Você está na página 1de 177

1

A divulgação científica no Rio de Janeiro:


Algumas reflexões sobre a década de 20

Luisa Massarani

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado em Ciência da Informação do

Instituto Brasileiro de Informação em C&T

(IBICT) e Escola de Comunicação/UFRJ,

como requisito parcial para obtenção do

grau de Mestre em Ciência da Informação.


2

Orientadores:

Lena Vânia Ribeiro Pinheiro (IBICT/UFRJ), Dr.

Ildeu de Castro Moreira (Instituto de Física/UFRJ), Dr.

Rio de Janeiro

1998
3

A divulgação científica no Rio de Janeiro:

Algumas reflexões sobre a década de 20

Luisa Massarani

Dissertação submetida ao curso de Mestrado em Ciência da Informação do Instituto


Brasileiro de Informação em C&T (IBICT)/CNPq em convênio com a Escola de
Comunicação/UFRJ, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Ciência da Informação.

Aprovada por:

_________________________________________

Profa. Lena Vânia Ribeiro Pinheiro (IBICT/UFRJ) - Orientadora

Doutora em Comunicação e Cultura, ECO/UFRJ

_________________________________________

Prof. Ildeu de Castro Moreira (Instituto de Física/UFRJ) - Orientador

Doutor em Física, IF/UFRJ

__________________________________________

Prof. Aldo de Albuquerque Barreto

PhD em Ciência da Informação, The City University (Inglaterra)


4

__________________________________________

Profa. Gilda Olinto

Doutora em Comunicação e Cultura, ECO/UFRJ

__________________________________________

Profa. Magali Romero de Sá

PhD em História e Filosofia da Ciência, Durham University


(Inglaterra)

__________________________________________

Profa. Maria Nélida Gonzáles de Gomez (suplente)

Doutora em Comunicação e Cultura, ECO/UFRJ

Rio de Janeiro

1998
5

Massarani, Luisa

A divulgação científica no Rio de Janeiro:


Algumas reflexões sobre a década de 20/ Luisa
Massarani

Rio de Janeiro: UFRJ/ECO

127 p.

Dissertação - Universidade Federal do Rio de


Janeiro, ECO.

1. Divulgação científica. 2. História da


divulgação científica. 3. Ciência da Informação.

4. Tese (Mestrado UFRJ/ECO).

I. Título
6

Massarani, Luisa, A divulgação científica no Rio de Janeiro: Algumas

reflexões sobre a década de 20. Orientadores: Lena Vânia

Ribeiro Pinheiro e Ildeu de Castro Moreira. Rio de Janeiro.

UFRJ/ECO/IBICT, 1998. Diss.

Resumo

Levantamento e discussão sobre as atividades de divulgação científica


desenvolvidas no Rio de Janeiro, na década de 20 deste século. No período,
ocorreu intensificação dessas atividades, contando com grande engajamento de
cientistas e acadêmicos. Foram identificados os principais atores desse
processo e os meios de comunicação que utilizaram. Considerou-se ainda o
pano de fundo das motivações, dos interesses e das perspectivas filosóficas e
políticas sobre a ciência, que se refletiram no tipo de divulgação científica
produzida no período.

Abstract

Science popularization activities in Rio de Janeiro in the 1920's are


described and discussed here. An intensification of these activities with
significant contribution of scientists and academicians is a characteristic of the
period studied. Different media used as well as main actors involved in this
process are also considered in this research. Personal interests and motivations,
philosophical and political ideas about science are focused as a background
exercising influence upon science popularization generated in the 1920's, in Rio
de Janeiro.

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABC = Academia Brasileira de Ciências


7

ABE = Associação Brasileira de Educação

Mast = Museu de Astronomia e Ciências Afins.

SBC = Sociedade Brasileira de Ciências

T.S.F.= Telefonia sem fio.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Retratos de Amoroso Costa, Roquette-Pinto, Miguel Ozorio de Almeida e
Henrique Morize

Diretoria da Rádio Sociedade

Einstein no Observatório Nacional

Revista Electron e O Jornal

Livros A Vulgarização do Saber e Homens e Coisas de Sciencia

Livros As idéas Fundamentaes da Mathemática e O Valor da Sciencia


Ilustrações da revista Eu sei tudo

LISTA DE ANEXOS

Anexo 1

"A vulgarização do saber", de Miguel Ozorio de Almeida.

Anexo 2

Livros e artigos de divulgação científica escritos por Amoroso Costa,


Morize, Roquette-Pinto e Miguel Ozorio de Almeida

Anexo 3
Conferências e cursos patrocinados pela Associação Brasileira de Educação
8

SUMÁRIO

pág.

Introdução 7

Capítulo 1 - Divulgação científica: em busca de uma definição 11

Capítulo 2 - Antecedentes 23

Capítulo 3 - A década de 20: por uma ciência acessível 37

Atores do processo de divulgação científica 39

Manoel Amoroso Costa 40

Henrique Morize 42

Edgard Roquette-Pinto 44

Miguel Ozorio de Almeida 47

Um movimento organizado 50

Academia Brasileira de Ciências 50

Rádio Sociedade 57

Associação Brasileira de Educação 63

Panorama das instituições de pesquisa e ensino da época 66

Meios e instrumentos utilizados na divulgação científica 73

As publicações 73

As conferências da Associação Brasileira de Educação 82

O rádio 85

O cinema educativo 89
9

Algumas características da divulgação científica na década de 20 90


Estudos comparativos 92

Capítulo 4 - Considerações finais 97

Bibliografia 104

Anexos 114

Anexo 1 - "A vulgarização do saber", de Miguel Ozorio


de Almeida 114

Anexo 2 - Livros e artigos de divulgação científica escritos por

Amoroso Costa, Morize, Roquette-Pinto e Miguel Ozorio


de Almeida 120
Anexo 3 - Conferências e cursos patrocinados pela ABE 123
10

Introdução

Há quase 12 anos, entrei na sala de Ennio Candotti, na época editor da


revista Ciência Hoje. Motivo: acertar meu primeiro estágio em jornalismo. Ennio,
com sua empolgação contagiante, contou-me que o projeto se iniciara cinco
anos antes, a partir de um pequeno grupo de cientistas, que se mobilizou para
tentar levar assuntos relacionados à ciência para o público não especializado.
Com a peculiaridade de ser uma publicação da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, Ciência Hoje não tinha caráter comercial. Na época, não
havia uma revista similar no mercado brasileiro. A recepção de Ciência Hoje foi
excelente e depois surgiram outras iniciativas de divulgação científica, como a
revista Globo Ciência (hoje, Galileu), o programa televisivo Globo Ciência e a
revista Superinteressante.

Durante alguns anos, trabalhei no projeto sentindo-me parte de um grupo


de vanguarda. Cerca de três anos atrás, no entanto, ouvi um relato similar, com
uma diferença: o grupo de cientistas preocupados com a difusão de
conhecimentos científicos existira no Brasil há quase 80 anos! O achado não
diminuiu o mérito de Ciência Hoje ou das pessoas que a criaram, mas a história
fascinou-me a tal ponto que decidi transformá-la em meu tema de dissertação de
mestrado.

Procurei trabalhos que abordassem aspectos históricos da divulgação


científica brasileira, mas quase nada encontrei. Assim, no primeiro semestre do
curso, sob a batuta de Geraldo Prado e Ildeu de Castro Moreira, mergulhei nos
acervos e nas bibliotecas cariocas para tentar achar vestígios dessas atividades.
Vale destacar que Geraldo acompanhou a pesquisa até o final e,
lamentavelmente, não pôde participar da banca da tese por motivos alheios à
nossa vontade.

Para minha surpresa, encontramos um número relativamente grande de


publicações e registros de outras atividades relacionadas à divulgação científica
produzidas nestes dois últimos séculos. Em particular, a década de 20 deste
século presenciou, no Rio de Janeiro, aumento significativo nas iniciativas de
divulgação científica que, além de usar com mais intensidade jornais, revistas e
livros, passou também à organização de conferências periódicas, abertas ao
11

grande público, e à utilização do rádio, através da Radio Sociedade, para a


difusão de informações de conteúdo científico e educativo.1
Além de ter ocorrido essa intensificação das atividades de divulgação
científica na década de 20, é nesse momento que há destacado engajamento
de cientistas e acadêmicos – proporcionalmente mais acentuado do que
atualmente, por exemplo. Na época, houve também importante reflexão sobre a
importância da divulgação científica, tendo sido escrito A vulgarização do saber,
talvez o primeiro livro a discutir o papel e as dificuldades dessa atividade no
país. O autor, Miguel Ozorio de Almeida, em uma perspectiva bastante
atualizada, abordava os limites de atividades de divulgação que enfatizam
apenas a transmissão de conteúdos específicos:
"A vulgarização científica bem conduzida tem, pois, por fim real,
mais esclarecer do que instruir minuciosamente sobre este ou
aquele ponto em particular. Mantendo constantemente a maioria
das inteligências em contato com a ciência, ela virá criar um estado
de espírito mais receptível e mais apto a compreender. Ela se
destina mais a preparar uma mentalidade coletiva, do que
realmente a difundir conhecimentos isolados."2

E prosseguia, destacando a importância política da divulgação científica


para a afirmação institucional da ciência:
"A ciência, por seu lado, só tem a lucrar com uma vulgarização
bem feita. Suas necessidades são cada vez maiores e se na
maioria dos países elas são desprezadas, e a cultura da ciência

1
MOREIRA, Ildeu de Castro, MASSARANI, Luisa, PRADO, Geraldo. Aspectos
históricos da divulgação científica no Brasil: A década de 20. V CONGRESSO
LATINO AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 27-31
jul./1998. Rio de Janeiro.

2
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. A vulgarização do saber. Rio de Janeiro:
Ariel Editora Ltda., 1931. p. 237.
12

sofre um atraso considerável, isto é bem um indício que as classes


dirigentes e os povos, em geral, estão longe de bem julgar esses
problemas. Quando se trata de questões simples em que as
relações de causa e efeito são bem evidentes e ao alcance de
todos, as dificuldades desaparecem. Oswaldo Cruz mostrou que o
conhecimento das leis científicas exatas sobre a transmissão da
febre amarela é indispensável para a exterminação dessa doença.
Não lhe foi difícil obter em seguida meios para um grande instituto
de pesquisas sobre patologia experimental. Ninguém discutiu essa
utilidade, tão brilhante havia sido a demonstração que, por força
das circunstâncias, era essencialmente popular. Quando se trata,
porém, de relações menos imediatas entre os progressos
científicos e o bem de toda a coletividade, as dificuldades crescem.
É lícito, entretanto, esperar que aqui como no outro caso se trate
exclusivamente de uma questão de compreensão geral, e essa
compreensão só pode vir depois de uma larga difusão de
conhecimentos científicos."3

A década de 20 foi também um momento significativo para a ciência do


país. Nela, surgiu o embrião da comunidade científica brasileira que começou,
em um movimento mais organizado, a lutar por melhores condições para se
desenvolver a ciência aqui. A criação de novas instituições científicas, a
renovação daquelas já existentes e a valorização da ciência e do cientista são
apenas alguns aspectos que marcaram a década. Defendia-se com vigor a
ciência básica, vista então como "pura" e "desinteressada".
Motivados por essas considerações, nosso objetivo nesta dissertação foi
produzir um levantamento e uma reflexão sobre as atividades de divulgação
científica desenvolvidas no Rio de Janeiro, na década de 20 deste século.
Como fio condutor, buscamos responder algumas questões básicas: Quais as
principais características da divulgação científica feita na época? Quais os

3
Ibid. p. 238-239.
13

principais atores desse processo de divulgação científica? Como eles se


organizaram? Quais os meios e instrumentos que utilizaram? Fizemos
também uma análise geral das motivações, dos interesses e das perspectivas
filosóficas e políticas sobre a ciência naquela época, que se refletiam no tipo
de divulgação científica produzida.
Nossa pesquisa é, ao que parece, uma das primeiras abordagens
realizadas sobre as dimensões históricas da divulgação científica no Brasil.
Acreditamos, portanto, que esta dissertação, em função dessa característica
precursora, levantará mais questões do que oferecerá respostas. Seu
propósito maior será o de mapear o terreno e tentar estabelecer alguns
balizamentos para estudos posteriores mais aprofundados.

No primeiro capítulo, faremos uma revisão bibliográfica e histórica sobre


o termo divulgação científica, sem, no entanto, buscar uma definição muito
precisa. Alguns aspectos referentes ao século passado, que antecederam o
período de concentração desta dissertação, podem ser lidos no segundo
capítulo. O terceiro capítulo, que constitui o cerne desta dissertação, destina-
se à década de 20. Nele, buscamos responder às questões básicas delineadas
acima. Neste capítulo, fizemos também algumas observações rápidas, de
caráter histórico, comparando as atividades de divulgação realizadas no Brasil
com as de alguns países. O quarto capítulo traz nossas considerações finais e
discute as principais limitações de nosso trabalho. Alguns dados sobre
conferências, livros e artigos de divulgação científica produzidos na década de
20 foram incluídos em anexos, assim como a reprodução de texto de Miguel
Ozorio de Almeida que consideramos relevante por seu pioneirismo.
14

Capítulo 1

DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA:
EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO

Nesta parte introdutória da dissertação, faremos um apanhado de


algumas das conceitualizações de divulgação científica existentes e de
aspectos relacionados a essa atividade, mas sem buscar uma definição
delimitada e restritiva. Para Jacobi e Schiele, por exemplo, a divulgação
científica é uma prática sobre a qual não se pensa. Ela "parece se bastar por si
só, sob a única justificativa de sua própria produção", afirmam.4 Outros
arriscam opiniões para delimitar o termo. Nas definições que surgem, há
pontos em comuns, outros controversos.
De início, é importante destacar as diferenças entre os termos difusão
científica, disseminação científica, vulgarização científica, divulgação científica,
popularização da ciência e comunicação pública em ciência, muitas vezes
usados inadequadamente como sinônimos.
Segundo Raichvarg e Jacques, o termo "vulgarização" surgiu, na França,
no início do século XIX.5 Eles relatam também que, na década de 60 daquele
século, Camille Flammarion apontou as dificuldades existentes por trás desse
termo, inclusive quanto à sua conotação pejorativa. Na mesma época, surgiu a
expressão "popularização", embora não tenha conseguido suplantar a

4
JACOBI, Daniel, SCHIELE, Bernard (orgs.). Vulgariser la science - Le procès
de l’ignorance. Seyssel: Editions Champ Vallon, 1988. p. 11.

5
RAICHVARG, Daniel, JACQUES, Jean. Savants et ignorants - une histoire
de la vulgarization des sciences. Paris: Éditions du Seil. 1991.
15

designação anterior. Pierre Rostand, na década de 30 deste século, tentou


colocar uma pá de cal nessa polêmica:
"De minha parte, duvido fortemente que encontremos esse
sinônimo mais relevante que nos contentaria a todos. Aceitemos
portanto resolutamente e corajosamente essa velha palavra,
consagrada pelo uso, de vulgarização, lembrando-nos que vulgus
quer dizer povo e não vulgar, que as línguas 'vulgares' são as
línguas vivas e que a própria Bíblia só se espalhou pelo mundo
graças à tradução que se denomina Vulgata."6

Já nos países de língua inglesa, o termo popularização da ciência vem


sendo bastante utilizado ao longo deste século.7
Talvez por causa da grande influência francesa na cultura brasileira, o
termo "vulgarização" foi utilizado no Brasil em várias publicações do século
passado e do início deste, muitas das quais abordaremos nesta dissertação.
Nas décadas de 60 e 70 deste século, mencionava-se também "popularização
da ciência" com freqüência.
Atualmente, no Brasil, a designação "divulgação científica", que já surgira
no século passado8, é hegemônica. O termo é usado por exemplo pela equipe
de Ciência Hoje, que foi criada em 1982, em seu subtítulo ("revista de
divulgação científica da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência"),
bem como em editoriais e artigos. Foi também adotado por iniciativas
subseqüentes, como o programa televisivo Globo Ciência, a revista Globo

6
Apud. RAICHVARG, Daniel, JACQUES, Jean. Savants et ignorants - une
histoire de la vulgarization des sciences. Paris: Éditions du Seil. 1991. p. 9-
10.

7
NELKIN, Dorothy. Selling Science - How the press covers science and
technology, Nova York: W.H. Freeman and Company, 1995.

8
COUTY, Louis. Os estudos experimentais no Brasil. Revista Brazileira, tomo
II, p. 215-239, 1 nov./1879.
16

Ciência e a revista Superinteressante. A designação "divulgação científica"


vem sendo usada ainda em vários estudos sobre o assunto, como atestam
teses e dissertações desenvolvidas no Instituto Brasileiro de Informação em
Ciência e Tecnologia (IBICT) – instituição voltada para a Ciência da
Informação –, entre elas a de Gonzales9, Ramos10, Rublescki11, Hernandez

9
GONZALES, Maria Iracema. A divulgação científica: uma visão de seu
público leitor. Orientadoras: Heloisa Tardin Christovão e Maria Nélida G. de
Gomez. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1992. Dissertação (mestrado em
Ciência da Informação).

10
RAMOS, Marcos Gonçalves. Divulgação da informação científica em
energia nuclear - ideologia, discurso e linguagem. Orientadora: Lena Vania
Ribeiro Pinheiro. Rio de Janeiro: IBICT- ECO/UFRJ, 1992. Dissertação
(mestrado em Ciência da Informação).

11
RUBLESCKI, Anelise. Jornalismo científico: o dia-a-dia das redações -
Estudo de caso dos jornais O Globo e JB. Orientadora: Heloisa Tardin
Christovão. Rio de Janeiro: IBICT- ECO/UFRJ, 1993. Dissertação (mestrado em
Ciência da Informação).
17

Cañadas12 e Guedes13. A divulgação científica é uma das linhas de pesquisa


da Ciência da Informação, conforme relatado por Pinheiro e Loureiro.14
Alguns autores defendem atualmente o uso do conceito "comunicação
pública em ciência". É o caso de Fayard:
"O conceito de comunicação pública em ciência abrange mais
largamente o conjunto dos fenômenos que nos interessam. Ele
engloba a soma das atividades que possuem conteúdos científicos
vulgarizados e destinados ao público de não especialistas em
situação não cativa. Esta definição exclui de seu campo a
comunicação disciplinar entre especialistas e o ensino."15

O termo é usado, por exemplo, pela Public Communication of Science &


Technology-Network, rede internacional que reúne grupos de pesquisa de
diversos países.

12
HERNANDEZ CAÑADAS, P.L. Os periódicos Ciência Hoje e Ciência e
Cultura e a divulgação da ciência no Brasil. Orientadora: Heloisa Tardin
Christovão. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1987. Dissertação (mestrado em
Ciência da Informação).

13
GUEDES, Angela Cardoso. Globo Ciência: inventário e análise do arquivo
de cartas recebidas dos telespectadores em 1988. Orientadora: Heloisa
Tardin Christovão. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1990. Dissertação
(mestrado em Ciência da Informação).

14
PINHEIRO, Lena Vânia Ribeiro, LOUREIRO, José Mauro Matheus. Traçados
e limites da ciência da informação. Ciência da Informação. Brasília: IBICT, vol.
24, n. 1, p. 42-53, jan.-abr./1995. p. 50.

15
FAYARD, Pierre. La Communication scientifique publique - De la
vulgarization à la médiatisation. Lyon: Chronique Sociale, 1988. p. 11-12.
18

Dentro dos nossos propósitos nesta dissertação, consideraremos que


vulgarização científica, divulgação científica, popularização da ciência e
comunicação pública em ciência têm o mesmo significado. Decidimos usar o
termo "divulgação científica" por ser o mais empregado no Brasil.
Já difusão e disseminação têm um sentido um pouco diverso de
divulgação. Pasquali16 preocupa-se em fazer a distinção:
- Difusão é o envio de mensagens elaboradas em códigos ou linguagens
universalmente compreensíveis para a totalidade das pessoas.
- Disseminação é o envio de mensagens elaboradas em linguagens
especializadas, ou seja, transcritas em códigos especializados, a receptores
selecionados e restritos, formado por especialistas. Pode ser feita intrapares
(especialistas da mesma área) ou extrapares (especialistas de áreas
diferentes).
- Divulgação é o envio de mensagens elaboradas mediante a
transcodificação de linguagens, transformando-as em linguagens acessíveis,
para a totalidade do universo receptor.
Outro significado para o termo difusão científica (usado particularmente
entre historiadores da ciência) lhe dá uma dimensão mais ampla: é o envio de
quaisquer mensagens com conteúdo científico, especializadas ou não.17
Partindo da colocação de Pasquali, Bueno afirma que a divulgação
científica "pressupõe um processo de recodificação, isto é, a transposição de
uma linguagem especializada para uma linguagem não especializada, com
objetivo de tornar o conteúdo acessível a uma vasta audiência".18 Para ele, a

16
PASQUALI, Antonio Pasquali. Compreender la comunicación. Caracas:
Monte Ávila Editores, 1978.

17
PETITJEAN, P., JAMI, C., MOULIN, A.M. Sciences and Empires. Dordrecht:
Klouwer Academic Publishers, 1992.

18
BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico: conceitos e funções. Ciência
e Cultura. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 37,
n. p. 1420-1427, set/1995. p. 1421.
19

divulgação científica usaria, portanto, recursos, técnicas e processos para


veiculação de informações científicas e tecnológicas ao público geral.
Para Reis, a divulgação científica "é a veiculação em termos simples da
ciência como progresso, dos princípios nela estabelecidos, das metodologias
que emprega.19
Talvez seja Roqueplo20 quem defina a divulgação científica de forma mais
abrangente, afirmando ser toda atividade de explicação e de difusão dos
conhecimentos, da cultura e do pensamento científico e técnico, sob duas
condições. A primeira delas é que essas explicações e essa difusão do
pensamento científico sejam feitas fora do ensino oficial ou de ensino
equivalente. A segunda condição imposta por ele é que tais explicações extra-
escolares não devem ter como objetivo formar especialistas, nem mesmo
aperfeiçoá-los em sua própria especialidade. Ele acredita que a divulgação
científica deve se dirigir ao maior público possível sem, no entanto, excluir o
cientista ou o homem culto.
No número inaugural de Ciência Hoje, os editores da publicação
definiram divulgação científica como a tentativa, seja por cientistas, seja por
jornalistas, de fornecer à sociedade uma descrição inteligível da atividade
criadora dos cientistas e de esclarecer questões técnicas e científicas de
interesse geral. A divulgação científica pressupõe a busca de uma linguagem
devidamente acessível – em oposição aos jargões e às fórmulas freqüentes na
linguagem científica e em geral restritos aos especialistas de determinada área
de pesquisa –, sem prejuízo das correções das informações21. Esta é definição
que procuro adotar nas minhas atividades profissionais.

19
REIS, José. Professor José Reis: um divulgador da ciência. Ciência Hoje, Rio
de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, v. 1., n. 1, p. 77-
78, jul.-ago./1982. p. 78.

20
ROQUEPLO, Philippe. La partage du savoir. Paris: Éditions du Seuil, 1974.

21
Ciência Hoje (editorial), Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, n. 1, julho/agosto 1982. p. 6.
20

Com relação à eficácia da divulgação científica, Bueno pergunta: "Qual é


a linguagem acessível ao grande público? Baseado em que estudos e
pesquisas podemos concluir que existe efetivamente uma linguagem acessível
a uma clientela tão heterogênea? E que grande público é esse?"22
Kaixun faz uma avaliação otimista:
"(...) é impossível que todas as pessoas sejam cientistas. No
entanto, é possível para o público geral entender os fundamentos
básicos da ciência, entender os métodos científicos de pensar,
entender a abordagem prática para a investigação científica,
entender as relações entre ciência e sociedade, entender os
potenciais e as limitações dos cientistas. Não podemos esperar
que todas as pessoas se tornem compositores, mas elas podem
apreciar e desfrutar música e entender Mozart e Beethoven. De
modo similar, não é fácil se tornar um cientista, mas é possível
para o público obter uma compreensão da ciência e se beneficiar
dos frutos da ciência."23

No entanto, na década de 20, Miguel Ozorio de Almeida já dera seu


parecer sobre as dificuldades da transmissão de informações científicas:
"É impossível, quase sempre, apresentar em linguagem profana
um raciocínio que só pode ser assimilado com o auxílio de um
símbolo próprio. (...) A linguagem comum, a que é utilizada para a
vida de todos os dias, tem suas raízes profundas no senso comum.

22
BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico: conceitos e funções, Ciência
e Cultura, São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 37(9),
p. 1420-1427, set/1995. p. 1423.

23
KAIXUN, Zhang. The Public & Science. IV INTERNATIONAL CONFERENCE
ON PUBLIC COMMUNICATION OF SCIENCE AND TECHNOLOGY: NEW
TRENDS AND NEW PRATICES IN A CHANGING WORLD, 1996. Melbourne.
21

A matemática, como a filosofia, recorre a conceitos, dependentes


em certos casos, de uma espécie de senso diferente, e que assim
não se adaptam às condições precárias da língua habitual. Dá-se
aqui (...) o que se observa em um grau muito menor com as
traduções literárias. A passagem de certas expressões, que
correspondem à mentalidade profunda peculiar a um povo, e que
representam exatamente o seu modo de sentir, não pode ser feita
convenientemente para outras línguas, que se mostram assim
deficientes. A tradução em linguagem vulgar de concepções
matemáticas encontra diante de si uma dificuldade desse gênero,
mas em proporções muito maiores. Ela terá que ser forçosamente
incompleta e defeituosa.

(...)

As ciências, porém, se distinguem umas de outras pelo modo por


que elas são estudadas. Se algumas põem em trabalho as
capacidades superiores do raciocínio, e se para abordá-las com
proveito é preciso desenvolver ao mais alto grau o poder de
abstração, afastando-se (...) do senso comum, outras não exigem
mais do que as qualidades bem equilibradas dos homens médios.
Os seus resultados podem muitas vezes ser isolados, expostos de
um modo suficientemente claro, em palavras simples de uma
linguagem muito próxima da linguagem cotidiana."24

Ele dá exemplos que considera de possível compreensão para os não


especialistas:

24
OZORIO DE ALMEIRA, Miguel. A vulgarização do saber. Rio de Janeiro:
Ariel Editora Ltda., 1931.p. 232-233.
22

"As ciências naturais apresentam inúmeras questões que estão


nesses casos. Mesmo algumas das grandes concepções
orientadoras que se encontram na base dessas ciências podem ser
explicadas com sucesso a profanos. Todo o mundo compreende
em seus pontos essenciais a teoria da evolução ou a natureza
microbiana das doenças infecciosas."25

Para Miguel Ozorio de Almeida, "ao leigo não interessa, nem é necessário
saber a minúcia técnica e sim apenas as grandes linhas essenciais de um
conjunto importante de conhecimentos".26 Thuillier, que já foi editor da revista
francesa La Recherche, defende: "o importante não é conhecer os últimos
resultados de cada ramo da ciência, mas saber como ela funciona
culturalmente".27
Thuillier também questiona a capacidade de transmissão de conteúdos
científicos específicos: "Há quem acredite que ela [a divulgação científica]
promove o aprendizado da ciência. São como os 'internalistas' da história da
ciência, que só consideram os textos e acreditam que, lendo-os, aprende-se
tudo. O caso extremo é o da pessoa não muito instruída, que compra um
monte de revistas científicas e lê tudo, ficando convencida de que conhece a
ciência. Afinal, pode-se aprender a ciência pela mera leitura de textos? (...) Ela
não é feita de textos, é uma prática..."28

25
Ibid. p. 235.

26
Ibid. p. 235.

27
THUILLIER, Pierre. O contexto cultural da ciência. Ciência Hoje. Rio de
Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 9, n. 50, pp.18-
23, janeiro/fevereiro 1989. p. 23.

28
Ibid. p. 22.
23

Thuillier diz ainda: "Outro problema é saber se a divulgação científica de


fato forma as pessoas e cultiva o espírito crítico, como em geral se afirma. Ora,
o que a experiência mostra é que se trata, em muitos casos, de uma leitura
completamente mistificadora."29
Para ele, "quanto mais sofisticado é um artigo, quanto mais abstrusa a
questão que ele aborda, mais ele pode conter qualquer disparate". Nesse
sentido, ele citou o exemplo de um "primeiro de abril", realizado por La
Recherche, quando a revista completou um ano. Os editores publicaram um
artigo absurdo, relacionando determinada configuração assumida por certas
estrelas e o nariz de um animal fictício. Segundo Thuillier, muitas pessoas
levaram o artigo a sério. "Muita gente acredita em qualquer coisa dita numa
revista científica", lamenta.30
Outro alerta dado por Thuillier diz respeito às lacunas ainda existentes na
ciência. Ele acredita que não se deveria divulgar apenas os triunfos da ciência,
mas também o que não se conhece. O francês cita o exemplo da teoria da
evolução: "Há pessoas que, após ler 20 artigos sobre a teoria da evolução,
adquirem a respeito idéias claras e precisas, enquanto que os verdadeiros
cientistas permanecem cheios de dúvidas, às voltas com enormes lacunas".
Dessa forma, a divulgação científica "não contribui para a formação do senso
crítico". 31
Segundo Thuillier, existe uma contradição permanente na divulgação
científica: "Para o pesquisador, os problemas se apresentam complicados;
quando o assunto é ensinado nas faculdades, começa-se a simplificar; na
escola secundária, simplifica-se mais; por fim, na escola primária ou na
divulgação, tudo fica ainda mais simples. A ciência é complicada. Querendo

29
Ibid. p. 22.

30
Ibid. p. 22-23.

31
Ibid. p. 23.
24

facilitar, a divulgação simplifica e dogmatiza. Deve-se falar sobre isso com o


leitor."32
Collins e Pinch têm uma posição similar, embora um pouco mais radical, a
esse respeito:
"O debate sobre o entendimento público da ciência está igualmente
impregnado pela confusão entre método e conteúdo. O que deveria
ser explicado são os métodos da ciências, mas o que a maioria das
pessoas ligadas a essa área quer que o público saiba é a verdade
sobre o mundo natural – isto é, o que o poder acredita ser a
verdade sobre o mundo natural.

(...)

Concordamos com os divulgadores que o cidadão necessita estar


suficientemente informado sobre itens técnicos para votar, mas a
informação necessária não é sobre o conteúdo da ciência, mas sim
sobre a relação entre experts, políticos, meios de comunicação de
massa e o resto de nós"33

Cini, participante da equipe que criou e dirigiu a revista italiana Sappere, é


um duro crítico da forma como a divulgação científica é feita:
"(...) a divulgação científica praticada hoje faz parte do mercado do
espetacular e, portanto, não transmite a idéia da ciência como uma
forma de conhecimento do mundo, associada com a vida diária das
pessoas. Transmite-se uma imagem da ciência como algo
espetacular que descobre coisas estranhas e, sobretudo, como

32
Ibid. p. 23.

33
COLLINS, Harry, PINCH, Trevor. The Golem - what everyone should know
about science. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 144-145.
25

uma atividade que produz verdades absolutas. A idéia que se


passa é a de que, se uma coisa é científica, ela deve ser aceita
sem discussões, que é inevitável e que é também,
necessariamente, um bem para a humanidade. Penso que essa
mensagem é um erro. Ela não ajuda as pessoas a compreenderem
o que a ciência está fazendo, para onde vai, quais são os
problemas debatidos internamente, como as idéias se confrontam
dentro das várias disciplinas científicas e também como ela se
insere no tecido tecnológico e econômico. Sem uma difusão
científica correta, a ciência vai permanecer como algo esotérico,
produzido por uma casta de especialistas, no qual as pessoas não
podem interferir e que têm que aceitar como inevitável."34

Schwartzman também critica a divulgação científica que apela para


abordagem espetacular do assunto, citando dois casos:
"No primeiro caso, a atividade científica é glamourizada e
enfeitada, os cientistas são grandes gênios que fazem coisas
incríveis, para a fascinação de todos nós. No segundo, existe uma
fronteira do desconhecido em que discos voadores e astrologia se
juntam com doutores Silvana e Spock (o da 'Jornada das Estrelas')
em um mundo mágico e aberto a todas as possibilidades. Em
ambos os casos, o leitor é infantilizado e entende cada vez menos
a respeito da verdadeira natureza do trabalho científico."35

34
CINI, Marcello. O paraíso perdido. Ciência Hoje. Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 23, n. 138, p. 10, maio 1998. p. 10.

35
SCHWARTZMAN, Simon. A cozinha na ciência. Ciência Hoje. Rio de Janeiro:
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 13, n. 77, out.-nov./1991.
p. 2.
26

Roqueplo correlaciona o poder com o saber, considerando-o como


instrumento de dominação, cada vez mais reivindicado para justificar a
hierarquia social. Nesse sentido, ele questiona: "Queremos verdadeiramente
compartilhar o saber?"36 Segundo ele, uma das razões pelas quais o saber é
menos compartilhado reside no fato de que aqueles que detêm um poder –
qualquer que ele seja – sempre resistem em reparti-lo. Ele acredita que há uma
contradição fundamental:
"(...) na medida em que pretende se justificar a título de
competência (real ou fictícia), a hierarquia não pode se opor a
todas as transferências de saber que se transformariam pelo
próprio fato em críticas às competências. Nestas condições,
mantém-se a formação permanente para a aquisição restritamente
controlada pelas competências individuais e limitadas. Perpetua-se
assim a seleção escolar e se é permitido que tal ou tal indivíduo
mude de nível ou de casta é sob a condição de que uma
tranferência ampliada do saber não resulte na renúncia da
estrutura hierárquica. Algumas vezes, essa estrutura exige
dispositivos que dão a ilusão de um partilha democrática do saber:
esta ilusão é necessária para justificar ideologicamente o próprio
princípio da hierarquia (isto é, a ligação saber-poder que constitui a
competência). Mas a estrutura hierárquica não deve somente
justificar-se em seu princípio: ela deve se reproduzir nos fatos, o
que impõe – apesar das aparências – a retenção generalizada do
saber em todos os níveis da hierarquia social.

A contradição é tal que os profissionais da formação permanente e


da divulgação científica não conseguem escapar; o problema da
partilha do saber, com efeito, ultrapassa infinitamente o papel

36
ROQUEPLO, Philippe. La partage du savoir. Paris: Éditions du Seuil, 1974.
p. 13.
27

daqueles que, mesmo voluntários, se definem como mediadores


culturais. Quaisquer que sejam suas intenções e energia que
gastam, eles não podem retirar deles mesmos uma contradição
que os domina e que os domina precisamente porque ela resulta
da significação sócio-política da função cultural que eles pretendem
preencher."37

Embora concordemos no geral com as idéias de Roqueplo, consideramo-


nas um tanto extremadas no que se refere ao papel e às conseqüências das
atividades de divulgação científica. Aspecto importante que Roqueplo não
menciona foi abordado recentemente por Jourdant, que analisa também o
significado epistemológico da divulgação científica:
"Visões tradicionais da popularização da ciência tomam por certa a
idéia de que ela pretende transmitir resultados científicos
importantes para o público leigo. Quaisquer que sejam as razões
de tais intenções educacionais (direitos democráticos à informação,
vindicação do suporte financeiro público, propaganda por mais
recursos, preocupações humanitárias etc.), a eficiência didática das
apresentações populares de ciência parece ser extremamente
baixa. Várias pesquisas que buscavam mensurar o entendimento
público de ciência levaram a conclusões pessimistas tanto nos
Estados Unidos como na Europa.

Vários estudos sobre a retórica da popularização da ciência


mostraram que as dimensões didáticas dos textos deviam ser
entendidas mais como um meio para cumprir as regras do gênero
do que para transmitir conhecimento científico para o público leigo.
Portanto, a questão que deve ser feita é: qual é a finalidade da

37
Ibid. p. 15.
28

popularização da ciência se ela não é inspirada por propósitos


educacionais?

Para responder a essa questão devemos lembrar que a


popularização da ciência foi iniciada historicamente de dentro da
própria comunidade científica. Devemos então olhar quais
benefícios os cientistas poderiam obter por meio da popularização
de seus próprios trabalhos para audiências leigas. A hipótese de
nosso trabalho é que os cientistas têm interesse epistemológico
direto em popularizar o seu conhecimento mesmo se não estão
conscientes disso. Descobertas e trabalhos inovadores na ciência
estão intimamente ligados com alguma mudança na perspectiva
que os cientistas têm de seu objeto de estudo. "Perspectiva" deve
ser entendida aqui como um termo muito geral referindo-se a um
novo dispositivo tecnológico, um novo paradigma ou sub-
paradigma ou uma alteração na abordagem conceitual etc.

