de Medeiros Rivero
rivero@eps.ufsc.br
1. Introdução
O objetivo geral deste artigo é uma abordagem
preliminar da questão da incerteza na teoria
econômica associada a uma discussão sobre a
utilização os conjuntos difusos como um elemento
que a incorpora explicitamente nos modelos que
formalizam as decisões de produção em empresas
num contexto competitivo.
A perspectiva teórica utilizada para a incorporação
das variáveis difusas é a abordagem pós-keynesiana.
O artigo está estruturado da seguinte forma:
Na 1a parte: Discutimos as diversas abordagens
teóricas para a incerteza na teoria econômica tendo
como focos o pressuposto da racionalidade e o papel
do tempo numa economia monetária.
Na 2a Parte discutimos como estes conceitos de
racionalidade e incerteza foram operacionalizados
nos diversos modelos econômicos apresentando uma
proposta para a incorporação explícita da Incerteza na
função de produção, via conjuntos difusos.
Na 3a e última parte apresentamos as conclusões e
estabelecemos quais as perspectivas de
desenvolvimento deste modelo a como é possível
torná-lo operativo.
2. Maximização e Certeza Absoluta,
modelo neoclássico
A suposição que os agentes têm um conhecimento
perfeito e universal do mundo foi um elemento
fundamental na maioria dos modelos de foco
neoclássico. É claro, que os teóricos que formularam
estes modelos não tomavam a questão da certeza
absoluta como um dado da realidade, mas como uma
premissa necessária para trabalhar os aspectos que
julgavam fundamentais no funcionamento do
sistema. A certeza plena dos agentes econômicos, em
particular estava nos modelos para justificar o
pressuposto da racionalidade.
A racionalidade dos agentes é, para estes teóricos
essencialmente maximizadora ou otimizadora de
alguma função, seja ela utilidade - um conceito
abstrato - ou lucro - uma quantidade mensurável.
Mesmo que a decisão dos agentes esteja associada à
ocorrência de eventos no futuro, é possível conhecer
a probabilidade de sua ocorrência e, portanto associá-
los com algum grau de expectativa (esperança
matemática). O futuro, no curto prazo, é conhecível
(DAVIDSON, 1995).
3. Imprecisão e Incompletude no
conhecimento da realidade
Nem sempre podemos ser precisos quando
observamos o mundo. O grau de satisfação de um
cliente com um serviço de uma empresa pode ser
medido, pode ter uma nota, mas este número será
expressão de algo subjetivo. Os agregados
macroeconômicos (Produção, Renda, Consumo,
Investimento) são números ainda mais problemáticos.
A apuração destes agregados se dá a partir de
processo de amostragem, uma amostra sempre vai
embutir algum grau de imprecisão nos valores
apurados. A certeza absoluta só existe com o
conhecimento dos valores de toda a população.
Esta imprecisão no conhecimento das variáveis
populacionais é maior se:
a) A população que estou estudando tem uma
variância muito grande. Isto imporá um tamanho
maior para quantidade de dados que está sendo usada
para a estimativa.
b) O método para apuração dos valores é inadequado.
Quando a população amostrada está dividida em
classes bem delimitadas, uma amostragem
estratificada será mais adequada que uma amostra
simples ao acaso.
o c) A variável que se está querendo medir ou modelar
sofre influência de um conjunto muito grande de
fatores onde é preciso verificar qual a contribuição
de cada fator para a explicação do valor da variável.
Se a proporção da influência de cada fator não é
conhecida não tenho como saber com precisão o
valor que a variável pode assumir.
Poderíamos dizer então que a imprecisão nas
estimativas de uma variável estaria associada à
incompletude no conhecimento do universo que a
determina. Os agentes, portanto não têm condições
de conhecer a probabilidade de ocorrência de um
evento futuro, devido às limitações ao acesso na sua
capacidade de processar os dados relevantes, seja
porque a informação não está disponível ( pelo fato
de os agentes não revelam seus planos aos outros
agentes, por exemplo) ou porque estabelecer todo o
conjunto de alternativas para a execução de uma
busca de todas as possibilidades excede a capacidade
do agente.
