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Unidade: Correntes Modernas da

Linguística
Unidade I:

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Unidade: Correntes Modernas da Linguística

Introdução

Nossos estudos nos levaram, até agora, a observar as principais


correntes de orientação estruturalista, dentre elas o estruturalismo proposto por
Saussure e o gerativismo de Chomsky.

No primeiro caso, a ênfase de Saussure recaiu sobre a língua, enquanto


que para o gerativismo, era a competência linguística do falante para identificar
sentenças gramaticais e agramaticais um de seus principais objetos de estudo.

Agora, tanto para estruturalistas quanto para gerativistas, era importante


se observar uma língua ideal, falada por um falante idealizado e, portanto, livre
de variações e inconstâncias.

Tais concepções linguísticas perduraram por muito tempo para,


paulatinamente, cederem lugar a tendências de estudo que contemplassem a
língua em uso, falada por pessoas reais e em interação, além de influenciada
por questões sócio-histórico-culturais.

São essas correntes que constituem os estudos modernos de Linguística


e é sobre algumas delas que nos deteremos nesta e nas próximas Unidades.

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Inicialmente, abordaremos três correntes linguísticas que têm como
objeto de estudo a língua, ou linguagem, em real interação. São estas o
funcionalismo, a pragmática e a análise da conversação.

Vamos, então, conhecê-las!

1
O Funcionalismo

Muitas abordagens da linguística se concentram nas


características meramente estruturais das línguas, ignorando
suas possíveis funções, e esse tratamento tem sido altamente
compensador. Mas um grande número de lingüistas tem
preferido combinar a pesquisa da estrutura com a investigação
da função; qualquer abordagem que segue esta última
orientação é funcionalista. (TRASK, 2004, p.120)

O funcionalismo, enquanto corrente de análise linguística, surge a partir


dos anos 70, juntamente com várias outras tendências cujo foco de análise
estava mais voltado às questões discursivas do que os estudos gerativos em
foco até então.

Entretanto, é mais adequado dizer que os estudos funcionalistas


modernos são, de fato, uma reatualização de teorias que remontam a tempos
anteriores a Saussure. Com relação a essa questão, veja a citação que a
Professora Erotilde Pezatti, cuja área de pesquisa relaciona-se às teorias
funcionalistas faz de Witney, um pesquisador atuante do século XIX.

A linguagem pressupõe certas instrumentalidades


mediante as quais os homens, consciente e intencionalmente,
representam seus pensamentos com a finalidade principal de
torná-los conhecidos de outros homens, isto é, a expressão na
linguagem deve estar a serviço da comunicação. (WITNEY,
1897 apud DELANCEY, 2001, p.2 apud PEZATTI, 2004,
p.166)

Outra referência a estudos de cunho funcionalista é encontrada na


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Escola Linguística de Praga, cujos trabalhos iniciaram-se nos anos vinte e que
tem por representante, dentre outros, o linguista russo Roman Jakobson.

As Funções da Linguagem de Roman Jakobson

Os trabalhos de Jakobson são bastante importantes para os estudos


linguísticos, pois ele é responsável por uma teoria que organiza as funções da
linguagem em relação aos elementos que se deseja destacar no processo
comunicativo, ou seja, de acordo com a intencionalidade dos falantes, base
para a chamada Teoria da Comunicação.

2
Para compreendermos o que Jakobson quis dizer, seria melhor
entendermos primeiro o termo “funções da linguagem”.

Trask (2004, p.121) afirma que a linguagem é utilizada para realizar uma
série de funções que podem ser comunicativas, ou não. Veja alguns exemplos:

1. Transmitimos informações sobre fatos, a outras pessoas;


2. Tentamos persuadir outras pessoas de alguma coisa;
3. Divertimo-nos e divertimos os outros;
4. Expressamos o fato de que fazemos parte de um determinado grupo;
5. Expressamos nossa individualidade;
6. Expressamos nossos estados de ânimo e emoções;
7. Mantemos boas, ou más, relações com outras pessoas;
8. Construímos representações mentais do mundo.

A linguagem utilizada para realizar cada uma dessas situações terá


características próprias, adequadas aos propósitos de cada situação, é isso o
que podemos denominar, portanto, de funções da linguagem.

