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O PASTOR COMO CAPACITADOR DO MINISTÉRIO

UM BREVE ESTUDO EXEGÉTICO DE EFÉSIOS 4:11, 12

Por Ron Clouzet, D.Min.

O conceito do líder como capacitador para os ministérios da igreja –


conforme baseado em estudos linguísticos de Efésios 4:12 – é atualmente a
visão predominante na literatura ministerial.1 Embora este conceito tenha
surgido para muitos seminaristas e pastores como um novo paradigma
ministerial, os primeiros trabalhos exegéticos acerca do surgiu há cerca de
cem anos. Provavelmente o primeiro a sugerir um ministério “capacitador” foi
J. Armitage Robinson, em 1903.2 Atualmente, a maioria dos eruditos do Novo
Testamento apoiam essa visão.3

O conceito de “capacitação” é baseado na passagem de Efésios 4:11-


12. Portanto, é importante prover uma análise exegética deste texto. A versão
Almeida Revisada Imprensa Bíblica traduz assim: “E ele deu uns como
1
Nas últimas duas gerações, uma influente fundamentação teológica sobre o tema tem
sido provida por Hendrik Kraemer, A Theology of the Laity (Filadélfia: The Westminster
Press, 1958); Elton Trueblood, The Incendiary Fellowship (Nova Iorque: Harper & Row,
1967), The Company of the Committed (Nova Iorque: Harper & Row, 1961), e Cyril
Eastwood, The Priesthood of All Believers (Mineápolis: Augsburg, 1962). Mais
recentemente, outros livros excelentes do assunto são: The New Reformation:
Returning the Ministry to the People of God, de Greg Ogden (Grand Rapids, MI:
Zondervan, 1990); Liberating the Laity: Equipping All the Saints for Ministry, de R. Paul
Stevens (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1985); The Once and Future Church:
Reinventing the Congregation for a New Mission Frontier, de Loren Mead (Washington:
The Alban Institute, 1991) e The Church Unleashed—Getting God’s People Out Where
the Needs Are de Frank R. Tillapaugh (Ventura, CA: Regal Books, 1982).

2
Veja ROBINSON, J. Armitage. St. Paul’s Epistle to the Ephesians. Nova Iorque:
Macmillan, 1903, p. 99. Isso está de acordo com STOTT, John R. W. God’s New
Society: The Message of Ephesians. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1979, p.
166.

3
Entre eles estão Barth Markus, Ephesians 4-6 na The Anchor Bible, “Ephesians” vol.
2 (Garden City, NY: Doubleday and Company, 1974); F. F. Bruce, The Epistle to the
Ephesians (Old Tappan: Fleming H. Revell, 1961); G. B. Caird, Paul’s Letters from
Prison (Oxford: n.p., 1976); Handley C. G. Moule, Studies in Ephesians (Grand Rapids,
MI: Kregel Publications, 1900, 1977) e B. F. Westcott, St. Paul’s Epistle to the
Ephesians (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1979). Dissidentes incluem Charles
Hodge, A Commentary on the Epistle to the Ephesians (Grand Rapids, MI: Baker Book
House, 1856, 1980) e Andrew T. Lincoln, Ephesians in the Word Biblical Commentary,
vol. 42 (Dallas: Word, 1990).

1
apóstolos, e outros como profetas, e outros como evangelistas, e outros como
pastores e mestres, tendo em [pros] vista o aperfeiçoamento [katartismos] dos
santos, para [eis] a obra do ministério, para [eis] edificação do corpo de Cristo”.

Alguns argumentam que a preposição que se repete “eis” é diferente da


inicial “pros” e, portanto, torna-se subordinada a ela. Isso significaria que a
“obra do ministério” é apenas a que é feita pelos santos, e não por aqueles que
receberam os dons mencionados no verso 11. Acrescente-se a isso o fato de
que “a simples mudança de preposição e um fundamento inadequado para
sugerir que os sujeitos indicados mudaram” mas que, de fato, “as preposições
são essencialmente intercambiáveis”, conforme exemplificado em textos como
Romanos 15:2 e Filemon 5.4 Paulo frequentemente usa frases preposicionais
juntas, todas dependo do verbo principal. É necessário apenas observar os
dois versos seguintes (versos 12 e 14) para encontrar um exemplo em cada
verso. Se as preposições forem tomadas como essencialmente iguais, teremos
três frases preposicionais, ou como a versão Almeida Revisada Imprensa
Bíblica traduz o verso 12: “Para o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do
ministério, para a edificação do corpo de Cristo”.