4. Tempo e Incerteza
Se os agentes tivessem certeza absoluta sobre o
futuro, não haveria sentido de abdicar da aquisição de
bens ou serviços, para se guardar moeda. A hipótese
que os agentes conhecem o futuro com certeza
absoluta é , não só irrealística, mas também não
consegue estabelecer os determinantes das decisões
dos agentes e dar à teoria um maior poder de
explicação para estas decisões.
Decisões de investimento, onde temos escolhas que
alterarão significativamente o futuro (a instalação de
uma nova máquina, a criação de um novo produto,
por exemplo) não são repetíveis. Um exemplo
possível, quase paradigmático, é o caso do ambiente
operacional Windows.
Quando a Microsoft propôs à IBM um acordo para a
comercialização do Windows, a IBM recusou. O
Windows, e a transformação produzida no mercado
de computadores por ele, são únicos. Um evento
crucial alterou profundamente o contexto. Uma
companhia quase monopolista no mercado de
computadores perdeu rapidamente sua posição, uma
companhia de software se tornou quase monopolista.
Estes eventos não são repetíveis.
Para decisões cruciais, então (i.e. decisões que
alteram significativamente o ambiente onde o agente
está) não é possível produzir estimativas do risco
envolvido. Isto significa que há, neste tipo de
decisão, uma forte incerteza envolvida. Incerteza esta
que, não pode ser reduzida a um cálculo
probabilístico, e, portanto, não pode ser reduzida a
risco.
Outro aspecto na relação entre tempo, decisões
cruciais e incerteza é que, o fato do ambiente ser
alterado pelas decisões dos agentes implica que a
experiência passada e as relações entre os fatos
ocorridos não são os únicos elementos a serem
considerados no processo de decisão dos agentes. As
expectativas dos agentes sobre o futuro são
elaboradas com base em sua percepção sobre o
estado do mercado e sobre a possibilidade de criar
novas alternativas para alcançar seus objetivos.
Existe então, uma dimensão criativa no processo de
tomada de decisão dos agentes que consiste em, mais
que a projeção do passado, criar novas alternativas,
novas trajetórias no futuro (POSSAS, 1995)
Por último, um fato fundamental sobre a economia
capitalista é a presença da moeda. A moeda permite
aos agentes econômicos adiarem suas escolhas de
gasto, é segurança num ambiente onde o futuro é
incerto. E, ao mesmo tempo, a existência da moeda
como algo que é mais que um meio de troca, impõe,
devido à possibilidade do adiamento das decisões dos
agentes, uma incerteza que é parte da essência
teórica do modelo, já que uma decisão de gasto
adiada, não pode ser conhecida por ninguém, mas
pode afetar o futuro. O dinheiro (e a possibilidade de
guardá-lo) permitem a violação da lei de Say
(Shackle, 1991, cap. 9).
Combinando os elementos apresentados aqui, temos:
a) O conhecimento dos agentes sobre a realidade é
limitado o que não lhes permite estabelecer qual é a
decisão mais adequada (a decisão que maximizaria a
sua função objetivo) num determinado momento.
Esta limitação pode decorrer tanto da impossibilidade
prática do agente ter conhecimento sobre as decisões
de todos os agentes, quanto da ausência de
capacidade de processamento do agente para uma
busca exaustiva em todas as possibilidades existentes
no processo de tomada de decisão.
b) Um agente pode tomar decisões que afetem
significativamente o futuro, o que modificará as
relações entre as variáveis observadas, isto implica
no fato que as expectativas do agente sobre o futuro
não podem ser baseadas apenas na observação dos
eventos passados.
c) A moeda estabelece a possibilidade dos agentes
adiarem a decisão de gasto. E impõe o fato de que, se
mudar o estado das expectativas dos agentes, os
níveis de produção e investimento mudarão também,
independente da trajetória anterior.
A incerteza, porém não impede os agentes de
investirem e produzirem. Dito de outro modo, a
incapacidade de prever (probabilísticamente) o futuro
não impede os agentes de inventá-lo!