Voltando agora a Jakobson, ele propõe a existência de seis elementos


comunicativos e que, a cada um deles, corresponde uma determinada função
da linguagem. Esses elementos e as respectivas funções são:

1. O emissor – caso a ênfase de uma mensagem recaia sobre aquele que


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a produz, como numa carta enviada a uma revista, temos a função
emotiva. Veja o exemplo:

Achei maravilhosa a entrevista feita com a moçambicana Paulina


Chiziane (Língua 50, dezembro). Não a conhecia, nunca li um livro dela,
mas o relato foi tão tocante e interessante que vou procurar livros
publicados por ela para conhecer melhor a autora.
(Revista Língua Portuguesa, nº. 52, seção Cartas, fevereiro de 2010, p.6)

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2. O receptor – quando se tem por objetivo atingir a(s) pessoa(s) a quem a
mensagem é dirigida, fazendo-as tomar uma determinada atitude, está
se fazendo uso da função conativa. Ela é bastante comum nos textos
publicitários, ou nas mensagens motivacionais.

Afinal, quem não se lembra do slogan seguinte?

http://3.bp.blogspot.com/_OWlsc4AXRC4/Seeg1vHXB2I/AAAAAAAAAyU/wv_9B_NuaIU/s320/itau.jpg Acesso 02/03/10

3. O contexto, ou referente – a ênfase da comunicação está em relatar


um acontecimento, como nos textos jornalísticos. A função em destaque,
nesse caso, é a função referencial. Veja a seguinte manchete:

Terremoto de magnitude 8,8 deixa mais de 200 mortos no Chile; tsunami


chega ao Havaí sem provocar danos.
(Folha Online, 27/02/10)

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4. A mensagem – quando se deseja destacar a elaboração de um


determinado texto, com a cuidadosa e pensada escolha das palavras,
sons, rimas, ritmo etc, temos a função poética. Ela é bastante utilizada
nos textos literários, poéticos, ou mesmo em slogans publicitários.
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga

4
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

(Trecho da música “Cálice”, do disco Chico Buarque, de Chique Buarque, 1978).

5. O contato ou canal – em algumas ocasiões precisamos testar o canal


de comunicação, como para verificar se estamos sendo entendidos. Ao
realizarmos isso, estamos fazendo uso da função fática.

Por exemplo: “Fale mais alto!”

6. O código – quando utilizamos o código de comunicação, como, por


exemplo, a língua portuguesa, para falarmos do próprio código, fazemos Unidade: Correntes Modernas da Linguística
uso da função metalinguística. O exemplo mais claro dela é o dicionário.

co.mu.ni.ca.ção
sf (lat communicatione) 1 Ação, efeito ou meio de comunicar. 2 Aviso,
informação; participação; transmissão de uma ordem ou reclamação. 3 Mec
Transmissão. 4 Relação, correspondência fácil; trato, amizade. 5 Sociol
Processo pelo qual idéias e sentimentos se transmitem de indivíduo para
indivíduo, tornando possível a interação social.

5
(Dicionário Michaelis Online)

Como você pode observar, as funções da linguagem propostas por


Jakobson, associadas aos elementos comunicativos, abordam várias situações
possíveis. Devemos também lembrar que elas não ocorrem isoladamente,
antes, podemos ter, num mesmo texto, a combinação de várias funções com a
predominância de uma sobre as demais.

A Linguística Sistêmica de Michael Halliday

Uma outra corrente funcionalista bastante representativa é a que foi


desenvolvida pelo linguista britânico Michael Halliday: a Linguística Sistêmica,
também chamada de SL (Systemic Linguistics).

Trask (2004, p.184, 185) nos informa de que a SL tenta integrar a


descrição dos fatores formais e estruturais da língua às questões sociais que a
envolvem. Assim como as demais concepções funcionalistas, a grande
preocupação da SL é identificar os propósitos dos usos linguísticos e, as
perguntas realizadas por esses pesquisadores são:

O que é que a pessoa que escreve, ou fala, está tentando fazer?


De que mecanismos linguísticos poderia valer-se para fazer isso, e com
base em que faz suas escolhas?
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Para Halliday, a língua possui três funções:

1. Função Ideacional ou Experiencial – refere-se à veiculação dos


conteúdos semânticos, ou as informações de que dispomos;
2. Função Textual – consiste na organização dos elementos linguísticos
de forma coerente e coesa;
3. Função Interpessoal – trata do estabelecimento e da manutenção das
relações sociais, incluindo a habilidade para se persuadir os outros a
realizar o que se deseja, ou a fazê-los aceitarem o que se diz.