O desafio exegético chave é a tradução do substantivo “katartismos”.5


O substantivo só é usado no Novo Testamento. A palavra era usada no
contexto médico no grego clássico e significa “colocar um osso em um
relacionamento correto com as outras partes do corpo”. Realinhar um membro
do corpo que está deslocado, como Stevens sugere.6 A raiz desta palavra é
artios, que significa “encaixado, completo”. Assim, o verbo katartizou significa
tornar completo, emendar, reparar (Mat 4:21); fornecer completamente,
preparar (Luc 6:44; Rom 9:22; Heb 11:3) e, num sentido ético, restaurar (Gál
6:1) ou estabelecer (1 Ped 5:10).7 Barclay simplifica este conceito complexo

4
GORDON, T. David. Equipping’ Ministry in Ephesians 4? apud Journal of the
Evangelical Theological Society, 37:1, março de 1994, p. 72.
5
A tradução do substantivo é feita de maneira variada: “preparar o povo de Deus”
(NIV), “equipar os santos” (RSV), “equipar o povo de Deus para o serviço” (NEB), “para
preparar os santos para servir” (Beck), “para a capacitação imediata do povo de Deus”
(Williams), “para o aperfeiçoamento dos santos” (Conybeare), ou até mesmo “tendo em
vista colocar os santos em forma” (Rotherham) [tradução nossa].

6
Stevens, p. 109.
2
dizendo que katartismos significa “colocar uma coisa na condição que deve
estar”.8

Acho muito interessante o fato de que a raiz da palavra usada aqui é


exatamente a mesma usada em II Timóteo 3:16-17, em referência à Palavra de
Deus realizando a capacitação do homem de Deus para toda a boa obra. Uma
variação do mesmo verbo é encontrada em Hebreus 11:3: “Pela fé entendemos
que os mundos foram criados [katartisthai] pela palavra de Deus; de modo que
o visível não foi feito daquilo que se vê”. Isso é interessante porque os versos
que antecedem Efésios 4:11-12 apontam na mesma direção; isto é, aludem à
Palavra de Deus. Paulo cita Salmo 68:18 no verso 8: “Subiste ao alto, levaste
cativos os prisioneiros”. O Salmo 68:17 torna claro que isso é uma referência a
Moisés subindo ao Monte Sinai para receber a Lei de Deus. De acordo com a
tradição rabínica, o dia de Pentecostes foi o momento em que esta recepção
aconteceu no deserto. Eles chamaram Pentecostes “A Época da entrega da Lei”
ou “A Festa da Revelação” porque a festa marcou a primeira convocação
nacional feita após o êxodo, na qual Jeová apresentou o decálogo a Israel no
Monte Sinai.9

Moisés foi um tipo de Cristo (Deut 18:15) e deu a Israel o presente da


Lei escrita com o dedo de Deus (Êxo 31:18). Paulo refere-se a Cristo, que deu
ao Israel espiritual (Gál 3:29) o dom do Espírito (Atos 2), o qual o próprio
Jesus chama de “o dedo de Deus”.10 Por que o dedo de Deus? Porque é o
Espírito que escreve a Lei de Deus nas tábuas do coração de homens e
mulheres: “Ora, este é o pacto que farei com a casa de Israel, depois daqueles
dias, diz o Senhor; porei as minhas leis no seu entendimento, e em seu coração

7
“Katartizou” em ABBOTT-SMITH, G. A Manual Greek Lexicon of the New
Testament. 3ª ed. Nova Iorque: Charles Scribner’s Sons, 1936.
8
BARCLAY, William. The Letters to the Galatians and Ephesians. Ed. Revis.
Filadélfia: The Westminster Press, 1976, p. 149.
9
Midrash Rabbah no Cântico dos Cânticos 182, nota 5; 234, nota 3, referenciada em
HARDINGE, Leslie. With Jesus in His Sanctuary. Harrisburg, PA: AMC Book
Division, 1991, p. 443. Veja também TENNEY, Merrill C. The Zondervan Pictorial
Encyclopedia of the Bible. Vol 5, pp. 775-777.

10
Compare Mateus12:28 com Lucas 11:20.

3
as escreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” (Heb 8:10).11 Este é
um ministério da Palavra. Além disso, embora Moisés tenha conduzido uma
nação de escravos cativos ao Sinai e depois a Canaã, Jesus “quando ascendeu
às alturas” após a ressurreição, conduziu ao céu cativos libertos da morte (Mat
27:52-53; Efé 4:8).