5. Decisões de Rotina e Incerteza
Um outro aspecto do processo de tomada de decisão
dos agentes é a existência de decisões de rotina. Se a
expectativa dos agentes em relação ao mundo é que
as condições estabelecidas permaneçam estáveis,
então o conhecimento anterior pode permitir aos
agentes a certeza estatística necessária para a tomada
de decisão com algum grau de certeza sobre o futuro.
Decisões de rotina permitem que os agentes tenham
acesso a um grande número de observações sobre o
comportamento das variáveis e, portanto, podem
ajustá-las a uma distribuição de probabilidade
qualquer. O futuro, neste caso, torna-se previsível,
embora permaneça algum grau de imprecisão que é
determinado pelas limitações do conhecimento dos
agentes de todos os fatores relevantes para o seu
negócio.
6. Racionalidade e Incerteza
A incerteza associada a decisões de rotina é o que
podemos chamar de incerteza substantiva. Esta
incerteza está associada à impossibilidade do agente
conhecer todas as variáveis que afetam o seu negócio.
O conhecimento que o agente tem do mundo seria
impreciso, a racionalidade otimizadora seria
impossível. O agente porém pode conhecer as
distribuições de probabilidade das variáveis
relevantes para o seu negócio, portanto, um outro tipo
de racionalidade é possível, a racionalidade
substantiva que permite ao agente, na média, se o
universo considerado não mudar, tomar as decisões
mais próximas do comportamento otimizador.
Um outro tipo de racionalidade está associado à
incapacidade do agente cobrir toda a árvore de
possibilidades no processo de tomada de decisão. Isto
significa que, mesmo conhecendo todos os dados
relevantes, o número de possibilidades que o agente
tem que cobrir para estabelecer uma solução ótima
para o seu problema excede a capacidade
computacional do agente, o que impediria a tomada
da melhor decisão. Este tipo de incerteza é chamado
de incerteza processual (procedural uncertainty).
É claro, que quanto maior a capacidade
computacional que o agente dispõe, melhor a decisão
que ele pode tomar. Outro aspecto é que os eventuais
erros cometidos no passado, podem permitir ao
agente descartar opções que resultaram em perdas ou
em desempenhos muito baixos no resultado apurado
pelo agente. O agente então, criaria critério ad hoc
que permitiriam "abandonar ramos inteiros da árvore
de possibilidades" (POSSAS, 1995, p. 182)
melhorando, através do conhecimento dos erros e
acertos do passado o seu desempenho. A
racionalidade associada a este tipo de atitude , então é
chamada de racionalidade processual.
O resultado que o agente busca alcançar, então não é
o máximo da sua função objetivo (ele não tem como
encontrá-lo) mas uma posição satisfatória em relação
ao resultado. Neste caso, é a heurística que vai
governar a decisão dos agentes fazendo que estes
procurem, aprendendo com os erros do passado
melhorar seus algoritmos e estabelecer as melhores
alternativas no futuro.
Um terceiro tipo de incerteza está associado ao fato
que colocamos anteriormente das decisões dos
agentes alterarem significativamente o futuro. Neste
caso, não seria possível construir distribuições de
probabilidade com os dados do passado, pois, a
decisão do agente modifica estas distribuições. Este
tipo de incerteza é chamado por
POSSAS,1995,p.183, cf. VERCELLI,1991) de
incerteza-K . O passado, na tomada de decisões sob
incerteza-K, tem um peso relativo menor. Os agentes
estabelecem as suas decisões levando em conta, mais
a sua expectativa sobre o futuro e o grau de confiança
que têm nas suas expectativas, que o que ocorreu
anteriormente. Em particular, o investimento, é uma
decisão onde o comportamento futuro das variáveis
tem importância.
"O Volume de investimento (I) depende da
relação entre a taxa de juros (i) e a curva da
eficiência marginal do capital (emc)
correspondente aos diferentes volumes de
investimento corrente, ao passo que a emc
depende do preço de oferta de um ativo de
capital e a sua renda esperada. (...)As
expectativas das rendas esperadas são
baseadas, em parte em fatos existentes,
conhecidos com mais ou menos certeza, e, em
parte, em eventos futuros, previstos com um
menor ou maior grau de confiança"
(KEYNES, 1985, p.108).