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Podemos concluir, pelos elementos apresentados, que a Linguística
Sistêmica de Halliday, dá grande importância ao texto como objeto de análise,
e, por conseguinte, para os elementos responsáveis pela coesão e coerência.

Muitas outras correntes funcionalistas poderiam ser elencadas,


entretanto, acreditamos que já é possível, pelos exemplos fornecidos,
compreender um pouco a respeito dos objetivos dos funcionalistas.

Para concluirmos a apresentação do funcionalismo, veja alguns


comentários de Pezatti sobre o assunto.

O princípio de que toda a explicação lingüística deve ser


buscada na relação entre linguagem e uso, ou na linguagem
em uso no contexto social, torna obrigatória a tarefa de
explicar o fenômeno lingüístico com base nas relações que, no
contexto sócio-interacional, contraem falante, ouvinte e a
pressuposta informação pragmática de ambos (PEZATTI,
2004, p.168).

Observe que Pezatti apresenta-nos mais um elemento além daqueles já


discutidos pelo funcionalismo: ela aborda a questão da informação pragmática
dividida entre o falante e o ouvinte, é esse, portanto, nosso próximo assunto.

A Pragmática

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Disponível em http://www.turmadamonica.com.br/index.htm. Acesso 27/02/10

Quando lemos um quadrinho como o que aparece acima, somos

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capazes de compreender o sentido cômico da mensagem, pois, inicialmente,
conhecemos a fama de gulosa da personagem Magalí, criada por Maurício de
Sousa, bem como entendemos que, quando o pipoqueiro pergunta: “E a
garotinha?”, ele tinha em mente: “A garotinha também vai querer um saco de
pipocas?”

Entretanto, seria possível explicar tudo isso pelo léxico escolhido, ou


pela organização dos elementos nas frases?

A resposta certamente será não.

Foi esse tipo de questionamento que levou alguns filósofos da


linguagem e linguistas a estudarem os elementos que não estão marcados
textualmente (o que não está marcado textualmente não é escopo da
linguística formal), mas que permitem que a comunicação se efetive, nos mais
diversos contextos e situações. A esses estudos deu-se o nome de estudos
pragmáticos.

Veja como Dubois define o termo em seu Dicionário de Linguística:

O aspecto pragmático da linguagem concerne às


características de sua utilização (motivações psicológicas dos
falantes, reações dos interlocutores, tipos socializados da fala,
objeto da fala etc.) por oposição ao aspecto sintático
(propriedades formais das construções linguísticas) e
semântico (relação entre as unidades linguísticas e o mundo).
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(DUBOIS, 2004, p.480).

Dessa forma, a pragmática está relacionada ao uso efetivo que os


falantes fazem da língua nas diversas situações de comunicação, ou,
emprestando a definição dada por Fiorin (2005, p.166): “A Pragmática estuda a
relação entre a estrutura da linguagem e seu uso”.

Tal estudo é muito importante, pois, certas palavras ou expressões só


adquirem sentido quando inseridas numa situação concreta de fala.

Quando alguém te pergunta: “Você tem horas?”, você não responde

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simplesmente “Tenho”, mas entende que essa pessoa quer saber “Que horas
são?”, e assim você a informa do horário atual.

Todo esse repertório faz parte de uma cultura comum e, apesar dos
elementos textuais não explicitarem o que se quer comunicar, há interação
entre as pessoas envolvidas.

Devemos observar, dessa forma, que há dois aspectos relacionados ao


termo significado, sendo que o último deles define os domínios da pragmática.

O primeiro tipo de significado é intrínseco a uma


expressão que o contém, e não pode ser separado dessa
expressão. O estudo desse tipo de significado é o domínio da
semântica, no sentido que damos hoje a esse termo. Além
disso, há um segundo tipo de significado, que não é intrínseco
à expressão linguística que o veicula, e resulta da interação
entre a expressão linguística e o contexto em que é usada. Ao
estudo desse tipo de sentido damos um novo nome:
pragmática. (TRASK, 2004, p.233).