(...)

A popularização da ciência poderia estar fazendo precisamente


isto: escapar da perspectiva especializada sobre os resultados
científicos de modo a lhes dar significados sem as limitações
associadas com a perspectiva não facilmente acessível do
cientista."38

38
JOURDANT, Baldouin. The Epistemological significance of popularisation of
science. IV INTERNATIONAL CONFERENCE ON PUBLIC COMMUNICATION
OF SCIENCE AND TECHNOLOGY: NEW TRENDS AND NEW PRATICES IN A
CHANGING WORLD, 1996. Melbourne.
29

Embora tenha uma posição crítica já expressa anteriormente, Thuillier


busca caminhos para tornar a divulgação científica em um instrumento útil e
transformador. "A saída talvez consista em visar não a objetividade, a
neutralidade, mas em fazer várias pessoas, com pontos de vista variados,
falarem sobre um assunto. Aí o leitor pode formar um juízo. O verdadeiro
problema por trás de tudo isso é o de transformar o leitor passivo – na
divulgação tradicional, o leitor é passivo, as descobertas chegam até ele, mas
ele não pode sequer avaliá-las –, levando-o a exercer seu espírito crítico."
Dessa maneira, ele acredita que, em caso de fraudes, "teremos um público
adulto, em lugar de um público que acredita piamente nos cientistas e que se
escandaliza quando algumas coisa não funciona direito". Mas Thuillier alerta:
"Se ensinarmos às pessoas a respeitar demais a ciência, estaremos minando a
possibilidade de criticar a tecnocracia".39
Embora as questões gerais sobre o que é a divulgação científica e qual o
seu significado sejam evidentemente importantes, dentro do contexto de nosso
trabalho, não pretendemos dedicar a elas considerações mais aprofundadas do
que as discutidas acima. Isso porque nosso interesse principal é de fundo
histórico e voltado para a análise do tipo de divulgação que foi produzida na
década de 20 no Rio de Janeiro.
Segundo Raichvarg e Jacques, a história da divulgação científica é "um
complemento indispensável da história e da filosofia das ciências, no sentido
que ela levanta novas questões: por que, para quem e como uma ciência, em
um dado momento, foi difundida no tecido social de uma época? Que pessoas
se apropriaram dessa ciência em um dado momento e por quais meios?"40
A divulgação científica, ao longo dos séculos, respondeu a motivações e
interesses diversificados. O estudo de seus diversos aspectos históricos nos

39
THUILLIER, Pierre. O contexto cultural da ciência. Ciência Hoje. Rio de
Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 9, n. 50, pp.18-
23, janeiro/fevereiro 1989. p. 23.

40
RAICHVARG, Daniel, JACQUES, Jean. Savants et ignorants - une histoire
de la vulgarization des sciences. Paris: Éditions du Seil. 1991. p. 8.
30

ajuda, portanto, a elucidar como suas formas variam no tempo, em função dos
31

pressupostos filosóficos sobre a ciência, dos interesses políticos e econômicos


e dos meios disponíveis nas diversas épocas e nos diversos lugares. Também
as conceituações sobre a divulgação científica e seus rumos e objetivos variam
historicamente. Dizem Raichvarg e Jacques:
"As finalidades da vulgarização são múltiplas, às vezes mesmo
contraditórias, variáveis no curso na história mas obedecendo a
certas permanências ideológicas que não são sempre únicas nem
explicitamente formuladas."41

No século XVIII, as maravilhas da ciência eram exibidas como provas da


existência de Deus; posteriormente, com o iluminismo, tornou-se importante
difundir os conhecimentos necessários ao progresso e à afirmação da razão.
No século XIX, a ciência, além de se aliar mais fortemente às artes industriais,
adquiriu caráter político mais explícito ao se tornar símbolo do progresso e
instrumento para a liberação social. Correntes ideológicas fortes, como o
positivismo e o marxismo, viram nela um ponto de apoio fundamental para suas
visões de mundo e para a evolução da humanidade.
No século XX, estreitou-se o vínculo entre a ciência e a tecnologia e o
tecido econômico-industrial-militar, especialmente após a Segunda Guerra
Mundial; o impacto da ciência e da tecnologia na vida cotidiana do cidadão
aumentou muito. Com a aliança poderosa entre o saber e o poder e com os
novos meios de comunicação de massa, a divulgação científica se ampliou e
adquiriu novos contornos. Surgiu também o marketing institucional e a
profissionalização dos divulgadores da ciência. Com a emergência de uma
comunidade científica de amplas dimensões, interesses políticos e de
financiamento da pesquisa passaram também a ser fatores de peso no
processo de comunicação pública da ciência. Além disso, o conhecimento de
princípios básicos e do funcionamento da ciência tornaram-se importantes para
a manifestação política consciente do cidadão comum.

41
RAICHVARG, Daniel, JACQUES, Jean. Savants et ignorants - une histoire
de la vulgarization des sciences. Paris: Éditions du Seil. 1991. p. 17.
32

Capítulo 2

ANTECEDENTES

No início do século passado, com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil,


abriram-se os portos e a proibição de se imprimir foi suspensa. Iniciou-se a
publicação de livros, revistas e jornais, com a criação, em 1810, da Imprensa
Régia. Onze anos mais tarde, passou a ser permitida a entrada franca de livros.
Com isso, textos e manuais ligados à educação científica, embora em número
reduzido, começaram a ser publicados ou, pelo menos, difundidos no país.42
Em 1813, o jornal O Patriota já publicava artigos relacionados à ciência,
sendo seguido, ao longo do século XIX, por outras publicações como o Nictheroy
(1836)43 e O Guanabara (1850). Nos anos que antecederam à Independência,
emergiu, por um lado, a necessidade de formação local de quadros que
pudessem gerir a estrutura administrativa do governo imperial. Por outro lado,
interesses nacionalistas estavam presentes em muitos brasileiros formados no
exterior que viam na ciência e nas técnicas, em especial nos domínios agrícola e
mineralógico, uma possibilidade de avanço econômico para o país que

42
CARDOSO, Walter. Divulgação matemática, ao tempo do príncipe regente D.
João. In: D'AMBRÓSIO, Ubiratan (org.). Anais do 2º Congresso Latino-
americano de História da Ciência e da Técnica. São Paulo: Nova Stella, p.
510-514, 1988.

43
PINASSI, Maria Orlanda. Três devotos, uma fé, nenhum milagre - Um
estudo da revista Niterói. Orientadora: Élide Rugai Bastos. Campinas:
Unicamp, 1996. Tese (doutorado em Sociologia).
33

pretendiam construir. José Bonifácio de Andrada e Silva pode ser visto como um
representante típico desta mentalidade.44
Na segunda metade do século XIX, as atividades de divulgação se
intensificaram em todo o mundo45, na seqüência da segunda revolução industrial
na Europa, acompanhando as esperanças sociais crescentes acerca do papel da
ciência e da técnica. Uma onda de otimismo em relação aos benefícios do
progresso técnico – expressa, por exemplo, na realização das grandes
Exposições Universais – percorreu o mundo e atingiu, ainda que em escala
menor, o Brasil.
Aqui, no período final do Segundo Reinado, a produção de pesquisa
científica tinha caráter ainda marginal, limitando-se a poucas pessoas,
estrangeiros ou formados lá fora, que realizavam atividades em caráter individual,
e em áreas restritas como astronomia ou ciências naturais.46 O quadro geral da
instrução pública e da educação científica era extremamente restrito e limitado a
uma pequena elite, mas o interesse de D. Pedro II pela ciência favoreceu algumas
das atividades ligadas à difusão dos conhecimentos. Elas tinham como
característica marcante a idéia de aplicação das ciências às artes industriais.

Um caso que exemplifica a intensificação dos interesses por divulgação


científica é a mudança no perfil de O Guanabara, revista mensal artística,
científica e literária. Redigida por uma associação de literatos e dirigida por
Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, Manoel d'Araujo Porto Alegre e Joaquim
Manoel Macedo, O Guanabara deu lugar à Revista Brazileira - Jornal de

44
ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Projetos para o Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.

45
FIGUEIRÔA, Silvia F. de M., LOPES, Maria Margaret, A difusão da ciência
através da imprensa e dos periódicos especializados (1890-1930). VI
SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 4-7
jun./1997, Rio de Janeiro.

46
AZEVEDO, Fernando (ed.). As Ciências no Brasil. 2 vol., Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ, 1995.
34

Sciencias, Letras e Artes, em 1857. Na mudança, a publicação passou a ser


trimestral e dirigida por Candido Baptista de Oliveira.47 Os mais ativos
participantes da revista eram Giacomo Raja Gabaglia, Guilherme Schüch de
Capanema, Francisco e Manoel Freire Alemão, Emmanuel Liais, F.L.C.
Burlamaque, J. Norberto e Fernandes Pinheiro.

A Revista Brazileira publicava tanto textos elaborados pela própria equipe,


como transcrições de artigos extraídos de publicações nacionais e estrangeiras.
Segundo a introdução apresentada na sua primeira edição, "além das ciências
puramente especulativas, ou de publicações literárias de mero gosto, farão
regularmente objeto da Revista quaisquer conhecimentos de utilidade prática:
compreendendo-se especialmente nesta categoria o estudo comparativo de
importantes fatos históricos de qualquer ordem, nacionais e estrangeiros; e das
matérias econômicas, industriais e financeiras, com particular aplicação ao
Brasil".48

Em levantamento que realizamos na primeira fase49 da revista, observamos


que do total de 103 matérias publicadas, distribuídas em 10 volumes, 21 (20%)
eram de divulgação científica, ocupando o terceiro lugar no ranking de seções
mais publicadas, perdendo para artigos científicos ou técnicos (30%) e relatórios
ou documentos (22%). Na retaguarda estavam ensaios, poesias, crônicas e
assuntos literários (16%) e notícias curtas científicas e artísticas (13%).

Outra publicação da época é a Revista do Rio de Janeiro, lançada em 1876


e cujo editor era Serafim José Alves. Segundo o editorial da primeira edição, "um

47
MOREIRA, Ildeu de Castro, MASSARANI, Luisa. Candido Baptista de
Oliveira e o Sistema Métrico Decimal. V SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA
DA CIÊNCIA, 1995, Ouro Preto.

48
Revista Brazileira, tomo 1, p. 1, 1857.

49
Em janeiro 1861, interrompeu-se a publicação de Revista Brazileira. Em 1879,
surgiu uma publicação de mesmo nome, mais voltada para assuntos culturais e
literários, a qual denominaremos segunda fase da Revista Brazileira.
35

dos meios mais eficazes de favorecer a instrução e o progresso, e ao mesmo


tempo prestar valioso serviço ao país, que tem tudo a ganhar com a difusão das
luzes, é vulgarizar as ciências, letras, artes, agricultura, comércio e indústria".50
O propósito da revista era "resumir em um volume artigos que mereçam ser
estudados e que encerrem os principais progressos das ciências (...). Literária,
filosófica, imparcial e independente, a Revista do Rio de Janeiro se consagra à
mocidade e ao progresso."51

Análise feita nos dois volumes publicados em seu primeiro ano de vida
mostrou que de seus 98 artigos, 21% são de divulgação científica, 18% técnicos e
4% referem-se a notícias científicas curtas. No entanto, os artigos relacionados à
ciência são menos profundos que os da Revista Brazileira, além de muitos deles
trazerem conceitos já ultrapassados na época. Exemplo disso é um artigo no qual
o autor anônimo defende o conceito de calórico52, superado na física desde os
anos 40 daquele século, portanto quase quatro décadas antes.

Em 1881, Felix Ferreira criou Sciencia para o povo, publicação semanal


que, segundo o anúncio distribuído ao longo das edições, era uma coleção de
obras de ciências popularizadas pelos mais notáveis escritores modernos
nacionais e estrangeiros. Quase todos os artigos são relacionados à ciência e se
distribuem em seções. Entre as seções, estão: "Serões instrutivos", por Aristides
Roger, com tradução de Lino de Almeida, que traz informações romanceadas
sobre assuntos como o corpo humano; "Viagens aéreas", que são, como o nome
diz, notas sobre viagens, entre elas texto escrito por Camille Flammarion; "A
educação da mulher", notas coligidas por diversos autores por Felix Ferreira;

50
Revista do Rio de Janeiro, vol. 1., p. 1-2, 1 jan./1876.

51
Ibid. p. 1.

52
O artigo, intitulado "O calórico", foi publicado em 6 partes. Por causa da forma
como a publicação foi encadernada, não conseguimos localizar o número da
edição em que cada uma das partes foi publicada. vol. 1, p. 72-75, 83-85, 101-
103, 116-118, 130-132, 148-150 (1876).
36

"Mistérios da geração", inúmeros artigos que tocam temas avançados como


divórcio, frigidez, gravidez, esterilidade e impotência.

Na apresentação53, Ferrreira afirma:


"Longe vão os tempos em que a ciência envolvia-se no profundo
mistério; em que os grosseiros princípios da química e os mal
distintos boquejos da física constituíam os segredos da feitiçaria;
em que a nebulosa aurora da astronomia, desvirtuada na empírica
astrologia, pretendia nas linhas da mão predizer o futuro; em que a
medicina ainda na infância e a cirurgia titubeante eram antes
privativas da classe sacerdotal. Hoje, porém, as ciências elevadas
ao mais alto grau de aperfeiçoamento, iluminadas pelo grande farol
da imprensa, derramam ondas de luz por todas as classes da
sociedade.

(...)

Tão vulgarizados estão hoje os segredos das ciências nas


sociedades cultas, tão populares se têm tornado os fenômenos do
mundo físico; que a nenhum homem, já não diremos de apurada
instrução, mas que saiba ler e compreender o que lê, é dado
ignorar o que se passa na terra em que vive, em redor de si e em si
mesmo.

Não saber que a terra move-se, que além deste globo há milhares
de outros muito maiores que giram no espaço infinito; desconhecer
as leis da atração universal, os influxos que atuam nos mares, a
origem dos ventos, a causa das tempestades, a natureza do raio e
da nuvem, a composição da água; ignorar os mais comezinhos

53
Sciencia para o povo, vol. I, n. 1, 1881. p. 3-8.
37

princípios da física e, por conseqüência, não saber que o calor é a


fonte de vida, a luz é a irradiação do calor, que o som propaga-se
em ondas sonoras, e que as cores vibram; não saber que o cérebro
é a sede da vontade, que os nervos são os transmissores dessa
vontade aos membros do corpo, que o estômago digere, que o
fígado secreta a bílis, que o sangue circula nas veias e que os
pulmões respiram; ignorar que o reino animal é uma cadeia cujos
últimos elos se prendem e se confundem com o reino vegetal; que
os vegetais respiram e que reproduzem-se pela fecundação como
os animais; ignorar, enfim, tudo isso, é conservar-se indiferente a
todas as lições que dá a natureza inteira onde tudo nos fala da
ordem, da economia, do trabalho e da providência.

Hoje que por todo o mundo civilizado se derramam a mãos fartas


livros e jornais, que de tudo isso tratam, tudo isso ensinam,
comentam e discutem, triste é de ver-se o atraso em que vegeta a
instrução popular entre nós. A despeito das inúmeras reformas, dos
pomposos edifícios e mil outras exterioridades, os compêndios são
antiguados e os bons livros escassos.

É certo que nos faltam para tanto escritores especiais, que as


ciências estão ainda pouco desenvolvidas, que seus hábeis
profissionais pouco ou nada produzem, mas também não é menos
certo que o gosto pela leitura desenvolve-se, o amor pelo saber
aumenta e as classes populares já não se contentam com os
jornais noticiosos e o romance de ação, o povo quer mais alguma
coisa, aspira mais elevada esfera de conhecimentos, as escolas
noturnas de ensino literário, artístico e científico regorgitam, o Liceu
de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro é freqüentado por 1.200
alunos; o que nos faltam pois são livros instrutivos, ilustrados, e
postos ao alcance dos menos favorecidos da fortuna.
38

Parece-nos, por isto, chegado o momento de encetar uma


publicação que vulgarize entre nós algumas dessas obras que
tanto têm contribuído para a instrução do povo nos países mais
adiantados, do velho e novo mundo.

Um jornal neste sentido seria talvez mais propagandista, mas tem o


inconveniente de ser preciso que nele se trate de diversos
assuntos a um tempo, e, por conseqüência, ou resumir a ponto de
tornar as noções deficientes ou levar tanto tempo para expor uma
matéria que chegue a fatigar ou impacientar o leitor. Além do que,
por mais bem organizada que seja uma revista, as suas coleções
são sempre incômodas de manusear quando se tem de estudar um
assunto disseminado por vários números.

Por estas e outras razões preferimos fazer a publicação em obras


destacadas, dividindo-as em partes ou fascículos de cerca de
sessenta a oitenta páginas, formando assim cada trabalho um
volume em separado. (...)"

Nos anos 1886-1891, circulou no país a Revista do Observatório54. Editada


mensalmente pelo Imperial Observatório do Rio de Janeiro (hoje, Observatório
Nacional), tinha uma comissão de Redação com cientistas de destaque: Luis
Cruls, Luiz da Rocha Miranda, Henrique Morize, J.E. de Lima. A Revista do
Observatório é uma continuação, sob forma um pouco diversa, do Boletim
Astronômico e Meteorológico, cuja publicação iniciada em 1881 foi interrompida
em 1884 e 1885.

Além de publicar observações e trabalhos executados no Imperial


Observatório, a Revista do Observatório foi criada para relatar as descobertas e

54
Segundo o Cardex do Museu Nacional, teria havido uma primeira edição em
1892, mas até hoje não foi localizada pela equipe do Observatório Nacional.
39

progressos mais importantes em astronomia, meteorologia e física do globo. A


Revista do Observatório se preocupava em delimitar os assuntos a algumas
áreas científicas, ao contrário das revistas anteriormente mencionadas que
uniam ciências, letras e artes na mesma publicação.

O texto de apresentação da Revista do Observatório dá ênfase à


preocupação com a divulgação científica:
"Pretendemos pois dar a essa Revista o cunho de uma publicação
de vulgarização, porém de vulgarização de conhecimentos exatos,
apresentados debaixo de uma forma que os torne acessíveis para
todos.

Acreditamos que, redigida nesse pensamento, contribuirá a nova


revista para promover entre nós o gosto do estudo e da
observação. Na Europa e nos Estados Unidos, não são poucas as
publicações criadas para o mesmo fim e é inegável a influência
benéfica que tiveram para o desenvolvimento e vulgarização da
mais atrativa das ciências. (...)"55

Apesar dessa preocupação de divulgação, os textos são difíceis para o


público não especializado. A Revista do Observatório traz uma disposição dos
textos bem atual, distribuída em colunas, ao contrário da Revista do Rio de
Janeiro e da Revista Brazileira, que têm a aparência de livro. A Revista do
Observatório apresenta inúmeras ilustrações, enquanto que a Revista Brazileira
publica poucos desenhos. A Revista do Rio de Janeiro não traz figuras de
qualquer espécie.

Em 1873, iniciou-se uma das atividades de divulgação científica mais


significativas da história brasileira e que duraria quase 20 anos: as

55
Revista do Observatório, Imperial Observatório do Rio de Janeiro, n. 1., ano I,
jan./1886.
40

"Conferências Populares da Glória"56 que, ao que parece, tiveram impacto


significativo na elite intelectual carioca. Salões de escolas públicas da freguesia
da Glória abriram suas portas para um público que ia assistir conferências sobre
os mais diversificados assuntos: teoria evolucionista de Darwin-Wallace,
períodos glaciais, origem da Terra, responsabilidade médica, doenças,
taquigrafia, bebidas alcoólicas, ginástica, Luís de Camões, casamento, papel
social da mulher, ensino particular e público, língua portuguesa, clima, Dante
Alighieri, entre outros.

Organizadas pela Sociedade Promotora de Instrução e coordenadas pelo


Conselheiro Manoel Francisco Correia, senador do Império, as "Conferências
Populares da Glória" ocorriam, inicialmente, nas manhãs de domingo e depois
foram estendidas para dois dias na semana. Importantes jornais da época, como
o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias e o Diário do Rio de Janeiro
anunciavam anteriormente as conferências, sendo que, em alguns casos,
publicavam posteriormente um resumo do conteúdo ou a íntegra das mesmas.
Em 1876, várias dessas conferências foram também impressas numa coletânea
mensal intitulada Conferências Populares57, sob direção do próprio Conselheiro
Correia.

56
FONSECA, Maria Raquel Fróes. As 'Conferências Populares da Glória': a
divulgação do saber científico. Manguinhos, Rio de Janeiro: Fiocruz, v. II, n. 3,
p. 135-166, nov./1995-março/1996. CORREIA, Conselheiro Manoel Francisco
Correia (direção). Conferências Populares (coletânea das conferências
realizadas na Glória em 1876). Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J.
Villeneuve & C, 1876.

57
CORREIA, Conselheiro Manoel Francisco Correia (direção). Conferências
Populares (coletânea das conferências realizadas na Glória em 1876). Rio de
Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C, 1876.
41

O objetivo de Correia era a instrução do povo e, para tal, as conferências


eram franqueadas a todos. Fróes da Fonseca58 acredita que a platéia era
formada por público seleto, com participação da aristocracia da corte, de
profissionais liberais e estudantes e, também, eventualmente da família imperial.
Os organizadores e conferencistas acreditavam que a nação poderia ser
transformada por meio da ilustração do país, da divulgação da ciência e da
cultura. Fróes da Fonseca afirma que, para seus mentores, a relevância das
conferências decorria também do fato de existirem congêneres em países
europeus, onde autores como Laboulaye, Guizot e Cousin refletiam sobre
significados de tais realizações.

As "Conferências Populares da Glória" transformaram-se muitas vezes em


um palco para discussões polêmicas, como liberdade de ensino, criação de
universidades e as diversas doutrinas científicas. Miranda Azevedo59, por
exemplo, chocou muitos integrantes da platéia ao defender a controversa teoria
evolucionista de Darwin-Wallace, baseada na seleção natural, formulada alguns
anos antes e ainda pouco conhecida no Brasil. Essas atividades ocorreram até
1889, sendo depois retomado em 1891, sob direção do Conselheiro João
Manuel Pereira da Silva. Mas, para Fróes da Fonseca, o período mais
representativo foi entre 1873 e 1880.

Em 1875, iniciou-se uma prévia do que seriam os "Cursos Públicos do


Museu"60, efetivamente realizados durante cerca de dez anos a partir de 1876.

58
FRÓES FONSECA, Maria Raquel. As 'Conferências Populares da Glória': a
divulgação do saber científico. Manguinhos, Rio de Janeiro: Fiocruz, v. II, n. 3,
p. 135-166, nov./1995-fev./1996.

59
COLLICHIO, Terezinha Alves Ferreira. Miranda Azevedo e o Darwinismo no
Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da USP, 1988.

60
SÁ, Magali Romero, DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. O Museu Nacional e
o ensino de ciências naturais no Brasil no século XIX. Revista da Sociedade
Brasileira de História da Ciência, n. 15, jan./jun. p. 79-87, 1996.
42

Eram ministrados pelos diretores e vice-diretores das diferentes seções do


Museu Nacional, em especialidades como botânica, agricultura, zoologia,
mineralogia, geologia e antropologia.

Segundo Sá e Domingues, desde 1842 tentava-se implantar tais cursos,


conforme previsto no regulamento da instituição. O idealizador do regulamento,
Frei Custódio Alves Serrão, então diretor do Museu, deixou a instituição cinco
anos depois sem ver seu projeto realizado. Só três décadas depois, a atividade
se iniciou, na gestão do diretor Ladislau de Souza Mello Netto. Para Sá e
Domingues, a repercussão dos cursos junto ao público e à imprensa foi
extremamente favorável, tendo deixado Ladislau Netto entusiasmado com a
nova função do Museu.

Em 10 de março de 1876, o Jornal do Commercio publicou chamada para a


inauguração dos Cursos Públicos do Museu, "destinados à instrução das classes
estranhas ao estudo da história natural, das senhoras, dos homens de letras,
dos empregados públicos, do povo, enfim, que poderá utilizar deste modo uma
hora desocupada da noite em proveito de sua instrução".61 Quase todos os
cursos tiveram seus resumos publicados no Jornal do Commercio.

Para Sá e Domingues, houve preocupação por parte dos expositores de


tornar as palestras assimiláveis pelo grande público. Os palestrantes utilizavam
material didático variado, que incluía espécimes, cartazes etc. Hartt chegou até
a usar um projetor de imagens. Os cursos contavam também com
demonstrações práticas, nas quais os expositores eram auxiliados pelos
praticantes e preparadores do Museu.

Apesar da boa receptividade dos cursos pelo público e pela imprensa, os


palestrantes foram gradualmente deixando de priorizar essa atividade, voltando
suas atenções para suas obrigações como naturalistas do Museu, que incluíam
atividades de pesquisa e organização de coleções científicas. Em 1882, o

61
Apud SÁ, Magali Romero, DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. O Museu
Nacional e o ensino de ciências naturais no Brasil no século XIX. Revista da
Sociedade Brasileira de História da Ciência, n. 15, jan./jun. 1996. p. 82.
43

evento foi suspenso em função da Exposição Antropológica Brasileira, que se


realizou no Museu.

Por causa das dificuldades em realizar os cursos, Ladislau Netto os


eliminou do regulamento do Museu em 1888, substituindo-os por "conferências
extraordinárias", nas quais cada professor deveria apresentar seu próprio
trabalho ou apresentar sinopses gerais sobre os assuntos mais importantes da
ciência. Os cursos populares foram retomados em 1911, por João Batista de
Lacerda, mas sem o mesmo impacto.

Merece destaque ainda o livro Doutor Benignus, publicado por Augusto


Emílio Zaluar em 1875, "primeiro em nossa literatura a tomar a ciência como
tema de fabulação", na avaliação de José Murilo de Carvalho, na introdução da
edição do livro recentemente publicada62. Nascido em Portugal e naturalizado
brasileiro, Zaluar transitou por várias áreas (poesia, romance, obras didáticas,
traduções e jornalismo). Em um estilo similar ao de Júlio Verne, Zaluar relata,
em Doutor Benignus, uma hipotética expedição científica ao interior do país.
Como fonte, usou sua própria experiência na viagem que realizou na província
de São Paulo e na descrição de várias outras expedições, que marcaram o
século XIX.

Muitas dessas expedições científicas foram realizadas por estrangeiros,


entre eles Karl Friedrich Phillip von Martius e Johan Baptist Spix, Georg
Langsdorff, Auguste Saint-Hilaire, Alfred Russel Wallace e Henry Bates. A
estada de von Martius no Brasil entre 1817 e 1820 gerou, além dos conhecidos
Flora Brasiliensis e, juntamente com Spix, Viagem pelo Brasil, mais um livro
pouco divulgado: Frei Apollonio - Um romance do Brasil63. O livro relata, em
forma de romance, a viagem de um naturalista jovem à Amazônia e vários
costumes de grupos indígenas brasileiros são abordados.

62
ZALUAR, Augusto Emílio. O Doutor Benignus. Rio de Janeiro: Editora da
UFRJ, 1994.

63
MARTIUS, Karl Friedrich Phillip von. Frey Apollonio - Um Romance no
Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992.
44

Além dos estrangeiros que passaram pelos Brasil, outros, como Fritz
Müller, vieram morar no país, permanecendo aqui pelo resto de suas vidas.
Acreditamos que com a estada desses cientistas houve uma difusão das idéias
científicas, ainda que indireta, na medida em que os cientistas viajavam por
lugares remotos do país, levando às populações locais novas informações. No
entanto, não há meios de comprovar nossa crença ou de avaliar a dimensão
dessa difusão. Por isso, não nos estenderemos nessa questão.

Documento importante para a compreensão do quadro da divulgação


científica da época foi redigido pelo biólogo francês Louis Couty (1854-1884),
antigo professor da Faculdade de Medicina de Paris, que veio ao Brasil a convite
de D. Pedro II para lecionar Biologia Aplicada na Escola Politécnica do Rio de
Janeiro. Preocupado com o desenvolvimento da ciência brasileira e muito ativo
nesse particular, Couty escreveu o primeiro artigo de uma coluna dedicada à
nova propaganda científica na Revista Brazileira, no primeiro ano de sua
segunda fase. Dada a importância desse texto, que defendia ardorosamente o
desenvolvimento das ciências experimental no Brasil e no qual dava ênfase
especial à vulgarização científica, vamos transcrever longos trechos do
mesmo64.

Quando trata da divulgação científica, Couty, a partir de sua experiência na


Europa, comenta sobre as maneiras de estimular o público não especializado
em direção à ciência:
"Como, porém, conseguir que o público se interesse por todas as
questões científicas? Como proceder para que ele compreenda a
importância, e muitas vezes a utilidade direta, e possa discutir e
reconhecer os progressos de tais questões? Em uma palavra,
como desenvolver e generalizar a corrente científica e

64
COUTY, Louis. Os estudos experimentais no Brasil. Revista Brazileira, Rio
de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, tomo II, p. 215-239,
1/nov./1879.
45

indispensável, segundo procurei demonstrar, a qualquer produção


valiosa?"

Pois que aos mais adiantados países cumpre pedir não os


assuntos que se devem estudar ou as respectivas soluções, mas
os meios de estudos, vejamos ainda o que existe na Europa, pelo
menos em certos países. Ao lado dos laboratórios acham-se
sempre multíplices meios de aproveitar ou melhor de facilitar o
conhecimento e vulgarização de seus trabalhos."

(...)

Um pouco mais adiante, no mesmo documento, Couty menciona o grande


desenvolvimento da divulgação científica na Europa naquele momento:
"Além das revistas periódicas das sociedades e congressos,
possuem ainda os mais adiantados países da Europa meios
inumeráveis de propaganda científica destinados não já
diretamente aos sábios, mas principalmente ao público ilustrado e
culto. Há ali publicações especiais, jornais científicos, alguns dos
quais, como La Nature, o Journal des Voyages, limitam-se até a
determinados assuntos. Há milhares de livros de vulgarização
científica, cujo tipo é representado pelos trabalhos de Figuier; ou
ainda romances que, graças a escritores como Júlio Verne, Macé,
Hetzel, vão incutir nas mais tenras inteligências o gosto de saber e
indagar.

Finalmente, não há jornal político ou literário que não dedique parte


de seus artigos ao trabalho capital da instrução científica. Basta
recordar os artigos da Revue des Deux Mondes ou ainda as
revistas e os estudos científicos tão curiosos organizados por P.
Bert no République Française, jornal para que este eminente sábio
46

autorizou-me a enviar os artigos que eu julgue de utilidade sobre as


questões do Brasil."

A seguir, Couty analisa a situação brasileira e propõe que sigamos os


mesmos caminhos trilhados na Europa, reconhecendo já a existência de
atividades significativas de divulgação científica no Brasil, mas ainda pouco
voltadas para questões próprias da ciência brasileira:
"Foi com esses meios de vulgarização que pouco a pouco se
estabeleceu na Europa a geral corrente científica que eu desejara
ver no Brasil. Foram tais sociedades e sobretudo aqueles
diferentes jornais e revistas que levaram a toda parte o gosto pelos
estudos científicos e o conhecimento de sua utilidade. Deve-se,
pois, evidentemente recorrer a iguais meios para conduzir o Brasil
ao mesmo fim. Certo, folgo de reconhecê-lo, muito já se tem feito
nesse sentido, sobretudo de alguns anos para cá; mas não se pode
contestar que ainda há que fazer.

Os jornais científicos, já numerosos no Rio, completos a muitos


respeitos, se-lo-ão todos? A imprensa política e literária, que conta
vários órgãos sérios importantes, assim como vulgariza com
cuidado as descobertas da Europa, ocupa-se suficientemente com
as questões do Brasil? Essas questões preocupam tanto quanto
deveriam não só os sábios e os homens políticos, mas também
todas as pessoas instruídas e que pensam no futuro? Enfim, em
lugar de reduzir por meio da vulgarização os problemas científicos
a seus termos mais simples, não seria preferível conservar-lhes a
sua complexidade real?

Não haveria utilidade em mostrar que, para nos elevarmos do


menor fato a uma conclusão, é preciso que passemos por uma
série de termos complicados e atendamos a condições multíplices
e opostas? E a vulgarização científica, assim compreendida, não
47

dará o resultado de elevar ainda o nível já tão alto dos estudos


neste país, e tornar mais forte a disciplina intelectual, que
ordinariamente falta aos povos de raça latina em conseqüência da
vivacidade de sua inteligência e da sua facilidade de
compreensão?

Estabelecida por meus amigos e por mim todas estas questões,


cabendo-me o encargo de as submeter aos dignos diretores desta
Revista [Brazileira], tão bem compreenderam eles a importância do
nosso cometimento, que deixaram-nos a liberdade de fazer uma
tentativa mais vasta de divulgação científica."

O biólogo francês expõe, a seguir, um programa de difusão da ciência,


analisando os conteúdos que deveriam ser priorizados. Propõe ainda uma
vulgarização científica voltada ao público ilustrado, em que as complexidades
reais dos problemas científicos não sejam simplificados excessivamente.
Embora seja um cientista estrangeiro recentemente chegado ao país, é ele
quem vai dar destaque à importância de serem considerados temas científicos
específicos da realidade brasileira:
"Os nossos artigos serão curtos, porque desejamos que sejam
lidos; entretanto, não nos esquecendo de que escrevemos para
homens instruídos, não procuraremos simplificar as questões e pô-
las, conforme se diz, ao alcance de todos. Terão eles um fim único,
perfeitamente definido: discutir e estudar desde já o que denominei
– a ciência do Brasil.

Todos tratarão de questões de exclusivo interesse do Brasil, e que,


na máxima parte, só podem nele ser estudadas e resolvidas;
discutirão os fatos já conhecidos; procurarão indicar as
experiências ou investigações que se devem fazer, e, se
aproveitarem trabalhos e descobertas da Europa, esse
aproveitamento será um meio e não um fim.
48

Haverá talvez neles uma parte um pouco mais ampla para as


questões biológicas, já porque muitas questões, como as das
substâncias tóxicas ou alimentárias, misturas de raças, higiene e
febre amarela, são por si mesmas muito importantes, já porque
melhor que quaisquer outras permitem mostrar a complexidade do
menor problema e a dificuldade das explicações teóricas. Todas as
outras partes das ciências de observação serão representadas, e
os primeiros artigos tratarão de assuntos análogos a estes: meios
de transporte no Brasil, condições da mão-de-obra agrícola e
meios de transformá-la, solo cultivável do Brasil sob o ponto de
vista dos estrumes, pastagens e seus melhoramentos necessários,
madeiras do Brasil e condições de seu aproveitamento etc. São,
como se vê, questões complexas, mas cuja importância e utilidade
ninguém pode contestar.

Conseguiremos nós dar este primeiro passo na senda de tão larga


divulgação científica? Assim o esperamos, contanto com a
benevolência dos leitores. Quanto a mim, creio-o firmemente, pois
tive a felicidade de ver estas idéias compreendidas e aceitas por
todos os meus amigos e colegas, sempre tão simpáticos, aos quais
explanei-as. (...)"

Mas o programa de divulgação científica proposto por Couty não foi


colocado em prática pela Revista Brazileira. Conforme observamos, a revista
tornou-se progressivamente mais literária em relação à sua homônima,
afastando-se de temas científicos. Passou a ser feita por um grupo de
jornalistas, tendo como colaboradores Machado de Assis – que publicou Brás
Cubas na revista – e Sílvio Romero. Apenas três artigos naquele ano estavam
relacionados à ciência.
No período posterior a essa época – última década do século XIX e
primeiros anos do século atual –, observamos que as principais atividades de
divulgação científica sofreram redução significativa. As conferências e os cursos
49

populares não mais ocorreram, o envolvimento de cientistas e professores com


essas atividades decresceu e o número de revistas e artigos referentes à
divulgação científica diminuiu.
Essa redução na divulgação científica no Brasil do início da República Velha,
com suas convulsões sociais, não é um fato isolado. Está relacionada à
diminuição similar, ainda pouco entendida, que ocorreu no contexto internacional,
como discutiremos mais adiante. É curioso observar que naquele momento
começavam a se espalhar novos resultados técnicos, como o telégrafo sem fio, o
telefone, a iluminação elétrica e os raios X. No Rio de Janeiro, uma elite de
engenheiros e politécnicos capitaneava transformações urbanas profundas. Do
ponto de vista da ciência, tocada pelas necessidades de saneamento da cidade,
surgiria um marco importante: a institucionalização e a consolidação da pesquisa
na área biomédica, traduzida na criação do Instituto de Manguinhos, hoje
Fundação Oswaldo Cruz.