Se o comportamento dos agentes modifica o
ambiente impondo trajetórias que não é possível
prever, as expectativas sobre o futuro incerto, são
também incertas. KEYNES coloca esta questão da
seguinte forma:
."O estado da expectativa a longo prazo(...),
não depende, (...) exclusivamente, do
prognóstico mais provável que possamos
formular. Depende também da confiança com a
qual fazemos este prognóstico, à medida que
ponderamos a probabilidade de o nosso
melhor prognóstico se revelar inteiramente
falso. Se esperamos grandes mudanças, mas
não tivermos certeza quanto a forma precisa
com que tais mudanças possam ocorrer, nosso
grau de confiança será, então, fraco." (1985, p.
110 - itálicos de Keynes, grifos nossos)
As expectativas sobre o futuro, são mais importantes,
devido ao fato de que as decisões dos agentes são, em
muitos casos irreversíveis (decisões de investimento
em capital fixo, por exemplo). Essa irreversibilidade,
associada ao fato que o ambiente pode ser
modificado por uma decisão deste tipo é o que dá à
incerteza-K a sua importância e torna este tipo de
decisão crucial.
Expectativas vagas não são consideradas apenas nas
decisões de investimento. Mas também em decisões
de produção e consumo. Estas decisões são tomadas
com base em uma previsão do comportamento futuro
dos agentes que contém alguma imprecisão seja ela
determinada pela incapacidade do agente de
descobrir todas as variáveis que influenciam seu
comportamento, seja pela incapacidade do agente
processar todas as alternativas possíveis.
7. Conceitos de Incerteza e Imprecisão
dentro da Economia
Podemos resumir as noções de incerteza/imprecisão
apresentadas aqui na Tabela 1.
Ausência de Incerteza
O primeiro modelo é o chamado modelo neoclássico,
que presume que o agente tem pleno conhecimento
das variáveis e maximiza uma função objetivo. As
restrições são dadas pelo nível da técnica, orçamento,
disponilidade de insumos, etc... O tempo não existe
neste modelo, nem é presumido qualquer processo de
aprendizado (o agente sabe tudo). Uma decisão
individual de compra ou produção não influencia o
preço do produto. Não existem decisões cruciais.
Incerteza Substantiva
Esta incerteza está associada à incapacidade de
conhecimento de todas as variáveis do ambiente. O
agente conhece as distribuições de probabilidade das
variáveis. A média dos eventos no tempo vai
convergir, para um número significativo de
observações. O tipo de incerteza associado a este
modelo é a imprecisão.
Incerteza Processual
A incerteza processual, como já colocamos, deriva
do fato que os agentes não tem condições de fazer
uma busca exaustiva para achar a solução ótima.
Tipo de Incerteza/ Condições Modelo Observações
Imprecisão
Ausência de Conhecimento pleno das maximização da função objetivo
Incerteza variáveis sob condições de restrição
(Neoclássico)
Incerteza Conhecimento das maximização da função objetivo A maximização é permitida
Substantiva distribuições de sob condições de restrição com devido ao conhecimento da
probabilidade das conhecimento das distribuições de distribuição de probabilidade
(Imprecisão) variáveis probabilidade das variáveis das variáveis, todo o conjunto
(Sargent, Lucas) de probabilidades pode ser
coberto
Incerteza Excessiva complexidade, Heurística para achar a solução A incerteza processual
Processual acima da capacidade de mais próxima do máximo que for corresponde à dimensão
processamento dos possível. (Simon, Dosi & Egidi) adaptativa do comportamento
(Incapacidade de agentes dos agentes.
Processamento)

Incerteza-K Um evento pode alterar Pós-Keynesiano Os agentes estabelecem as

significativamente o suas expectativas com um
(Vercelli, Chick, Davidson)
ambiente, as estratégias determinado grau de
e expectativas dos confiança as expectativas
outros agentes. não são nem aditivas nem
complementares

Tabela 1 - Tipos, Condições e Modelos para a Incerteza

Problemas que envolvem estratégias com um grande
número de elementos e um projeção do
comportamento futuro do sistema (como um jogo de
xadrez, ou o lançamento de um novo produto),
geralmente vão ter um conjunto de alternativas
enorme que os agentes descartam via algum processo
heurístico e tratam a busca apenas num número
pequeno soluções possíveis.