Devemos citar, nesse momento, algumas distinções fundamentais na


Pragmática:

Significação versus sentido.


Frase versus enunciado.

A frase refere-se à estrutura sintática e ao resultado das escolhas


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lexicais realizadas, enquanto o enunciado é uma frase a qual se acrescem as
informações contextuais referentes a cada situação comunicativa.

A significação é o produto das indicações linguísticas dos elementos


que compõem a frase, já o sentido é a significação da frase acrescida das
indicações contextuais e situacionais.

A frase e a significação são objetos de estudo da sintaxe e da semântica


respectivamente, enquanto que o enunciado e o sentido pertencem à
Pragmática.

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Teoria dos Atos de Fala

Essa teoria, desenvolvida por John Austin, foi um dos pontos iniciais da
Pragmática e embasa-se na ideia de que “a linguagem não tem uma função
descritiva, mas uma função de agir. Ao falar, o homem realiza atos” (FIORIN,
2005, p.166).

http://igrejaemcontagem.files.wordpress.com/2009/04/proximo-1.jpg Acesso 02/03/10

Com isso, Austin estabelece o estudo dos enunciados ditos


“performativos”, ou seja, aqueles que não descrevem nada e cuja realização
corresponde à execução de uma ação. Veja os exemplos citados por Fiorin
(Ibid., p.170):

Declaro aberta a sessão.


Prometo que a situação não vai ficar assim.
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Lamento que isso tenha ocorrido.
Eu te perdoo.

Para que os enunciados acima sejam efetivamente considerados


performativos, é necessário não apenas que sejam ditos, mas que a situação
de enunciação seja adequada. Observe o primeiro exemplo: “Declaro aberta a
sessão”. Esse enunciado só pode ser considerado um ato se for proferido por
alguém que tenha autoridade para realizá-lo, como um parlamentar, ou um juiz.

Como você pode perceber, há certas condições necessárias ao sucesso

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de um enunciado performativo e é a elas que Austin dedicará parte de seus
estudos sobre este assunto.

As principais condições de sucesso de um performativo são:

É necessário que a pessoa adequada a cada situação realize o


enunciado performativo. Assim, só a noiva ou o noivo poderão dizer “Eu
aceito” durante uma cerimônia de casamento.
É necessária a utilização das palavras adequadas, como que num
modelo pré-estabelecido, ou fórmula, como quando o padre diz: “Eu te
batizo”.
É necessário que todos os participantes envolvidos na ação tenham
consciência das fórmulas e procedimentos necessários para realização
do performativo.

Agora, alguns performativos podem ser considerados meramente


formais, como quando damos os pêsames a alguém, ou quando fazemos uma
promessa sem que tenhamos os sentimentos que manifestamos com nossas
palavras.

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http://1.bp.blogspot.com/_dMP43QecPG4/S1Bwgb2ttZI/AAAAAAAAAFE/sljjkMnAeKI/s320/elrotopoliticojuraqw41.jpg Acesso 02/03/10

Observe que o performativo está relacionado ao uso de determinados


verbos como: pedir, ordenar, solicitar, desculpar-se, exigir etc. Também é
importante citar que esse tipo de enunciado ocorre quando se usa a primeira
pessoa do discurso (eu/nós), afinal, se utilizarmos qualquer das outras pessoas

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estaremos descrevendo ações e não as realizando por nossas palavras.

Austin denomina os enunciados que descrevem ações de constativos, e,


para diferenciá-los dos performativos estabelece três atos que participam do
processo comunicativo: o ato locucionário (ou locucional), o ato
ilocucionário (ou ilocucional) e o ato perlocucionário (ou perlocucional).

Vejamos a que cada ato se refere:

Ato locucionário – é o que se realiza enunciando-se uma frase, é o ato


de dizer.
Ato ilocucionário – é o que se realiza na linguagem, ou seja, é a ação
que se pretende colocar em prática.
Ato perlocucionário – é o que se realiza pela linguagem, ou o resultado
que se espera alcançar com o ato realizado.

No exemplo seguinte: “Advirto-o a não mais fazer isso”. O ato


locucionário ocorre quando se profere a sentença, o ato ilocucionário surge
pela linguagem utilizada, pelo uso do verbo “advertir”, o ato perlocucionário só
existe no contexto da comunicação, caso o interlocutor obedeça à advertência
dada.