Um aspecto importante, ligado à história das idéias no Brasil, mas que não
abordaremos com maior profundidade, refere-se às relações entre o positivismo
e a ciência. Essa doutrina, que se difundiu aqui a partir de meados do século
XIX, tendo como veículo inicial algumas teses de medicina e de engenharia, teve
repercussões significativas na vida cultural brasileira, exercendo influência
política e ideológica vigorosa, particularmente no período que vai do final do
Império aos primeiros anos da República Velha.

A avaliação do legado positivista no Brasil é ainda controversa. Os


aspectos negativos que a doutrina comteana trazia, ou que veio a assumir nas
paragens tupiniquins, têm sido bastante destacados; entre eles, a propagação
de uma visão científica retrógrada e atrasada, em particular na matemática, e a
posição contrária de seus adeptos à criação de universidades e de instituições
voltadas para a pesquisa científica básica. O positivismo é apresentado, muitas
vezes, como tendo sido um obstáculo sério ao desenvolvimento da ciência no
Brasil65. Embora essa concepção esteja em boa parte correta, ela deve ser

65
Veja, por exemplo, COSTA, João Cruz. Contribuição à história das idéias
no Brasil, segunda edição, São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 1967.
50

matizada pela consideração de que o positivismo, como filosofia científica,


contribuiu para a valorização da ciência e para a abertura de espaços para o
ensino científico. Segundo Dantes66, a influência que o positivismo exerceu no
Brasil é também muitas vezes apresentada de forma exagerada e que extrapola
seu impacto real.

Considerações de ordem política mostram que adeptos do positivismo


lutaram pela laicização do estado brasileiro, em oposição ao conservadorismo
católico, além de propugnarem pela modernização do país, em vários aspectos,
influenciando particularmente engenheiros, profissionais liberais e militares, mas
nem sempre pautados por ideais democráticos67. Destaque-se ainda que o
positivismo apresentava várias divisões internas, constituindo-se em um
espectro de posições que iam da ortodoxia mais rígida, com caráter religioso, à
mera simpatia filosófica ou à incorporação parcial das idéias de Comte, como
veremos, por exemplo, no Credo de Roquette Pinto, que mencionaremos mais
adiante.

Embora, como já dito, o positivismo tenha atraído atenção para os estudos


científicos no país (mesmo que escorado em viés profissionalizante), não nos
parece que tenha contribuído de forma expressiva e direta para as atividades de
divulgação científica no Brasil. Mesmo porque, no período após a década de 80
do século passado, em que o positivismo tem sua influência maior na vida
política e educacional do país, as atividades de divulgação científica já
começavam a apresentar um declínio perceptível. No entanto, como não
aprofundamos nosso estudo neste período, essa afirmação deve ser tomada
com as devidas salvaguardas.

66
DANTES, Maria Amélia M. Le positivisme et la science au Brésil. In:
PETITJEAN, P., JAMI, C., MOULIN, A.M. Sciences and Empires. Dordrecht:
Klouwer Academic Publishers, 1992. p. 165-172.

67
Ibidem. p. 169.
51

Capítulo 3

A DÉCADA DE 20: POR UMA CIÊNCIA ACESSÍVEL

A década de 20 deste século foi marcada, no Rio de Janeiro, pela retomada


das iniciativas de divulgação científica. Além do uso mais intenso de jornais,
revistas e livros como veículos de difusão das idéias científicas, foram
organizadas também conferências abertas ao grande público. Em 1916, foi criada
a Sociedade Brasileira de Ciências, marco determinante na abertura desse
período e que se transformaria depois na Academia Brasileira de Ciências.
Começaram a ser feitas também as primeiras tentativas sistemáticas voltadas
para a criação de faculdades de filosofia, ciências e letras.
Esse surto está ligado ao surgimento, nas duas primeiras décadas deste
século, de um pequeno grupo de acadêmicos – entre os quais Manoel Amoroso
Costa, Henrique Morize, os irmãos Ozorio de Almeida, Juliano Moreira, Edgard
Roquette-Pinto, Roberto Marinho de Azevedo, Lélio Gama e Teodoro Ramos –,
que participaram intensamente de várias atividades que começaram a traçar um
caminho para o desenvolvimento da pesquisa básica e para a difusão mais ampla
da ciência no Brasil. São eles professores, cientistas, engenheiros, médicos e
outros profissionais liberais, ligados em geral às principais instituições científicas e
educacionais do Rio de Janeiro. Esse grupo de cientistas e intelectuais tinha
como estratégia o desenvolvimento da pesquisa científica e a construção da
identidade de um novo tipo de intelectual no Brasil: o cientista puro68.

68
FERREIRA, Luiz Otávio. As Origens da Academia Brasileira de Ciências.
Ciência Hoje, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, vol. 16, n. 96, p. 32-36, 1993.
52

Em 1923, criou-se a primeira rádio brasileira, a Rádio Sociedade (hoje,


Rádio MEC). Significativamente não foi fundada pelo governo ou por alguma
empresa privada, mas sim por um movimento de cientistas e intelectuais do Rio
de Janeiro. Tinha propósitos educativos e de difusão científica, como atestam
suas atas iniciais. A Rádio era mantida por associação que congregava grande
número de pessoas.
A Associação Brasileira de Educação (ABE), que viria a desempenhar, por
muitos anos, importante papel em defesa da educação pública no Brasil, foi criada
em 1924. Ao longo da década, promoveu periodicamente palestras de divulgação,
feitas por professores e pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Os cursos e as
conferências organizados pela ABE, muitas vezes realizados com apoio do
Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura, recebiam boa afluência de público,
sendo anunciados em jornais cariocas.
Livros, vários deles traduzidos, e até coleções de divulgação, foram também
publicados nesse período, além de muitos artigos em jornais e revistas. As visitas
de alguns importantes cientistas estrangeiros, como Jacques Hadamard, Émile
Borel, Paul Langevin, Marie Curie e, principalmente, Albert Einstein, em 1925,
despertaram interesse na imprensa, contagiaram a pequena comunidade
acadêmica e atingiram um público mais amplo e diversificado.
No terreno filosófico, na esteira de Otto de Alencar, promovia-se crítica
intensa ao positivismo comteano (principalmente por parte de Amoroso Costa),
que exercia profunda influência nas escolas profissionais e na vida educacional e
política brasileira.
Sem dúvida, a década de 20 foi um dos períodos mais férteis do ponto de
vista da divulgação científica no Brasil. Para Miguel Ozorio de Almeida, "a difusão
da cultura científica traria como resultado a familiaridade de todos com as coisas
da ciência e sobretudo uma consciência esclarecida dos serviços que estas
podem prestar.”69 Dizia ele: "A vida moderna está cada vez mais dependente da
ciência e cada vez mais impregnada dela.”70

69
OZORIO DE ALMEIRA, Miguel. A vulgarização do saber. Rio de Janeiro:
Ariel Editora Ltda., 1931. p. 236.

70
Ibid. p. 235.
53

Sobre o papel da ciência no mundo, afirmou Roquette-Pinto:


"A ciência vai transformando o mundo.

O paraíso, sonhado pela gente de outras idades, começa a definir-


se aos olhos dos modernos, com as possibilidades que o passado
apenas imaginava. O homem culto chegou a voar melhor do que as
aves; nadar melhor do que os peixes; libertou-se do jugo da
distância e do tempo; realiza em um continente o que concebeu em
outro, alguns momentos antes; ouve a voz dos que morreram,
conservada em lâminas, com o seu timbre, e as inflexões da dor e
da alegria; imortaliza-se, arquivando a palavra articulada, com
todas as suas características, e as suas formas e seus movimentos
com todas as minúcias; e enquanto, mágico inesgotável, vai
modificando a terra e lutando contra a fatalidade da morte fazendo
reviver as vozes que ela extinguiu, as formas que ela decompôs, o
homem não consegue transformar-se a si mesmo, com igual
vertiginosa rapidez."71

Os registros deixados, em livros e artigos, por esse grupo de cientistas e


intelectuais, participantes ativos na divulgação científica naquela década, exibem
algumas crenças e expectativas, quanto aos resultados dessa atividade, em muito
semelhantes às que se observam hoje. Em particular, uma atitude muito otimista,
por parte de vários de seus proponentes, em relação ao potencial da divulgação e
da educação científica por meio das novas tecnologias – na época, o rádio –
similares ao que presenciamos atualmente com a Internet e, anos atrás, com a
televisão. Acreditava-se, como muitos hoje, que as novas tecnologias permitiriam
uma disseminação barata, rápida e fácil dos conhecimentos, até os lugares mais
remotos do Brasil. Essas iniciativas se coadjuvavam também com um espírito
renovador, que refletia um aspecto cultural mais amplo e uma ânsia grande

71
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondônia. 6ª ed. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1975. p. 1.
54

quanto à definição de brasilidade, existente também nas artes, como


exemplificado na realização da Semana de Arte Moderna.

ATORES DO PROCESSO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA


Os cientistas que se destacaram por sua atuação na divulgação e educação
científica no país, na década de 20, tinham, em sua maioria, formação de médicos
e engenheiros; alguns eram autodidatas, no que se refere a seus campos de
pesquisa. Muitos deles eram de classe média alta, o que permitiu até mesmo que
criassem a Rádio Sociedade, por meio de cotizações entre eles e ajudados pela
circunstância de estarem inseridos em meios influentes. Pode-se dizer que esse
grupo de elite constituiu um embrião da comunidade científica brasileira, que, em
um movimento organizado, tentava criar condições para o desenvolvimento de
pesquisa científica no país.
Embora tenham sido várias as pessoas atuantes nesse processo, muitas
das quais terão seus nomes citados no decorrer desta dissertação, concentramos
nossos esforços em conhecer as atividades realizadas por quatro cientistas:
Manoel Amoroso Costa, Miguel Ozorio de Almeida, Henrique Morize e Edgard
Roquette-Pinto. Nossos critérios de seleção foram a inegável contribuição para a
divulgação científica da época, além da diversificação das áreas de conhecimento
em que trabalhavam (respectivamente, matemática, ciências biológicas,
astronomia e física, e antropologia).

A seguir, apresentamos uma descrição das atividades desses quatro


personagens e, no Anexo 2, forneceremos uma listagem dos trabalhos ligados à
divulgação científica que publicaram.

Manoel Amoroso Costa (1885-1928)72

72
Para elaboração da biografia de Amoroso Costa, foram usadas as seguintes
fontes:
55

Consideramos Amoroso Costa um dos mais – senão o mais – expressivo


do grupo de cientistas da década de 20 e um dos que mais se destacou na
divulgação científica.

Nascido no Rio de Janeiro, em 13 de janeiro de 1885, Amoroso Costa teve


educação aprimorada, tendo estudado no Instituto Henrique Köpke, dirigido por
João Köpke. Era um colégio de elite do RJ no final do século passado, que
estimulava o civismo e tinha um laboratório para experimentação em ciências.
Segundo Mendes Pimentel, "a unidade mental que se pronunciava numa
diversidade de temperamento – nas figuras de Amoroso Costa e Tobias
Moscoso – provém dos ensinamentos de João Köpke de quem foram dedicados
discípulos".73

Amoroso Costa ingressou na Escola Politécnica, em 1900, formando-se em


engenharia civil cinco anos mais tarde. Em 1906, colou grau como bacharel em
ciências físicas e matemáticas. Tornou-se em 1924 catedrático na Escola
Politécnica em Trigonometria Esférica, Astronomia Teórica e Prática de
Geodesia.

Participou da fundação da Sociedade Brasileira de Ciências, ocupando,


nas duas primeiras diretorias da entidade (1917/1920 e 1920/1923), o cargo de

1) MOREIRA, Ildeu de Castro. Amoroso Costa e a introdução da relatividade no


Brasil. In: AMOROSO COSTA, Manoel. Introdução à teoria da relatividade.
Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, p. xv-xliii, 1995.

2) Acervo de Amoroso Costa/Mast.

3) ROQUETTE-PINTO, Edgard. Ensaios Brasilianos. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, s/d.

4) AMOROSO COSTA, Manoel. As idéias fundamentais da matemática e


outros ensaios. 3ª ed., São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981.

73
O Jornal, ano X, n. 3076, 5/dez./1928. p. 1.
56

segundo secretário. A partir de 1923, dirigiu ali a Seção de Ciências


Matemáticas.

A inserção de Amoroso Costa no movimento de renovação da educação


das duas primeiras décadas do século fez com que, em 1928, assumisse a
presidência da Associação Brasileira de Educação (ABE). Em anos anteriores,
Amoroso Costa presidiu a Seção de Ensino Técnico e Superior da ABE, na qual
promoveu muitas palestras de pesquisadores brasileiros e estrangeiros, como as
de Langevin e Hadamard.

Segundo Caffarelli, foi o primeiro divulgador e expositor da teoria da


relatividade de Einstein (especial e geral).74 Seu primeiro artigo sobre o tema foi
uma notícia curta, publicada em O Jornal, no dia 12 de novembro de 1919; trata-
se possivelmente da primeira exposição sobre a relatividade, feita no Brasil, para
o grande público. Nela, comentou os resultados das observações do eclipse, em
Sobral (Ceará), que foram divulgados dias antes, em Londres, e que estavam de
acordo com as previsões de Einstein. Em 1922, publicou Introdução à teoria da
relatividade75, livro proveniente de conferências realizadas na Escola Politécnica.
Segundo Moreira, trata-se de um texto de "excelente qualidade científica, claro e
conciso e que tem, além disso, uma característica ousada: a de pretender
apresentar ao leitor brasileiro os elementos básicos de uma das mais
importantes teorias físicas que, na época, constituíam um corpo de
conhecimentos absolutamente novo."76

74
CAFARRELLI, Roberto Vergara. Einstein no Brasil. In: MOREIRA, Ildeu de
Castro, VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (eds.). Einstein e o Brasil, Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 1995. p. 102.

75
AMOROSO COSTA, Manoel. Introdução à teoria da relatividade. Rio de
Janeiro: Livraria Científica Brasileira, 1922.

76
MOREIRA, Ildeu de Castro. Amoroso Costa e a introdução da relatividade no
Brasil. In: AMOROSO COSTA, Manoel. Introdução à teoria da relatividade.
Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995. p. xv.
57

Suas conferências, voltadas para apresentar novas idéias a um público


ilustrado de várias áreas científicas, ficaram famosas no Rio de Janeiro. As
principais foram: "Conferência sobre Otto de Alencar", 1918, na qual criticava as
idéias positivistas; "A filosofia matemática de Poincaré", 1920; "A teoria da
relatividade", série de quatro palestras, 1922; "As idéias fundamentais da
matemática", 10 palestras, 1926; "As geometrias não euclidianas", 1927; "A
estrutura e a evolução do mundo sideral", 1927.

A série de palestras sobre as idéias fundamentais da matemática resultou


em um livro com o mesmo título77, publicado postumamente e reeditado pela
terceira vez em 1981 pela EDUSP. Amoroso Costa escreveu também artigos de
divulgação em jornais, sobre outros temas, como as novas idéias na filosofia da
ciência e na microfísica (ver Anexo 2).

No dia 3 de dezembro de 1928, Amoroso Costa morreu prematuramente no


famoso e trágico acidente do hidroavião Santos Dumont, que caiu nas águas da
Baía de Guanabara. O hidroavião havia decolado para recepcionar o inventor
Santos Dumont, que chegava ao Rio de Janeiro naquele dia.

Moreira avalia:
"Amoroso Costa estava, então, no auge de suas atividades
acadêmicas. Desenvolvia pesquisas originais em matemática e
física, empenhava-se fortemente na melhoria do ensino no Brasil,
organizava e participava de eventos diversos de divulgação
científica."78

77
AMOROSO COSTA, Manoel. As idéias fundamentais da matemática. Rio
de Janeiro: Pimenta de Melo, 1929.

78
MOREIRA, Ildeu de Castro. Amoroso Costa e a introdução da relatividade no
Brasil. In: AMOROSO COSTA, Manoel. Introdução à teoria da relatividade.
Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995. p. xx.
58

Henrique Morize (1870-1930)79

Henri Charles Morize nasceu em 31 de dezembro de 1860 em Beaune


(França) e veio, aos 14 anos, para o Brasil, onde permaneceu até sua morte.
Ingressou na Escola Politécnica do Rio de Janeiro em 1880. Cinco anos mais
tarde, foi nomeado terceiro astronômo do Imperial Observatório do Rio de
Janeiro, tendo passado a astrônomo em 1891. Em 1890, formou-se como
engenheiro industrial.

Em 1896, foi nomeado professor interino da Escola Politécnica e, dois anos


mais tarde, foi aprovado no concurso para professor de física experimental
daquela instituição. Assumiu a direção do Observatório em 1908.

Em 1919, chefiou a missão brasileira para a observação do eclipse solar


total em Sobral. Participou da fundação da Sociedade Brasileira de Ciências,
sendo eleito seu primeiro presidente, cargo em que permaneceu até 1926. Foi

79
Para elaboração da biografia de Morize foram usadas como fontes, além das
explicitadas ao longo do texto:

1) Acervo de Morize/Mast.

2) ROQUETTE-PINTO, Edgard. Ensaios Brasilianos. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, s/d. p. 66-75.

3) À memória de Henrique Morize, presidente e fundador da Academia, Annaes


da Academia Brasileira de Sciencias, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Ciência, tomo II, n. 2, p. 58-73, 30/jun./1930.

4) VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Henrique Morize e o Observatório


Nacional. Rio de Janeiro: Observatório Nacional, 1997.

5) MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Henrique Morize, sua vida e obra.


In: MORIZE, Henrique. Observatório Astronômico - um século de história
(1827-1927). Rio de Janeiro: Mast/Salamandra, 1987. p. 15-23.
59

ativo participante da criação da Rádio Sociedade, tornando-se, também, seu


primeiro presidente.

Em 1925, aposentou-se da Escola Politécnica. Quatro anos mais tarde, por


motivos de saúde, renunciou à direção do Observatório, deixando logo em
seguida a Rádio Sociedade. Em 19 de março de 1930, Morize morreu na cidade
do Rio de Janeiro.

Mais velho entre os quatro personagens destacados nesta dissertação,


Morize já realizava atividades de divulgação científica desde o final do século
passado. Ele fez parte da equipe que criou, em 1886, a já citada Revista do
Observatório. Ao longo das duas primeiras décadas deste século, escreveu
diversos artigos de divulgação científica sobre temas da astronomia, em
particular cometas, e das geociências (ver Anexo 2).

Morize teve papel de destaque na pesquisa em várias áreas vizinhas à


física e à astronomia, tendo iniciado os estudos de sismologia no Brasil. Em
1905, instalou, no Observatório do Castelo, instrumentos que lhe permitiram
registrar sismos. Estudou as questões de geodésia, interessando-se pelos
desvios da vertical, e investigou o campo elétrico da atmosfera do Rio de
Janeiro. Deu também importantes contribuições à meteorologia, em particular na
organização de rede nacional de estações meteorológicas.

Em 1898, apresentou, para ingresso como professor na Escola Politécnica


do Rio de Janeiro, a tese "Raios catódicos e de Roentgen – Estudo teórico e
experimental da descarga nos gases rarefeitos", significativa por discutir temas
relevantes e atuais na época e, acima de tudo, por ter realizado vários
experimentos, construído alguns dos aparelhos que utilizou e proposto a
realização de outros.80

80
MOREIRA, Ildeu de Castro, VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Henrique
Morize e a física experimental no Brasil. In: V CONGRESSO LATINO-
AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 1998, Rio de
Janeiro.
60

Assim que tiveram notícias pela imprensa do descobrimento de Roentgen


em novembro de 1895, o professor Francisco Carneiro da Cunha e seu auxiliar
Manoel de Queiroz Ferreira conseguiram obter as primeiras radiografias no
Brasil, no Laboratório de Física da Escola Politécnica. Logo depois, Morize
produziu as primeiras radiografias realmente nítidas81. Essas experiências
realizadas num laboratório do Observatório foram muito concorridas. Criou
também processo simples e rápido para localização de projéteis dentro do
corpo, que foi publicado nos Comptes Rendus da Academia de Ciências de
Paris.82

Morize desempenhou papel relevante na difusão do ensino experimental


de física nas escolas superiores do Rio de Janeiro, nos primeiros 25 anos do
século, estimulando jovens estudantes como os irmãos Ozorio e Roquette-Pinto.
Este afirmou que ele e vários colegas, que cursavam a Faculdade de Medicina,
foram atraídos para as aulas de Física Experimental da Politécnica, na qual
Morize oferecia um curso em que “além da parte histórica, realizava
demonstrações experimentais e explicava novidades interessantes de que os
compêndios ainda não falavam.”83

Na avaliação de J. Costa Ribeiro, a importância de Morize nas pesquisas


físicas deve ser avaliada sobretudo "pela grande influência que exerceu sobre

81
O Museu de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro ainda
conserva diversas radiografias dessa época.

82
MORIZE, Henrique. Sur un nouveau procédé de determination de la position
de corps étrangers par la radiographie. Comptes Rendus de l'Académie de
Sciences de Paris. vol. CXXVI, 31/jan./1898. Apud VIDEIRA, Antonio Augusto
Passos. Henrique Morize e o Observatório Nacional. Rio de Janeiro:
Observatório Nacional, 1997.

83
À memória de Henrique Morize, presidente e fundador da Academia, Annaes
da Academia Brasileira de Sciencias, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Ciência, tomo II, n. 2, 30/jun./1930. p. 67.
61

estudiosos brasileiros de sua época, despertando-lhes a curiosidade e o


interesse pelos trabalhos experimentais, que, até então, haviam sido relegados a
um plano secundário, e esclarecendo os poderes públicos sobre a necessidade
da criação de laboratórios para o ensino e a pesquisa, e da reorganização, em
bases científicas, de vários serviços oficiais”.84

Edgard Roquette-Pinto (1884-1954)85

Nascido no Rio de Janeiro em 26 de setembro de 1884, Roquette-Pinto


cursou a Faculdade de Medicina, formando-se em 1906, ano em que entrou, por
concurso, na Seção de Antropologia, Etnografia e Arqueologia do Museu
Nacional como professor. Naquele ano, ele publicou seu primeiro trabalho
etnográfico sobre O exercício da medicina entre os indígenas da América.
Incorporou-se à expedição Rondon, ao Mato Grosso, retornando em 1907; os
resultados de suas investigações sobre os índios Pareci e Nambiquara foram

84
RIBEIRO, Joaquim Costa. A física no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando (ed.).
As Ciências no Brasil. vol. 1, Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1995. p. 197.

85
Fontes usadas na elaboração da biografia de Roquette-Pinto, além das
citadas no texto:

1) LINS, Álvaro. Discurso de posse na Academia Brasileira (Estudo sobre


Roquette-Pinto). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação - MEC, 1956.

2) GOUVÊA FILHO, Pedro. E. Roquette-Pinto - o antropólogo e educador.


Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1955.

3) MATHEUS, Roberto Ruiz de Rosa. Edgard Roquette-Pinto - Aspectos


marcantes de sua vida e obra. Brasília: Ministério da Educação e Cultura,
1984.
62

reunidos em Rondônia86. Segundo Fernando de Azevedo, a obra, publicada em


1916, "teve larga repercussão, por seu duplo interesse, geográfico e etnológico,
e foi então acolhida como um modelo de monografia antropológica sobre as
tribos indígenas da Serra do Norte"87. Para ele, é "um trabalho que, além de ser
baseado em pesquisas originais, concilia e integra, numa larga investigação de
campo, problemas de dois ramos em que se dividem os estudos antropológicos:
os do índio fisicamente considerado e os de sua cultura".

Alvaro Lins avalia:

"(...) é pela Rondônia, e na época de Rondônia, que Roquette-Pinto


inicia a sua grande campanha – campanha científica, política,
moral, tribunícia, jornalística – pelo que ele próprio chamava a
reabilitação do homem brasileiro. E não só do índio, mas do
mestiço. (...)"88

Sempre preocupado com a educação, Roquette deu aulas de História


Natural no Colégio Aquino, no qual ele próprio estudara, e na Escola Normal. No
que diz respeito ao ensino das ciências, ele escreveu "A história natural dos
pequeninos"89, texto bastante atual ainda hoje, que apresenta aspectos
fundamentais que deveriam ser levados em conta na sala de aula.

86
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Rondônia. Arquivos do Museu Nacional. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, 1916.

87
AZEVEDO, Fernando (ed.). As Ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da
UFRJ, vol. 2., 1995. p. 423-424.

88
LINS, Álvaro. Discurso de posse na Academia Brasileira (Estudo sobre
Roquette-Pinto). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação - MEC, 1956. p. 91.

89
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Seixos rolados. Rio de Janeiro: Edição de
Sussekind & Mendonça, Machado & Cia, 1927. p. 31-43.
63

Companheiro de pesquisas dos irmãos Ozorio de Almeida desde os


tempos de estudante, o antropólogo se familiarizou com a fisiologia, sendo, em
1920, convidado como professor visitante para inaugurar a cadeira de Fisiologia
Experimental na Faculdade de Medicina da Universidade de Assunção. Sua aula
inaugural foi publicada dois anos mais tarde pela Livraria Científica Brasileira,
sob o título Conceito atual da vida.

Roquette-Pinto participou ativamente da Rádio Sociedade, em 1923, tendo


tido a idéia de criá-la, conforme relata Bodstein90. Ele próprio era o apresentador
do "Jornal da Manhã". Em 1926, assumiu a direção do Museu Nacional. No ano
seguinte, faria livre docência na Escola de Medicina para cadeira de História
Natural sobre a Tocandira, a formiga da Amazônia. Foi membro da Academia
Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras.

Em 1934, criou a Rádio Escola Municipal do Rio de Janeiro, hoje a Rádio


Roquette-Pinto. Em 1936, fundou e dirigiu o Instituto Nacional de Cinema
Educativo. Aposentou-se em 1947, tendo falecido em 18 de outubro de 1954.

Roquette-Pinto foi um dos maiores defensores da radiodifusão educativa


no Brasil, deixando vários artigos sobre o assunto (para mais detalhes, leia "O
rádio", nesta dissertação). Seus artigos de divulgação, que têm como fio
condutor a questão educativa e a valorização do homem brasileiro, estão
espalhados por várias das publicações da época, como as revistas Electron e
Radio (sobre as quais falaremos mais adiante). Muitos deles foram reunidos nos
livros Seixos rolados91 e Ensaios Brasilianos92. Além da radiodifusão, abordou
assuntos variados, como cientistas brasileiros e estrangeiros (Amoroso Costa,

90
BODSTEIN, Regina. O rádio no Brasil - Roquette-Pinto, o pioneiro do rádio.
Comunicação. Rio de Janeiro: Bloch, n. 33, p. 7-11, 1984.

91
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Seixos rolados. Rio de Janeiro: Edição de
Sussekind & Mendonça, Machado & Cia, 1927.

92
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Ensaios Brasilianos. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, s/d.
64

Morize, Fritz Müller, Orville Derby, Frei Leandro e muitos outros), pesquisa
básica, ciência e arte, Academia Brasileira de Ciências, literatura, populações
indígenas, as tendências da medicina moderna etc. (ver Anexo 2)

Tendo participado ativamente em diversas atividades que envolviam o uso


de novas tecnologias – rádio e cinema –, viu ainda, antes de morrer, a televisão
ser difundida. Segundo Lins93 e Gouvêa94, o primeiro televisor aparecido no
Brasil foi fabricado por suas próprias mãos.

Nas proximidades da morte, Roquette-Pinto teria declarado:


"Eu não me desinteressei da minha ciência predileta, a
antropologia, porque estou inteiramente tranqüilo em relação ao
meu nome, nos seus anais. Dentro de um século, não se escreverá
sobre raças, especialmente sobre índios, assim como sobre
educação e sobre rádios no Brasil, sem subir as escadas do Museu
Nacional ou das Bibliotecas para consultar o que deixei... Tudo que
um homem de pensamento aspira, e que é a sobrevivência na
memória dos homens de amanhã, eu tenho como certo. Agora, o
meu desejo é divulgar os conhecimentos das maravilhas da ciência
moderna nas camadas populares. Essa a razão dos estudos que
estou agora realizando. Eu quero tirar a ciência do domínio
exclusivista dos sábios para entregá-la ao povo."95

93
LINS, Álvaro. Discurso de posse na Academia Brasileira (Estudo sobre
Roquette-Pinto). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação - MEC, 1956.

94
GOUVÊA FILHO, Pedro. E. Roquette-Pinto - o antropólogo e educador. Rio
de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1955.

95
Apud LINS, Álvaro. Discurso de posse na Academia Brasileira (Estudo
sobre Roquette-Pinto). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação - MEC, 1956.
p. 117-118.
65

Vale ainda destacar trechos de Credo, escrito em julho de 1935 a pedido


dos jovens do Clube da Cultura Moderna, que nos permite ter uma visão mais
clara sobre suas concepções ideológicas. Ao contrário de vários de seus
companheiros, como Amoroso Costa, Roquette-Pinto deixou clara sua filiação
intelectual em relação a Comte.
"(...) Creio que a ciência, a arte e a indústria hão de transformar a
terra no Paraíso que os nossos avós colocavam... no outro Mundo;

(...)

Creio nas leis da Sociologia positiva e por isso creio no advento do


Proletariado, conforme foi definido por Augusto Comte, que nele via
uma sementeira dos melhores tipos, 'realmente dignos da elevação
política';

Creio, por isso, que a nobre missão dos intelectuais – mormente


professores – é o ensino e a cultura dos Proletários, preparando-os
para quando chegar a sua hora;

(...)

Creio cegamente no postulado de Fritz Müller: o pensamento deve


ser livre como a respiração"96

Miguel Ozorio de Almeida (1890-1953)97

96
Apud LINS, Álvaro. Discurso de posse na Academia Brasileira (Estudo
sobre Roquette-Pinto). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação - MEC, 1956.
p. 131.
66

Nascido no Rio de Janeiro em 1 de agosto de 1890, Miguel é muitas vezes


citado, pelos historiadores da ciência, juntamente com seu irmão Alvaro: os
irmãos Ozorio de Almeida. Embora reconheçamos a grande importância que
teve Alvaro na ciência brasileira, e a história dos dois irmãos esteja
intrinsicamente ligada, escolhemos apenas Miguel como personagem em
destaque nesta dissertação, em virtude de suas contribuições específicas à
divulgação científica.

Assim como Amoroso Costa, Miguel estudou no Instituto Henrique Köpke.


Posteriormente, cursou a Faculdade de Medicina e teve toda sua formação no
Brasil, indo à Europa quando professor.

Já Alvaro, o irmão mais velho, completou seus estudos em Paris. De volta


ao Brasil, tentou sensibilizar Oswaldo Cruz a montar uma seção de fisiologia no
Instituto de Manguinhos, sem sucesso. Iniciando suas pesquisas na Faculdade
de Medicina, encontrou uma série de obstáculos, até ouvir a sentença final do
diretor: "A Faculdade de Medicina não é feita para pesquisas; isso deve ser feito
noutro lugar"98. Não havia outro lugar. Assim, Alvaro montou um modesto
laboratório de fisiologia no porão da casa dos pais, na rua Almirante Tamandaré,
no bairro do Flamengo. Alvaro ressentia-se do isolamento de seu trabalho e
recebeu o irmão de braços abertos:

97
Para elaboração da biografia de Miguel Ozorio de Almeida, foram usadas as
seguintes fontes, além das citadas ao longo do texto:

1) MARTINS, Tales. A biologia no Brasil. In: AZEVEDO, Fernando (ed.). As


Ciências no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, vol. 2, 1995. p. 233-300.

2) ROQUETTE-PINTO, Edgard. Ensaios Brasilianos. São Paulo: Companhia


Editora Nacional, s/d. p. 225-239.

98
OZORIO DE ALMEIDA, Álvaro. Valor da ciência - dificuldades e lutas de
minha carreira científica. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, 1950. p. 11.
67

"(...) o grande acontecimento dessa época, o melhor de todos, foi o


interesse de meu irmão Miguel pela Fisiologia e pelo laboratório
onde começou a trabalhar; tinha eu um companheiro, dobrara o
número de pesquisadores do laboratório, com a vantagem de não
haverem dobrado as despesas e os ordenados"99

Juntos, discordaram de uma idéia lançada, com grande repercussão, por


Yandell Henderson. Este defendia que a hiperpnéia causava choque traumático
em cães, levando-os à morte; os irmãos Ozorio mostraram que tudo não se
passava de uma queda da temperatura central dos animais até um grau que
provocava a morte por frio.

Em 1915, os pais dos Ozorio se mudaram e, com eles, o laboratório, que


agora ficou mais bem instalado, com duas boas salas, câmara escura,
canalização de gás, água sob pressão comum e sob alta pressão, eletricidade e
um biotério. Logo, viriam trabalhar ali colegas da Faculdade de Medicina, como
Afrânio Peixoto, Agenor Porto, Pedro Pinto, Dionízio Ausier Bentes; estrangeiros
entre os quais Gley, Lapicque e Madame Lapicque, Henry Piéron e H. Laugier.
Cientistas de outras áreas, em sua estada no Rio de Janeiro, também passaram
por ali: Hadamard, Langevin, Madame Curie, Irène Curie, Einstein e outros.
Branca Fialho, irmã de Alvaro e Miguel, também colaborava em seus trabalhos.

Com a morte de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas assumiu a diretoria de


Manguinhos e, em 1919, aceitou a idéia de Alvaro, criando ali a Seção de
Fisiologia. Alvaro recusou o convite de chefiar a unidade, indicando seu irmão
para o posto. Assim, pouco depois, Miguel deixava o pequeno laboratório,
levando consigo alguns dos poucos aparelhos. O laboratório, no entanto,
continuou a crescer até que foi fechado em 1932.

99
OZORIO DE ALMEIDA, Álvaro. Valor da ciência - dificuldades e lutas de
minha carreira científica. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, 1950. p. 12.
68

Miguel foi, de 1917 a 1937, professor catedrático de fisiologia da Escola de


Agricultura e Medicina Veterinária. O período mais longo da produção científica
passou em Manguinhos, de 1919 a 1921 e de 1927 até sua morte. Era membro
da Academia Brasileira de Ciências, da qual foi presidente em 1929-1930, da
Academia Brasileira de Letras e representante nacional em inúmeros
congressos e organizações internacionais.

Publicou vários textos de divulgação científica, muitos dos quais podemos


ler em Homens e coisas de ciência100 e A vulgarização do saber101. Este é talvez
o primeiro livro brasileiro a discutir, de forma sistemática, a questão da
divulgação científica (no Anexo 1, transcrevemos, na íntegra, o capítulo de
mesmo nome, incluído no referido livro). Escreveu ainda em 1933 Almas sem
abrigo102, romance sobre a vida de um matemático no Brasil.

Morreu em 2 de dezembro de 1953, cerca de um ano e meio depois de seu


irmão Alvaro.

100
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Homens e coisas de ciência. São Paulo:
Editora Monteiro Lobato, 1925.

101
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. A vulgarização do saber. Rio de Janeiro:
Ariel Editora Ltda., 1931.

102
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Almas sem abrigo. Rio de Janeiro: Ariel
Editora Ltda., 1933.
69

UM MOVIMENTO ORGANIZADO

Academia Brasileira de Ciências

Formava-se, nos anos 20, o embrião da comunidade científica brasileira


que, em um movimento organizado, tentava criar condições para a
institucionalização da pesquisa no país. "Os homens de ciência adquiriram uma
fisionomia à parte"103, avaliava Miguel Ozorio de Almeida naquele momento.

Na década anterior, em 1916, criou-se, no salão nobre da Escola


Politécnica, a Sociedade Brasileira de Ciências que, em 1922, iria se tornar a
Academia Brasileira de Ciências, destinada ao estudo e à propaganda das
ciências no Brasil.104 A diretoria ficou assim formada: Morize (presidente), J.C.
da Costa Senna, Juliano Moreira (vice-presidentes105), Alberto Löfgren
(secretário-geral), Roquette-Pinto (primeiro secretário), Amoroso Costa (segundo
secretário) e Alberto Betim Paes Leme (tesoureiro).

Roquette-Pinto deixou registrado suas impressões sobre a criação da SBC:


"Morize era o mais velho dos cientistas presentes. Parecia o mais
moço, tão grande era seu desejo de ver os estudiosos, nos
diversos campos, entrar em contato mais direto, rompendo o que

103
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Homens e coisas de ciência. São Paulo:
Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 122.