Os agentes buscam durante o processo adaptar seus
algoritmos selecionando aqueles que tiveram melhor
desempenho. A incerteza processual, portanto,
corresponde à dimensão adaptativa do
comportamento dos agentes.
Incerteza-K
Na incerteza-K Os agentes estabelecem as suas
expectativas com um determinado grau de confiança
as expectativas não são aditivas, i.e. como o agente
não pode ter certeza se suas expectativas estão
corretas ele toma suas decisões considerando dois
elementos fundamentais:
a) O grau de possibilidade do melhor prognóstico do
agente ser falso;
b) O nível de impacto de situações adversas sobre o
seu negócio;
Quando o agente considera o grau de possibilidade
do seu prognóstico se revelar falso, ele estabelece
alguma medida do nível de confiança na ocorrência
de cada situação esperada. O agente vai
necessariamente trabalhar com um conjunto de
situações possíveis. Estas situações, mesmo se
tivermos pensando na racionalidade substantiva, não
podem ser conhecidas completamente. Mesmo que o
agente conheça todas as distribuições de
probabilidade das variáveis, ele não tem como
conhecer os planos dos agentes que têm alguma
relação com ele no mercado (fornecedores,
consumidores, banco central, etc). A existência da
moeda e a preferência pela liquidez permitem aos
agentes, caso as expectativas sejam modificadas o
adiamento das decisões de gasto. Inovações
tecnológicas também imporão modificações
importantes nas expectativas de longo prazo. Isto nos
permite concluir que a decisão de gasto, vai estar
mais associada com o estado das expectativas do que
com a história do sistema.
O agente também vai considerar o nível de impacto
de situações adversas, i.e. vai avaliar os piores
prognósticos, o grau de confiança que ele tem nestes
prognósticos e decidir o nível de gastos de vai
efetuar (ou mesmo se vai efetuar algum gasto).
A as possibilidades que o agente vai considerar no
processo de tomada de decisão não vão ser
exaustivas, vão ser apenas as em que o agente tem
maior grau de confiança na sua ocorrência,
escolhidas entre as que lhe dão maior nível de ganho
e têm menor chance de produzir prejuízo. Nas
palavras de SHACKLE:
"O problema prático da incerteza, o de como
fazer disposições racionais frente a um futuro
desconhecido, é insolúvel e, portanto, os
homens preferem (bastante razoavelmente)
ignorá-lo em grande parte. Contudo, esta
atitude modela a sua conduta e a história que
surge desta conduta de forma dramática e
fundamental. Ela nos faz desistir do
investimento quando a possibilidade de perdas
é por demais aparente e a magnitude ou
conseqüência daquelas perdas é
demasiadamente séria e quando o peso da
 ameaça ultrapassa a esperança de ganho.
Porém, numa sociedade como a nossa
organizada sobre a firma autônoma, o
empreendimento é a fonte do emprego. Assim,
o desemprego maciço dos recursos pode
ocorrer num mundo onde os recursos ainda são,
no sentido básico, escassos". (1991, p. 143)
8. Incorporação da Incerteza nas Decisões
de Produção
Mesmo num mercado em concorrência virtualmente
perfeita, um polipólio composto por pequenas
empresas, o processo de estabelecimento dos preços e
dos volumes de produção é, para Keynes, feito com
base nas expectativas. Uma empresa vai estimar a
demanda pelos bens que ela produzir, produzir estes
bens e colocá-los num mercado a um determinado
preço. Apenas após a realização (ou não) destas
expectativas é que ela saberá o preço e a quantidade
de equilíbrio.(CHICK, 1995, p. 28)
Poderíamos supor um modelo para a derivação da
curva de oferta de uma empresa. que tivesse os
seguintes pressupostos:
a) A empresa tem como critério a maximização dos
lucros. Seguindo o modelo proposto por
McCain(1987) o empresário trabalhará sempre com a
função objetivo V(⋅⋅, ⋅) que será dependente das
variáveis, x (um vetor de variáveis comportamentais
observáveis), d (um vetor de variáveis ambientais
observáveis) e S (um conjunto de restrições). Temos
então que há uma função V(x, d ) tal que:
V(x*, d) = max V ( x, d) (1)
x ∈S
onde x* vai ser uma função das variáveis ambientais
observáveis e das restrições da função de produção
empresa na forma x* = f (d, S ).