A teoria dos atos de fala serviu de base para muitos outros estudos
pragmáticos como as questões relacionadas à polidez do discurso, às Unidade: Correntes Modernas da Linguística
variações sócio-culturais e às máximas conversacionais.

Máximas Conversacionais

Conforme citado acima, os enunciados performativos dependem de uma


cooperação entre os participantes para que sua realização se efetive. Partindo
dessa concepção, alguns estudiosos estabeleceram alguns princípios, ou
regras, necessários à comunicação. Um deles foi Paul Grice, que estabeleceu
o princípio geral da cooperação e que é formado por algumas máximas,

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denominadas máximas conversacionais. São elas:

Máxima da quantidade – que sua contribuição contenha o tanto de


informação exigida; que sua contribuição não contenha mais informação
do que o exigido.
Máxima da qualidade (da verdade) – que sua contribuição seja
verídica; não afirme o que você pensa que é falso; não afirme algo de
que você não tenha provas.
Máxima da relação (da pertinência) – fale o que é concernente ao
assunto tratado (seja pertinente).
Máximas da maneira – seja claro; evite exprimir-se de maneira
obscura; evite ser ambíguo; seja breve; fale de maneira ordenada.

Apesar das muitas críticas recebidas por Grice, a importância de suas


máximas reside no fato de que elas partem de um princípio de cooperação
entre os participantes dos atos comunicativos, com vistas a um aprimoramento
das relações.

Ao cumprir ou quebrar esses princípios, o locutor tem uma intenção. Por


exemplo, um político sempre quebrará as máximas da qualidade e da maneira,
pois na cultura política brasileira, normalmente não há verdade e clareza em
seus discursos para não se comprometerem. Por outro lado, um professor
sempre tem que respeitar as máximas, caso contrário não terá sucesso em
suas aulas. Unidade: Correntes Modernas da Linguística

http://www.blogcorp.com.br/images/redesocial.jpg Acesso 02/03/10

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Uma última distinção que precisa ser estabelecida entre os conceitos
propostos pela Pragmática refere-se aos pressupostos e subentendidos.
Vejamos, portanto, do que se trata.

Pressupostos e Subentendidos

Esses conceitos estão relacionados àquilo que está implícito nos


enunciados, ou seja, nas intenções de quem faz uso da linguagem, sem
necessariamente fazer uso de palavras.

Veja o exemplo:

No enunciado: “Pedro parou de fumar”, temos uma informação explícita


e dois conteúdos implícitos:

1º conteúdo implícito: “Pedro fumava antes”.


2º conteúdo implícito: “Você também deveria parar de fumar”.

O primeiro conteúdo implícito está inscrito no enunciado inicial, já que a


expressão “parar de” implica em que se realizava o ato anteriormente. Esse
tipo de implícito é denominado pressuposto.

O segundo conteúdo implícito depende de um contexto particular, não Unidade: Correntes Modernas da Linguística
sendo necessariamente aplicável a qualquer situação. Temos aqui um implícito
denominado subentendido.

Orecchioni afirma que:

[...] o pressuposto é a informação que não é abertamente


posta, isto é, que não constitui o verdadeiro objeto da
mensagem, mas que é desencadeada pela formulação do
enunciado, no qual ela se encontra intrinsecamente inscrita,
independentemente da situação de comunicação
(ORECCHIONI, 1998 apud FIORIN, 2005, p.181).

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Por seu lado, os subentendidos são as informações que se pode inferir
de um enunciado dependendo das situações de comunicação. Dessa forma,
um mesmo enunciado pode conter subentendidos diferentes para diferentes
indivíduos.

Análise da Conversação

Nesta unidade, nossos estudos têm nos levado a observar algumas


correntes linguísticas que se preocupam com a língua em situações reais de
uso: com as funções que se pode executar com os diversos tipos de
enunciados, bem como com as informações que não estão localizadas na
materialidade do texto, mas que se relacionam com os contextos
comunicativos.

Assim, não poderíamos concluí-la sem falar de uma corrente que


estuda, efetivamente, a linguagem em suas manifestações verbais, ou seja, a
análise da conversação (AC). Para tanto, utilizaremos os estudos realizados
no Brasil sobre o assunto e, em particular, as pesquisas do Projeto de Estudo
Coordenado da Norma Urbana Linguística Culta, ou Projeto NURC1, bem como
as contribuições dos professores Luiz Antonio Marcuschi e Ângela Paiva
Dionísio.