104
Resumo da acta da fundação da Sociedade Brasileira de Sciencias a 3 de
maio de 1917. Revista da Sociedade Brasileira de Sciencias, ano I, n. 1,
1917.

105
Oswaldo Cruz seria um dos vice-presidentes, caso não tivesse falecido
naquele ano.
70

ele chamava 'os compartimentos estanques' que no Brasil


dificultam o progresso da ciência."106

Para Miguel Ozorio de Almeida, o órgão tinha como função centralizar os


esforços dos sábios brasileiros, sem "substituir as agremiações ou sociedades
especializadas, que estudam um domínio mais particular do ilimitado campo da
ciência. Ao contrário, ela auxiliará todas e permanecerá como um instrumento de
síntese e coesão, tentando unificar todas as atividades em um conjunto
harmonioso e homogêneo."107

Ele explicou como funcionava a SBC (e a ABC):


"Periodicamente seus membros se reúnem e serenamente
comunicam uns aos outros o que têm lido e meditado. Trocam-se
impressões, surgem idéias novas, problemas ou aspectos de
problemas não anteriormente são trazidos à baila, e cada um de
nós volta aos seus trabalhos enriquecidos em alguma coisa, com a
inteligência dilatada em alguma direção, ou trazendo algum novo
ponto de vista para continuar as suas pesquisa."108

Na avaliação de Morize, o fim principal da nova organização era "espalhar


a importância da ciência como fator de prosperidade nacional".109 No mesmo
discurso, ele explicou que "era indispensável que se fundasse um grêmio, onde

106
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Ensaios Brasilianos. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, s/d. p. 71.

107
Sciencia e Educação, ano I, n. 5, jun./1929. p. 18.

108
Sciencia e Educação, ano I, n. 5, jun./1929. p. 17.

109
Revista da Sociedade Brasileira de Sciencias, ano I, vol. I, n. 1, 1917. p. 9.
71

aqueles que estudam as questões de ciência pura110 pudessem encontrar


fraternal agasalho e no qual se promovesse a formação de um ambiente
intelectual capaz de transformar a indiferença, ou mesmo em alguns casos a
hostilidade, com que a maioria habitualmente acolhe a publicação de tudo
quanto não tem o cunho de utilidade material, embora devam saber todos que
receberam a educação liberal corrente que muitas artes e indústrias têm como
base pesquisas científicas e princípios abstratos".111 Ele enfatizou ainda que
"seria pernicioso erro julgar que a ciência pudesse ser privada das suas raízes,
que são seus fundamentos teóricos, e continuar, mesmo assim, a produzir
frutos".112

Ainda a favor da pesquisa básica, "a qual é infelizmente considerada pelos


governos e pela grande massa do público como simples ornato de luxo que
somente os povos ricos podem manter"113, Morize afirmou:
"(...) não trepido em afirmar que todos os estudos, mesmo os mais
abstratos, são de transcendente utilidade que infelizmente escapa
àqueles que não possuem cultura suficiente. Pode-se sem receio
asseverar que quase todos os progressos positivos, materiais até,
suscetíveis de serem avaliados em moeda, derivam de trabalhos
puramente teóricos, empreendidos por pesquisadores
desinteressados, que se consideravam suficientemente

110
Ciência pura, termo usado na época para denominar pesquisa básica.

111
Revista da Sociedade Brasileira de Sciencias, ano I, vol. I, n. 1, 1917. p. 4-5.

112
Ibid. p. 7.

113
Alocução pronunciada no "Círculo de professores", sem data identificada
(Arquivo Morize/Mast).
72

recompensados de seus esforços pelo descobrimento de alguma


verdade nova."114

Um ano após a SBC tornar-se Academia, Amoroso Costa faria em O


Jornal, em 27 de maio de 1923, balanço das atividades:
"(...) A Academia, da qual talvez o leitor nunca tenha ouvido falar,
foi fundada há sete anos por alguns amigos da ciência, que uma
vez por mês se reúnem, trocam idéias, expõem os seus próprios
estudos e pesquisas. Nesse curto período de tempo, mais de
duzentas notas e memórias têm sido apresentadas nessas
reuniões, e em não poucas se encontram resultados novos e
interessantes. Lutando contra toda sorte de dificuldades materiais,
e também contra a indiferença geral, a Academia publica esses
trabalhos em uma revista, que evidentemente não é leitura amena,
mas que tem recebido elogios das sociedades estrangeiras as
quais é remetida. Seria injusto negar o mérito desse esforço
paciente e obscuro, que pouca gente conhece."115

Defensor da ciência pura, Amoroso Costa afirmava que o valor supremo da


ciência não é seu valor de utilidade prática, nem mesmo o seu valor de verdade,
é o seu valor de beleza116. O matemático dizia:

114
Discurso proferido por ocasião do início da construção dos novos edifícios do
Observatório Nacional, em 28 de setembro de 1913 (Arquivo Morize/Mast).

115
AMOROSO COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e
outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 150.

116
Apud OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Homens e coisas de ciência. São
Paulo: Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 128.
73

"Eu não aceito – e nunca aceitei – a concepção utilitária da ciência.


Nunca me conformei com o modo de ver dos que a consideravam
uma serva da técnica, destinada a fornecer-lhes receitas e regras
de ação; muito pelo contrário, penso que essas receitas e regras
são subprodutos da ciência. Lamento que em nossa universidade,
que de universidade pouco mais tem do que o nome, não exista um
instituto de estudos científicos propriamente ditos, em torno do qual
se formasse e desenvolvesse a cultura que nos falta, isto é, o gosto
pela especulação desinteressada, amor da pesquisa original, e não
apenas a que possuímos, superficial assimilação do que criam os
povos mais adiantados."117

Mas, em 1923, Amoroso Costa considerava que o "terreno é ainda


impróprio ao cultivo dessa suprema flor de espírito, que é a ciência pura,
contemplativa e desinteressada".118 Para ele, a ciência oficial brasileira ainda
teria por muitos anos apenas caráter utilitário.

Miguel Ozorio de Almeida dissertou sobre as divergências entre os


defensores da ciência aplicada e os da ciência pura, que considera como "a
ciência feita pelo prazer de encontrar coisas novas".119 Ele disse:

117
Trecho de discurso proferido ao assumir a cadeira de Astronomia Teórica e
Prática de Geodésia na Escola Politécnica, em 1924. Revista Didática da Escola
Politécnica, vol. 36, p. 9-14, 1930. p. 10.

118
Publicado em O Jornal, em 27/maio/1923 e transcrito em AMOROSO
COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e outros ensaios.
3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 151.

119
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Homens e coisas de ciência. São Paulo:
Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 128.
74

"As divergências começam quando se encontram homens práticos,


que ostensivamente desprezam as preocupações desinteressadas
da ciência pura, declarando-as inúteis e vãs e proclamando
sonhadores inofensivos os que a elas se dedicam; e homens de
ciência artistas, que desprezam por completo as aplicações
práticas, considerando-as nocivas e perniciosas. Os primeiros não
compreenderam a ciência, os segundos nada compreendem da
vida. Aqueles revelam um incomensurável egoísmo, estes mostram
uma absoluta incapacidade de adaptação"120

Embora mantivesse essa postura conciliadora entre os defensores da


ciência aplicada e os da ciência pura, Miguel tinha claro, em 1929, que o fim
principal da ABC era o desenvolvimento da ciência pura no Brasil:
"[A ABC] quis deixar bem patente o seu respeito pela ciência
desinteressada e tratou de criar uma espécie de culto pelo espírito
científico no que ele tem de mais elevado e de mais nobre.

Não que em suas reuniões tivesse algum dia sido manifestado


menoscabo ou desprezo pelas aquisições da ciência que se
destinam a aplicações práticas. Elas são tão respeitáveis e tão
belas como as outras, pois representam também um progresso dos
conhecimentos humanos e concorrem para a melhoria das
condições da vida humana. Mas a Academia procurou sempre
sustentar ciosamente o seu ponto de vista: o conhecimento vale
por si, independentemente de sua utilização, e esse valor é
bastante grande para que não se meçam os esforços no afã de
adquiri-lo. Ela procurou mostrar a beleza e a dignidade da pesquisa
científica e, como a descoberta de uma lei natural ou a

120
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Homens e coisas de ciência. São Paulo:
Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 129.
75

evidenciação de um fenômeno novo é por si só um objetivo, tem


uma finalidade própria. A Academia tratou, pois, de criar, ao lado
de uma necessidade de momento, imposta por um problema
prático a estudar e exigindo solução mais ou menos urgente, lugar
para essas necessidades do espírito humano, mais abstratas, mas
não menos imperiosas, que levam a indagar do porquê e do como
das coisas, dos fenômenos e dos seres.

Essas necessidades, porém, nem sempre encontram um ambiente


propício para sua grande expansão. Aqueles que as possuem em
alto grau se sentem por vezes um tanto deslocados e são
considerados como um espírito à parte, não identificados com o
meio e a época. Na torrente vertiginosa da vida contemporânea
eles se colocam um tanto à margem, e poucos compreendem
porque assim procedem não se deixando arrastar. É que poucos
percebem ser essa torrente em grande parte formada e alimentada
justamente por esses, que fora dela, podem estudá-la e em parte
dominá-la, desviando às vezes inesperadamente o seu curso.

A Academia tem tido assim que sustentar uma luta tenaz


decorrente da falta de apoio, da falta de atenção em que tem
vivido."121

A crítica ao positivismo, pelo menos na versão hegemônica no Brasil, que


exercia ainda grande influência nas escolas profissionais, foi também um
denominador comum entre vários desses cientistas. Na avaliação de Ferreira, "as
críticas formuladas contra o positivismo comteano por alguns dos fundadores da
Academia Brasileira de Ciências devem ser entendidas como uma estratégia de

121
Sciencia e Educação, ano I, n. 5, jun./1929. p. 17.
76

construção da identidade de um novo tipo de intelectual: o cientista 'puro'".122 Ele


acredita que a afirmação da identidade social desse novo tipo de intelectual seria
obtida pela negação dos valores e hábitos tradicionais reinantes nos meios
científicos e intelectuais.
Para Ferreira, o artigo de Otto de Alencar "Alguns erros de matemática na
síntese objetiva de A. Comte", publicado na Revista da Escola Polytechnica, em
1898, é um documento decisivo para a comprensão das relações entre o
positivismo e a ciência no Brasil no final do século XIX:
"Mais do que uma 'denúncia' das limitações teóricas da matemática
comteana, o artigo de Otto de Alencar – que era positivista e
freqüentava as reuniões da Sociedade Positivista do Rio de Janeiro
– indica a emergência de uma nova concepção de ciência envolta
nos dilemas da afirmação do cientista no contexto intelectual
brasileiro.

Não foi uma tarefa simples demonstrar os 'erros de matemática' de


Comte, visto que isso significava ir contra uma concepção de
ciência plenamente aceita nos meios científicos."123

Comandados por Licínio Cardoso, os positivistas reagiram às críticas de


Alencar, dando início a uma longa polêmica que se prolongou até a década de 20.
Ferreira acredita que o afastamento de Alencar do positivismo comteano chamava
a atenção para um problema crucial posto aos cientistas brasileiros de então:
"Necessitavam demonstrar o valor intrínseco da ciência; que a
pesquisa científica não valia apenas como um meio para a 'reforma
social', mas, essencialmente, por sua capacidade ilimitada de

122
FERREIRA, Luiz Otávio. As Origens da Academia Brasileira de Ciências.
Ciência Hoje. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
vol. 16, n. 96, p. 32-36, dez./1993. p. 33.

123
Ibid. p. 33-34.
77

teorização e de resolução de problemas não necessariamente


práticos.

A ciência pura seria, então, a ciência liberta dos 'compromissos


sociológicos' propostos por Comte."124

Para Paim, Alencar, ao romper com o positivismo, acompanhou a evolução


da ciência, criando as premissas para a aceitação da nova física e das
geometrias não-euclidianas. Após sua morte, em 1912, o processo tem
seguimento por meio de Amoroso Costa, Lélio Gama, Teodoro Ramos, Roberto
Marinho de Azevedo, Felipe dos Santos Reis e alguns outros.125
Em 1918, Amoroso Costa proferiu a "Conferência sobre Otto de Alencar",
na Escola Politécnica.126 Em sua exposição ele afirmou:
"Aceitar a Síntese Subjetiva é rejeitar toda a obra matemática do
século passado, a obra de Gauss e de Abel, de Cauchy e de
Riemann, de Poincaré e de Cantor. Ao passo que o primeiro tomo
da Filosofia Positiva é um quadro magistral da ciência matemática
em fins do século XVIII, a síntese, escrita quando Comte já estava
seduzido pela sua construção sociológica, é uma das tentativas
mais arbitrárias que jamais foram feitas, de submeter o
pensamento a fronteiras artificiais.

Para o filósofo (emprego as suas próprias expressões) a ciência


fundamental está radicalmente esgotada com a construção da

124
Ibid. p. 34.

125
PAIM, Antonio. O neopositivismo no Brasil. Período de formação da corrente.
In: AMOROSO COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e
outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 39-63.

126
A conferência foi publicada na Revista Didática da Escola Politécnica, n. 13,
p. 3-24, julho/1918.
78

Mecânica celeste, termo da sua evolução normal; nada justifica a


invasão do domínio matemático pelas abstrações desprovidas de
racionalidade e de dignidade, que nele fêz prevalecer a anarquia
acadêmica; só resta agora elaborar uma sistematização final
subordinada ao conjunto dos conhecimentos humanos."127

Em 1922, novamente ele abriu fogo contra as idéias de Comte:


"(...) Quase nada resta hoje da fantasia política e pseudo-religiosa
de Comte, e, o que é mais grave, não está longe o dia em que se
possa dizer o mesmo da sua concepção da ciência, apesar da
influência profunda que exerceu sobre o pensamento de algumas
gerações. Inspirada, é justo reconhecê-lo, em um ideal humano
muito nobre, ela já nos parece por demais estreita e rígida.

Que a ciência não se submeteu às normas estabelecidas pela


filosofia positiva, sabem-no perfeitamente os positivistas puros, que
não perdem ocasião de protestar contra as 'aberrações estéreis' e
as 'vãs curiosidades' dos matemáticos e físicos contemporâneos.
Muita gente, porém, julga o contrário, e para esse engano tem
contribuído o uso corrente da expressão 'ciência positiva', que
nunca se deveria entretanto confundir com 'ciência positivista'.
Porque, e este é um ponto sobre o qual convém insistir, a ciência
moderna só seria compatível com um positivismo extremamente
alargado, um positivismo não-comteano.

Comte, é sabido, não se limitou a traçar as fronteiras da ciência


possível, mas foi muito além, circunscrevendo a uma pequena
parte desse domínio a atividade da ciência permitida, isto é, da

127
AMOROSO COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e
outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 71.
79

ciência que lhe parecia verdadeiramente útil, como conhecimento


necessário e suficiente ao preparo da ação. Esta segunda restrição
não resiste à mais ligeira crítica: salta aos olhos o que ela tem de
artificial e de contrário aos impulsos característicos do nosso
espírito. Custa crer que um pensador da ordem de Comte
condenasse o emprego do microscópio, ou dissesse, da admirável
descoberta de Netuno pelo cálculo, que não tinha para nós a
menor importância, esse planeta podendo interessar quando muito
aos habitantes de seu vizinho Urano. Trata-se, porém, de um
simples erro de psicologia, que de modo algum influiu sobre a
marcha natural das idéias. Outro tanto não se pode dizer da sua
delimitação da ciência possível, e aqui a doutrina de Comte encerra
sem dúvida uma parte de verdade. Com todo o seu exagero, ela
exprime, uma vez ainda, a velha crença de que a explicação
suprema das coisas nos é para sempre inacessível.

Desprezando as causas dos fenômenos, como fantasmas da


imaginação, a ciência positivista procura as suas leis, as relações
permanentes que encadeiam os fatos sensíveis. Nessa pesquisa
ela rejeita, por ilusória, uma unificação progressiva dos resultados
adquiridos. Uma luz, diz Comte, será eternamente heterogênea a
um movimento ou a um som. Qualquer explicação do gênero, por
exemplo, da teoria ondulatória, é terminantemente proibida,
reduzindo-se o papel da hipótese ao da antecipação provisória
sobre os resultados da experiência. A tudo que não entra nesse
esquema descritivo, Comte fulmina com o epíteto de metafísico,
que ainda hoje os seus discípulos distribuem a torto e a direito,
sempre que pretendem, sem grande esforço crítico, condenar um
ato ou uma idéia.
80

Seria puro jogo de palavras fixar o que se deve entender por


metafísica; mas nunca ninguém atribuiu a esse termo um sentido
tão abusivamente amplo. Na verdade, Comte fazia metafísica como
Mr. Jourdain fazia prosa, e toda a sua filosofia está saturada do
postulado empirista. É contra ele próprio que se volta finalmente o
seu conselho de prudência; nada mais ilusório do que pretender
dizer onde acaba a ciência e começa a metafísica, porque fronteira
não existe."128

Na avaliação de Paim, "no grupo que demonstra haver superado


integralmente o positivismo, Amoroso Costa é a pessoa que cuida de conduzir
mais longe a indicada evolução do pensamento científico nacional, tratando de
delimitar aquela esfera onde não mais tem lugar as demonstrações convincentes,
como no âmbito das ciências, mas a emergência de problemas de índole
filosófica".129

Rádio Sociedade130

Em 20 de abril de 1923, fundou-se, dentro dos salões da Academia


Brasileira de Ciências, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que teria sido a

128
AMOROSO COSTA, Manoel. Ainda o problema da ciência. O Jornal,
17/dez./1922 (Acervo Amoroso Costa/Mast).

129
PAIM, Antonio. O neopositivismo no Brasil. Período de formação da corrente.
In: AMOROSO COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e
outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 43.

130
Alguns documentos da Rádio Sociedade podem ser localizados no acervo de
Morize/Mast e da Rádio Sociedade. Esse último, considerado perdido durante
décadas, foi reencontrado há cerca de dois anos. Infelizmente, por falta de verba
foi novamente abandonado num galpão no subúrbio do Rio de Janeiro.
81

primeira rádio brasileira. Sua primeira transmissão ocorreu no dia 1 de maio do


mesmo ano.

Foi criada por um grupo de pessoas, entre elas os membros da ABC, que
se cotizaram para implantar esse novo veículo de comunicação, que seria usado
para difusão de assuntos culturais e científicos. Segundo seus estatutos, a
"Rádio Sociedade, fundada com fins exclusivamente científicos, técnicos,
artísticos e de pura educação popular, não se envolverá jamais em nenhum
assunto de natureza profissional, industrial, comercial ou político".131

Era objetivo de seus criadores manter, na sede, uma biblioteca, uma sala
de cursos e de conferências, um laboratório de ensaios científicos para seus
membros e uma estação emissora (broadcasting) para irradiar conferências,
concertos, divulgando igualmente assuntos de interesse científico, literário ou
artístico, a hora legal, o boletim do tempo etc.

Assinavam os estatutos Morize, Roquette-Pinto, Francisco Lafayette,


Henrique de Beaurepaire Rohan Aragão, Arthur Moses, Dulcídio Pereira,
Francisco Venâncio Filho, Armando Fragoso Costa, Eugênio Hime, Mário Paulo
de Brito, Othon Leonardos, Jorge Leuzinger, Carlos Gooda Lacombe, Mário
Souza, Edgard Süssekind de Mendonça, Antonio Caetano da Silva Lima,
Carneiro Felipe, entre outros.

Em 19 de maio daquele ano, escolheu-se o Conselho Diretor, que ficou


assim constituído: Morize (presidente), Roquette-Pinto (secretário), Democrito
Lartigau Seabra (tesoureiro), diretores: Carlos Guinle, Luiz Betim Paes Leme,
Alvaro Ozorio de Almeida, Francisco Lafaytte, Mario de Souza e Angelo M. da
Costa Lima. Presidente honorário: Dr. Francisco Sá. Diretores honorários:
General Ferrié, Prof. Abraham, General Rondon, Prof. Paulo de Frontin, Dr.
Octavio Mangabeira, Dr. João Teixeira Soares e Dr. Gabriel Ozorio de Almeida.

131
Apud SALGADO, Alvaro. A radiodifusão educativa no Brasil. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documentação, 1946. p.
27-28.
82

O caráter de divulgação científica da Rádio Sociedade foi explicitamente


enfocado em reunião da Academia Brasileira de Ciências, segundo ata da
sessão de 29 de abril de 1925:
"Foi aprovado um voto de congratulações para a Rádio Sociedade
do Rio de Janeiro, pela passagem de seu segundo aniversário,
tendo o Sr. Alvaro Alberto realçado a grande obra de educação e
de vulgarização científica que vem realizando essa instituição
nascida no seio da Academia."132

Einstein, quando esteve no Brasil em maio de 1925, visitou à rádio e nela


transmitiu publicamente suas impressões, traduzidas logo em seguida pelo
químico Mario Saraiva:
"Após minha visita a esta Rádio Sociedade, não posso deixar de
mais uma vez admirar os esplêndidos resultados a que chegou a
ciência aliada à técnica, permitindo aos que vivem isolados os
melhores frutos da civilização.

É verdade que o livro também poderia fazer e o tem feito; mas não
com a simplicidade e segurança de uma exposição cuidada e
ouvida de viva voz. O livro tem que ser escolhido pelo leitor, o que
por vezes traz dificuldades.

Na cultura levada pela radiotelefonia, desde que sejam pessoas


autorizadas as que se encarreguem das divulgações, quem ouve
recebe além de uma escolha judiciosa, opiniões pessoais e
comentários que aplainam os caminhos e facilitam a compreensão:
esta é a grande obra da Rádio Sociedade."133

132
Revista da Academia Brasileira de Sciencias, ano VI, n. 1, abr./1926. p. 125.

133
Electron, ano 1, n. 6, 20/abr./1926. p. 3.
83

Depois de sua criação, a Rádio Sociedade esteve sediada em vários locais,


passando pela sala de física da Escola Politécnica e pela Livraria Científica
Brasileira. Em dezembro do mesmo ano, o governo cedeu à Academia Brasileira
de Ciências o Pavilhão Tchecoslovaco no centro da cidade do Rio de Janeiro e a
rádio também foi para lá, permanecendo até 1928, quando a prefeitura esvaziou
o prédio.

Na comemoração de seus três anos, o arquivo da Rádio Sociedade já se


achava inteiramente organizado e continha cerca de dez mil documentos,
"alguns do maior valor para a história do rádio no Brasil"134. A biblioteca contava
com 800 volumes e a sala de leitura dispunha publicações periódicas de T.S.F.
(telefonia sem fio) e de ciência em geral.

A título de ilustração, transcrevemos os versos elaborados por Pethion de


Villar (Dr. Egas Moniz Barreto de Aragão, Bahia) sobre as atividades da Rádio
Sociedade:

135
A escola do porvir

à benemérita Rádio Sociedade do Rio de Janeiro

Alô! Três vezes alô!

Do éter na imensidade

Quem falou?

Em que ponto do universo?

134
Ibid. p. 4.

135
Radio ano II, n. 26, 1/nov./1924. p. 31.
84

Alô! Rio de Janeiro! ...

Rádio Sociedade,

Pelas antenas do Verso

Fala o povo brasileiro.

Alô! Hurra! Bravos mil

Aos heróis bandeirantes

Da radiotelefonia

No Brasil,

Sempre a lutar, triunfantes! ...

Meus amigos, que alegria!

Que entusiasmos, não minto.

Ao proclamar-vos os nomes,

Das rimas da sintonia! ...

Alô! Três vezes alô!

Morize, Roquette-Pinto,

Dulcídio, Leonardo Gomes,

Demócrito Lartigau,

Moreira Pinto, Cesário

Lafayette, Carlos Guinle..............


85

.........................

Aqui é que pega o carro!

Onde encontrar rima em inle?

Não há no dicionário...

Ora bolas! Que demônio!

Se assim nesta rima esbarro! ...

Ajuda-me Santo Antônio!

A descalçar esta bota! ...

Mas também que ladainha

Poliglota

De tanto e tantos nomes! ...

(...)

Unir, através do espaço,

Nós todos brasileiros!

Num solene e estreito abraço,

Num supremo beijo ardente,

Fazer de trinta milhões

De almas, hoje dispersadas,

E isolados corações,
86

Uma grande alma somente,

E somente um coração

(...)

Talvez não tarde muito: alviçareiras,

Todas as almas hão de ter, um dia,

No remanso dos lares, espalhados,

Pelas imensas terras brasileiras,

Nas matas, nos rincões mais afastados,

Do Amazonas ao Prata, em toda a parte,

Todas as almas hão de ter um dia

Numa espiritual eucaristia.

O conforto moral da ciência e da arte.

E a paz há de arquear as grandes asas brancas,

Pairando, em pleno azul, sobre as fronteiras francas

Sobre as nações, por fim fraternizadas! ...

E tudo isso há de ser o milagre evidente,

As soberbas conquistas portentosas

Pelo poeta e o sábio entresonhadas,

A formidável obra soberana,


87

Das invisíveis ondas assombrosas

Que celebra o meu verso,

Levando no ar silenciosamente,

Misteriosamente,

Todos os raios da Palavra Humana,

Todas as harmonias do universo!

A legislação brasileira marcou a Rádio Sociedade em dois momentos: no


seu início e no seu fim. Em 1923, por motivo de segurança nacional, era proibida
a radiotransmissão, sendo considerado crime político a existência em casas
particulares de rádio-receptores.

Carta importante, que contribuiu para a legalização da atividade radiofônica


no país, foi enviada a Francisco Sá, ministro da Viação, em 11 de maio de 1923,
em nome da Academia Brasileira de Ciências e assinada por Morize, Roquette-
Pinto, Domingos Costa, J. Del Vecchio:
"A divulgação da T.S.F., no território nacional, permitindo que um
grande número de brasileiros se possa preparar para servir à pátria
no terreno científico, militar, industrial etc, é uma das mais urgentes
necessidade do país. Causa verdadeira tristeza aos estudiosos
verificar o grau de inconcebível atraso em que se encontra, no
Brasil, a T.S.F. como prática popular.

Em todos os países do mundo civilizado, até mesmo nas velhas


nações conservadoras e tradicionalistas do Oriente, já o Poder
Público compreendeu a vantagem de permitir amplamente a prática
usual das radiocomunicações por amadores e estudiosos. (...)
88

A proibição da T.S.F. é científica e praticamente um absurdo e uma


ingenuidade; se fosse possível torná-la realmente efetiva, seria,
ainda assim, um grande mal para o progresso da nação.

A antena especialmente armada, único sinal visível capaz de


permitir a descoberta de um receptor clandestino, é hoje
geralmente dispensada nas cidades, substituídas por quadros, fios
das canalizações de luz elétrica, clarabóia etc. Aqui mesmo no Rio
de Janeiro, pode-se documentadamente, afirmar que os postos de
amadores sem antena visível são a maioria.

O restante de um posto simples nunca poderá ser descoberto e


apreendido senão em condições muito especiais.

Por outro lado, não se pode compreender a vantagem da proibição,


quando se sabe que qualquer navio estrangeiro, em pleno oceano,
fora dos nossos limites territoriais, pode interceptar à vontade, com
os atuais receptores amplificadores e até grafar os despachos dos
nossos postos militares, mesmo quando transmitidos com pequena
potência.

A transmissão automática, a criptografia e principalmente o recente


método da radiotelegrafia Diplex, que, aumentando o rendimento
das estações de grande tráfego, transmite dois radiogramas ao
mesmo tempo em ondas diversas, tornando a recepção impossível
aos postos comuns, são meios eficazes suficientemente
asseguradores do segredo das transmissões, se não fosse
realmente inútil na maior parte das vezes a preocupação de tal
sigilo.

Quanto à transmissão de mensagens radiotelefônicas e


radiotelegráficas, é do maior interesse de todos que o Governo
89

limite as licenças de modo a só permitir seu uso aos que estiverem


em condições de não prejudicar aos demais. Contudo, é preciso
não esquecer que o desenvolvimento sonhado pelos cientistas
patrícios, da T.S.F. no Brasil, depende da existência de numerosas
fontes de ondas elétricas.

Por isso acreditamos, Sr. Ministro, ser da maior conveniência a


permissão para transmitir aos amadores que oferecerem garantias
de sua idoneidade moral e científica. Tanto mais que, usando
ondas limitadas e potência limitada, os postos particulares poderão,
mutuamente, se prejudicar, mas nunca perturbar o serviço oficial.
(...)

Pela T.S.F., o interior do Brasil poderá, em pouco tempo,


transformar-se, graças à nova mentalidade que ela fará surgir em
cada povoação onde chegarem suas ondas progressivistas.

À vista das considerações acima, a Academia Brasileira de


Ciências julga cumprir o seu programa e trabalhar pelo bem
comum fazendo um ardoroso apelo a V. Ex. para que torne
realidade tão importantes medidas rigorosamente compreendidas
no espírito e na letra da lei de 10 de junho de 1917 (art. 12), que
faculta ao Ministério da Viação conceder licença para o
estabelecimento de estações experimentais. (...)"136

Os governantes acabaram cedendo e a legislação foi mudada. Mas nova


legislação acabou inviabilizando a Rádio Sociedade uma década depois.
Segundo a ata da sociedade de 18 de maio de 1935, Roquette-Pinto informou:

136
Carta reproduzida na revista Radio, ano I, n. 2, out./1923. p. 39-40.
90

"A estação está em perfeito estado de conservação, funcionando


com a máxima regularidade, devendo, entretanto, por força de lei
recente, ser modificada ou substituída por outra mais potente e
moderna a ser instalada, de acordo ainda com a lei, dentro de um
ano e longe do centro da cidade. (...) a situação atual da Rádio
Sociedade não é má: todos os seus serviços, técnicos,
administrativos e de radiodifusão, funcionam da melhor ordem; o
estado de conservação das suas instalações é perfeito; o seu
patrimônio aumentou bastante com a aquisição do terreno de
Campinho; tem fundo de reserva de mais de trinta contos de reis;
está equilibrando a receita com a despesa e não tem dívida
alguma."137

Na última ata, de 3 de setembro de 1936, o parecer:


"A Rádio Sociedade não poderá continuar os seus serviços de
radiodifusão senão sofrendo uma profunda remodelação de sua
própria organização, deixando de ser instituição puramente
educativa, como tem sido, para adquirir caráter comercial, à vista
das exigências da atual legislação em vigor."138

Em 7 de setembro de 1936, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro foi doada


ao Ministério da Educação. No último relatório da sociedade, a sentença final:

137
Apud SALGADO, Alvaro. A radiodifusão educativa no Brasil. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documentação, 1946. p.
37-38.

138
Apud Ibid. p. 37.
91

"Não dispondo de capital para aumentar a potência da sua estação – conforme


exige o governo – a Rádio Sociedade resolve encerrar suas atividades".139

Associação Brasileira de Educação

Em 6 de outubro de 1924, criou-se a Associação Brasileira de Educação


(ABE). Sendo Heitor Lyra da Silva o principal ativista para sua criação, a ABE
também foi fruto do movimento organizado de cientistas e intelectuais da época,
muitos deles responsáveis por outras iniciativas destacadas nesta dissertação.
Alvaro Ozorio de Almeida e Amoroso Costa, por exemplo, participaram
ativamente de sua direção e da organização de ciclos de conferências, palestras
e cursos promovidos pela entidade (para mais informações, ver "As conferências
da Associação Brasileira de Educação" e o Anexo 3).

A ABE tinha por finalidade "promover no Brasil a difusão e o


aperfeiçoamento da educação em todos os ramos e cooperar em todas as
iniciativas que tendam, direta ou indiretamente, a esse objetivo", conforme seus
estatutos140. Tinha como propósitos organizar permanentemente a estatística da
instrução no Brasil; publicar revistas, boletins e relatórios periódicos sobre
questões do ensino; manter museu escolar permanente, biblioteca pedagógica e
sala de conferências e cursos; promover e premiar a publicação de bons livros
didáticos; organizar um arquivo de legislação nacional e estrangeira sobre
ensino e questões correlatas; facilitar a seus sócios a aquisição de livros e
material escolar; facilitar o desenvolvimento do cinema educativo, de bibliotecas
infantis e de outros institutos auxiliares de ensino; organizar obras de
mutualidade entre professores e entre alunos; estimular a educação popular,
entre outros.

Na primeira diretoria, estavam o advogado Levi Carneiro; Candido de Mello


Leitão, médico catedrático da Escola Superior de Agricultura e Medicina

139
Apud Ibid. p. 39.

140
Acervo Amoroso Costa/Mast e Boletim da ABE, ano I, n. 1, set./1925.p. 2.
92

Veterinária e professor da Escola Normal; C. Delgado de Carvalho, professor do


Pedro II e da Escola Normal; Heitor Lyra da Silva, engenheiro e professor da
Escola Nacional de Belas Artes (sendo que diretores ocupam, um de cada vez,
as funções de presidente durante três meses, a começar por Levi Carneiro).
Compunham ainda a diretoria: Mario Brito (secretário-geral), engenheiro e
catedrático da Escola Politécnica, e Branca Fialho (tesoureira).

O lema, apresentado no Boletim da ABE era: "O problema da educação


nacional só estará a caminho de ser resolvido no dia em que possuirmos uma
'elite' esclarecida e consciente, capaz de compreender sua importância e de
empreender sua solução. Preparar uma 'elite' é, pois, o primeiro passo a
realizar".141

Em 1925, a ABE elaborou plano de utilização sistemática do cinematógrafo


e de radiotelefonia em proveito da educação. Mas Carneiro lamentaria alguns
anos mais tarde:
"(...) remetemos [o plano] a todos os governantes dos estados,
oferecendo-lhes, desde logo, a nossa cooperação dedicada.
Alguns terão acusado o recebimento da nossa mensagem. Creio,
no entanto, que nenhum resultado prático ela produziu."142

Com relação às transformações educacionais impulsionadas pela ABE,


Fernando de Azevedo afirmaria:
"As idéias renovadoras que adotaram e sacudiram o sistema
escolar nas suas bases deviam circular em sentido vertical como
uma nova seiva que subisse do ensino primário e normal, para
atingir, provocando movimentos de reação, as superestruturas do

141
Boletim da ABE, ano II, n. 6, jul./1927. p. 1.

142
CARNEIRO, Levi Fernandes. A educação do povo pela Radio-diffusão e pelo
cinema. Sciencia e educação, Rio de Janeiro: Typ. B. de Souza Carmo, n. 5, p.
11-12, jun. 1929. p. 12.
93

sistema escolar – os ensinos secundário e superior, que se


mantinham até então rebeldes e quase inacessíveis à corrente de
renovação que se propagava pelo país. Mas antes dessa
circulação vertical, naturalmente mais lenta, elas já começavam a
desenvolver-se em sentido horizontal, difundindo-se pelo país,
sobretudo do principal foco de irradiação que era o Rio de Janeiro
e alargando cada vez mais, por diversos estados, o seu raio de
influência e ação. Para esse fim concorreram as conferências
nacionais que a Associação Brasileira de Educação promoveu nas
capitais e se iniciaram pela de Curitiba, em 1927, isto é, no mesmo
ano em que rompiam no Distrito Federal e em Minas Gerais os dois
maiores movimentos de renovação escolar que se produziram, no
Império e no período republicano. As conferências anuais,
convocadas por essa sociedade de educadores, aproximando
professores de todos os graus de ensino e de todos os estados,
criando uma atmosfera favorável ao debate de idéias e
promovendo a expansão dos ideais das reformas empreendidas
em alguns dos principais centros de cultura, atingiam objetivos
eminentemente nacionais, concretizando o sonho de seu fundador
Heitor Lyra, quando pensou em tornar móvel a sede da Associação
que, no seu plano primitivo, deveria reunir-se anualmente em um
dos estados, ora no norte, ora ao sul, ora ao centro, de modo a
realizar uma verdadeira transfusão de idéias e sentimentos."143

Em 3 de dezembro de 1928, a ABE perdeu alguns de seus mais valiosos


elementos – Amoroso Costa, Tobias Moscoso, Ferdinando Labouriau (na época,
presidente da Rádio Sociedade), Amaury de Medeiros e Paulo de Castro Maya,

143
AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. Brasília/Rio de Janeiro: Editora
da UnB/Editora da UFRJ, 1996. p. 637.
94

todos mortos no acidente trágico, já citado nesta dissertação, do hidroavião


Santos Dumont, que decolou para recepcionar o inventor Santos Dumont.