Do mesmo modo, na antiguidade conquistadores conduziam não


apenas um séquito de cativos quando retornavam para a casa após
conquistas, mas também recebiam presentes de amigos e aliados. Como então
Paulo toma a liberdade de mudar Salmo 68:18 e dizer “Ele deu presentes aos
homens” ao invés de “recebeu presentes dos homens”? Porque ele aplica isso a
Cristo. Como conquistador da morte, Cristo recebeu os seus presentes na vida
daqueles que foram ressuscitados da morte. Assim, Ele mesmo deu pessoas
dotadas, revitalizadas pelo Espírito. O “Ele deu” de Efésios 4:11 é enfático, Ele
mesmo o fez, assim como Ele deu a Moisés a Lei para ser dada a Israel no
primeiro pentecostes.

Tudo isso implica que aqueles que foram dotados aqui – os apóstolos,
profetas, evangelistas e pastores-mestres – são particularmente dotados no
ministério da Palavra. Devemos lembrar que todo a perícope (Efé 4:1-16) está
relacionado à unidade do corpo de Cristo e como Deus pretende estabelecer
esta unidade. O Espírito planeja usar líderes dotados na Palavra como
apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-mestres para o aperfeiçoamento –
colocar cada um no lugar certo – dos santos12 e para a edificação do Seu
Corpo.

Isso não deve ser interpretado como uma negação do ministério de


“capacitação” a ser feito pelos que receberam dons singulares.13 Jackson
Carroll afirma: “Um dos equívocos do ministério compartilhado é assumir que
um ministério compartilhado e uma forte liderança pastoral são

11
Veja também Jeremias 31:33 e Ezequiel 36:26-38. Ezequiel diz que Deus vai colocar
o Seu Espírito em nossos corações e vai “fazer” com que andemos nos seus “estatutos
e ordenanças”.
12
Para uma concepção clara sobre líderes como servos veja o trabalho de referência de
GREENLEAF, Robert K. Servant Leadership - A Journey Into the Nature of
Legitimate Power and Greatness. Nova Iorque: Paulist Press, 1977.
13
Veja Clowney. The Church. p.141.

4
contraditórios”.14 A capacitação está implícita no contexto, é a preparação –
aperfeiçoamento – do corpo que deve ser feita para alcançar maturidade
espiritual “até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento
do Filho de Deus” (v. 13), pois o próprio Cristo que desceu e também ascendeu,
o fez “para cumprir todas as coisas” (v. 10). Alguns podem imaginar se tal
interpretação não vai levar à exaltação destes “especialmente dotados”, ao
mesmo tempo em que vai impedir avanços eclesiásticos em favor dos membros
voluntários, retornando assim ao modelo clerical, medieval e sufocador. Isto
não deve acontecer, pois, contextualmente, isso não acontece. Não é verdade
que Jesus “desceu” às partes mais baixas da terra (v. 9)? O apóstolo Paulo não
nos admoesta a exercemos o nosso chamado “com toda a humildade e
mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor” (v. 2)?
Em outro lugar, no contexto dos dons espirituais dentro do Corpo, o apóstolo
até mesmo diz que os membros do corpo que “parecem ser mais frágeis” são
necessários e que a igreja outorga a eles “honra mais abundante” (1 Cor 12:22-
23).

Dessa forma, qual é a visão bíblica do papel do pastor como


capacitador? Baseado em nosso estudo exegético, pastores capacitam à
medida em que exercem o dom particular do ministério da Palavra que
receberam no ministério. Isso não significa que a obra ministerial deles deve
se limitar ao ministério da Palavra, mas sim que eles foram dotados de
maneira especial para utilizarem o ministério da Palavra para preparar,
aperfeiçoar e capacitar os santos para que alcancem maturidade espiritual e
exerçam o seu ministério.

Biografia:

O Dr. Ron Clouzet é diretor do Instituto de Evangelismo da Divisão


Norte Americana e professor de Ministério Cristão e Teologia Pastoral na
Andrews University. É autor de várias publicações, incluindo Adventisms’
Greatest Need, The Outpouring of the Holy Spirit (A Maior Necessidade do
Adventismo: O Derramamento do Espírito Santo). Ele obteve o seu mestrado
em Divindade na Andrews University, o Doutorado em Ministério pelo Fuller

14
CARROLL, Jackson W. As One With Authority: Reflective Leadership in
Ministry. (Louisville, KY: Westminster/John Knox Press, 1991, p. 94.
5
Theological Seminary e atualmente está fazendo pesquisa pós-doutoral sobre o
Espírito Santo relacionada ao seu Doutorado em Teologia Sistemática pela
Universidade da África do Sul.

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