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O Presidente da República, em 10.07.

2019, sancionou lei


federal (Lei nº xxx/19) aprovada pelo Congresso Nacional, criando a sociedade
de economia mista denominada ALIMENTOS DO BRASIL/SA, com natureza
jurídica de sociedade anônima de capital aberto.
A empresa estatal tem como objeto a produção e venda
de alimentos básicos, nas regiões Norte e Nordeste do país, considerando a
seca em diversas regiões. Os alimentos por ela produzidos serão
comercializados no livre mercado, limitando-se às mencionadas regiões, mas a
lei prevê a possibilidade de a empresa monopolizar a produção e comércio de
alimentos nas regiões Norte e Nordeste do país.
No que tange à contratação de pessoal, há previsão
expressa no sentido de que os funcionários se submeterão ao regime estatutário
federal da Lei nº 8.112/90, e de que todos serão contratados por livre provimento,
após o qual estarão sujeitos a estágio probatório de 36 meses como requisito
para aquisição de estabilidade.
A lei previu, ainda, que a estatal estará dispensada do
pagamento de impostos, além de que suas dívidas constituídas por meio de
ações judiciais se submeterão à sistemática de pagamento de precatórios,
prevista no art. 100 da Constituição.
Já em relação ao regime de contratação de obras e
serviços, previu-se a ampla dispensa de observância ao regime de
licitações, tanto em relação às atividades finalísticas da empresa, como em
relação às atividades meio. Da mesma forma, criou uma nova modalidade
de contrato administrativo, vocacionado apenas à comercialização de
produtos da citada empresa. Por fim, a Lei nº xxx/19 dispõe que eventuais
litígios a envolverem a nova sociedade de economia hão de ser solucionados
perante a Justiça Federal.
Ante a aprovação da Lei nº xxx/19, a ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DOS PRODUTORES DE ROUPAS, entidade de classe de
representatividade nacional, por compreender que a instituição da sociedade
ALIMENTOS DO BRASIL criará sérios embaraços à livre concorrência, pretende
questionar a constitucionalidade de referida norma perante o Supremo Tribunal
Federal, nos termos do art. 103, IX da Constituição Federal.
Considerando o caso acima descrito, responda as seguintes questões:

1. É possível a referida lei criar hipóteses de dispensa da licitação, como


descrito no caso acima, aplicáveis somente à ALIMENTOS DO BRASIL S/A?
Explique.

A lei federal pode sim criar novas hipóteses de dispensa


de licitação, visto que a competência para legislar sobre normas gerais sobre
este assunto compete privativamente à União, conforme prescreve o artigo 22,
XXVII, CF/88, senão vejamos:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas,
autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as
empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos
do art. 173, § 1°, III.”.

Contudo, nesse caso concreto em comento, não se pode


criar uma dispensa exclusiva para essa empresa em questão, conforme
iremos expor a seguir:
A dispensa de licitação só pode assim ser utilizada
quando o serviço a ser prestado for exclusivo da Administração Pública, isto é,
quando há o monopólio de tal serviço permitido pela Lei, conforme disposto pelo
artigo 21 de nossa Carta Maga, em seus respectivos incisos e parágrafos. Dessa
forma, visto que a produção e venda de alimentos caracteriza atividade
econômica, a qual é oferecida por outras empresas privadas, não se pode ser
realizada a dispensa de licitação para as atividades da estatal. O artigo 173 da
Carta Magna, em seu § 1º, inciso III, dispõe que a lei definirá para as empresas
de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou
comercialização de bens ou de prestação de serviços como será feita a licitação
de obras, serviços e demais atividades, em observância aos princípios da
administração pública.
Em análise ao regime de dispensa de licitação da
empresa em tela, resta-nos claro que a dispensa de licitação para a ALIMENTOS
DO BRASIL S/A fere de morte alguns dos princípios cardiais da administração
pública, conforme nos ensina o ilustre professor Celso Antônio Bandeira de
Mello, in verbis:
“O princípio da impessoalidade encarece a proscrição de
quaisquer favoritismo ou discriminações impertinentes, sublinhando o dever de
que, no procedimento licitatório, sejam todos os licitantes tratados com absoluta
neutralidade. Tal princípio não é senão uma forma de designar o princípio da
igualdade de todos perante a Administração.”
“O princípio da igualdade implica o dever não apenas de
tratar isonomicamente todos os que afluírem ao certame, mas também o de
ensejar oportunidade de disputa-lo a quaisquer interessados que, desejando dele
participar, podem oferecer as indispensáveis condições de garantia. É o que
prevê o já referido art. 37, XXI, do Texto Constitucional.” (MELLO, Celso
Antônio Bandeira de, Curso de direito administrativo, 28ª ed., São Paulo:
Malheiros editores, 2010, p. 536).
Ademais, dá proibição expressa o art. 3º, § 1º, I, que o ato
convocatório do certame permita condições capazes de frustrar ou restringir o
caráter competitivo do procedimento licitatório. A respeito das contratações que a
sociedade de economia mista presente venha a realizar, estas são reguladas
pela Lei 13.303/2016, que define as hipóteses de dispensa de licitação, não
podendo as mesmas serem destinadas especialmente à ALIMENTOS DO
BRASIL S/A, em conformidade com o quantum já mencionado. Só poderá ser
realizada a dispensa de licitação quando restar-se configurado algum dos casos
expressos no artigo 24 da Lei 8.666/93, não podendo ser feita a dispensa total e
arbitrária como o é no caso retratado, o que fere o princípio da legalidade que
rege a Administração Pública (artigo 37, caput, CF). Na mesma linha, já foi
decidido nos autos da CR 3228765300 SP que a licitação é uma exigência
constitucional, sendo previstas hipóteses excepcionais a contratação direta,
sendo elas nas hipóteses de dispensa previstas no já citado artigo 24 da lei de
licitações ou inexigibilidade, conforme artigo 25 do mesmo diploma legal. Cabe
também lembrar que, conforme jurisprudência do Egrégio Tribunal, tal dispensa é
permitida somente para serviços de notória especialização e singularidade do
objeto, o que não se faz presente no caso. Da mesma forma, a jurisprudência do
egrégio TJSP já se firmou em conformidade com o quantum alhures referido,
conforme se extrai da seguinte ementa:
APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA – DISPENSA DE LICITAÇÃO – Município de
Iepê – Ação julgada procedente. PRELIMINAR de ilegitimidade
passiva afastada – Conduta do corréu que demonstra sua
participação no ato praticado, proprietário de fato de empresa
beneficiada. MÉRITO – Aquisições de diversos materiais pela
Municipalidade sem observância das disposições da Lei nº
8.666/93 – Dispensas indevidas de licitações – Fracionamento
das aquisições que evidencia a intenção de burla à
Lei de Licitações - Violação dos princípios norteadores da
Administração Pública, notadamente os da legalidade, da
igualdade e da moralidade – Conduta dos agentes que se
enquadram no tipo descrito no art. 11, da Lei nº 8.429/92 – A
ausência de dano ao erário não descaracteriza a prática do ato
de improbidade administrativa – Cabimento das penas previstas
no art. 12, inc. III, da Lei nº 8.429/92 - Sentença mantida –
Recursos desprovidos.

2. Disserte sobre a possibilidade, ou não, de criação de uma modalidade nova


de contrato administrativo exclusiva para a ALIMENTOS DO BRASIL S/A?

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