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1
O Projeto NURC iniciou suas pesquisas na UNICAMP, na década de 1980, e, posteriormente, um
segundo grupo de pesquisas foi aberto com sede na USP.

15
http://americancorner.hu/userfiles/Image/conversation1.jpg Acesso 02/03/10

Dionísio afirma que:

[...] usar a linguagem consiste, portanto, em realizar


ações individuais e sociais. Estamos sempre fazendo algo com
a linguagem. Conversar, por exemplo, é uma atividade social
que desempenhamos desde que começamos a falar.
(DIONÍSIO, 2004, p.69)

No Brasil, o primeiro livro sobre o assunto foi publicado na década de


1980, com o título de Análise da Conversação, de autoria do professor Luiz
Antônio Marcuschi que afirma “a conversação é a primeira das formas de
interação a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca
abdicamos pela vida afora” (MARCUSCHI, 2005 p. 14). Unidade: Correntes Modernas da Linguística

Dentro das orientações desse estudo, entende-se por “conversação”


todas as formas de interação verbal, mesmo aquelas que não acontecem face
a face, ou sincronamente.

Para a Linguística, ao se estudar a conversação, busca-se entender


como a linguagem é estruturada e de que forma isso impacta o processo
comunicativo.

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Dentre os itens observados na AC estão:

As fases conversacionais, que são a abertura, fechamento e parte


central e o tema central e subtemas da conversação. Neste item está
incluída a organização da conversação;
Os turnos conversacionais, ou a tomada de turnos, a sequência
conversacional, os atos de fala e os marcadores conversacionais.
Observam-se aqui os elementos relacionados à interação, ou seja, a
troca de papeis entre locutor e interlocutor no processo conversacional e
os elementos participantes desse processo;
Os elementos internos do ato de fala, constituídos pela estrutura
sintática, lexical, fonológica e prosódica. Analisa-se, por fim, as escolhas
realizadas pelos falantes e suas possíveis intenções e sentidos.

Qual será a importância dos estudos sobre a conversação? É Dionísio


(2004, p.71) quem apresenta algumas razões:

1. É a prática social mais comum do ser humano;


2. Desempenha um papel privilegiado na construção de identidades sociais
e relações interpessoais;
3. Exige a coordenação de ações que ultrapassam a simples habilidade
linguística dos falantes;
4. Permite que se abordem questões que envolvem a sistematicidade da
língua presente em seu uso e a construção das teorias para enfrentar Unidade: Correntes Modernas da Linguística
essas questões.

Para que uma conversação se estabeleça é necessário haver um (ou


mais) assunto(s) em discussão, chama-se a esse assunto de tópico discursivo
e, ele deve possuir duas propriedades básicas: a centração e a organicidade.

A centração diz respeito ao conteúdo, ou seja, sobre o que se fala.

A organicidade refere-se, por sua vez, às relações de interdependência


que são estabelecidas entre os tópicos de uma conversação.

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Numa conversa espontânea não é possível prever o rumo que esta irá
tomar, entretanto, pode-se observar uma cooperação entre os participantes, de
modo a gerar um processo de produção de sentidos, estruturado e funcional.

Marcuschi declara que

[...] Uma conversação fluente é aquela em que a


passagem de um tópico a outro se dá com naturalidade, mas é
muito comum que a passagem de um tópico a outro seja
marcada” (MARCUSCHI, 1998, p.14 apud DIONÍSIO, 2004,
p.72)

Com isso, ele quer dizer que, naturalmente, inserimos elementos em


nosso discurso, reveladores das alternâncias de turnos, ou de assuntos, como:
“isso me lembra de”; “por falar em”; “agora”; “mudando de assunto” etc.

Veja abaixo um exemplo de uma pequena transcrição de fala, adaptada


do material disponibilizado por Marcuschi (2005, p.40):

(Contexto: primeiros momentos da interação entre a universitária L.,


entrevistando a doméstica, R.)