b) Assumimos que a empresa conhece o seu vetor de
preços dos insumos (os insumos, como é óbvio, são
adquiridos antes do processo de produção ser
iniciado) inclusive a mão-de-obra. As condições
técnicas do processo de produção são dadas (isto é,
no curto prazo, o nível de tecnologia é constante),
portanto, não temos alterações no vetor x da função
de produção.
c) Os elementos do vetor d não são completamente
observáveis, quando estamos falando da decisão do
volume de produção em um contexto realístico. A
decisão sobre o quanto produzir e a que preço
produzir vai ser estabelecida em função da
quantidade de bens que os produtores esperam
vender, a um determinado preço que eles acreditam,
reponha seu custos e remunere o investimento.
O desconhecimento de alguns valores de d, porém,
não inibirá o empresário de tomar a decisão de
produzir. Em face de estabilidade nas condições
macroeconômicas, o empresário estimará os valores
do vetor d a partir da informação histórica existente,
associando cada elemento que ele não pode conhecer
a priori com a sua respectiva distribuição de
probabilidade. O conhecimento do empresário se
resumiria em tentar achar a posição mais provável
(i.e. mais próxima possível dos valores ótimos) para a
oferta do seu produto (preço e quantidade ofertada).
A decisão de produzir estaria, então reduzida a uma
decisão de rotina, portanto, previsível dentro dos
limites da probabilidade. Os erros, em decisões de
rotina, tendem a se anular em sucessivos períodos, o
que pertimitiria ao empresário alcançar uma posição
de equilíbrio móvel em relação ao mercado baseado
na história passada. O temos aí é a noção de
racionalidade substantiva associada a este tipo de
comportamento.
Examinando porém, as suposições necessárias para
podermos afirmar que o comportamento do
empresário é maximizador (sujeito apenas a um erro
estatístico no curto prazo), vamos ver que elas, na
verdade não correspondem à real dinâmica do
estabelecimento da oferta, mesmo em condições onde
a ação dos concorrentes não é significativa (um
polipólio). Para que possamos associar distribuições
de probabilidade no nosso modelo, precisaremos
estabelecer as seguintes condições:
.A Estrutura do Mercado não varia (a
participação das empresas no mercado não muda);
.Comportamento dos consumidores não
muda (mantidos os mesmos preços os consumidores
tenderão a comprar os mesmos produtos);
.Consumidores atomizados, nenhum
consumidor tem condições de influenciar o preço do
mercado;
. Não há intervenção dos outros agentes
(governo, empresas) nos determinantes do consumo,
nível de salários, taxa de juros, etc...
O fato é que estas suposições são significativamente
irrealísticas quando pensamos em modelar o
comportamento dos produtores e os determinantes da
oferta de bens. Mesmo no curto prazo, o
planejamento dos produtores vai levar em conta não
só a história do sistema mas a uma eventual alteração
do comportamento dos outros agentes que tenha
influência sobre as condições de demanda para o seu
produto. Isto quer dizer que, além de uma projeção
do comportamento passado das variáveis, um
produtor vai estabelecer hipóteses sobre o
comportamento futuro do sistema que tenham
importância significativa na determinação dos seus
ganhos e/ou perdas de forma a tomar a atitude mais
coerente com seu padrão de comportamento e suas
possibilides de ganho. Para CHICK (1993), um
produtor, mesmo num polipólio
"pode formular questões sobre oferta
ótima para condições de demanda que não
teve experiência pessoal, mas que pode
 imaginar. Para isso ele não precisa de
nenhum preço dado pelo mercado; na
verdade, isto o restringiria à experiência
passada, incapaz de reagir a situações novas.