Naquele mesmo ano, tinha sido iniciado inquérito sobre o problema


universitário brasileiro, promovido pela Seção de Ensino Técnico e Superior da
ABE, que se prolongou até o ano seguinte e cujos resultados foram publicados
em um livro.144

Nas décadas seguintes, com a atuação destacada de Anísio Teixeira, a


ABE teria importante papel na defesa da educação pública no Brasil. Em 1945,
Fernando de Azevedo daria seu parecer:
"Para apreciar a função quase singular que exerceu a Associação
Brasileira de Educação, estabelecendo entendimentos recíprocos e
provocando por toda a parte um despertar de espírito e a
consciência de uma unidade política, bastará lembrar que, no
domínio essencial da educação popular, o governo da República só
teve, em 40 anos, duas iniciativas, mandando em 1918 fechar
escolas alemães no sul e subvencionando o ensino primário no
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, para combater, no
interesse da unidade nacional, a infiltração germânica, e
convocando, em 1922, no governo Epitácio Pessoa, uma
conferência oficial para estudar a intervenção da União no ensino
primário."145

Alguns anos depois, Alvaro Ozorio de Almeida declararia:

144
O problema universitário brasileiro. Inquérito promovido pela Seção de
Ensino Técnico e Superior da Associação Brasileira de Ensino. Rio de Janeiro: A
Encadernadora. 1929.

145
AZEVEDO, Fernando. A cultura brasileira. Brasília/Rio de Janeiro: Editora
da UnB/Editora da UFRJ, 1996. p. 637-638.
95

"(...) a causa fundamental, necessária, imprescindível, que


determina em um país a estabilidade da ciência e a velocidade de
seu crescimento é o grau de extensão de sua instrução nacional.
Acreditamos que todas as formas e graus de instrução são
interdependentes, influenciam-se reciprocamente; minguando uma,
as outras sofrem, se uma se hipertrofia, as outras reagem.

"Poder-se-ia imaginar um grande desenvolvimento científico em um


país de analfabetos? Ou sólida instrução profissional sem
professores de ciência e homens de pesquisa?"146

PANORAMA DAS INSTITUIÇÕES DE PESQUISA E ENSINO DA ÉPOCA

As instituições científicas no Rio de Janeiro que apresentavam maior


tradição de pesquisa eram o Instituto de Manguinhos e o Museu Nacional147,
ambos nas áreas biológicas e de ciências naturais. No domínio das ciências
exatas, havia, segundo Moreira, "ausência quase completa de pesquisa
científica no domínio da física, quer teórica, quer experimental".148 Ele lembra
que "uma pequena exceção no domínio das ciências exatas era a área de
astronomia onde, desde o século XIX, mas com muitos altos e baixos, criara-se

146
OZORIO DE ALMEIDA, Alvaro. Valor da ciência - dificuldades e lutas de
minha carreira científica. São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, 1950. p. 19-20.

147
AZEVEDO, Fernando (ed.). As Ciências no Brasil. 2 vol., Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ, 1995.

148
MOREIRA, Ildeu de Castro. A recepção das idéias da relatividade no Brasil.
In: MOREIRA, Ildeu de Castro, VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (eds.).
Einstein e o Brasil, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. p. 194-195.
96

uma tradição significativa de pesquisa experimental, em torno do Observatório


Nacional".

Na avaliação de Moreira, havia pequeno número de instituições de nível


superior, sendo que as poucas escolas de engenharia "voltavam-se basicamente
para a formação profissional e, freqüentemente, eram dotadas de um ensino
dogmático e atrasado, influenciado ainda significativamente pelos postulados e
pelas tradições positivistas". 149

Segundo relato da época, deixado por Miguel Ozorio de Almeida, quem


quisesse possuir cultura superior não tinha outro recurso senão ir ao estrangeiro,
o que só era possível a alguns privilegiados que tivessem nascido em famílias
ricas ou que ganhassem prêmios de viagem fornecidos pelo governo brasileiro.
"Mas esse estado de coisas não deve ser definitivo. Ele envolve
em si uma grande injustiça. Essas vantagens não podem ser
limitadas. Por outro lado, a vida científica na Europa, se dá a
cultura intelectual, não constitui o melhor preparo para a vida
científica do Brasil. A nossa desorganização, as nossas
dificuldades abatem aqueles que viram outros meios e se
habituaram ao trabalho produtivo. A readaptação ao nosso
ambiente é muito difícil."150

Alvaro Ozorio de Almeida é ainda mais dramático que seu irmão, em


virtude de sua própria experiência:

149
Ibid. p. 195.

150
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Homens e coisas de ciência. São Paulo:
Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 199.
97

"Mais tarde, de volta a pátria, [os jovens que foram estudar no


exterior] não encontram lugar para se colocarem e transmitirem aos
outros a sua ciência."151

Para os irmãos Ozorio e vários outros, a solução do problema seria a


criação de uma faculdade de ciências, que aproveitasse elementos entre nós
existentes, completando-a com homens de ciência vindos do estrangeiro.

Embora apoiasse as idéias de Miguel Ozorio para a criação de uma


faculdade de ciências com ênfase na ciência pura, Amoroso Costa, em 1923,
era ainda bastante pessimista quanto às possibilidades de concretizá-las:
"A dificuldade não vem (...) de alguém que conteste à ciência a sua
soberana utilidade. O mundo moderno, com o seu fanatismo do
progresso material, não desconhece o que deve ao trabalho dos
homens de ciência. Nos países novos esse fanatismo é levado ao
auge, e muitas pessoas muito instruídas ignoram por completo que
exista um ideal científico superior ao do homem que fabrica mil
automóveis por dia, ou do que opera uma apendicite em dez
minutos. Daí a opinião quase unanimente admitida entre nós: a
ciência é útil, porque dela precisam os engenheiros, os médicos, os
industriais, os militares; mas não vale a pena fazê-la no Brasil,
porque é mais cômodo e mais barato importá-la da Europa, na
quantidade que for estritamente suficiente para o nosso consumo.
Tal a mentalidade dominante entre aqueles que nos educam e, por
mais forte, entre aqueles que nos governam. Não admira que
assim seja; é a mentalidade de que só hoje, no fastígio da riqueza
e da força, se começam a libertar os Estados Unidos.

151
Sciencia e Educação, ano I, n. 5, jun./1929. p. 4.
98

Há, aliás, contra a criação da Faculdade, um argumento cujo peso


é incontestável: no estado atual da nossa cultura, seria um número
excessivamente pequeno os moços dispostos a perder alguns anos
em estudos que não conduzem a nenhuma carreira prática. No ano
passado, concluíram o curso de engenheiros mecânicos e
eletricistas da Escola Politécnica apenas três alunos. É preciso,
pois, ser muito otimista para prever, por exemplo, em um curso de
matemáticas puras, uma freqüência normal de um aluno...

Pode-se levar o otimismo mais longe e esperar que a Faculdade


tenha o dom de despertar vocações, que sem ela não se
revelariam. Para ser absolutamente sincero, devo dizer que oscilo
entre essa esperança e o receio de ver surgir uma escola anêmica
e enfezada.

(...)

Em um dos estranhos países que descobre nas suas viagens,


Gulliver visita certa vez uma escola da matemática, cujo sistema de
ensino difere um tanto do habitual. Consiste ele em escrever os
rebarbativos textos, com tinta de composição especial, sobre uma
fina hóstia que o estudante engole em jejum; à medida que a hóstia
vai sendo digerida, a tinta sobe à cabeça, levando consigo os
conhecimentos desejados. Nem assim, entretanto, observa o herói
de Swift, conseguem os meninos assimilar a ciência com prazer,
pois esse manjar é 'so naseous that they generally steal aside, and
discharge it upwards, before it can operate'.

Aqueles que ingerem a ciência penosamente, como remédio


amargo mas inevitável, tratam de 'discharge it upwards' na primeira
oportunidade – e são a imensa maioria. Restam os poucos que a
amam pela sua beleza. Eles existem espalhados pelos quatro
99

cantos do Brasil. Sem auxílio de governo, sem escola, sem


professores, sem alunos, eles constróem pacientemente o
inabalável alicerce."152

Em 1927, Amoroso Costa iria presidir várias reuniões da ABE153 nas quais
se discutiu a importância de criar uma faculdade de ciências. Nelas, estiveram
presentes Branca Filho, Alvaro Ozorio de Almeida, Arthur Moses, Labouriau,
Mario Britto, André Dreyfus, A. Warwick, Arnoldo Rocha, Barbosa de Oliveira,
Henrique Aragão, Othon Leonardos, além da participação especial de Fernando
de Azevedo.

Nessas reuniões, os participantes propuseram programa de implantação da


Faculdade de Ciências do Rio de Janeiro que seguia, em linhas gerais, a
organização de universidades francesas, especialmente a Sorbonne, mas que
levava em conta também a estrutura das instituições de outros países, como
Alemanha, Itália, Inglaterra e Estados Unidos, segundo estudo comparativo
realizado por seus proponentes.

Ainda em 1927, por ocasião da Primeira Conferência Nacional de


Educação, Amoroso se posicionaria sobre a precariedade dos cursos superiores
vingentes:
"A organização atual dos nossos cursos superiores é inteiramente
utilitária e visa apenas a educação profissional. A essa orientação
se deve, em grande parte, a opinião vulgar de que a ciência só vale
pelas suas aplicações, pela maior soma de comodidades materiais
que nos proporciona. Sem contestar a importância fundamental

152
Publicado em O Jornal, em 27/maio/1923 e transcrito em AMOROSO
COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e outros ensaios.
3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 152.

153
Livros das Atas da Seção de Ensino Técnico e Superior da ABE
(04/ago./1927-24/nov./1927). Acervo ABE.
100

desse ensino técnico, que devemos ampliar e aperfeiçoar


constantemente, penso que já há lugar para uma organização
complementar destinada a desenvolver o gosto pelos estudos
especulativos e sobretudo pela pesquisa original. A fundação das
Faculdades de Letras e de Ciências, sem as quais uma
Universidade está longe de merecer esse nome, representa hoje
uma necessidade inadiável, se quisermos criar a verdadeira cultura
superior.

Deixando de lado o papel que essas Faculdades desempenharão


no ensino propriamente dito, desejo aqui apenas assinalar o que
constitui uma das finalidades do organismo universitário: formar
homens de ciência consagrados exclusivamente à pesquisa.

(...)

No Brasil, como aliás em todos os países novos, pouco se tem feito


até agora nesse sentido. Pode-se dizer que ainda estamos vivendo
a idade heróica da ciência pura. É verdade que nas ciências
naturais têm surgido pesquisadores em número relativamente
grande - mencionemos a obra do Museu Nacional - o que até certo
ponto decorre do fato de possuírmos como campo de estudos um
imenso território dotado de fauna e flora próprias. À medida, porém,
que se consideram domínios menos concretos, a produção original
escasseia rapidamente. Muita coisa se tem ainda feito nos
laboratórios das ciências experimentais – Oswaldo Cruz, Instituto
Butantã, o laboratório dos irmãos Ozorio de Almeida –, mas, no
que se refere aos conhecimentos abstratos, a contribuição
101

brasileira é até hoje quase nula. Isso se explica sobretudo pela falta
de um ambiente propício a tais estudos."154

Nessa mesma exposição, Amoroso Costa sintetizou suas propostas:


I - As Faculdades de Ciências das Universidades devem ter como
finalidade, além do ensino da ciência feita a de formar pesquisadores em todos
os ramos dos conhecimentos humanos.
II - Esses pesquisadores devem pertencer aos respectivos corpos
docentes, mas com obrigações didáticas reduzidas, de modo a que estas não
perturbem os seus trabalhos originais.
III - Devem ser-lhes assegurados recursos materiais mais amplos:
laboratório para pesquisas biológicas e fisico-químicas, observatórios
astronômicos, seminários matemáticos, bibliotecas especializadas, facilidades
bibliográficas, publicações periódicas para divulgação de seus trabalhos,
aparelhamento para explorações geográficas, geológicas e mineralógicas,
biológicas, etnográficas.
IV - Deve ser-lhes assegurada uma remuneração suficiente para que eles
dediquem todo o seu tempo a esses trabalhos.

Destaque-se também o texto escrito pela redação da revista Sciencia e


Educação em que se defende a necessidade de ser criada a "Faculdade
Superior de Ciências, destinada ao cultivo da ciência pura, isto é, da ciência
desinteressada, que não vise o exercício prático de uma profissão
determinada"155. No artigo, transcreve-se documento da Academia Brasileira de

154
Acervo Amoroso Costa/Mast.

155
Universidade do Rio de Janeiro e a creação da Faculdade de Sciencias.
Sciencia e educação, Rio de Janeiro: Typ. B. de Souza Carmo, n. 2, mar./1929,
p. 3-4.
102

Ciência, assinado por Morize, Juliano Moreira, Miguel Ozorio de Almeida e Mario
de Souza e enviado ao presidente da República156:
"Não há entre nós um estabelecimento onde se cultive a ciência
desprovida das preocupações de utilidade imediata, desenvolvida
até aos limites dos conhecimentos atuais e levada até a pesquisa
dos problemas novos e das questões ainda não resolvidas. Em
uma palavra, não existe entre nós um instituto onde seja cultivada
a ciência pura em todos os seus ramos. O Museu Nacional, cuja
constituição lhe dá uma posição privilegiada e que se destina ao
cultivo da ciência sem fins utilitários, é limitado a algumas ciências
naturais.

A Academia está convencida que a falta de um instituto dedicado à


ciência pura e à pesquisa científica desinteressada tem os mais
nefastos efeitos sobre o desenvolvimento intelectual do país.

Uma das causas da decadência de nosso ensino é a ausência de


interesse pelas coisas de ciência. Na opinião geral, claramente
expressa, ou não manifestada mas podendo ser facilmente
evidenciada, a ciência só deve ser estudada no que ela tem de útil
e aproveitável. Parece a todos um inútil desperdício de tempo
estudar verdades abstratas ou fenômenos pouco comuns quando
se nos deparam no Brasil imensas riquezas para a exploração das
quais todos os esforços devem ser orientados.

Um tal critério é dos mais perigosos. Ninguém sabe até onde se


pode considerar útil ou inútil uma determinada questão. Os estudos

156
Os redatores de Sciencia e educação não especificaram em que data foi
elaborado o documento da Academia Brasileira de Ciências.
103

aparentemente os mais abstratos e menos em contato com a


realidade dão em um dado momento resultados de grande valor
prático. A História das Ciências está cheia de exemplos muito
instrutivos que poderiam ser citados para demonstrar este ponto.

A Ciência tem essencialmente por fim o conhecimento das leis que


regem os fenômenos naturais. Esse conhecimento permite-nos
dominar esses fenômenos, orientando-os no sentido mais
conveniente aos nossos fins e interesses. O caráter de utilidade
dos conhecimentos é, portanto, um caráter todo contigente; ele
depende essencialmente das condições de momento, da época e
do lugar em que nos colocamos. O que é essencial é o
conhecimento em si, é o seu valor próprio como verdade. É a
aquisição propriamente do conhecimento que representa a
verdadeira vitória do homem sobre a natureza. A sua utilização
prática é a exploração dessa vitória.

O conhecimento científico puro paira acima de todas as vicissitudes


e dos interesses ocasionais. Ele tem sua vida própria, transforma-
se, evolve, mas guarda o seu caráter superior, tem sua nobreza em
si. O seu cultivo é a manifestação de um ideal, e de um ideal dos
mais elevados. Desde a mais remota antiguidade a aspiração para
uma vida mais alta, mais digna, manifestou-se em todos os povos
pelo esforço e atenção dado às questões de ciência pura. Um país
não merece o nome de um país civilizado se não se encontram
nele condições próprias para o cultivo desse ideal, que se refletem
em todas as manifestações de sua atividade.

Alguns estrangeiros ilustres que nos têm visitado já manifestaram a


dolorosa surpresa tida ao verificarem no Brasil a ausência de
estabelecimento que seja um atestado visível da existência desse
104

ideal. Esses estabelecimentos são as faculdades superiores de


ciências.

É nelas que se aprende a conhecer o verdadeiro valor da ciência. É


nelas que se adquire a maestria nos métodos de pesquisa. É nelas
que se aprende respeitá-la. São elas que servem de base para
essa larga cultura geral e superior sem a qual todas as instituições
que direta ou indiretamente dependem de coisas de ciência são
fatalmente votadas à decadência, ao marasmo. É a ciência pura
que forma o mundo comum de riqueza que se aprende a utilizar
praticamente nas faculdades de ensino profissional. Se esse fundo
é escasso ou não existe, a vida dessas faculdades é forçosamente
precária, como se observa entre nós. Falta, a elas, o único
incentivo que é real e não depende propriamente de códigos ou de
leis escritas por mais severas que sejam: o amor desinteressado
pelo estudo. Com este não se medem os esforços; sem ele nada
se faz sem a perspectiva de uma compensação imediata ou
remota.

A Academia Brasileira de Ciências é constituída por homens


profundamente convencidos de todas essas verdades. Vencendo a
diferença do meio, ela vem lutando para propagar e desenvolver os
seus ideais. É a fidelidade constante a esses ideais que lhe dá no
momento atual a autoridade para vir fazer ouvir a sua voz em uma
questão de interesse primordial para o futuro desenvolvimento
intelectual do país. Assim, ela espera que o espírito esclarecido do
Governo se demore no exame e no estudo do apelo feito no
sentido de ser criada entre nós uma Faculdade Superior de
Ciências."

Esses apelos, no entanto, só foram parcialmente atendidos em 1935,


quando foi implantada a Universidade do Distrito Federal, mantida pela Prefeitura
105

do RJ, com sua Escola de Ciências. A UDF durou pouco tempo, sendo extinta
quatro anos depois e seus cursos transferidos para a Universidade do Brasil, em
"nome da disciplina e da ordem, características do regime autoritário que vigia",
segundo Fávero157. Em documento encaminhado ao presidente, o ministro
Gustavo Capanema justificava assim o desmantelamento da UDF:
"A Universidade do Distrito Federal, mantida pela Prefeitura,
ministra cursos (filosofia, ciências, letras, economia, política,
pedagogia etc.) que são essenciais a qualquer universidade. A
Universidade do Brasil, mantida pela União, não pode deixar de
instituí-los, à semelhança das mais acatadas universidades do
mundo, sob pena de permanecer indefinidamente como uma
entidade anômala, sempre longe de ser uma honra para o país.
Dessa maneira, é fora de dúvida que o caminho mais simples, mais
certo e mais econômico é que os cursos da Universidade do
Distrito Federal se incorporem à Universidade do Brasil".158

Em São Paulo, a USP foi criada em 1934, com sua Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, que teve direção inicial de Teodoro Ramos.

MEIOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA

As publicações

Entre as várias publicações que se dedicavam à divulgação científica,


mencionamos abaixo as mais significativas.

157
FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Universidade do Distrito
Federal (1935-39): uma utopia vetada? Ciência Hoje. Rio de Janeiro: Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 21, n. 125, p. 69-73, nov.-dez./1996.
p. 73.

158
Apud Id.
106

A primeira delas é Radio - Revista de divulgação científica geral


especialmente consagrada à radiocultura, de 48 páginas. Publicação bimensal,
era órgão oficial da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e, posteriormente, da
Rádio Clube de Pernambuco, da Rádio Clube Cearense e da Rádio Sociedade
da Bahia. O n. 1, dirigido por Edgard Roquette-Pinto e administrado por Carlos
Sussekind de Mendonça, foi lançado em 15 de outubro de 1923.

Vários de seus artigos relacionam-se à radiotelegrafia, sendo muitos deles


bastante técnicos (por exemplo, "Lâmpada a 3 eletrodos" e "A estação radio-
telefônica da Repartição Geral dos Telegrafos"). Outros referem-se a questões
da legislação brasileira, que impedia a radiodifusão no país.

Entre suas seções, duas destacam-se: "Em revista" traz notas curtas
extraídas de várias revistas internacionais como Radio News, Nature, L´Onde
Électrique, Comptes Rendus e Radioélectricité; "Fora do prelo" fala de livros e
outras publicações no Brasil e no exterior (inclusive outros países da América do
Sul).

O n. 1 contém basicamente artigos sobre aspectos mais técnicos do rádio,


o que parece ter gerado reações negativas, segundo o editorial do n. 2:
(...) "Rádio de mais... rádio de menos...

Foram muito desencontradas as impressões que despertou o


aparecimento do nosso primeiro número.

A novidade do programa, que trazíamos, não obteve compreensão


imediata de alguns amigos, que ora se alinham ao título, ora ao
subtítulo, para entender que deveríamos tratar ou só de rádio, ou
só da vulgarização científica em geral.

Não há necessidade disto.

Nós já deixamos claramente expresso o que queremos ser. O rádio


não é um fim – é um meio. O nosso fim é a vulgarização científica
107

geral, a vulgarização de conhecimentos modernos que o povo


muita vez não aprende porque lhe não dizem.

Para chegar a este fim, há vários meios.

O melhor até hoje foi o livro. Mas, hoje, veio o rádio, que é o livro
falado e portanto muito mais agradável, muito mais simples e muito
mais acessível.

Se ele já fosse uma conquista suficientemente divulgada, esta


revista não cuidaria dele senão acidentalmente. Não o faz,
contudo, porque por enquanto ele ainda é um meio pouco
conhecido, que, nestas condições, precisa ser lembrado a cada
passo.

Eis tudo. Nem rádio demais... nem rádio de menos."159

A Radio n. 2, como as edições seguintes da publicação, continua trazendo


vários artigos técnicos sobre rádio (por exemplo, "As ondas curtas na
transmissão telegráfica e telefônica"), mas publica também artigos em áreas
científicas, como "Os enxertos em biologia", de João B. Pecegueiro do Amaral, e
"Sobre os hieróglifos egípcios", de Alberto Childe.

Neste número, surge a seção "Archivo das Associações", com resumo dos
acontecimentos nas principais associações científicas do Brasil:
"Ao nosso propósito de divulgação científica em geral não basta a
vulgarização de idéias por artigos. É também necessário dar a
conhecer os fatos que traduzem a vida científica do país. Para esse
fim, criamos, hoje, esta seção, onde se arquivará, quinzenalmente,

159
Radio, ano I, n. 2, 1/nov./1923.
108

tudo o que tiver havido de mais importante nas principais


associações científicas do país."160

Em 1 de fevereiro de 1926, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro começa a


publicar outra revista bimensal de radiocultura, Electron, sob direção de
Roquette-Pinto e distribuída a seus sócios. Com 16 páginas e tiragem de cerca
de três mil exemplares, era mantida exclusivamente pelos seus anunciantes e
leitores e publicada nos dias 1 e 16 de cada mês.

A página de apresentação da primeira edição traz um texto de Roquette-


Pinto, que foi também usado, com mínimas alterações, em Seixos Rolados161.
"Na calada da noite, quando as coisas conversam, em segredo, eu
ouvi:

– Vivo na lasca de carvão, negro e humilde, escravo do homem a


cumprir os seus desejos; vivo na centelha do céu, que ensinou o
fogo à humanidade e rompe a treva das nuvens para clarear o
mundo na hora triste e majestosa das tempestades; vivo na lágrima
e na gota de leite, num pensamento e num sorriso. Sou tão
pequenino... que quase não existo; e sou tão grande que faço girar
os mundos.

Agito-me sem descanso, para que o universo não morra e para que
os violinos e as cigarras encham a Terra de harmonias. Quando
um ser morre, cabe-me transmitir a outros seres a semente da vida
que nele existir. Do seio fecundo das raças faço brotar a força dos
homens e a beleza das mulheres.

160
Ibid. p. 39.

161
ROQUETTE-PINTO, Edgard, Seixos rolados. Rio de Janeiro: Edição de
Sussekind & Mendonça, Machado & Cia, 1927.
109

Agito-me sem descanso, para servir a Criação, na luz, no calor, no


som e nas ondas eternas. Fazem-me às vezes matar; mas o meu
desejo é a vida integral de todas as belezas.

Os homens, desvairados, servem-se de mim para empresas tristes


de guerra e maldade; cumpro revoltado esse mister odioso. Mas a
minha ambição maior, o meu louco desejo, é poder vibrar sempre,
livre do mal, levando pelo infinito os pensamentos bons que, um
dia, hão de transformar as gentes, livrando os escravos do trabalho
e acorrentando as nações na mesma simpatia.

Sou tão pequeno... Ninguém me vê!

Assim cantava Electron, no primeiro momento de 1926, Rádio


Sociedade do Rio de Janeiro, para desferir o vôo glorioso pelo
espaço.

E foi assim que, por descuido, todo entregue ao seu delírio, perdeu
a onda... e caiu nesta página."

Na publicação, eram abordados assuntos de interesse dos próprios sócios,


como a programação da Rádio Sociedade, incluindo os cursos e as palestras, e
o resumo de muitos deles, balanço das atividades, criação de novas rádios,
temas técnicos de radiotelefonia, notas sobre artistas e cantores. Trazia ainda
alguns artigos de interesse da comunidade científica, como é o caso da
homenagem feita a Madame Curie na Academia Brasileira de Ciências162.

A revista Sciencia e Educação foi iniciada em fevereiro de 1929, sob


direção de Adalberto Menezes de Oliveira, gerência de J.S. Sardinha e com
redação de Eduardo de Brito e Cunha. No editorial do primeiro número, não há

162
Electron, n. 16, 16/set./1926. p. 1, 4 e 5.
110

dúvida de que o objetivo da revista é a divulgação científica, articulada com a


questão educacional:
"O título Sciencia e Educação escolhido para nortear os esforços
dos fundadores desta revista indica com clareza o ideal que os
anima e o problema que os empolga.

Queremos pugnar pelo desenvolvimento da cultura científica e da


educação do povo brasileiro, evidentemente imperfeita ainda hoje
sob muitos pontos de vista. Procuraremos chamar a atenção dos
nossos compatriotas para os progressos mais recentes da Ciência
e para todos os problemas que direta ou indiretamente se
relacionam com a Educação Nacional visada nos seus múltiplos
aspectos.

Todo o brasileiro de certa cultura tem já gravada na consciência a


verdade indiscutível que o primeiro dever do nosso patriotismo
consiste em concorrer para a grande obra, apenas esboçada por
alguns espíritos superiores, da difusão da Instrução pelo país e da
formação moral de um povo digno da civilização atual da parte
mais seleta da humanidade, – por meio da Educação.

Nós, brasileiros, não nos iludamos, achamo-nos, ainda, mau grado


nosso, afastados daquelas grandiosas culminâncias atingidas já
pelos leaders da grande civilização ocidental. E há de ser pela
imprensa, pelo livro, pela palavra enfim, escrita ou falada, que
poderemos espalhar pelo país as diretrizes de uma mentalidade
que venha a ser comparável a desses povos que são o orgulho da
humanidade.

Espíritos existem (e hoje até faz isso escola pelo país), que
cultivam a doutrina enganadora do auto-elogio. Para esses, a única
maneira de expandir patriotismo consiste na constante afirmação
111

da superioridade brasileira. Exageros dessa espécie devem ser


combatidos pelo prejuízo que acarretam. Basta um exame da
cultura européia, um breve exame, superficial, para que ninguém
possa, em sã consciência se entregar a ilusões desse quilate.

Cumpre-nos, ao contrário, mostrar sinceramente aos nossos


compatriotas, aqueles sobretudo que por motivos independentes
da sua boa vontade, jamais daqui saíram e não puderam comparar,
que se sente na Europa, na América do Norte, em todos os países
adiantados, um tácito desafio ao povo brasileiro em formação,
relativo à sua capacidade de desempenhar o papel histórico que
lhe impõem oito milhões de quilômetros quadrados que lhe
couberam na partilha da terra.

A posse deste vasto território, o aproveitamento das suas riquezas,


ser-nos-ão sem dúvida, disputados, se num dia de dificuldades
para os fortes e de fraqueza para nós, vier a ser evidente não nos
acharmos na altura de os explorar e governar.

Nesse dia, a força da nossa reação e a evidência que somos um


povo soberano resultarão do capital que tivermos acumulado em
preparo científico e em valor moral. Ordem e progresso são
objetivo que só alcançam com o apoio da Educação e da Ciência.

Nossa revista dará calorosa acolhida a todos aqueles que queiram


emprestar as luzes do seu espírito e os dotes do seu caráter ao fim
patrótico a que se destina.

Trabalharemos pois pela divulgação da Ciência em todos os seus


ramos e pelo progresso do ensino nos seus diversos aspectos,
superior, secundário e primário, sem esquecer o desenvolvimento
do ensino técnico e profissional.
112

A capacidade de apreensão mental do povo brasileiro, a


penetração do seu espírito, já tem surpreendido a notabilidades
estrangeiras que nos visitam. As sementes encontrarão, portanto,
preparado, o solo onde deverão germinar.

Eis aí lançado o nosso ideal. Trabalharemos por ele, auxiliados


pelo apoio certo daqueles, que, mais autorizados que nós, só
precisam de elementos coordenadores e propagadores da sua
capacidade e do seu talento. E, se conseguirmos ir avante,
teremos a grande satisfação interior de havermos dado também um
passo para o progresso do Brasil."

Nesse primeiro número de Sciencia e Educação, Vicente Licínio Cardoso


faz um apelo para atrair novos sócios para a Associação Brasileira de Educação,
que então presidia. A ABE perdera dois meses antes alguns de seus mais
valiosos elementos no acidente do hidroavião Santos Dumont. A primeira edição
traz ainda um artigo assinado por Miguel Ozorio de Almeida, em homenagem a
Amoroso Costa.

A equipe de Sciencia e Educação publica artigos como "Os raios cósmicos


e o ciclo do universo", "A vacina contra febre amarela", "A reforma do ensino", "A
Universidade do Rio de Janeiro e a criação da Faculdade de Ciências", "As
universidades estaduais", "A ciência brasileira na Europa", "Influência dos
componentes do ar sobre a vida animal", "Santos Dumont e os irmãos Wright (a
verdade histórica)", "Os minerais de ferro", "A influência da radiotelegrafia sobre
o progresso da ciência", "O relativismo de Einstein para todos", "As nossas
forças hidráulicas e a evolução da indústria hidrelétrica no Brasil", "As ondas
curtas" e "O primeiro congresso de eugenia".

Alguns boletins e revistas de caráter científico ou técnico também deram


espaço para a divulgação científica. Um deles foi o Boletim da ABE que teve sua
primeira edição em setembro de 1925, com tiragem de 1.500 exemplares e
distribuição gratuita.
113

Outro exemplo é a Revista da Sociedade Brasileira de Ciências, cujo


primeiro volume é publicado em 1917, na qual a seção "Notas e informações"
tinha caráter de divulgação científica. Eram notícias curtas baseadas em
novidades científicas publicadas em revistas estrangeiras, a maioria das quais
escritas por Morize. Após terem sido publicados três números, sendo o último
referente a 1919, a publicação muda de nome em janeiro de 1920, passando a
chamar-se Revista de Sciencias. Projetada para circular bimestralmente, só
consegue fazê-lo nas três primeiras edições, sendo reunidos em um só fascículo
os números referentes ao segundo semestre daquele ano. Em 1921, surgiu o
Complemento do V ano, voltando a ser Revista de Sciencias em 1922, já tendo
como subtítulo ser "órgão da Academia Brasileira de Ciências". A ABC ficou sem
seu veículo imprenso de 1923 a 1925; em 1926, surgiu a Revista da Academia
Brasileira de Ciências, que sobrevive apenas dois números. Em 1929,
apareceram os Annaes da Academia Brasileira de Ciências.163

Entre as publicações mais técnicas, localizamos ainda Radiocultura164, que


se revelou muito específica para o público de radioamadores. Exemplos de
artigos são "Modo de emprego da válvula transmissora Phillips" e " Um circuito a
3 válvulas para corrente alternada".

Eu sei tudo, que se apresenta como um resumo das principais revistas do


mundo, é um exemplo de revista de variedades que contém notícias
relacionadas à ciência, possuindo até mesmo seções especificamente
orientadas para o assunto, como "A ciência ao alcance de todos" e "Tudo se
explica". Era mensal e foi criada, em 1917, pela Editora Americana. Trazia
artigos publicados em revistas estrangeiras e outros escritos no país, abordando
assuntos gerais (informações diversas, curiosidades, literatura, ciência etc.),
com textos muito curtos.

163
PAIM, Antonio. O neopositivismo no Brasil. Período de formação da corrente.
In: AMOROSO COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e
outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 57.

164
Analisamos apenas uma edição de Radiocultura (ano 2, n. 17, 15/out./1929).
114

Entre os assuntos relacionados à ciência, Eu sei tudo publicou artigos


sobre cirurgia moderna, energias do corpo humano, o espaço e o tempo,
estrelas cadentes e a origem de algumas invenções (submarino, telégrafo aéreo,
telégrafo sem fio, máquina a vapor, locomotiva, automóvel etc.).

O positivismo é tema também abordado na revista, em artigo de Reis de


Carvalho, que defendia:
"O positivismo não é somente uma religião científica, é também e
principalmente uma religião de amor, mas de amor que se
harmoniza com o saber e com o trabalho. Satisfaz assim todas as
aspirações das almas eleitas do passado e do presente em que
esse passado revive e realiza afinal a felicidade do homem na
Terra, o verdadeiro paraíso, combinando a ciência com a indústria,
sob o ascendente da fraternidade universal." 165

Outro artigo, "Os limites da ciência"166, sem identificação do autor, levanta


várias questões que a ciência não havia conseguido resolver, por exemplo
encontrar uma explicação para a origem da vida.
Destacamos ainda a publicação Mensário Bibliográfico, publicação da
Livraria Científica Brasileira, que abrigou a Rádio Sociedade e pertencia a Carlos
Sussekind de Mendonça, também envolvido em atividades de divulgação
científica, por exemplo na revista Radio. Além de trazer a listagem dos títulos
publicados pela editora, Mensário Bibliográfico dedicava-se ao trato das questões
relativas ao livro no Brasil:
"Contando com a colaboração dos nomes mais representativos do
nosso meio intelectual, o Mensário Bibliográfico não é apenas um

165
CARVALHO, Reis. O que é positivismo. Eu sei tudo. Rio de Janeiro: Editora
Americana. vol. 5. 1921. p. 195-196.

166
Eu sei tudo. Rio de Janeiro: Editora Americana. vol. 5. 1921. p. 252.
115

anúncio da livraria que o edita. É um intermediário geral entre todas


as livrarias do Brasil e o público."167

Ao longo de toda a década, jornais diários, em maior ou menor grau, mas


sem orientação e cobertura sistemática, abriram espaço para notícias
relacionadas à ciência. Eventos marcantes, como a visita de cientistas
estrangeiros, catalisavam esse interesse esporádico. Por exemplo, a visita que o
físico Albert Einstein fez ao Brasil, de 4 a 12 de maio de 1925, foi amplamente
divulgada pela jornais cariocas, entre eles O Jornal, Jornal do Brasil, O
Imparcial, A Noite, Jornal do Commercio e Gazeta das Notícias.168 Já em 21 de
março de 1923, dia anterior da passagem de Einstein pelo RJ, O Jornal dedicou
quase duas páginas inteiras para discutir a relatividade e suas conseqüências
físicas. Relata Moreira:
"Três artigos muito bons, da lavra de Roberto Marinho, Teodoro
Ramos e Lélio Gama, apresentam a teoria aos leitores e discutem
o significado das medidas experimentais realizadas em Sobral."169

Alguns opositores das idéias de Einstein, como Gago Coutinho170 e Licínio


Cardoso, também deixaram seus registros nos jornais diários. Esse último,

167
Mensário Bibliográfico - Publicação da Livraria Scientífica Brasileira, ano i, 25
nov./1923. p. 10.

168
VIDEIRA, Antonio Augusto Passos, MOREIRA, Ildeu de Castro,
MASSARANI, Luisa. Einstein no Brasil: O relato da visita pela imprensa da
época, Rio de Janeiro: Observatório Nacional, 1995. MOREIRA, Ildeu de Castro,
VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (eds.). Einstein e o Brasil, Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1995.