T1 L: que a senhora faz aqui”


T2 R: (+) qué dizê (+) realmente (+) faço / faço todo serviço geral né (+)
faço cozinha (+) faço cozinha (+) arrumo né (+) e sirvo a mesa (+) Unidade: Correntes Modernas da Linguística
também lavo a roupa das crianças sabe’
T3 L: sei (+) ah::
só a roupa das crianças”
T4 R: é (+) das crianças,
T5 L: sei (+) então a senhora cuida das crianças”
T6 R: é (+) qué dizê / os menino que tem aqui são mocinho mas (+) né
T7 L: ah é
não são mais né ((R. ri))
T8 R: não são mais criança
((L. e R. riem juntas))

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T9 L: que idade têm”
T10 R: têm já 15 anos / ela vai fazê 15 e ela vai fazê 12
T11 L: é né
T12 R: é

Devemos lembrar, ainda, de que há conversações não naturais, ou


artificiais, como as que ocorrem no cinema, teatro ou em qualquer outro
ambiente no qual se faz uso de um roteiro.

Agora, como se realizam as transcrições das conversações, qual a


metodologia utilizada, há alguma orientação a respeito?

Certamente há, de outro modo, não poderiam ser utilizadas para


pesquisas.

Inicialmente, é necessário que as conversações sejam gravadas ou


filmadas para, posteriormente, serem transcritas e analisadas.

Com relação à transcrição, ela precisa ser o mais fiel possível, sem a
interferência ou interpretação do pesquisador. Por essa razão, não se pode
completar ou adaptar elementos que não ficaram audíveis.

Para organizar o trabalho de transcrição, foram estabelecidas algumas


normas. Segue abaixo, a título de ilustração, uma tabela de acordo com a
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proposta realizada pelo Projeto NURC.

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NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO

Ocorrências Sinais Exemplificação


1. Indicação dos falantes Os falantes devem ser H28
indicados em linha, com letras M33
ou alguma sigla convencional Doc.
Inf.

2. Pausas ... não... isso é besteira...


3. Ênfase MAIÚSCULAS ela comprou um OSSO
4. Alongamento de vogal : (pequeno) Eu não tô querendo é dizer
:: (médio) que...é: o eu fico até:: o:
::: (grande) tempo todo
5. Silabação - do-minadora
6. Interrogação ? ela é contra a mulher
machista... sabia?
7. Segmentos ( ) bora gente... tenho aula... ( )
incompreensíveis ou (ininteligível) daqui
ininteligíveis
8. Truncamento de / eu... pre/ pretendo comprar
palavras ou desvio
sintático
9. Comentário do (( )) M.H.... é ((rindo))
transcritor
10. Citações “ ” “mai Jandira eu vô dizê a Anja
agora que ela vai apanhá a
profissão de madrinha agora
mermo”
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11. Superposição de [ H28. é... existe [você ( ) do
vozes homem...
M33. [pera aí... você acha...
pera aí... pera aí
12. Simultaneidade de [[ M33. [[mas eu garanto que
vozes muita coisa
H28. [[eu acho eu acho é a
autoridade
13. Ortografia tô, tá, ahã, mhm

Observe que, além do próprio discurso verbal, são também analisadas

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as realizações entonacionais (tom de voz, velocidade da fala) e gestuais
(sorriso, olhar, gestos) que ocorrem durante a conversação, pois, ao falarmos,
utilizamos não somente a voz, mas também o corpo e podemos tanto confirmar
nossas palavras pelas informações não verbais, quanto, em certos momentos,
podemos dizer algo diferente por meio de nossas atitudes durante o processo
de conversação.

Como você pode observar, a Análise da Conversação é uma área de


estudos bastante abrangente e que dialoga com outras correntes linguísticas,
já que verifica aspectos relacionados à intencionalidade dos falantes, aos atos
de fala, à organização discursiva, dentre vários outros elementos.

Concluímos assim, mais uma unidade de estudos e, conforme você deve


ter percebido muitas novas informações foram acrescentadas. Por isso, é
importante reler atentamente todo o material, registrar os tópicos que lhe
causam dificuldades e apresentá-los no fórum de dúvidas aberto para esse fim.

Bons estudos!

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Responsável pelo Conteúdo:
Profª. Ms.Sandra Moreira

www.cruzeirodosul.edu.br

Campus Liberdade

Rua Galvão Bueno, 868

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