As possibilidades da demanda, uma série de
curvas hipotéticas de demanda são aquilo
que é necessário."(p.94, grifos nossos)
O produtor então, estabelecerá hipóteses sobre as
diversas condições de demanda possíveis, levando
em conta as suas expectativas sobre o comportamento
futuro dos agentes. O futuro possível, mas que a
história é o que importa. As hipóteses dos produtores
sobre o comportamento futuro do mercado, serão
construídas com um certo grau de confiança, que
variará de acordo com a existência de eventos
semelhantes ocorridos no passado, com a expectativa
média dos agentes no mercado, e com o impacto que
estes eventos podem tem no negócio do agente.
Estas expectativas são então ponderadas para que o
agente tome a sua decisão. O impacto da ocorrência
destes eventos possíveis no negócio do agente,
dificilmente pode ser formulado de maneira precisa.
Na verdade as possibilidades são, em sua maioria,
formuladas de forma vaga. Neste sentido, a
incorporação desta imprecisão em um modelo para a
decisão sobre investimento e produção numa
indústria é um avanço que permite uma aproximação
da teoria ao processo real. Os conjuntos difusose a
teoria das possibilidades , portanto, são uma maneira
adequada de modelar este tipo de raciocícnio.
Passaremos então a expor o modelo proposto.
O produtor estimará diversos níveis de demanda
possíveis os valores passados da demanda (a
produção que vendeu no período anterior a
determinado preço- D t-1
) estes valores são crisp
(i.e. são conhecidos com precisão).
O segundo elemento a ser considerado é a
expectativa média dos agentes em relação à demanda
futura ( De ), para o produtor esta expectativa vai
ser sempre algo vaga, pelo fato de que os produtores
podem adiar suas decisões de gasto (e, portanto, elas
não podem ser conhecidas até a sua efetivação) e
também pela impossibilidade do agente conhecer
todas as decisões de produção de todos os produtores
do mercado. De vai ser então um número difuso.
A existência de eventos semelhantes ocorridos no
passado levará em conta, os comportamentos mais
adequados para a situação vigente. O conjunto de
variáveis que o agente tem acesso vai determinar as
características da situação com a qual o agente está
lidado. A existência de alguma situação semelhante
no passado permitirá ao agente analisar quais as
conseqüências da situação atual e, eventualmente,
adequar estratégias alternativas para as conjunturas
possíveis. Esta forma de avaliar comparativamente a
situação existente e buscar eventos semelhantes
permitiria aos agentes "seguir caminhos já testados,
adaptados a circunstâncias semelhantes, adotar
procedimentos rotineiros e (ou) convencionais, ou
quando se trata de criar novas soluções, procurar
fazê-lo de modo passível de generalização e
rotinização"(POSSAS, 1995, p. 185). As hipóteses
sobre o comportamento do mercado incorporariam
também, portanto, as situações mais semelhantes à
conjuntura que o agente analisa com alguma medida
desse grau de semelhança das situações passadas à
situação atual. Formalmente, temos que: O conjuntos
dos eventos com maior grau de (M(Ev)) semelhança
à situação atual seria escolhido a partir do conjunto
dos eventos conhecidos pelo agente. O grau mínimo
de semelhança deste conjunto dos eventos
determinaria até que nível de semelhança o agente
quer buscar.
O impacto que estes eventos podem tem no negócio
do agente é o último aspecto a ser considerado. Este
impacto pode ser avaliado pelo grau de variação que
o agente teria na sua função objetivo (positiva ou
negativamente), para cada situação possível. Sendo a
função objetivo o lucro esperado (Pe) o agente
consideraria os conjuntos de eventos que impusessem
a maior variação em Pe. O agente procuraria evitar as
variações mais negativas no lucro esperado e tentaria
alcançar, dentre as situações possíveis a que
permitisse a maior variação positiva em Pe. Este
impacto poderia também ser formulado em termos de
conjuntos difusos, portanto teríamos a variação dos
lucro em relação a um determinado conjunto de
eventos (Evj) seria também um conjunto difuso
~
∆P e
i.