169
MOREIRA, Ildeu de Castro. A recepção das idéias da relatividade no Brasil.
In: MOREIRA, Ildeu de Castro, VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (eds.).
Einstein e o Brasil, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. p. 183.
116

positivista reconhecido, escreveu o artigo "Relatividade Imaginária"171, no qual


criticou duramente a relatividade. A teoria ocupou também páginas da Revista
Brasileira de Engenharia, publicação mensal iniciada em 1920, que contou com
artigos de Roberto Marinho de Azevedo, Amoroso Costa, Painlevé, entre
outros.172

O Jornal dedicou diariamente um espaço de suas páginas – "O dia de


Einstein" – para relatar minuciosamente as pessoas com que Einstein se
encontrou, as instituições que visitou e até o que comeu, o que valeu a
manchete "Einstein comeu, hontem, vatapá com pimenta"173. De forma mais
discreta, a imprensa relatou também, em 1926, a visita de Marie Curie ao Brasil.
Na década de 20, publicaram-se também vários livros voltados para a
divulgação da ciência, entre eles: Introdução à teoria da relatividade174, escrito por
Amoroso Costa e publicado em 1922, cerca de seis anos após a elaboração da
teoria por Einstein; As idéias fundamentais da matemática175, também de
Amoroso Costa; Conceito atual de vida176 e Seixos Rolados177, de Edgard
Roquette-Pinto; O Neo-relativismo einsteiniano, do capitão-tenente Carlos Penna

170
O Jornal, 6 de maio de 1925. p. 1 e 2.

171
O Jornal, 16 de maio de 1925. p. 2 e 4.

172
PAIM, Antonio. O neopositivismo no Brasil. Período de formação da corrente.
In: AMOROSO COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e
outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. p. 39-63.

173
O Jornal, 8 de maio de 1925. p. 5.

174
Livraria Científica Brasileira, Rio de Janeiro, em 1922.

175
Pimenta de Melo, Rio de Janeiro, em 1929.

176
Livraria Científica Brasileira, Rio de Janeiro, em 1922.

177
Sussekind & Mendonça, Machado & Cia, Rio de Janeiro, em 1927.
117

Botto178; Homens e coisas da sciencia179 e A mentalidade científica no Brasil180,


de Miguel Ozorio de Almeida. Entre os livros traduzidos, destacamos os de Henri
Poincaré, como O valor da ciência181.
Ainda na linha editorial, é importante registrar que foram criadas algumas
coleções científicas, como a Biblioteca de Filosofia Científica, dirigida por Pontes
de Miranda, da Livraria Garnier, na qual publicou-se O valor da sciencia. Outro
exemplo é a Coleção Cultura Contemporânea, dirigida por Afrânio Peixoto, da
Livraria Científica Brasileira.
O livro inaugural da Coleção Cultura Contemporânea foi Conceito atual da
vida, de Roquette-Pinto, lançado em 1922. Há registro ainda de que seriam
incluídos os livros Einstein e a teoria da relatividade, de Amoroso Costa, que
acreditamos ser Introdução à teoria da relatividade, publicado pelo mesmo autor e
na mesma editora, e Nosso céu, de Henrique Morize, que até hoje não
localizamos. O já citado A mentalidade científica do Brasil, de Miguel Ozorio de
Almeida, também saiu nesta coleção.
No texto de apresentação da coleção, em Conceito atual da vida, Afranio
Peixoto escreveu:
"Livraria Científica Brasileira (...) cumpre agora outro de seu
programa, o de inaugurar uma pequena – que será grande! –
Biblioteca de "Cultura Contemporânea", em que bons obreiros da
ciência pátria vão semeando e colhendo todas as idéias boas e
novas, necessárias à instrução e educação de nosso povo, pão
para a alma, tão urgente como o outro com que as nações se
fazem fortes e felizes pelo conhecimento, que só ele traz a fortuna
e a tranqüilidade. (...)"

178
Imprensa Naval, Rio de Janeiro, em 1923.

179
Editora Monteiro Lobato, São Paulo, em 1925.

180
Livraria Científica Brasileira, Rio de Janeiro, em 1922.

181
Livraria Garnier, Rio de Janeiro, em 1924.
118

Miguel Ozorio de Almeida era um defensor de que fossem produzidos livros


brasileiros relacionados à ciência. Em 1925, ele dizia:
"Uma das primeiras necessidades da literatura científica é o
ensino. No Brasil, não existe ainda literatura organizada nesse
sentido. Há alguns raros tratados de uma ou outra ciência. Muitas
matérias ou mesmo a maioria delas ainda não possuem o seu
representante brasileiro. Até aqui os estudos de ciência têm sido
feitos com o auxílio de livros estrangeiros. Entre estes, têm
ocupado o primeiro lugar os livros franceses. A criação de uma
literatura brasileira destinada ao uso de nossos estabelecimentos
de ensino só teria vantagens. Em primeiro lugar, há de se tomar
em consideração as tendências de espírito que são peculiares a
cada povo. Muitas dificuldades que são encontradas pelo
estudante brasileiro na leitura dos livros europeus provêm dos
hábitos próprios de raciocínio, das características de mentalidade
que são diferentes e mesmo da própria organização dos estudos
que é diversa."182

Ele defendia ainda que, "ao lado da literatura didática, poderia ser colocada
a literatura de vulgarização, também praticamente não existente entre nós",
enfatizando que "as vantagens de compor uma série de livros que despertem o
interesse geral para as coisas científicas são evidentes".183

As conferências da Associação Brasileira de Educação

182
OZORIO DE ALMEIDA, Miguel. Homens e coisas de ciência. São Paulo:
Editora Monteiro Lobato, 1925. p. 179.

183
Ibid. p. 180.
119

Investigamos também conferências relacionadas à difusão científica na


década de 20 e consideramos que as principais foram realizadas pela
Associação Brasileira de Educação, entre 1926 e 1929.184 Elas foram apoiadas,
em muitos casos, pelo Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura. Eram
semanais e totalizaram cerca de 50 por ano, entre cursos, palestras e
conferências, possibilitando apresentações de muitos dos cientistas e
acadêmicos da época, além de estrangeiros como Marie Curie, Rivet e
Langevin. Cobriam assuntos científicos muito variados, com graus diferentes de
aprofundamento; transitavam de temas muito especializados para exposições
destinadas a pessoas leigas. Recebiam boa afluência de público, sendo
anunciadas em jornais cariocas e tiveram Amoroso Costa como um dos
principais organizadores.

Os cursos e os ciclos de palestras de alta cultura e especialização eram de


responsabilidade da Seção de Ensino Técnico e Superior da ABE e ocorriam na
Escola Politécnica. Foram iniciados em 1925, quando a Seção era presidida por
Labouriau. Carlos Américo Barbosa de Oliveira avaliou:
"Esta iniciativa veio em boa hora mostrar que o estudo sério de
questões diversas já encontra aqui um numeroso e intenso
auditório.

Não há muitos anos atrás, teria sido seguramente arrojada uma


tentativa como esta, que está se realizando, e dificilmente teria sido
levada a bom termo. Só eram, então, possíveis conferências mais
ou menos fúteis. A nossa mentalidade, positivamente, evoluiu, e
hoje os cursos de alta cultura e de especialização, promovidos pela
Seção de Ensino Técnico e Superior, têm um auditório assíduo de

184
Há referência explícita que tais conferências tinham propósito de divulgação
científica. Exemplo disso está no discurso feito por Carlos Américo Barbosa de
Oliveira, quando transmitiu o cargo de presidente da ABE, em 22/4/1927
(Boletim da ABE, ano III, n. 10, jan.-fev./1927).
120

cerca de uma centena de pessoas. É de notar que não é o mesmo,


o auditório, para os diversos cursos, de modo que há umas três a
quatro centenas de ouvintes para os diversos cursos.

Estão, assim, lançados os fundamentos de uma atividade


intelectual sem dúvida interessante."185

Em 1928, Amoroso Costa fez a seguinte avaliação dos cursos e das


conferências, que, segundo ele, logravam grande êxito:
"(...) Eles não se destinam apenas a divulgar tais ou quais
conhecimentos, por muito úteis ou interessantes que estes sejam;
sua finalidade superior consiste em despertar o gosto pelos
estudos de toda a ordem e em criar um ambiente favorável ao
desenvolvimento desses estudos. Nós não nos limitamos a afirmar
a necessidade de ser resolvido o nosso angustioso problema
universitário: o sucesso dos cursos que temos realizado equivale a
uma verdadeira demonstração experimental de que se tornou
indispensável a criação de uma universidade digna desse
nome."186

Poucos meses antes, o matemático publicara artigo em O Jornal, no qual


abordava o mesmo assunto:
"Os cursos da ABE estão no seu terceiro ano de funcionamento;
obedecem a um programa eclético e destinam-se a auditórios, os
mais diversos, auditórios que nunca lhes faltaram. Não sei de outra
instituição no Brasil que se possa gabar de haver promovido cursos

185
Boletim da ABE, ano II, jul./1926. p. 5.

186
Discurso pronunciado em sessão do Conselho Diretor da ABE, em 11 de
junho de 1928. Acervo Amoroso Costa/Mast.
121

sobre assuntos tão variados, desde os que versam sobre questões


de educação doméstica, sobre pedagogia ou metodologia do
ensino, até os de vulgarização científica ou técnica, os de feição
literária, histórica, artística, ou ainda os de extrema especialização.
Percorrendo os seus programas desde 1926, encontra-se uma lista
de nomes prestigiosos e todos os domínios do conhecimento, toda
a escala das coisas que são “a honra do espírito humano”.187

Em nosso estudo, fizemos um levantamento de todas as apresentações


realizadas em 1926, 1927 e 1928188, bem como das previstas para 1929189. No
Anexo 3 desta dissertação, inserimos listagem completa desses eventos,
deixando para abordar aqui alguns aspectos gerais.

Em 1926, foram realizados vários cursos, entre os quais o de Amoroso


Costa sobre as idéias fundamentais da matemática, o de Roquette-Pinto sobre
antropologia e o de Tobias Moscoso sobre as teorias de crescimento
populacional. Euzébio de Oliveira fez conferências sobre a geologia histórica e o
petróleo no Brasil.

As apresentações de 1927 ocorreram de março a novembro e foram


organizadas por Amoroso Costa. Destacamos: Estudos sobre o metabolismo,
Alvaro Ozorio de Almeida; A siderurgia, Labouriau; A física e a vida moderna,
Dulcídio Pereira; As geometrias não-euclidianas, Amoroso Costa; Marés e
problemas correlativos, Alix Lemos; A regulação nervosa da respiração, Miguel
Ozorio de Almeida; A função educadora dos museus, Roquette-Pinto; As
florestas brasileiras, A. J. de Sampaio; O problema social e o distributivismo,
Tristão de Athayde; A evolução moderna da idéia de democracia, Paulo de

187
O Jornal, 23/ago./1928. p. 3.

188
Boletim da Associação Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, ano V, n. 13,
1929. p. 35-36.

189
Sciencia e Educação, ano I, n. 4, maio/1929. p. 6 e 9.
122

Castro Maya; A estrutura e a evolução do mundo sideral, Amoroso Costa; A


organização universitária e as Faculdades Superiores de Ciências e de Letras,
Alvaro Ozorio de Almeida .

Em 1928, os cursos e as palestras foram organizados por Alvaro Ozorio de


Almeida, que presidia a Seção de Ensino Técnico e Superior, e por Labouriau.
Naquele ano, Amoroso Costa era o presidente da ABE. Destacamos: As
modernas teorias da química, Mario de Britto; Termodinâmica, Abraão
Izecksohn; Hereditariedade, André Dreyfus; As pedras preciosas brasileiras,
Othon Leonardos; É a sexualidade indispensável para a reprodução?, M.
Caullery (Institut de France); A origem do homem e A conquista da força motriz
animal pelo homem, P. Rivet (Musée de Paris); A origem da energia solar e
Ultrasons e suas aplicações, P. Langevin (Collège de France).

Os eventos programados para 1929 foram organizados por Branca Fialho.


A série de conferências foi iniciada por Alvaro Ozorio de Almeida, com a
exposição “O Problema Universitário”, reproduzida em Sciencia e Educação.190

Em artigo sobre os cursos da ABE, a mesma revista comentava: “Os


cursos de alta cultura e de divulgação científica, promovidos pela sessão de
Ensino Técnico e Superior da Associação Brasileira de Educação, despertaram
sempre grande interesse nos nossos meios cultos, dado o brilhantismo das
conferências realizadas nos últimos três anos, sob a direção do professor Alvaro
Ozorio e dos saudosos professores Amoroso Costa e Labouriau.”191
Alguns eventos da programação de 1929: Auroras polares e A alta
atmosfera, Adalberto Menezes de Oliveira; Os animais na religião, Mello Leitão; O
ciclo do carbono na natureza, Julio Cesar Diogo; Poesia sertaneja, Olegario
Marianno; O pH, Carneiro Felipe; Riquezas minerais brasileiras, Ruy de Lima e
Silva; Atmosfera gasosa e seu aproveitamento, Mario Saraiva; Cerâmica de
Marajó, Heloisa Alberto Torres; Possibilidades da química farmacêutica no Brasil,

190
Sciencia e Educação, ano I, n. 5, jun./1929. p. 3-9.

191
Sciencia e Educação, ano I, n. 4, maio/1929. p. 6.
123

Alfredo Schaeffer; Contribuições à teoria do deslocamento dos continentes,


Alberto Betim Paes Leme.

O rádio

A primazia da radiodifusão no mundo coube à pequena estação KDKA, da


Westinghouse Electric Company, de Pittsburgh (Estados Unidos), que, em 2 de
novembro de 1920, iniciou suas transmissões divulgando o resultado da eleição
presidencial do sucessor de Wilson, Warren Gamaliel Harding.192

Dois anos depois, iniciavam-se no Brasil as primeiras transmissões. Era 7


de setembro de 1922, em meio à comemoração do centenário da independência
política, quando o discurso do presidente Epitácio Pessoa, pronunciado na
Exposição Internacional do Rio de Janeiro, inaugurou as transmissões da SPC,
uma estação de pequena potência. Montada para demonstração no alto do
Corcovado pela Westinghouse Electric International Co. e Cia. Telefônica, a
SPC irradiou conferências (algumas delas sobre higiene feitas por José
Paranhos Fontenelle), palestras e músicas.

Juntamente com a emissora, vieram dos Estados Unidos 80 aparelhos


receptores que foram, sob licença especial, distribuídos a pessoas do Rio de
Janeiro e colocados em praças públicas de São Paulo, Niterói e Petrópolis. Logo
depois de encerrada a Exposição Internacional do Rio de Janeiro, o transmissor
da SPC foi levado para seu país de origem.

No ano seguinte, nasceu a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. E, como


lembra Alvaro Salgado, em poucos lugares o rádio deve ter nascido como no
Brasil: dentro de uma Academia de Ciências!193

192
SALGADO, Alvaro. A radiodifusão educativa no Brasil. Rio de Janeiro:
Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documentação, 1946.

193
Ibid. p. 5.
124

A chegada do rádio no Brasil gerou uma onda de euforia em alguns meios


educacionais muito similar à que presenciamos com a Internet nesta década e,
anos atrás, com a TV. Acreditava-se, naquele momento, que o rádio seria um
meio barato, rápido e eficaz de democratizar a informação e, assim, educar toda
a nação.

"A radiotelefonia será a maior escola do porvir", profetizava Roquette-Pinto,


no editorial inaugural de Radio194. Dizia ele:
"(...) Nós, que assistimos a aurora da radiotelefonia, temos a
impressão que deveriam sentir alguns dos que conseguiram
possuir e ler os primeiros livros. Que abalo no mundo moral! Que
meio para transformar um homem em poucos minutos, se o
empregarem com boa vontade, com alma e coração!"

Quase três anos depois, Roquette-Pinto mantinha suas crenças:


"(...) Rádio é o jornal de quem não sabe ler; é o mestre de quem
não pode ir à escola; é o divertimento gratuito do pobre; é o
animador de novas esperanças; o consolador dos enfermos; o guia
dos sãos, desde que realizado com espírito altruísta e elevado.

Viver no sertão não é mais morrer em vida..."195

Roquette-Pinto foi um dos maiores defensores que o rádio fosse usado


para fins educativos:
"(...) Nada impede que cada cidade do Brasil possua, em um ou
dois anos, outros tantos centros de educação popular, irradiando
para edificação, deleite e instrução da população rural, os

194
Radio, ano I, n. 1, 13/out./1923. p. 1.

195
Electron, ano I, n. 4, 16/mar./1926. p. 1.
125

conselhos da ciência, as notícias da história nacional, a poesia e a


música (...)"196

Ele afirmava que a radiodifusão permitiria educar, instruir e deleitar os


indivíduos – mesmo aqueles que não soubessem ler – e, por isso, defendia que
o próprio governo deveria dar incentivos para essa atividade:
"No Brasil, o governo facilita a aquisição de instrumentos de
primeira necessidade por parte dos agricultores. Por que motivo
não facilita a aquisição de receptores radiotelefônicos? Não são
gêneros de primeira necessidade? Há por aí pelas fazendas e
matas apetrechos agrícolas, sementes, que foram distribuídos
gratuitamente e lá estão enferrujados ou apodrecendo... porque o
agricultor não tem ainda uma instrução sobre o emprego daquilo.

A radiotelefonia, bem empregada, virá transformar essa tristeza. O


rádio fará o Brasil produzir mais e melhor.

Um sujeito que não gosta de ouvir as lições transmitidas pela Rádio


Sociedade dizia uma vez:

– Dali não se sai nada para que se possa ouvir. Aquilo é uma
escola...

Deus abençoe o descontente."197

A avaliação de Roquette-Pinto nos permite estimar o número de pessoas


atingidas pelos programas difundidos pela Rádio Sociedade, embora ainda não

196
Radio, ano I, n. 19, 15/jul./1924. p. 10.

197
Electron, ano I, n. 3, 1/mar./1926. p. 1.
126

tenhamos meios, nesta dissertação, para avaliar o real impacto que tais
informações tiveram nos ouvintes:
"Muita gente acredita que o papel educativo do radiofônio é
simplesmente um conceito poético, coisa desejável mas difícil ou
irrealizável. Quem pensa desse modo não conhece o que se está
fazendo no resto do mundo e, o que é melhor, o que se faz no
Brasil.

Há mais de três anos começamos a praticar aqui a telefonia


educativa. Mau grado todas as dificuldades esperadas e
encontradas, já agora temos em mãos documentos que provam a
perfeita possibilidade de executar, no Brasil, um grande plano de
educação e de instrução pública mediante o telefônio sem fios.
Creio que o Brasil tem hoje cerca de 30 mil lares providos de
aparelhos receptores. Cada receptor serve, em média, a meia
dúzia de pessoas. Porque, no interior, pelas provas que possuo,
cada alto-falante é rodeado pela população da vila ou da fazenda.
Há, portanto, umas 150 mil pessoas que ouvem diariamente as
nossas lições, conferências, música, História do Brasil, Higiene,
conselhos úteis à agricultura, notícias cambiais e comerciais, notas
de ciência etc. Se muitos dos ouvintes são pessoas cultas para as
quais aquilo é passatempo, alguns milheiros são homens e
mulheres do povo que, sem saber ler, vão aprendendo um pouco.
Temos tudo feito? Que esperança!

Estamos apenas no início do começo..."198

198
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Seixos rolados. Rio de Janeiro: Edição de
Sussekind & Mendonça, Machado & Cia, 1927. p. 236.
127

No que intitulou "plano para transformar a mentalidade brasileira", o


etnólogo mapeou como a radiodifusão deveria ser implantada. Segundo ele,
cada estado, na sua capital, deveria fundar uma grande rádio-escola.
Entendimento com o governo, sob os auspícios do governo federal, permitiria a
aquisição das 20 estações necessárias, cuja função seria puramente diretora,
mostrando às cidades do interior o caminho a seguir. Um município seria
escolhido, no qual seria construída a Rádio Escola Municipal:
"Naqueles municípios centrais há sempre um respeitável juiz de
direito, estudioso da História e da Geografia do Brasil. (O seu
sonho dourado é mesmo entrar para o Instituto Histórico...); há um
promotor, moço de talento, que tem garbo em tratar de versos e
literatura e vive pensando na Academia de Letras; há um médico,
ou dois, para as lições de História Natural ou Higiene; há
professoras do grupo escolar... enfim, há sempre um rapaz que
toca harmônio na igreja e muitas moças que cantam. É só mobilizar
todos esses elementos em benefício da educação dos pobres."

(...)

Cada brasileiro, que carece de cultura, deve encontrar no município


meios de possuir seu par de fones e o seu cristal; os municípios
conseguirão facilmente – desde que não se entreguem aos
exploradores e aos malvados– um tipo de receptor local popular
que poderá custar a terça parte de uma sanfona.

O estado dá de graça (de graça é um modo de dizer...) luz elétrica,


água, escola. Pois dará pelo preço de custo, a cada brasileiro, o
seu modesto rádio, em que ele, descalço, até mesmo roto,
esfarrapado, amarelo, mole de doença e de ignorância, aprenderá,
antes de saber ler, que a preguiça é quase sempre doença; (...);
128

que os povos fortes são hoje em dia os povos que sabem aplicar a
ciência e a arte em melhorar a vida."199

Com relação aos custos, ele afirmava que a estação da Rádio Escola
Municipal custaria muito menos do que o altar-mor da Matriz.

Os programas difundidos na Rádio Sociedade eram variados200. Além de


música (clássica e popular) e informativos, havia inúmeros cursos: inglês,
francês, história do Brasil, literatura portuguesa, literatura francesa,
radiotelefonia e telegrafia etc.

Ministravam-se muitos cursos e palestras de divulgação científica por esse


meio de comunicação, sendo alguns exemplos: mina de ouro (F. Labouriau),
higiene (Sebastião Barroso), estados físicos da matéria, como nascem os rios
(Othon Leonardos), marés (Mauricio Joppert), química (Mário Saraiva), física
(Francisco Venancio Filho) e fisiologia do sono (Roquette-Pinto). Vários deles
tinham sua síntese publicada nas edições da revista Electron. As crianças foram
premiadas com um programa semanal de João Köpke. A Rádio Sociedade
também irradiou conferências de Madame Curie, em sua estada no Brasil201.
Destaque-se ainda as conferências de literatura ministradas por Catulo da
Paixão Cearense.

Só para se ter idéia do número de palestras difundidas pela Rádio


Sociedade, no ano 1928-1929: foram 63, proferidas por Fróes da Fonseca,
Mario Saraiva, Dulcídio Pereira, Carneiro Leão, Bertha Lutz, Labouriau, Alcides

199
ROQUETTE-PINTO, Edgard. Seixos rolados. Rio de Janeiro: Edição de
Sussekind & Mendonça, Machado & Cia, 1927. p. 238.

200
Várias edições de Electron trazem a programação da Rádio Sociedade.

201
Electron, ano I, n. 14, 16/ago./1926. p. 10.
129

Lintz, Esther Ferreira Vianna, Roquette-Pinto, Rafael Lemos, Alcides Lintz, entre
outros.202

Há registros ainda de que os cursos da ABE iriam ser irradiados pela Rádio
Sociedade203, segundo ata de 4 de junho de 1926 daquela instituição, mas não
localizamos na programação da rádio menção explícita que confirmasse isso.

O cinema educativo
Outro veículo de comunicação usado para divulgação científica – embora
mais orientado para a educação científica – foi o cinema. Levi Fernandes
Carneiro, ex-presidente da ABE, defendia que esse veículo fosse usado
conjuntamente com o rádio, de forma que se complementassem:
"Neste país de imensas distâncias territoriais, de população
rarefeita, e em larga proporção analfabeta, avultando os adultos
destituídos de toda a instrução; sofrendo terrível carência de
professores capazes; para nós esses dois meios maravilhosos
devem constituir a base da solução do grande problema
nacional."204

202
Aniversário da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro - Seis anos de rádio-
educação. Sciencia e educação, Rio de Janeiro: Typ. B. de Souza Carmo, n. 4,
maio/1929, p. 16-17.

203
Apud SALGADO, Alvaro. A radiodifusão educativa no Brasil. Rio de
Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documentação, 1946. p.
35.

204
CARNEIRO, Levi Fernandes. A educação do povo pela Radio-diffusão e pelo
cinema. Sciencia e educação, Rio de Janeiro: Typ. B. de Souza Carmo, n. 5,
jun. 1929, p. 12.
130

O cinema educativo iniciou-se nos EUA, na França, na Alemanha e na Itália.


Neste país, criou-se, em 1927, o Instituto Internacional de Cinematografia
Educativa, organização de cooperação internacional com verba do governo
italiano.
No Rio de Janeiro, a reforma de 1928 no setor da educação realizada por
Fernando de Azevedo, que assumiu a Secretaria de Instrução Pública do Distrito
Federal em 1926, determinou a existência de salas de projeção de filmes para fins
educativos nas escolas brasileiras. 205
No ano seguinte, realizou-se a Exposição de Cinematografia Educativa,
marco nacional para o início dessas atividades. Mas, em 1930, Jonathas Serrano
e Francisco Venancio Filho, defensores do cinema educativo, afirmariam:
"A verdade é que o cinema educativo até agora não teve, em
nosso país, organização sistemática, plano definitivo, com recursos
capazes de lhe garantir perfeito êxito.

Não basta reconhecer e proclamar o valor educativo do cinema,


nem tampouco inserir em leis e regulamentos disposições
referentes ao assunto. Para aplicar de fato o cinema à educação
nacional (propositalmente dizemos educação e não apenas
instrução), cumpre resolver toda uma série de problemas
preliminares. "206

205
AZEVEDO, Fernando (ed.). As Ciências no Brasil. 2 vol., Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ, 1995. SERRANO, Jonathas, VENANCIO FILHO, Francisco.
Cinema e Educação. São Paulo: Comp. Melhoramentos de São Paulo, 1930.

206
AZEVEDO, Fernando (ed.). As Ciências no Brasil. 2 vol., Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ, 1995. SERRANO, Jonathas, VENANCIO FILHO, Francisco.
Cinema e Educação. São Paulo: Comp. Melhoramentos de São Paulo, 1930. p.
33.
131

O Instituto Nacional do Cinema Educativo foi criado em 1936 por sugestão


do ministro Gustavo Capanema e dirigido por Roquette-Pinto. A partir dessa data,
realizaram-se vários filmes com fins educativos e também de documentação
científica, técnica e artística, incluindo temas como prevenção e tratamento de
doenças, costumes, plantas, animais. Na área de física, há, por exemplo, filmes
sobre hidrostática, propriedades gerais da matéria e alavancas207. Há registros
ainda de filmes sobre as pesquisas de Cardoso Fontes (morfogênese das
bactérias), Vital Brazil (ofidismo), Evandro Chagas (leishmaniose americana),
Miguel Ozorio (fisiologia nervosa), Carlos Chagas Filho (peixe elétrico e cultura de
tecidos in vitro), Dutra e Silva (choque elétrico no tratamento de psicopatas) e
Maurício Gudin (cirurgia asséptica), fazendo parte do que Roquette-Pinto
considerou como "arquivo palpitante da inteligência do Brasil"208. Mas como essa
atividade só se intensificou na década de 30 estendendo-se aos anos seguintes,
não entraremos em maiores detalhes sobre isso nesta dissertação.

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA NA


DÉCADA DE 20
Comparando-se as atividades de divulgação científica na década de 20 com
aquelas realizadas no final do século anterior, por exemplo, percebe-se que
estavam voltadas mais para a difusão de conceitos e conhecimentos da ciência
pura e menos para a exposição e a disseminação dos resultados das aplicações
técnicas dela resultantes. Na década de 20, a motivação principal para a atividade
era criar condições para o desenvolvimento da pesquisa básica no país.

207
ANTONACCI, Maria Antonieta. Trabalho, cultura, educação: Nova Escola e
Cinema educativo nos anos 1920/1930. Projeto História, São Paulo: PUC/SP,
n. 10, dez./1993. p. 147-165.

208
ROQUETTE-PINTO, Edgard, O cinema educativo no Brasil, Revista da
Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras,
vol. 68, ano 43, jul.-dez./1944, p. 280.
132

Tomemos como exemplo a série de conferências realizada nos dois


momentos históricos: cerca de 2/3 dos eventos promovidos pela ABE referem-se
a domínios de ciência pura, enquanto que essa proporção cai para menos de
15% nas Conferências Populares da Glória. Couty, no final do século XIX,
acreditava que o Brasil, "tão instruído e culto", estava passando por uma "fase
de transição em que os estudos científicos puramente teóricos e especulativos
tornam-se práticos e experimentais".209 A divulgação científica deste período
carregava as marcas da visão de ciência predominante: enfatizavam-se os
aspectos aplicados. Até a tentativa de se criar cursos científicos (ciências físicas
e naturais; ciências físicas e matemáticas) na Escola Politécnica, por exemplo,
em 1874, não se consolidaria e eles seriam extintos alguns anos depois, em
1896.210
Uma outra característica distintiva das ações de divulgação científica na
década de 20 é que elas começaram a ser mais organizadas e passaram a ter a
participação de destacados cientistas e acadêmicos do Rio de Janeiro, o que
reflete a importância que eles lhes atribuíam.

O sentimento de nacionalidade também marcou bastante o conteúdo das


atividades de divulgação científica da época, em particular no que se refere a
Roquette-Pinto, que buscava valorizar o homem brasileiro. Essa preocupação
nacionalista estava particularmente manifesta nas campanhas pela educação
ampla e aparece, por exemplo, retratada neste discurso de Carneiro:
"Vai agora, por todo o país um movimento intenso em prol da
educação, que há de produzir benefícios incalculáveis. Mas, talvez,
não se tenha cuidado ainda, como urge, dos adultos; de milhões de

209
Apud LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica - os
museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997. p.
157.

210
FERREIRA, Luiz Otávio. As Origens da Academia Brasileira de Ciências.
Ciência Hoje. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, vol. 16, n. 96, p. 32-36, dez./1993. p. 34.
133

homens, isolados da vida nacional, emparedados na ignorância,


distantes de todos e de tudo.

A esses o que precisamos meter – pelos olhos a dentro, pelos


ouvidos a dentro – de modo conciso, sintético, completo, os
ensinamentos de que precisam, o sentimento de nacionalidade a
que pertencem, o apreço e o conhecimento da terra em que vivem.
Alguns traços de geografia e de história; um pouco de vida nacional
do momento; noções práticas de pecuária ou de agricultura, tudo
mediante o rádio – na rápida e extensa difusão de ensinamentos
que só ele permite."211

No que se refere aos quatro personagens destacados nesta dissertação, o


conteúdo transmitido era de boa qualidade científica e bastante atualizado. Em
particular no caso dos escritos de Amoroso Costa, era, em geral, de apreensão
mais difícil. Aparentemente, destinava-se prioritariamente a um grupo de
pessoas ilustradas e bem situadas socialmente. O material veiculado pela Rádio
Sociedade constituía uma exceção a isso, já que, pelo menos na intenção,
direcionava-se para todas as camadas sociais, inclusive aos analfabetos. Apesar
desses bons propósitos, é provável que o êxito de alguns cursos radiofônicos,
como o de física e o de química, tenha sido bastante limitado. Destaque-se que
não foi possível mensurar, neste trabalho, o impacto e a repercussão dessas
atividades de divulgação científica. Essas conseqüências poderiam ser
avaliadas, por exemplo, se dispuséssemos de maiores informações sobre a
influência exercida na opinião pública ilustrada e sobre a arregimentação de
novos discípulos para as hostes da ciência.
O caráter da divulgação realizada nos anos 20 era ainda fragmentado e
lacunar, reflexo direto da situação ainda muito frágil do meio científico de então.
Como os conteúdos veiculados diziam respeito, em geral, à especialidade do

211
CARNEIRO, Levi Fernandes. A educação do povo pela Radio-diffusão e pelo
cinema. Sciencia e educação, Rio de Janeiro: Typ. B. de Souza Carmo, n. 5,
jun. 1929, p. 12.
134

cientista, que era o agente do processo de comunicação, muitas áreas do


conhecimento ficaram a descoberto, por causa do número reduzido de pessoas
atuantes.

ESTUDOS COMPARATIVOS
Os estudos comparativos da difusão científica em países e culturas
diversas têm despertado bastante interesse em anos recentes, sendo, a nosso
ver, uma linha de investigação muito promissora para os estudos sobre a
divulgação científica. Seguindo essa linha de abordagem, será interessante
examinar também se existiu ou não em outros países um comportamento similar
ao ocorrido no Brasil, com seus surtos de intensidade variada. Embora este
capítulo tenha se voltado para a década de 20, nas considerações abaixo não
nos restringiremos a ela, já que nos interessa explorar uma perspectiva histórica
mais ampla.
Embora não tenhamos produzido um estudo comparativo minucioso, o que
demandaria com certeza a realização de uma nova dissertação, vamos expor,
no que se segue, o resultado recolhido em diversas fontes referentes a aspectos
históricos da divulgação científica em outros países. Um ponto marcante, que
decorre preliminarmente dessas análises, é a constatação do crescente caráter
globalizante da ciência e das ações de divulgação, especialmente a partir da
segunda metade do século XIX. Isto pode ser percebido nos surtos de
desenvolvimento acentuado da divulgação científica, que ocorrem de forma mais
ou menos concomitante em vários países.
Raichvarg e Jacques212 realizaram trabalho meticuloso e inteligente sobre
a situação francesa. A existência de ciclos de atividades mais intensas de
divulgação científica na França, na segunda metade do século XIX e na década
de vinte deste século, pode ser ali ser encontrada, coincidindo aproximadamente
com os ciclos que relatamos para o Brasil.
Do mesmo modo que aqui, na segunda metade do século passado, as
atividades de divulgação enfatizavam assuntos relacionados à ciência aplicada.
Na França, no entanto, começou a surgir naquele período a figura dos

212
RAICHVARG, Daniel, JACQUES, Jean. Savants et ignorants - une histoire de la
vulgarization des sciences. Paris: Éditions du Seil, 1991.
135

divulgadores especializados, o que não ocorreu no Brasil. Também a ficção


científica, tendo Júlio Verne como paradigma, atingiu ali dimensões relevantes.
O movimento pela ciência pura teve também papel de destaque naquele
país a partir do final da Primeira Guerra Mundial. Cientistas como Marie Curie e
Langevin, que estiveram no Brasil na década de 20, perceberam a importância
da educação e da divulgação científicas para a institucionalização da pesquisa
básica. Deve-se enfatizar ainda as atividades de divulgação do físico Jean
Perrin, iniciadas nos anos 10 e que se estenderam por décadas, tendo sido ele o
criador do Palais de la Découverte no final dos anos 30, um dos primeiros
museus de ciência com características interativas.
No mesmo ano em que a Rádio Sociedade era criada, expandia-se na
França o uso do rádio na educação e divulgação científicas. Nesse sentido, o
divulgador Baudry de Saunier escreveu:
"O papel que pode desempenhar a T.S.F. na instrução popular é
verdadeiramente enorme... Pode-se conceber muito bem cursos
gerais sobre física, química, eletricidade ou qualquer outro
assunto."213

No que se refere ao uso do audiovisual na divulgação científica, seu


principal estimulador foi Jean Painlevé, filho do matemático Paul Painlevé. Ele
foi o fundador do Institut de Cinématographie Scientifique, em 1930, seis anos
antes do similar brasileiro.
A influência cultural francesa no Brasil, intensa até a Segunda Guerra
Mundial, certamente terá contribuído para esse sincronismo entre os dois
países. De fato, parece que os surtos brasileiros ocorrem com ligeira defasagem
temporal, em alguns casos, o que talvez seja reflexo do grau de dependência
científica e tecnológica em relação aos países mais desenvolvidos.

213
Apud Ibid. p. 166.
136

Estudo menos extenso do que o de Raichvarg e Jacques, mas de boa


qualidade, foi feito por Carle e Guédon214 sobre o Canadá que, embora tivesse
cenário bastante peculiar, apresentou algumas similaridades com o Brasil.
Também naquele país as atividades intensificaram-se na segunda metade do
século passado, envolvendo publicações e ciclos de conferências. Segundo os
autores, por motivos não muito bem compreendidos, tais atividades reduziram-
se consideravelmente ao final do século, retomando sua intensidade na década
de 20.
Em dois estudos distintos, Alamilla215 e Garcia216 mostraram que a
divulgação científica no México iniciou-se ao longo do século XVIII, momento em
que alguns intelectuais – que obtiveram seus conhecimentos praticamente de
maneira auto-didata ou em estudos na Europa – acreditavam que a ciência
elevaria os níveis de vida da população de seu país e, assim, tentaram difundir
idéias científicas. Conforme Alamilla, quando a elite ilustrada reconheceu sua
função difusora de conhecimentos úteis para atualizar a sociedade, a imprensa
passou a ser um fórum de discussão e confrontação entre os cientistas

214
CARLE, Paul, GUÉDON, Jean-Claude. Vulgarization et développement des
sciences et de techniques - les cas du Québec (a1850-1950). In: JACOBI,
Daniel, SCHIELE, Bernard (orgs.). Vulgariser la science - Le procès de
l’ignorance. Seyssel: Editions Champ Vallon, 1988.

215
ALAMILLA, Silvia Torres. A popularización de la ciencia en México a través
de algumas publicaciones periódicas al final del siglo XVIII e inicio del siglo XIX.
V CONGRESSO LATINO AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA
TECNOLOGIA, 1998. Rio de Janeiro.

216
GARCIA, Alberto Saladino. Ciencia y prensa durante la Ilustración
Latinoamericana. Cidade do México: Universidad Autónoma do Estado do
México, 1996.
137

ilustrados.217 Além disso, em particular no final daquele século, as notícias de


informação científica e técnica tiveram função educativa e atualizadora do
público não especialista. Esses autores não discutiram essas atividades
divulgadoras nos séculos XIX e XX.
Mendoza218, embora não tenha como preocupação traçar um quadro geral
da divulgação científica na Argentina, apontou uma intensificação das atividades
no final do século passado. Desde a década de 20 do século passado os
argentinos passaram a contar com uma universidade, sendo que ela foi
reestruturada cerca de 40 anos depois. No início deste século, formou-se uma
tradição científica nacional, associada ao movimento de valorização da ciência
básica, o que facilitou e ampliou a difusão científica.
Para López219, ao contrário da Europa, onde estavam presentes
divulgadores científicos profissionais – como Louis Figuier e Camille Flammarion
para o caso francês e Emilio Huclin para o caso espanhol –, na América Latina
foram os próprios cientistas que se comprometeram com o movimento
divulgador ao longo do século XIX. Isso favoreceu o surgimento de um espaço
público para a ciência, o que colaborou para se obter uma série de êxitos

217
ALAMILLA, Silvia Torres. A popularización de la ciencia en México a través
de algumas publicaciones periódicas al final del siglo XVIII e inicio del siglo XIX.
V CONGRESSO LATINO AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA
TECNOLOGIA, 1998. Rio de Janeiro.

218
MENDOZA, Celina Lértora. La ciencia nacional en las revistas de difusión
científica - Argentina: 1880-1920. In: ARBOLEDA, Luis Carlos, OSORIO, Carlos
(eds.). Nacionalismo e internacionalismo en la Historia de las Ciencias y la
Tecnología en América Latina. Cali: Universidad del Valle. p. 375-389.

219
LÓPEZ, Leoncio. La divulgación científico-técnica en la prensa de América
Latina durante el siglo XIX: Estado de la cuestión y estrategias de investigación.
In: ARBOLEDA, Luis Carlos, OSORIO, Carlos (eds.). Nacionalismo e
internacionalismo en la Historia de las Ciencias y la Tecnología en
América Latina. Cali: Universidad del Valle. p. 391-398.
138

científicos em diversos países de nosso continente no princípio do século XX,


especialmente na área de saúde. Afirma ele:

"Que pretendiam esses divulgadores? Certamente em suas


motivações divulgadoras tentaram, com efeito, aumentar sua
presença social com diversos objetivos: reafirmar sua legitimidade
profissional, aumentar sua comunicação com seus homólogos e
com outros grupos sociais, fortalecer suas alianças com as
instituições que controlavam os diversos poderes. Mas em muitos
desses divulgadores, pertencentes em sua maior parte a elite
técnico-científica, cabe encontrar uma dupla motivação de caráter
político-ideológico que anima e orienta sua ação cultural.(...)"220

Como nosso trabalho se limitou a um estudo no Rio de Janeiro, é evidente


que uma extensão posterior deveria levar em conta, dentro da mesma
perspectiva histórica, as atividades desenvolvidas em outros estados brasileiros,
em particular no estado de São Paulo que começava sua caminhada para a
industrialização e para a hegemonia econômica no país. Dois estudos iniciais
sobre a difusão da ciência em jornais paulistas, no final do século XIX, foram
encetados por Dantes221 e, no período de 1890 a 1930, por Figueirôa e Lopes222.
Julgamos importante que esse trabalho de comparação histórica entre a
situação brasileira e o que ocorria no mesmo domínio em outros países deva ser
ainda bastante estendido e aprofundado.

220
Ibid.p. 393.

221
DANTES, Maria Amélia. As ciências em um jornal republicano paulista do
final do século XIX. V CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE HISTÓRIA DA
CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 27-31 jul./1998. Rio de Janeiro.

222
FIGUEIRÔA, Silvia F. de M., LOPES, Maria Margaret. A difusão da ciência
através da imprensa e dos periódicos especializados (1890-193)). VI
SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 4-7
jun./1997. Rio de Janeiro.
139

Capítulo 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pudemos ver nesta dissertação, a divulgação científica no Brasil tem


quase dois séculos de história, ao contrário do que alguns estudiosos afirmam.
Guedes, por exemplo, considera que Ciência Hoje, iniciada em 1982, foi a "revista
pioneira" com essa finalidade223. Além disso, a exemplo do que ocorreu em outros
países, a divulgação científica brasileira apresentou fases distintas, com
finalidades e características peculiares que refletem o contexto e os interesses da
época. Já registramos que os surtos de atividades de divulgação científica no
Brasil acompanharam, com intensidades e repercussões diversificadas,
movimentos congêneres e mais ou menos contemporâneos em países da Europa
e das Américas. Isso mostra que as características globalizadoras da ciência e da
técnica, em sua inserção capitalista, estão presentes todo o tempo e se refletem
nos acontecimentos locais.
Em particular, analisamos o surto de divulgação científica ocorrido na
década de 20 no Rio de Janeiro, que havia sido antecedido por longo período de
atividades menos intensas. Na tentativa de entender o porquê do movimento
expressivo de divulgação científica que surgiu naquele momento, levantamos as
seguintes conjecturas:

223
GUEDES, Angela Cardoso. Globo Ciência: inventário e análise do arquivo
de cartas recebidas dos telespectadores em 1988. Orientadora: Heloisa
Tardin Christovão. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1990. Dissertação
(mestrado em Ciência da Informação). p. 59.
140

a) A situação internacional era favorável a esse tipo de atividade. Após o


final da Primeira Guerra Mundial, que exibiu na prática o poderio emanado da
ciência e da técnica, cresceu o interesse geral pela ciência, atestado, por
exemplo, pela enorme repercussão que a figura de um cientista, Einstein,
adquiriu. Graças ao prestígio conquistado, sua figura ganhou as páginas dos
jornais de todo o mundo e suas opiniões científicas, filosóficas, éticas e políticas
passaram a ter grande repercussão junto ao público. Na busca de paz em uma
Europa esgotada pela guerra, os cientistas, como o próprio Einstein e Marie
Curie, desempenhavam papel importante. O interesse pela ciência nos países
avançados contribuía indutivamente para uma atitude similar no Brasil, com um
intelectualidade particularmente influenciada pela cultura francesa.
b) A elite intelectual carioca ligada à ciência adquiriu, na época, a
consciência da importância de se criar ambiente favorável junto à opinião pública
para permitir o desenvolvimento da ciência pura. Nesse sentido, aumentaram as
preocupações quanto à formação de pessoal capacitado, à criação de instituições
relacionadas à pesquisa e à educação superior (universidades) e à consolidação
das instituições já existentes.
Dentro desse panorama geral, a divulgação científica passou a ter papel
significativo na difusão das idéias de seus protagonistas sobre a ciência e sua
importância para o desenvolvimento do país.
Na época, a divulgação científica foi ainda uma maneira de influenciar
indiretamente os órgãos governamentais, ao atingir um público ilustrado. O
objetivo era sensibilizar o poder público, o que propiciaria a criação e a
manutenção de instituições ligadas à ciência, além de maior valorização social da
atividade de pesquisa.
Esses cientistas e profissionais liberais conscientizaram-se também de que
era necessária uma renovação educacional mais ampla no país, que permitisse
resgatá-lo do analfabetismo generalizado, condição necessária para que viesse a
acompanhar os ritmos da modernidade européia e norte-americana. Isso levou a
que muitos deles se empenhassem profundamente nas campanhas pelo ensino
público.
c) Começaram a se delinear as necessidades próprias da nova figura de
profissional que aflora no cenário da cidade: o cientista. Aqueles que se voltavam
profissionalmente para as ciências desenvolveram o sentimento claro da
necessidade de sua afirmação própria como cientistas. Dentro desse propósito,
141

era também essencial a criação de espaços de reflexão e atuação como corpo,


como a Academia Brasileira de Ciências e a Associação Brasileira de Educação,
que contribuíssem para a integração dos profissionais das várias áreas,
aumentando-lhes o potencial de influência política. Intimamente ligado à
institucionalização das atividades científicas nas faculdades de ciências
almejadas, aparece aqui a reivindicação específica da dedicação exclusiva dos
professores universitários para que pudessem exercer in totum suas atividades de
pesquisa.
Destaque-se que a década de 20 é um dos raros momentos no país em que
as lideranças da comunidade científica dedicaram-se, mesmo que parcialmente, a
esse tipo de atividade. A participação ativa de membros da própria Academia
Brasileira de Ciências, até mesmo na direção da Rádio Sociedade, ilustra bem
isso.
Embora não tenhamos analisado com maiores detalhes as décadas
seguintes, pudemos perceber que as atividades de divulgação científica sofreram
nova redução, característica que se manteve aproximadamente até a década de
80. Em particular, decresceu o envolvimento de cientistas com as ações de
divulgação. Atenuou-se o movimento de conferências e cursos populares,
promovido por entidades científicas ou educativas, e decaiu também o número de
revistas específicas e livros voltados para a difusão de novas idéias científicas. O
uso dos novos meios de comunicação com objetivos de divulgação encontrou no
cinema, por meio do Instituto Nacional do Cinema Educativo, um contraponto a
essas afirmações. Outra importante exceção a essa maré declinante vai surgir,
em São Paulo, já no final da década de 40, com a criação da Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência, que tem entre seus principais propósitos uma
divulgação científica ampla e de qualidade.
Na busca de encontrar razões para o fato desse surto de divulgação
científica dos anos 20 ter perdido impulso e refluído a partir da década de 30,
destacamos as seguintes possibilidades:
a) Com a criação das primeiras faculdades de filosofia, ciências e letras,
sendo as primeiras a da Universidade de São Paulo (1934) e a da Universidade
do Distrito Federal (1935), e a organização de novas universidades, os cientistas
e professores interessados em ciência se voltaram basicamente para o ensino
universitário formal. O fato de que várias das reivindicações dos cientistas terem
142

sido resolvidas, pelo menos parcialmente, fez com que eles se voltassem
predominantemente para as atividades intra-institucionais.
b) A partir da década de 30 e com a implantação do Estado Novo, as
questões educacionais passaram a ser gerenciadas e controladas mais
diretamente pelo governo. Ampliaram-se as escolas públicas, criaram-se
programas de estímulo ao cinema educativo e o governo assumiu a Rádio
Sociedade. Ou seja, essas e outras atividades que, até então, eram
desenvolvidas de forma autônoma passaram a estar sob a égide governamental.
Se isso teve aspectos progressistas, em um processo que foi estimulado pelos
educadores e cientistas na década anterior, significou também um controle estatal
mais rígido, até mesmo repressivo em muitas ocasiões, e que certamente teve um
papel inibidor de iniciativas mais ousadas.
c) A impressão inicial do rádio (e posteriormente do cinema) como uma
panacéia educativa começou a se diluir quando as dificuldades e os limites do
processo de difusão e absorção dos conteúdos veiculados começaram a ficar
mais claros.
d) O próprio esgotamento da geração que iniciou o processo: as novas
gerações iriam surgir em um contexto diverso, em que já existiam, embora em
número limitado, faculdades de ciência; estavam, portanto, imersas em novas
necessidades e expectativas profissionais. Além do desaparecimento de alguns
dos principais personagens, como Amoroso Costa e Morize, alguns deles se
envolveram, no período getulista, em atividades governamentais, como é o caso
de Roquette-Pinto, que criou e dirigiu o Instituto Nacional do Cinema Educativo.
e) Internacionalmente, houve refluxo similar, o que teve repercussão
desmobilizadora em nossa realidade.
Um ponto importante para o qual nosso trabalho chamou atenção refere-se
à existência dos surtos de atividades científicas mais intensas no Brasil. Na
análise feita no capítulo 2 (Antecedentes), pudemos perceber um crescimento de
tais atividades com a vinda da Corte Portuguesa e com a criação da imprensa no
Brasil. Esse crescimento teria dependido bastante, por conseguinte, do fato
político singular que foi a mudança no status colonial que o país sofreu com esse
episódio. Na segunda metade do século XIX, um novo surto de atividades
emergiu, com a criação de muitas revistas voltadas para os aspectos científicos e
com as Conferências da Glória. Podemos, com uma boa dose de aproximação,
situar este período de maior intensidade divulgadora entre os anos 1860 e 1885.
143

No século XX, a década de vinte apresentou, como vimos, um novo patamar de


atividades intensas.

Para entender melhor as razões do comportamento aproximadamente cíclico é


importante que sejam examinadas algumas razões internas ao país, como já
fizemos. Uma outra linha de abordagem é a análise histórica comparativa,
tocada tangencialmente nesta dissertação, abordando a trajetória das atividades
de divulgação científica de outros países. Estudo recente que reforça o nosso
ponto de vista da existência de uma correlação forte entre os diversos surtos de
atividades científicas ocorridas em vários países – com algumas possíveis
diferenças de intensidade e defasagens temporais, ligadas a fatores internos
específicos de cada país – foi realizado por Bauer224. Em trabalho apresentado
neste ano em congresso internacional sobre comunicação pública em ciência225,
o autor defende a idéia de que a divulgação científica226 é um processo cultural
que ocorre por meio de ciclos de expansão e contração. Para fundamentar essa
afirmação, o autor recolheu informações provenientes de vários estudos sobre
as atividades de divulgação científica em países da Europa e nos Estados
Unidos. Os dados citados por ele referem-se principalmente ao cômputo de
artigos publicados em jornais e ao número de livros publicados.

Emana do trabalho de Bauer uma proposta de periodização das


atividades de divulgação da ciência nos países desenvolvidos:

224
BAUER, MARTIN. 'La longue durée' of popular science, 1830 - present. In:
DEVÈZE-BETHET, D. (ed.). La promotion de la culture scientifique: ses
acteurs e leurs logiques. Paris: Publications de l'Université - Paris 7- Denis
Diderot. 1998.

225
V International Conference on Public Communication of Science and
Technology, realizado de 17-19 set./1998, Berlim.

226
Bauer se refere à divulgação científica como "popular science".
144

“Os dados sobre 160 anos sugerem a existência de quatro 'longas


ondas' de popularização da ciência desde 1830. Três períodos de
descenso podem ser identificados: dos anos 1870 até a virada do
século; entre os anos 20 e 30; e novamente entre os anos 1960 até
metade dos anos 1970. Quatro períodos de crescimento são
identificados: (a) dos anos 1850 até o início dos anos 1870; (b) dos
anos 1910 até meados dos anos 1920; (c) dos anos 1940 até o
início dos anos 1960, e de meados dos anos 1970 até os dias
atuais.”227

A proposta da existência de ciclos de divulgação científica, formulada por


Bauer, é bastante interessante, embora os dados em que se baseia sejam ainda
esparsos e tenham sido obtidos a partir de pesquisas de diferentes autores
produzidas com perspectivas diversas. A própria definição dos períodos citados
acima não é muito precisa e sobre isso existem alguns dados conflitantes
mencionados por ele. Mas, para o nosso propósito, é importante registrar, de
uma maneira geral, que o trabalho confirma a hipótese que vínhamos
elaborando no que diz respeito à existência de surtos similares ocorridos no
Brasil, embora possa ser registrada alguma defasagem temporal.

As razões para a existência desses surtos (ou ciclos, na denominação de


Bauer) devem estar ligadas a fatores externos, de natureza sócio-econômica,
que podem até mesmo exibir diferenças locais, mas também a fatores internos à
ciência e aos mecanismos de difusão. Bauer menciona um possível fator interno,
relacionado a uma (não muito clara) instabilidade intrínseca da atividade
divulgadora. Do ponto de vista dos fatores externos, ele busca correlacionar os

227
BAUER, MARTIN. 'La longue durée' of popular science, 1830 - present. In:
DEVÈZE-BETHET, D. (ed.). La promotion de la culture scientifique: ses
acteurs e leurs logiques. Paris: Publications de l'Université - Paris 7- Denis
Diderot. 1998. p. 79.
145

ciclos de divulgação da ciência com ciclos econômicos do capitalismo em nível


mundial, cuja existência é defendida por vários economistas.

A discussão dessas conjecturas e de suas fundamentações, por mais


interessantes que nos pareçam, foge ao escopo imediato de nosso trabalho.
Podemos apontar, no entanto, que mereciam ser explorados fatores internos à
ciência, como a existência de verdadeiras revoluções científicas ou tecnológicas
nas proximidades dos períodos de surtos intensos de divulgação da ciência. A
título de exemplo, mencione-se o surgimento da teoria da seleção natural de
Darwin-Wallace e das leis do eletromagnetismo (com suas inúmeras aplicações
industriais), por volta do ano 1860, e o surgimento da relatividade geral e das
idéias iniciais da física quântica nos anos que antecedem à década de 20 deste
século.
Ao terminar essas considerações finais, poderíamos nos alongar ainda um
pouco, descrevendo as muitas e variadas limitações deste trabalho. Preferimos,
em vez disso, colocá-las na forma de questões em aberto. Elas poderão
contribuir, talvez, para outras análises e considerações futuras. Procuramos,
assim, listar algumas questões que emergiram naturalmente de nossas
investigações e indagações e que, na melhor das hipóteses, foram apenas
tangenciadas no trabalho:
1) Como avaliar e mensurar, pelo menos grosseiramente, o impacto e a
repercussão posterior das atividades de divulgação científica desse período?
2) Qual o público efetivamente atingido por essas atividades, qual o seu grau
de heterogeneidade e como o conteúdo difundido era percebido e assimilado?
3) Qual o papel desempenhado, do ponto de vista da divulgação, pelas
instituições de ensino e pesquisa já existentes (Faculdade de Medicina, Escola
Politécnica, Museu Nacional etc.)?
4) Qual a interação e as possíveis repercussões que essas atividades de
difusão informais guardaram com o ensino formal?
5) Em que grau e como ocorria a difusão de conhecimentos científicos por
meio de almanaques, folhetos, cordel, literatura ficcional etc.?
6) Qual a visão predominante sobre o papel da mulher na ciência e as
iniciativas para atingir público específicos, como o público feminino?
7) Como as diversas correntes de pensamento político da época, dos
anarquistas aos conservadores, passando pelos comunistas, viam o papel da
146

ciência? Como os jornais e as atividades desses segmentos e dos sindicatos


tratavam a questão?
8) Qual o real impacto das transmissões radiofônicas? Como era usado e
qual o conteúdo das transmissões educativas e científicas? Por que as
instituições de ensino e pesquisa não fizeram uso, como ocorreu em outros
países, das novas tecnologias disponíveis, no caso, o rádio, para atividades
educativas?
9) Qual o papel desempenhado pelo Estado e como se deu a absorção, na
década de 30, de algumas das iniciativas da década anterior?
10) Qual o papel, o conteúdo e a repercussão do cinema educativo, inclusive
no ensino formal?
11) Quais foram e como se deram as atividades de divulgação científica no
restante do país?
147

Bibliografia

ALAMILLA, Silvia Torres. A popularización de la ciencia en México a través de


algumas publicaciones periódicas al final del siglo XVIII e inicio del siglo XIX.
V CONGRESSO LATINO AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA
TECNOLOGIA, 27-31 jul./1998. Rio de Janeiro.

AMOROSO COSTA, Manoel. As Idéias Fundamentais da Matemática e


outros ensaios. 3ª ed. São Paulo: Editora Convívio/EDUSP, 1981. 330 p.

__________. Introdução à teoria da relatividade. 2ª ed. Rio de Janeiro:


Editora da UFRJ, 1995. 114 p.

ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Projetos para o Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.

ANTONACCI, Maria Antonieta. Trabalho, cultura, educação: Nova Escola e


Cinema educativo nos anos 1920/1930. Projeto História. São Paulo:
PUC/SP, n. 10, p. 147-165, dez./1993.

AZEVEDO, Fernando (ed.). As Ciências no Brasil. 2 vol., Rio de Janeiro:


Editora da UFRJ, 1995.

____________. A cultura brasileira. Brasília/Rio de Janeiro: Editora da


UnB/Editora da UFRJ, 1996. 840 p.

BAUER, MARTIN. 'La longue durée' of popular science, 1830 - present. In:
DEVÈZE-BETHET, D. (ed.). La promotion de la culture scientifique: ses
148

acteurs e leurs logiques. Paris: Publications de l'Université - Paris 7- Denis


Diderot. 1998. p. 75-92.

BLUM, Deborah, KNUDSUN, Mary. A field guide for Science Writers. Nova
York: Oxford University Press , 1997. 287 p.

BODSTEIN, Regina. O rádio no Brasil - Roquette-Pinto, o pioneiro do rádio.


Comunicação. Rio de Janeiro: Bloch, n. 33, p. 7-11, 1984.

BORBA DE MORAES, Rubens. Bibliografia Brasileira do Período Colonial.


São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros/USP, 1969. 437 p.

BUENO, Wilson da Costa. Jornalismo científico: conceitos e funções, Ciência e


Cultura, São Paulo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol.
37, n. 9, p. 1420-1427, set/1995 .

__________. Jornalismo científico no Brasil: os compromissos de uma


prática dependente. Orientador: José da Costa Marques. São Paulo:
ECA/USP, 1984. Tese (doutorado em Jornalismo). 264 p.

BURKETT, Warren. Jornalismo científico. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense


Universitária, 1986. 229 p.

CARDOSO, Walter. Divulgação matemática, ao tempo do príncipe regente D.


João. In: D'AMBRÓSIO, Ubiratan (org.). Anais do 2º Congresso Latino-
americano de História da Ciência e da Técnica. São Paulo: Nova Stella,
p. 510-514, 1988.

CARNEIRO, Levi Fernandes. A educação do povo pela Radio-diffusão e pelo


cinema. Sciencia e educação, Rio de Janeiro: Typ. B. de Souza Carmo, n.
5, p. 11-12, jun./1929.

CARVALHO, Rómulo. A Astronomia Experimental em Portugal no século


XVIII. Lisboa: Biblioteca Breve, 1985. 115 p.
149

__________. A Física Experimental em Portugal no século XVIII. Lisboa:


Biblioteca Breve, 1982. 97 p.

Ciência Hoje (editorial), Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso


da Ciência, n. 1, p. 6, julho/agosto 1982.

CINI, Marcello. O paraíso perdido. Ciência Hoje, Rio de Janeiro: Sociedade


Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 23, n. 138, p. 8-11, maio 1998.

COLLINS, Harry, PINCH, Trevor. The Golem - what everyone should know
about science. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 151 p.

COLLICHIO, Terezinha Alves Ferreira. Miranda Azevedo e o Darwinismo no


Brasil. Belo Horizonte: Editora Itatiaia: São Paulo: Editora da USP, 1988.
167 p.

CORREIA, Conselheiro Manoel Francisco Correia (direção). Conferências


Populares (coletânea das conferências realizadas na Glória em 1876). Rio
de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve & C, 1876. 188 p.

COSTA, João Cruz. Contribuição à história das idéias no Brasil, segunda


edição, São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 1967.

COUTY, Louis. Os estudos experimentais no Brasil. Revista Brazileira, Rio de


Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, tomo II, p. 215-239, 1
nov./1879.

DANTES, Maria Amélia. As ciências em um jornal republicano paulista do final


do século XIX. V CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE HISTÓRIA DA
CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 27-31 jul./1998. Rio de Janeiro.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 14ª ed., São Paulo: Editora
Perspectiva, 1977. 170 p.
150

FÁVERO, Maria de Lourdes de Albuquerque. Universidade do Distrito


Federal (1935-39): uma utopia vetada? Ciência Hoje, Rio de Janeiro:
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 21, n. 125, p. 69-73,
nov.-dez./1996.

FAYARD, Pierre. La Communication scientifique publique - De la


vulgarization à la médiatisation. Lyon: Chronique Sociale, 1988. 148 p.

FERREIRA, Luiz Otávio. As Origens da Academia Brasileira de Ciências.


Ciência Hoje, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência, vol. 16, n. 96, p. 32-36, dez./1993.

FIGUEIRÔA, Silvia F. de M., LOPES, Maria Margaret. A difusão da ciência


através da imprensa e dos periódicos especializados (1890-1930). VI
SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA,
4-7 jun./1997. Rio de Janeiro.

FRÓES DA FONSECA, Maria Raquel. As 'Conferências Populares da Glória': a


divulgação do saber científico. Manguinhos, Rio de Janeiro: Fiocruz, v. II, n.
p. 135-166, nov./1995-fev./1996.

GARCIA, Alberto Saladino. Ciencia y prensa durante la Ilustración


Latinoamericana. Cidade do México: Universidad Autónoma do Estado do
México, 1996.

GONZALES, Maria Iracema. A divulgação científica: uma visão de seu


público leitor. Orientadoras: Heloisa Tardin Christovão e Maria Nélida G.
de Gomez. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1992. Dissertação (mestrado
em Ciência da Informação). 143 p.

GOUVÊA FILHO, Pedro. E. Roquette-Pinto - o antropólogo e educador. Rio


de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1955. 48 p.
151

GUEDES, Angela Cardoso. Globo Ciência: inventário e análise do arquivo


de cartas recebidas dos telespectadores em 1988. Orientadora: Heloisa
Tardin Christovão. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1990. Dissertação
(mestrado em Ciência da Informação). 248 p.

HERNANDEZ CAÑADAS, P.L. Os periódicos Ciência Hoje e Ciência e


Cultura e a divulgação da ciência no Brasil. Orientadora: Heloisa Tardin
Christovão. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1987. Dissertação (mestrado
em Ciência da Informação). 190 p.

JACOBI, Daniel, SCHIELE, Bernard (orgs.). Vulgariser la science - Le procès


de l’ignorance. Seyssel: Editions Champ Vallon, 1988. 284 p.

KAIXUN, Zhang. The Public & Science. The Public & Science. IV
INTERNATIONAL CONFERENCE ON PUBLIC COMMUNICATION OF
SCIENCE AND TECHNOLOGY: NEW TRENDS AND NEW PRATICES IN A
CHANGING WORLD, 1996. Melbourne.

JOURDANT, Baldouin, The epistemological significance of popularisation of


science. IV INTERNATIONAL CONFERENCE ON PUBLIC
COMMUNICATION OF SCIENCE AND TECHNOLOGY: NEW TRENDS
AND NEW PRATICES IN A CHANGING WORLD, 1996. Melbourne.

LINS, Alvaro. Discurso de posse na Academia Brasileira (Estudo sobre


Roquette-Pinto). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação - MEC, 1956.
206 p.

LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa científica - os


museus e as ciências naturais no século XIX. São Paulo: Hucitec, 1997.
335 p.

LÓPEZ, Leoncio. La divulgación científico-técnica en la prensa de América


Latina durante el siglo XIX: Estado de la cuestión y estrategias de
152

investigación. In: ARBOLEDA, Luis Carlos, OSORIO, Carlos (eds.).


Nacionalismo e internacionalismo en la Historia de las Ciencias y la
Tecnología en América Latina. Cali: Universidad del Valle. p. 391-398.

MARTIUS, Karl Friedrich Phillip von. Frey Apollonio - Um Romance no Brasil.


São Paulo: Editora Brasiliense, 1992. 227 p.

À memória de Henrique Morize, presidente e fundador da Academia. Annaes da


Academia Brasileira de Sciencias, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Ciências. Tomo II, n. 2, p. 58-73, 30/jun./1930.

MATHEUS, Roberto Ruiz de Rosa. Edgard Roquette-Pinto - Aspectos


marcantes de sua vida e obra. Brasília: Ministério da Educação e Cultura,
1984. 67 p.

MENDOZA, Celina Lértora. La ciencia nacional en las revistas de difusión


científica - Argentina: 1880-1920. In: ARBOLEDA, Luis Carlos, OSORIO,
Carlos (eds.). Nacionalismo e internacionalismo en la Historia de las
Ciencias y la Tecnología en América Latina. Cali: Universidad del Valle. p.
375-389.

MOREIRA, Ildeu de Castro, VIDEIRA, Antonio Augusto Passos (eds.). Einstein


e o Brasil, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1995. 271 p.

__________. Henrique Morize e a física experimental no Brasil. V


CONGRESSO LATINO AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA
TECNOLOGIA, 27-31 jul./1998. Rio de Janeiro.

MOREIRA, Ildeu de Castro. Física, Matemática e Divulgação Científica. VI


ENCONTRO DE PESQUISADORES EM ENSINO DE CIÊNCIA-SBF, 1996.
Águas de Lindóia.
153

MOREIRA, Ildeu de Castro, MASSARANI, Luisa. Candido Baptista de Oliveira e


o Sistema Métrico Decimal. V SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA
CIÊNCIA, 1995. Ouro Preto.

MOREIRA, Ildeu de Castro, MASSARANI, Luisa, PRADO, Geraldo. Aspectos


históricos da divulgação científica no Brasil: A década de 20. V
CONGRESSO LATINO AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA
TECNOLOGIA, 27-31 jul./1998. Rio de Janeiro.

MORIZE, Henrique. Observatório Astronômico - um século de história


(1827-1927). Rio de Janeiro: Mast/Salamandra, 1987. 179 p.

NELKIN, Dorothy. Selling Science - How the press covers science and
technology, Nova York: W.H. Freeman and Company, 1995. 217 p.

OZORIO DE ALMEIDA, Alvaro. Valor da ciência - dificuldades e lutas de


minha carreira científica. São Paulo: Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência, 1950. 23 p.

OZORIO DE ALMEIDA, Miguel . A vulgarização do saber. Rio de Janeiro: Ariel


Editora Ltda., 1931. 253 p.

____________. Almas sem abrigo. Rio de Janeiro: Ariel Editora Ltda., 1933.
301 p.

____________. Ensaios, críticas e perfis. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia.,


1938. 259 p.

____________. Homens e coisas de ciência. São Paulo: Editora Monteiro


Lobato, 1925. 231 p.

PAIM, Antônio. Bibliografia Filosófica Brasileira - 1808/1930, Salvador:


Centro de Documentação Brasileiro, 1983. 96 p.
154

PASQUALI, Antonio. Compreender la comunicación. Caracas: Monte Ávila


Editores, 1978. 289 p.

PETITJEAN, P., JAMI, C., MOULIN, A.M. Sciences and Empires. Dordrecht:
Klouwer Academic Publishers, 1992. 411 p.

PINASSI, Maria Orlanda. Três devotos, uma fé, nenhum milagre - Um


estudo da revista Niterói. Orientadora: Élide Rugai Bastos. Campinas:
Unicamp, 1996. Tese (doutorado em Sociologia). 204 p.

PINHEIRO, Lena Vânia Ribeiro. A ciência da informação entre sombra e luz:


domínio epistemológico e campo interdisciplinar. Orientadora: Gilda
Maria Braga. Rio de Janeiro: ECO/UFRJ, 1997. Tese (doutorado em
Comunicação). 278 p.

PINHEIRO, Lena Vânia Ribeiro, LOUREIRO, José Mauro Matheus. Traçados e


limites da ciência da informação. Ciência da Informação. Brasília: IBICT,
vol. 24, n. 1, p. 42-53, jan.-abr./1995.

POINCARÉ, Henri. O valor da sciencia. Biblioteca de Philosofia Scientifica. Rio


de Janeiro: Livraria Garnier, 1924. 243 p.

RAICHVARG, Daniel, JACQUES, Jean. Savants et ignorants - une histoire de


la vulgarization des sciences. Paris: Éditions du Seil, 1991. 291 p.

RAMOS, Marcos Gonçalves. Divulgação da informação científica em energia


nuclear - ideologia, discurso e linguagem. Orientadora: Lena Vania
Ribeiro Pinheiro. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1992. Dissertação
(mestrado em Ciência da Informação). 139 p.

REIS, José. Professor José Reis: um divulgador da ciência. Ciência Hoje, Rio
de Janeiro: Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, v. 1., n. 1, p.
77-78, jul.-ago./1982.
155

ROQUEPLO, Philippe. La partage du savoir. Paris: Éditions du Seuil, 1974.


256 p.

ROQUETTE-PINTO, Edgard, O cinema educativo no Brasil, Revista da


Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Letras, vol. 68, ano 43, p. 278-281, jul.-dez./1944.

____________. Conceito Atual da vida. Rio de Janeiro: Livraria Scientifica


Brasileira, 1922. 51 p.

____________. Ensaios Brasilianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional,


s/d. 239 p.

____________. Rondônia. 6ª ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional,


1975. 285 p.

____________. Seixos rolados. Rio de Janeiro: Edição de Sussekind &


Mendonça, Machado & Cia, 1927. 336 p.

RUBLESCKI, Anelise. Jornalismo científico; o dia-a-dia das redações -


Estudo de caso dos jornais O Globo e JB. Orientadora: Heloisa Tardin
Christovão. Rio de Janeiro: IBICT-ECO/UFRJ, 1993. Dissertação (mestrado
em Ciência da Informação). 141 p.

SÁ, Magali Romero, DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. O Museu Nacional e o


ensino de ciências naturais no Brasil no século XIX. Revista da Sociedade
Brasileira de História da Ciência, n. 15, p. 79-87, jan./jun. 1996.

SALGADO, Alvaro. A radiodifusão educativa no Brasil. Rio de Janeiro:


Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documentação, 1946. 119 p.

SANT'ANNA, Vanya. Ciência e Sociedade no Brasil. São Paulo: Edições


Símbolo, 1978. 148 p.
156

SERRANO, Jonathas, VENANCIO FILHO, Francisco. Cinema e Educação. São


Paulo: Comp. Melhoramentos de São Paulo, 1930. 159 p.

SILVA, Maria Beatriz Nizza. O pensamento científico no Brasil na segunda


metade do século XVIII. Ciência e Cultura, São Paulo: Sociedade Brasileira
para o Progresso da Ciência, vol. 40, n. 9, p. 859-868. set./1988.

SCHWARTZMAN, Simon. A cozinha na ciência. Ciência Hoje, Rio de Janeiro:


Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 13, n. 77, p. 2, out.-
nov./1991.

____________. Formação da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo:


Editora Nacional, 1979. 481 p.

TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da Engenharia no Brasil (séculos


XVI a XIX). Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1984.
510 p.

THUILLIER, Pierre. O contexto cultural da ciência. Ciência Hoje, Rio de Janeiro:


Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, vol. 9, n. 50, p.18-23,
janeiro/fevereiro 1989.

VERNEY, Luís António. Verdadeiro Método de Estudar, edição organizada por


António Salgado Jr., Lisboa: Editora Lisboa, 1949. vol. 3. 306 p.

VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Henrique Morize e o Observatório


Nacional. Rio de Janeiro: Observatório Nacional, 1997. 19 p.

VIDEIRA, Antonio Augusto Passos, MOREIRA, Ildeu de Castro, MASSARANI,


Luisa. Einstein no Brasil: O relato da visita pela imprensa da época, Rio
de Janeiro: Observatório Nacional, 1995. 31 p.

ZALUAR, Augusto Emílio. O Doutor Benignus. Rio de Janeiro: Editora da


UFRJ, 1994.376 p.
157

Periódicos

Annaes da Academia Brasileira de Sciencias, Rio de Janeiro: Academia


Brasileira de Ciências - tomo II, n. 2, 30/jun./1930.

Boletim da ABE, Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação - ano I,


n. 1, set./1925; n. 2, nov./1925; n. 3, jan./1926; ano II, n. 4, abr./1926; n. 5,
maio/1926; n. 6, jul./1926; n. 7, set.-out/1927; n. 8, nov.-dez./1926; ano III, n. 9,
jan.-fev./1927; n. 10, março-abr./1927; n. 11, maio-jun./1927; ano IV, n. 12,
ago./1928; ano V, n. 13, maio/1929.

Electron, Rio de Janeiro: Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, ano I, n. 1,


1/fev./1926; n. 2, 16/fev./1926; n. 3, 1/mar./1926; n. 4, 16/mar./1926; n. 5,
1/abr./1926; n. 6, 20/abr./1926; n. 7, 1/maio/1926; n. 8, 16/maio/1926; n. 9,
1/jun./1926; n. 10, 16/jun./1926; n. 11, 1/jul./1926; n. 11, 12, 13, 1/ago./1926; n.
14, 16/ago./1926; n. 15, 1/set./1926; n. 16, 16/set./1926; n. 17, 1/out./1926; n.
18, 16/out./1926; n. 19, 1/nov./1926; n. 20, 16/nov./1926; n. 21, 1/dez./1926; n.
22, 16/dez./1926.