A função de oferta do produtor i (Qi) vai ser função
da demanda anterior do produtor i ( D t-1
i ) e da
demanda esperada média dos produtores no mercado
~
( De ) que é um conjunto difuso, do conjunto de
eventos com maior grau de semelhança à situação
atual (M(Ev)) e do impacto de cada uma destas
situações projetada no futuro na função objetivo do
~
∆P
e
agente ( i ). O agente formularia então um
conjunto de hipóteses sobre o comportamento futuro
da demanda e sobre o impacto das diversas situações
e escolheria aquela com maior grau de possibilidade
de ocorrência. Esta seria a hipótese que o agente
utilizaria para tomar a sua decisão sobre o volume de
oferta. Temos então que a oferta para o produtor i no
tempo t seria:
~ ~ ~
O t i = f [D t -1 i , D e , ∆ P e i , M(Ev)]
O produtor então vai escolher o volume de oferta a
partir destes elementos. Esta formulação dos
determinantes da oferta do produtor está levando em
conta apenas a dimensão adaptativa do seu
comportamento corresponderia ao tipo de McCAIN, R. A. Fuzzy Confidence Intervals in a
racionalidade que chamamos de racionalidade Theory of Economic Rationality. Fuzzy Sets and
processual. O produtor faria apenas aquilo que a seu Systems, 23(1987) 205-218, North-Holland.
conhecimento da realidade e da história permitiria,
POSSAS, S. Notas acerca da racionalidade
não existe neste modelo espaço para a inovação.
econômica, Economia e Sociedade, Campinas
Inovação aqui entendida como o processo de
(5):181-87, dez. 1995.
combinar de forma diferente os elementos existentes
e criar com eles novas alternativas de reagir as SHACKLE, G.L.S. Origens da Economia
diversas situações possíveis em um mercado Contemporânea: Invenção e Tradição no
competitivo. A dimensão inovativa, criadora, da Pensamento Econômico (1926-1939), São Paulo,
racionalidade é o elemento fundamental para Hucitec, 1991.
entender o processo de desenvolvimento econômico.
Ela, talvez seja o componente fundamental daquilo
que chamamos de inteligência. Achar seus
determinantes é uma tarefa fundamental.

9. Conclusões
Pudemos observar neste artigo alguns conceitos de
incerteza e racionalidade associados aos diversos
modelos econômicos e como eles são
operacionalizados. Apresentamos também esquema
para formulação dos determinantes da função de
oferta do produtor que incorporam a
incerteza/imprecisão explicitamente.
Vimos que a incerteza/imprecisão podem ser vistas
como elementos inerentes ao processo de decisão
sobre a produção. Mesmo quando estas decisões não
são decisões cruciais. Isto se dá pelo fato de que a
formulação das decisões de produção leva em conta a
dinâmica futura do comportamento dos agentes e a
influência que esta dinâmica tem na função objetivo
do agente.
Alguns elementos podem ser ainda incorporados
neste modelo. O primeiro é um tratamento explícito
da noção de antecipação, i.e. do fato que os agentes
estabelecem suas decisões tento em vista o
comportamento dinâmico futuro ambiente. O
segundo elemento é o que poderíamos chamar da
dimensão criativa da racionalidade, que vai além da
capacidade de adaptação dos agentes e permite que
estes testem novas alternativas de solução para os
problemas postos e construam caminhos alternativos
que vão além da pura e simples projeção dos eventos
passados. Este é o elemento fundamental do processo
de inovação e está associado ao desenvolvimento
econômico. Este elemento, mais que qualquer outro,
deve ser o objeto de uma teoria econômica relevante.

10. Referências Bibliográficas

CHICK, V. Macroeconomia após Keynes: um
reexame da Teoria Geral. Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 1993.
DAVIDSON, P. Reality and Economic Theory.
Aug. 1995, (mimeo).
KEYNES, J. M. A Teoria Geral do Emprego do Juro
e da Moeda. 2. ed. São Paulo, Nova Cultural, 1985
(Os Economistas), cap. 12.