Eu sei tudo, Rio de Janeiro: Editora Americana - edições referentes a 1919


(ano III, n. 26, jul./1919, até n. 31, dez./1919), 1920 (ano III, n. 32, jan./1920, até
n. 36. maio/1920; ano IV, n. 37, jun./1920, até n. 43 dez./1920), 1921 (ano IV, n.
44, jan./1921, até n. 49, jun./1921; ano V, n. 50, jul./1921, até n. 55, dez./1921),
1922 (ano V, n. 56, jan./1922, até n. 60, jun./1922; ano VI, n. 62, jul./1922, até n.
67, dez./1922), 1923 (ano VI, n. 68, jan./23, até n. 73, jun./1923), 1924 (ano VII,
n. 80, jan./1925, até n. 84, maio/1924; ano VIII, n. 85, jun./1924, até n. 91,
dez./1924), 1925 (ano VIII, n. 92, jan./1925, até n. 96, maio/1925; ano XIX, n. 97,
jun./1925, até n. 102, nov./1925).

Mensário Bibliográfico - Publicação da Livraria Scientífica Brasileira, Rio de


Janeiro: Livraria Scientífica Brasileira, ano 1, 25 nov./1923.

O Jornal, 12/nov./1919, 19/mar./1922, 02/abr./1922; 22-23/mar./1925; 4-


12/maio/1925; 23/ago./1928; 5/dez./1928.

O Guanabara, Rio de Janeiro: - tomo III, n. 1, março/1855.


158

Radio, Rio de Janeiro: Rádio Sociedade, ano I, n. 1, 15/out/1923; n. 2,


1/nov./1923; n. 3, 15/nov./1923; n. 4, 1/dez./1923; n. 5, 15/dez./1923; n. 6,
1/jan./1924; n. 7, 15/jan./1924; n. 8, 1/fev./1924; n. 9, 15/fev./1924; n. 10,
1/mar./1924; n. 11, 15/mar./1924; n. 12, 1/abr./1924; n. 13, 15/abr./1924; n. 14,
1/maio/1924; n. 15, 15/maio/1924; n. 16, 1/jun./1924; n. 16, 15/jun./1924; n. 18,
1/jul./1924; n. 19, 15/jul/1924; n. 21, 15/ago./1924; n. 22, 1/set./1924; n. 23,
15/set./1924; n. 24, 1/out/1924; n. 26, 1/nov./1924; ano III, n. 57, mar./1926.

Radiocultura, Rio de Janeiro, n. 17, ano 2, 15/out./1929.

Revista Brazileira - Jornal de Sciencias, Letras e Artes, Rio de Janeiro:


Typographia Universal de Laemmert, vol. 1, 1857 ao vol. 4, 1860.

Revista Brazileira (segunda fase) - vol. 1, 1879; vol. 2, 1880.

Revista da Sociedade Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro: Sociedade


Brasileira de Ciências, n. 1, 1917; n. 2, 1918; n. 3, 1919.

Revista de Sciencias, Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Ciências,


ano IV, n. 1, jan-fev./1920; n. 2, mar.-abr./1920; n. 3, maio-jun../1920; n. 4,5,6,
jul.dez./1920, V ano, 1921 (complemento)228; ano VI, jan.-dez, 1929229.

Revista do Observatório, Rio de Janeiro: Imperial Observatório do Rio de


Janeiro, todas as edições de 1886 a 1891.

Revista do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Livraria Serafim Jose Alves, vol.
1 e 2, 1876.

Sciencia e Educação, Rio de Janeiro: Typ. B. de Souza Carmo, ano I, n. 1,


fev./1929; n. 2, mar./1929; n. 3, abr./1929; n. 4, maio./1929; n. 5, jun./1929; n. 6,
jul./1929.

228
Saíram em um mesmo fascículos as edições de n. 4, 5, 6 (jul.dez./1920) e o
complemento referente a V ano, 1921.

229
O número da edição não está visível no fascículo.
159

Sciencia para o povo, Rio de Janeiro, n. 1 ao 20, ano I, 1881.230

Relacionamos a seguir as bibliotecas e os arquivos que consultamos para


recolher o material documental (jornais, revistas, artigos, ilustrações, informações
sobre programação de rádio, manuscritos e livros de divulgação científica e fotos
de época) usado na dissertação.

Bibliotecas consultadas na pesquisa:

Biblioteca do Museu Nacional, Biblioteca Nacional, Biblioteca de Obras


Raras ou Antigas do Centro de Tecnologia/Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Biblioteca do Jardim Botânico, Biblioteca do Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro, Biblioteca do Clube de Engenharia, Biblioteca da Academia Brasileira
de Ciências, Real Gabinete Português de Leitura, Biblioteca do Instituto de
Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Biblioteca do Centro Brasileiro de Pesquisas
Físicas (CBPF), Biblioteca da Associação Brasileira de Imprensa.

Acervos:

Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), Associação Brasileira de


Educação, arquivo dos cientistas considerados (Morize – está no Mast – e
Amoroso Costa – parte está no MAST, parte com a família e parte com Ildeu de
Castro Moreira), Arquivo e Museu da Escola de Engenharia, Academia Brasileira
de Ciências, Arquivo Nacional, Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro.

230
As edições não trazem a identificação do dia e mês de cada uma das
edições.
160

ANEXOS:

ANEXO 1:

"A VULGARIZAÇÃO DO SABER"231, DE MIGUEL OZORIO DE ALMEIDA


As coleções de livros de vulgarização científica se multiplicam. As
conferências e cursos públicos sobre as questões mais árduas e difíceis
destinadas a por ao alcance de todo o mundo noções ou conhecimentos que
eram o apanágio de grupos limitados de especialistas, secundam e completam a
tarefa que visam executar as edições populares.
Tudo isso demonstra que o público em geral tem sua atenção despertada
para as coisas do saber e aspira participar do movimento incessante das idéias, e
compreender, pelo menos em suas linhas essenciais, as bases dos grandes fatos
científicios e a essência das principais leis naturais. Essa aspiração é sem dúvida
nobilitante. Será ela útil? Poderá ela ser satisfeita? Que resultados advirão de
uma cultura popular mais extensa, e, o que é fundamental, até que ponto poderão
os homens de ciência corresponder a esse apelo coletivo? Enfim, terá a ciência
alguma coisa a ganhar com esse movimento?
Difícil seria responder de um modo cabal a todas essas perguntas. Esses
problemas já têm sido discutidos por sábios e filósofos e as conclusões são, em
geral, contraditórias. Alguns não escondem o seu ceticismo e não crêem na
possibilidade de reduzir a termos suficientemente elementares os resultados
complexos de pesquisas científicas, para a compreensão dos quais é necessária
uma longa preparação.
É esse ceticismo que, conquanto não expressamente declarado,
transparece do prefácio escrito por E. Meyerson para a Collection Fontenelle,
dirigida por Salomon Reinach e Georges Urbain, que se iniciou recentemente com
um volume intitulado Deux Heures de Mathématiques.
O grande público conhece de sobra o nome de Salomon Reinach,
historiador, arqueólogo, crítico de arte e filólogo. Georges Urbain, menos
conhecido, é uma figura interessante e complexa de sábio, que a uma

231
OZORIO DE ALMEIRA, Miguel. A vulgarização do saber. Rio de Janeiro:
Ariel Editora Ltda., 1931. p. 229-240.
161

competência das mais especializadas em alguns ramos da Química, acrescenta


uma vasta erudição científica e uma sólida cultura artística. Os que admiram suas
pesquisas aprofundadas sobre os complexos não ficariam pouco surpreendidos
ao saberem que é dele um livro Le tombeau d’Aristoxène, onde é analisada toda a
estrutura da música, desde a antiguidade até os nossos dias, e onde ele mostra
como certos modos musicais, ainda deixados de lado, constituem reservas quase
inesgotáveis para essa arte, que atravessa agora uma crise de renovação. Mais
admirados ainda ficariam se soubessem que Urbain não se limita a estudos
teóricos sobre música, mas compõe ele próprio.
Emille Meyerson é hoje dos mais autorizados e profundos pensadores da
França. Seus volumes sobre a explicação das ciências, A Dedução Relativista,
Identidade e Realidade, revelam esforço de erudição e capacidade de meditação
absolutamentes raros. O ideal dos homens de ciência em todas as épocas, as
tendências de cada escola, desde os grandes filósofos da Grécia, até os físicos
relativistas atuais, foram por ele postos em evidência em um trabalho longo e
penetrante. Certamente, a soma de conhecimentos por ele adquirida, a
possibilidade de ter presente à memória uma tão larga messe de resultados, e a
necessidade essencial de seu espírito, de ver além dos fatos e leis das ciências
positivas os métodos empregados para descobrí-los e as tentativas abortadas ou
perdidas, feitas sem sucesso, tudo isso concorre para a atitude de ceticismo a
que acima nos referíamos.
Aliás, em um de seus volumes anteriores (La déduction rélativiste)
Meyerson tinha apresentado idéias semelhantes, ao verificar o insucesso de
todas as tentativas feitas para expor a teoria da relatividade ao alcance de todos.
Quando se anunciou que Einstein havia revolucionado as concepções clássicas
do espaço e do tempo, houve uma emoção muito maior nos meios não científicos
que entre os físicos de profissão. Poucas pessoas, dentre as que mais curiosas
se mostravam das novas idéias, seriam capazes de dizer o que havia de
essencial nas concepções clássicas do espaço e do tempo. Isso não importava. A
ameaça contra esses conceitos despertava um interesse análogo ao que haveria
se se propalasse que as pirâmides do Egito estavam em vésperas de desabar. Os
que nunca viram as pirâmides e muito pouca probabilidade teriam de vê-las um
dia, sem dúvida se mostrariam mais apreensivos que os demais.
Diante desse anseio geral por saber como se criava a nova ordem de idéias,
de todos os lados se tentou esse tour de force: expor a relatividade na linguagem
162

mais simples compreensível à massa dos homens de instrução média. Uma


revista chegou a por o tema em concurso. Nada foi possível fazer, e na opinião de
todos, os trabalhos escritos com esse fim, inclusive o do próprio Einstein,
falharam por completo.
Esse insucesso, entretanto, tem sua explicação fácil. A teoria da relatividade
exige para ser compreendida a posse de noções muito elevadas de matemática,
por vezes mesmo inteiramente fora da cultura clássica dos matemáticos de
profissão. É impossível, quase sempre, apresentar em linguagem profana um
raciocínio que só pode ser assimilado com o auxílio de um simbolismo próprio.
Meyerson soube por esse ponto bem em evidência. A linguagem comum, a que é
utilizada para a vida de todos os dias, tem suas raízes profundas no senso
comum. A matemática, como a filosofia, recorre a conceitos, dependentes, em
certos casos, de uma espécie de senso diferente, e que assim não se adaptam às
condições precárias da língua habitual. Dá-se aqui, segundo Meyerson, o que se
observa em um grau muito menor com as traduções literais. A passagem de
certas expressões, que correspondem à mentalidade profunda peculiar a um
povo, e que representam exatamente o seu modo de sentir, não pode ser feita
convenientemente para outras línguas, que se mostram assim deficientes. A
tradução em linguagem vulgar de concepções matemáticas encontra diante de si
uma dificuldade desse gênero, mas em proporções muito maiores. Ela terá que
ser forçosamente incompleta e defeituosa. Para bem compreender a literatura de
um povo, é necessário conhecer a sua língua. Um dos argumentos fundamentais
dos partidários do estudo do grego e do latim é mesmo esse, que a essência do
pensamento dos gregos e dos romanos, formando a origem de nossa cultura, só
pode ser assimilada por quem seja capaz de lê-los nos textos originais. Para bem
acompanhar os raciocínios dos matemáticos é, a fortiori, indispensável
compreender a linguagem que eles empregam.
Sem dúvida, neste ponto particular, o acordo não será difícil. As
matemáticas e todas as questões científicas com que elas têm relações muito
íntimas, como a maior parte das teorias da Física e da Cosmogonia, parecem
condenadas a permanecerem por muito tempo ainda em um certo isolamento.
Elas só serão acessíveis a certos iniciados e a certos privilegiados.
As ciências, porém, se distinguem umas de outras pelo modo por que elas
são estudadas. Se algumas põem em trabalho as capacidades superiores do
raciocínio, e se para abordá-las com proveito é preciso desenvolver ao mais alto
163

grau o poder de abstração, afastando-se, como observou Meyerson, do senso


comum, outras não exigem mais do que as qualidades bem equilibradas dos
homens médios. Os seus resultados podem muitas vezes ser isolados, expostos
de um modo suficientemente claro, em palavras simples de uma linguagem muito
próxima da linguagem cotidiana. Além disso, é indispensável distinguir aqui o
trabalho do homem de ciência que porfia por descobrir fatos novos, do esforço
relativamente pequeno daquele que apenas quer compreender o essencial de um
fenômeno. Chegar a evidenciar fenômenos até então desconhecidos, ou
demonstrar relações até então não suspeitadas de fenômenos já anteriormente
descritos, é sempre tarefa complexa, ao alcance só dos espíritos preparados por
dons naturais e por uma cultura especializada. Em muitos casos, porém, uma vez
descobertos esses fenômenos, nenhuma dificuldade existe em expô-los.
As ciências naturais apresentam inúmeras questões que estão nesses
casos. Mesmo algumas das grandes concepções orientadoras que se encontram
na base dessas ciências podem ser explicadas com sucesso a profanos. Todo o
mundo compreende em seus pontos essenciais a teoria da evolução ou a
natureza microbiana das doenças infecciosas. Ao leigo não interessa, nem é
necessário saber a minúcia técnica e sim apenas as grandes linhas essenciais de
um conjunto importante de conhecimentos.
A utilidade de por o grande público a par do movimento científico tem
parecido duvidosa a muitos espíritos. O receio dos perigos que oferece a "meia
ciência" é uma das principais objeções levantadas. Entretanto, esses perigos são
mais imaginários que reais. Uma instrução popular bem orientada é feita de modo
tal que não deixa dúvidas sobre a competência efetiva dos que a adquiriram. Não
é difícil instruir sem deixar ilusão sobre os limites desse saber e sobre as
possibilidades exatas que ele confere. Por outro lado, a vida moderna está cada
vez mais dependente da ciência e cada vez mais impregnada dela. Não são só as
pessoas cujas profissões reconhecidamente têm uma base científica, como a
Medicina ou a Engenharia, que têm interesse em estar mais ou menos em
permanente contato com diferentes ciências. Hoje, todas as indústrias, a
agricultura e um grande número de outras profissões sofrem uma evolução
rápida, devido à introdução dos métodos e processos científicos. A técnica
moderna evolui para um estado racional, muito mais preciso e de rendimento
muito maior. A difusão científica traria como resultado a familiaridade de todos
164

com as coisas da ciência, e sobretudo uma confiança proveitosa nos métodos


científicos, uma consciência esclarecida dos serviços que estes podem prestar.
Poder-se-ia concorrer para destruir esse estado de espírito, que considera o
saber quase um luxo, e a ciência como um domínio à parte, teórico e abstrato,
sem pontos de contato com a vida real.
A ciência estuda os fenômenos naturais e suas relações recíprocas, tratando
de conhecer as suas leis do modo mais apropiado possível. É ela que faculta o
homem o poder de modificar um certo número de fenômenos, ou de criar as
condições de aparecimento de outros, aumentando sua ação sobre o meio que o
cerca. É ela que estuda o próprio homem estabelecendo as condições ótimas em
que seu organismo pode viver. A melhoria das condições de vida é assim uma
conseqüência natural do aumento e aperfeiçoamento dos conhecimentos
científicos. Em princípio, pois, uma vida complexa, cheia, bem organizada é
inseparável de uma ciência adiantada e poderosa. É claro que cada pessoa,
mesmo se dedicando exclusivamente ao estudo, só pode adquirir competência de
valor efetivo, em um campo estreito dos conhecimentos. Com a extensão da
ciência, a especialização, ao menos temporária, é uma necessidade. Mas é
preciso que todos, dentro dos limites possíveis, sejam esclarecidos sobre o
auxílio, sobre os serviços que a ciência é capaz de prestar em todos os atos e em
todos os momentos da vida comum. Essa noção que parece tão elementar aos
que possuem alguma cultura científica é entretanto inexistente ou muito vaga, às
vezes mesmo nos meios que são, sob outros pontos de vista, altamente
cultivados. A vulgarização científica bem conduzida tem, pois, por fim real, mais
esclarecer do que instruir minuciosamente sobre este ou aquele ponto em
particular. Mantendo constantemente a maioria das inteligências em contato com
a ciência, ela virá criar um estado de espírito mais receptível e mais apto a
compreender. Ela se destina mais a preparar uma mentalidade coletiva, do que
realmente a difundir conhecimentos isolados. No dia em que a maioria dos
homens estiver impregnada da verdadeira significação dos fins da ciência e tiver
compreendido um pouco da essência dos métodos científicos e, em um passo
mais adiantado ainda, souber se aproveitar um pouco das vantagens que a
cultura científica confere, pela precisão que empresta ao raciocínio e pelo respeito
à verdade, além de outras qualidades morais que desenvolve, a humanidade terá
dado um grande passo.
165

A utilidade da vulgarização científica, assim praticada, não me parece, pois,


discutível. É fato que alguns inconvenientes podem resultar de uma difusão larga
da ciência. Muitas vezes criam-se mal entendidos penosos. A ciência progride e
evolui constantemente. Os conhecimentos alargam-se e modificam-se. A um
conhecimento com um determinado grau de aproximação substitui-se outro mais
aproximado ainda, quando o aperfeiçoamento da técnica de pesquisa o permite.
As descoberta de fatos novos obrigam a modificar as concepções gerais
orientadoras do pensamento. Isso tudo dá aos que observam superficialmente o
progresso da ciência uma impressão de instabilidade, de insegurança, por vezes
desalentadora. De quando em vez, em altos brados, proclama-se a falência da
ciência, e talvez disso tudo pudesse resultar um certo descrédito. Não há aqui,
porém, nenhum risco de mal entendido quando tudo isso é claramente definido e
quando se substituem as opiniões erradas sobre os fins da ciência por uma
concepção sadia e correta de uma marcha e dos seus objetivos.
A ciência, por seu lado, só tem a lucrar com uma vulgarização bem feita.
Suas necessidades são cada vez maiores e se na maioria dos países elas são
desprezadas, e a cultura da ciência sofre um atraso considerável, isto é bem um
indício que as classes dirigentes e os povos, em geral, estão longe de bem julgar
esses problemas. Quando se trata de questões simples em que as relações de
causa e efeito são bem evidentes e ao alcance de todos, as dificuldades
desaparecem. Oswaldo Cruz mostrou que o conhecimentos das leis científicas
exatas sobre a transmissão da febre amarela é indispensável para a
exterminação dessa doença. Não lhe foi difícil obter em seguida meios para um
grande instituto de pesquisas sobre patologia experimental. Ninguém discutiu
essa utilidade, tão brilhante havia sido a demonstração que, por força das
circunstâncias, era essencialmente popular. Quando se trata, porém, de relações
menos imediatas entre os progressos científicos e o bem de toda a coletividade,
as dificuldades crescem. É lícito, entretanto, esperar que aqui como no outro caso
se trate exclusivamente de uma questão de compreensão geral, e essa
compreensão só pode vir depois de uma larga difusão de conhecimentos
científicos.
Essa difusão pode também exercer um papel importante no despertar de
novas vocações. O contato constante com as coisas da ciência aguça a
curiosidade e revela tendências que poderiam de outro modo permanecer para
sempre ocultas.
166

Meyerson nos diz duas palavras sobre as dificuldades da vulgarização e


sobre a forma especial de talento que precisam ter os vulgarizadores. Neste ponto
estamos de acordo. Nem sempre o grande gênio inventivo, ou a excepcional
capacidade de homem de ciência pura, se casam com a forma de inteligência
mais adequada para o trabalho de vulgarização. Este requer uma grande
capacidade de clareza, a possibilidade de despertar o interesse e de aplainar as
dificuldades, que não se obtem sem esforço e paciência. É preciso não esquecer,
porém, que esse esforço pode ser vantajoso mesmo para o grande sábio. Lord
Kelvin declarou uma vez que o preparo de suas conferências populares muito
concorria para o aperfeiçoamento de suas concepções. Como se vê, apesar do
pessimismo de E. Meyerson, a tarefa de uma vulgarização científica mais intensa
e bem orientada seria digna de tentar muitas inteligências, que se aplicariam
assim a um trabalho útil e proveitoso.

ANEXO 2:

LIVROS E ARTIGOS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ESCRITOS POR


AMOROSO COSTA, MORIZE, ROQUETTE-PINTO E MIGUEL OZORIO DE
ALMEIDA

MANOEL AMOROSO COSTA

1. "Conferência sobre Otto de Alencar" Revista Didática da Escola


Politécnica, n. 13, 1918, p. 3-24, e publicada em separata, Editora Leuzinger,
1918.

2. "A evidência em matemática", Revista Didática da Escola Politécnica, n.


17, 1919, p. 65-69.

3. "A teoria de Einstein", O Jornal, ano 1, n. 149, 12/nov./1919.

4. "A filosofia matemática de Poincaré", Revista de Sciencias, n. 4, 1920, p.


106-111.

5. "À margem da teoria de Einstein I - O espaço, o tempo e a realidade", O


Jornal, ano IV, n. 971, 19/3/1922.
167

6. "À margem da teoria de Einstein II - A relatividade do espaço e do


tempo", O Jornal, ano IV, n. 983, 2/abr./1922.

7. "Émile Borel", O Jornal, ano IV, n. 1119, 8/ago./1922.

8. "Bergson e a Relatividade", O Jornal, ano IV, n. 1157, 22/out/1922.

9. "O problema da ciência", O Jornal, ano IV, n. 1181, 19/nov./1922.

10. "A teoria da Relatividade. Esboço histórico", Revista Brasileira de


Engenharia, ano II, tomo III, n. 5, 1922, p. 181-183.

11. "As duas imensidades", O Jornal, ano V, n. 1241, 28/jan./1923, e ano V,


n. 1265, 25/fev./1923.

12. "Pela ciência pura", O Jornal, ano V, n. 1343, 27/maio/1923.

13. "Pascal geômetra", O Jornal, ano V, n. 1363, 20/jun./1923.

14. Kant e as ciências exatas, em Immanuel Kant - Festa comemorativa do


bicentenário realizada no Rio de Janeiro, Editora Canton & Beyer, Rio de
Janeiro, 1924. p. 19-28.

15. Nota sobre a hipótese dos deslocamentos continentais de Wegener,


trabalho apresentado na sessão da Academia Brasileira de Ciências de
14/jun./1927. Reproduzido em Boletim da Sociedade Brasileira de História da
Ciência, n. 10, 1991, p. 6-7.

16. "Uma obra de cultura", O Jornal, 23/ago./1928.

17. "Um poeta e a ciência", O Imparcial, 16/dez./1928.

18. As idéias fundamentais da matemática, Rio de Janeiro: Pimenta de


Melo, 1929. Edições posteriores: a) As idéias fundamentais da matemática e
outros ensaios, apresentação de Miguel Reale, São Paulo: Grijalbo/EDUSP,
1971); b) As idéias fundamentais da matemática e outros ensaios, introdução de
Arthur Gerhardt Santos, Lélio Gama e Antônio Paim, Editora Convívio/EDUSP,
São Paulo, 1981.
168

19. As universidades e a pesquisa científica, em O problema universitário


brasileiro - Inquérito promovido pela Seção de Ensino Técnico e Superior da
Associação Brasileira de Educação, A Encadernadora S.A, Rio de Janeiro, 1929.

20. "O ensino de Astronomia na Escola Politécnica", Revista Didática da


Escola Politécnica, n. 36, 1930, p. 9-14.

HENRIQUE MORIZE

1. "A telegrafia sem fio", Revista da Escola Polytechnica, 1897, p. 185-189.

“O estado da Astrofísica no começo do século XX”. Seminário de Literatura,


Arte, Sciencia e Industria, Rio de Janeiro, v. 2, maio 1905.

2. “Terremotos”, Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1/jan./1909.

3. “O Cometa de Halley”, Jornal do Commercio, 6/fev./1910.

4. “Notas comentárias”, Jornal do Commercio, 11/abr./1910.

5. “O brilho do Cometa de Halley”, Jornal do Commercio, 27/abr./1910.

6. “O Cometa de Halley”, Jornal do Commercio, 18/maio/1910.

7. “A transmissão da hora”, Jornal do Commercio, 24/set./1910.

8. “Observatório Nacional do Rio de Janeiro”, Jornal do Commercio,


23/nov./1911.

9. “A Sociedade Brasileira de Sciencias”, Revista da Sociedade Brasileira


de Sciencias, ano 1, n. 1, jan./1917, p. 3-10.

10. “O Balão do Observatório e a hora legal”, A Noite, 6/dez./1918.

11. Como se prevê o tempo, conferência foi realizada na sala de Escola


Politécnica do Rio de Janeiro no dia 4/out./1917 e publicada na Revista Didática
da Escola Politécnica, n. 12, 1918, p. 9-14.
169

12. “Um grande benfeitor da instrução pública”, Revista de Sciencias, vol.


4, n. 1, 1920, p. 28-29.

13. “Cometa Pons Winneake”, Correio da Manhã, 17/jun./1921.

14. “Contribuição ao estudo do clima do Brasil”, Dicionário histórico,


geográfico e etnográfico do Brasil, IHGB, Imprensa nacional, Rio de Janeiro,
1922.

15. "Os terremotos e sua origem", Radio, ano 1, n. 9, 15/fev./1924.

16. "Aparelho automático para a recepção de sinal S.O.S, Radio, n. 23,


15/set./1924, p. 9.

17. "A produção de ouro extraído do mercúrio", Radio, n. 23, 15/set./1924,


p. 38-39.

18. “Algumas observações sobre o trabalho do Rev. Padre Geraldo


Pauwells, S.J., Revista de Sciencias, ano I, n. 1, 1926, p. 9-13.

19. Observatório Astronômico - Um século de história (1827-1927),


Coleção Documentos da História da Ciência, MAST/Salamandra, Rio de Janeiro,
1987.

Morize escreveu também várias notas e artigos curtos sobre astronomia,


mas de caráter geral, que apareceram na Revista do Observatório, entre 1886-
1890. Na década de 20, foi responsável pela maior parte da seção "Notas e
informações", da Revista da Sociedade Brasileira de Sciencias, que sintetizava
as novidades científicas publicadas nas revistas estrangeiras, nos anos de 1918
e 1919. 232

232
Revista da Sociedade Brasileira de Sciencias n. 2, p. 157-169, 1918; n. 3, p.
239-257, 1919.
170

EDGARD ROQUETTE-PINTO233

1. "Um problema de Antropologia aplicada", Jornal do Commercio, Rio de


Janeiro, 1914.

2. Aborígenes e Etnógrafos. Anais da Biblioteca Nacional, vol. V, Rio de


Janeiro, 1916.

2. "O Brasil e a Antropogeografia", Revista do Brasil, dezembro/1916.


3. Elementos de mineralogia, breve tratado escrito para suas alunas da
Escola Normal, 1919.
4. "A questão das raças em Versailles", O imparcial, Rio de Janeiro, 1918.
5. "Etnografia sertaneja", O imparcial, Rio de Janeiro, jun./1918.

6. "O pioneiro", O imparcial, Rio de Janeiro, jun./1918.

7. "A paz e a antropogeografia", A Epoca, Rio de Janeiro, 1919.

8. "Rondon", A Epoca, Rio de Janeiro, 1919.

9. Conceito atual de vida, Rio de Janeiro: Livraria Científica Brasileira,


1922.
10. "A radiotelephonia, escola do porvir", Radio, ano 1, n. 18, 1/jul./1924.
11. "O nosso aniversario", Radio, ano 1, n. 24, 1/out./1924.
12. "Rádio Educação do Brasil", Radio, ano 3, n. 57, mar./1926. p. 11-12.
13. Seixos rolados. Rio de Janeiro: Edição de Sussekind & Mendonça,
Machado & Cia, 1927.

14. Ensaios Brasilianos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, s/d.

233
As referências incompletas foram extraídas da Revista Radio, ano 1, n.19,
15/jul/1924, p. 12 e LINS, Álvaro. Discurso de posse na Academia Brasileira
(Estudo sobre Roquette-Pinto). Rio de Janeiro: Serviço de Documentação -
MEC, 1956.
171

15. "A História Natural dos Pequeninos", Revista do Museu Nacional, ano I,
n. 1, ago./1944.

16. "O cinema educativo no Brasil", Revista da Academia Brasileira de


Letras, vol. 68, ano 43, jul.-dez./1944, p. 278-281.

MIGUEL OZORIO DE ALMEIDA

1. A mentalidade científica brasileira. Livraria Científica Brasileira, Rio de


Janeiro, 1922.
2. Homens e coisas de ciência. Editora Monteiro Lobato, São Paulo, 1925.
3. A vulgarização do saber. Ariel Editora Ltda., Rio de Janeiro, 1931.
4. Ensaios, críticas e perfis. F. Briguiete & Cia., Rio de Janeiro, 1938.

ANEXO 3:

CONFERÊNCIAS E CURSOS PATROCINADOS PELA ASSOCIAÇÃO


BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO

Neste item vamos apresentar a lista dos cursos e conferências que foram
realizadas nos anos de 1926, 1927 e 1928, patrocinadas pela Associação
Brasileira de Educação. A listagem inclui também a programação para 1929.

1926

Cursos:

1) Manoel Amoroso Costa (Escola Politécnica e Academia Brasileira de


Ciências), As idéias fundamentais da matemática, 10 conferências.

2) Edgard Roquette-Pinto (Museu Nacional), Antropologia, 10 conferências.


172

3) Euzébio de Oliveira (diretor do Serviço Mineralógico e Geológico do


Brasil e Academia Brasileira de Ciências), A geologia histórica do Brasil, 6
conferências seguidas de outra sobre o petróleo no Brasil.

4) Everardo Backheuser (Escola Politécnica e Academia Brasileira de


Ciências), A estrutura geopolítica do Brasil, 6 conferências.

5) Tobias Moscoso (diretor da Escola Politécnica), As teorias do


crescimento da população, 3 conferências.

6) Maurício Joppert (Escola Politécnica e Academia Brasileira de Ciências),


Estudo teórico e prático das bombas centrífugas, 12 conferências.

7) Fernando Magalhães (Faculdade de Medicina, presidente da ABE),


Elementos de fisiologia médica, 3 conferências.

8) Sampaio Correia (Escola Politécnica e senador da República), As


possibilidades econômicas da aviação no Brasil, 3 conferências.

9) Lafayette Pereira (Faculdade de Medicina), Física.

10) Carneiro Felippe (Instituto Oswaldo Cruz), Físico-química.

1927

Cursos:

1) Álvaro Ozorio de Almeida (Faculdade de Medicina), Estudos sobre o


metabolismo, 4 conferências.

2) Ferdinando Labouriau (Escola Politécnica), A siderurgia, 12


conferências.

3) Dulcídio Pereira (Escola Politécnica e Escola Normal), A física e a vida


moderna, 6 conferências.

4) Euzébio de Oliveira (Serviço Geológico e Mineralógico), Geologia do


petróleo, 8 conferências.
173

5) Manoel Amoroso Costa (Escola Politécnica e Academia Brasileira de


Ciências), As geometrias não-euclidianas, 4 conferências.

6) Alix Lemos (Observatório Nacional), Marés e problemas correlativos, 2


conferências.

7) Miguel Ozorio de Almeida (Insituto Oswaldo Cruz e Escola Superior de


Agricultura), A regulação nervosa da respiração, 4 conferências.

8) Ignácio Azevedo do Amaral (Escola Naval, Escola Politécnica e Escola


Normal), Sobre a indeterminação em matemática, 3 conferências.

9) Pedro A. Cardoso, Filosofia da história, 8 conferências.

10) Fernando de Magalhães (Faculdade de Medicina), Elementos de


Filosofia Médica, 3 conferências.

Palestras:

1) E. Roquette-Pinto (Museu Nacional), A função educadora dos museus.

2) Tristão de Athayde, O problema social e o distributivismo.

3) J. A. Padberg Drenkpol (Museu Nacional), A aurora da arte humana.

4) A. J. de Sampaio (Museu Nacional), As florestas brasileiras.

5) Alberto Childe (Museu Nacional), O Mediterrâneo Oriental e a Ilha de


Creta.

6) Heloísa A. Torres (Museu Nacional), Migrações na América.

7) Hahneman Guimarães (C. Pedro II), Estudos sobre a métrica latina.

8) Paulo de Castro Maya, A evolução moderna da idéia de democracia.

9) Manoel Amoroso Costa (Escola Politécnica e Academia Brasileira de


Ciências), A estrutura e a evolução do mundo sideral.
174

10) C. Mello Leitão, Os companheiros do homem.

11) Álvaro Ozorio de Almeida (Faculdade de Medicina e Museu Nacional),


A organização universitária e as Faculdades Superiores de Ciências e de Letras.

1928

Cursos:

1) Gustavo Barroso (Diretor do Museu Histórico), O Folclore, 2


conferências.

2) Gal. Moreira Guimarães (Sociedade de Geografia), A moral científica, 4


conferências.

3) Adrien Delpech (Colégio Pedro II), Le moyen-age et son expression


litteraire en France, 6 conferências.

4) Mario de Britto (Escola Politécnica e Academia Brasileira de Ciências),


As modernas teorias da química, 4 conferências.

5) Abraão Izecksohn (Escola Politécnica), Termodinâmica, 6 conferências.

6) Jerônimo Monteiro Filho (Escola Politécnica e EFCB), Alguns aspectos


das vias de comunicação no Brasil, 3 conferências.

7) André Dreyfus (Faculdade de Medicina de SP), Hereditariedade, 8


conferências.

8) F. Labouriau (Escola Politécnica e Academia Brasileira de Ciências),


Camille et Lucile Desmoulins, 8 conferências.

9) Manoel Amoroso Costa (Escola Politécnica e Academia Brasileira de


Ciências), As geometrias não-arquimedianas, 4 conferências.

Palestras:
175

1) Miguel Ozorio de Almeida (Instituto Oswaldo Cruz e Escola Superior de


Agricultura), O otimismo de Metchnikoff.

2) Vicente Licínio Cardoso (Escola Politécnica), À margem da história do


Brasil.

3) Euzébio de Oliveira (Diretor do Serviço Geográfico e Academia Brasileira


de Ciências), O que faz o serviço geológico.

4) Amaury de Medeiros (Faculdade de Medicina), Fisionomia das árvores.

5) Othon H. Leonardos (Escola Politécnica), As pedras preciosas


brasileiras.

6) J. A. Padberg Drenkpol (Museu Nacional), A idade do gênero humano.

7) Álvaro Ozorio de Almeida (Faculdade de Medicina e Museu Nacional), O


problema universitário.

8) M. Caullery (Institut de France), É a sexualidade indispensável para a


reprodução?

9) P. Rivet (Musée de Paris), A origem do homem e A conquista da força


motriz animal pelo homem.

10) P. Langevin (Collège de France), A origem da energia solar e Ultrasons


e suas aplicações.

1929 (programados)

1) Álvaro Ozorio de Almeida (Faculdade de Medicina e Academia Brasileira


de Ciências), O problema universitário.

2) Adalberto Menezes de Oliveira (Escola Naval e Academia Brasileira de


Ciências) - Auroras polares, 1 conferência; A alta atmosfera, 1 conferência.

3) Raymundo Lopes (Museu Nacional), Gonçalves Dias e a raça


americana, 1 conferência.
176

4) Mello Leitão (Museu Nacional e Academia Brasileira de Ciências), Os


animais na religião, 1 conferência; O transformismo, 3 conferências.

5) A. Childe (Museu Nacional e Academia Brasileira de Ciências), Os


perfumes na Antiguidade, 1 conferência; Disseminação do nome do cão na
América, 1 conferência.

6) Aggripino Grieco, Lima Barreto, 1 conferência; Raul de Leoni, 1


conferência; D’Annunzio, 1 conferência.

7) Julio Cesar Diogo (Museu Nacional), O ciclo do carbono na natureza, 1


conferência.

8) Olegario Marianno (Academia Brasileira de Letras), Poesia sertaneja, 1


conferência.

9) Carneiro Felipe (Instituto Oswaldo Cruz e Academia Brasileira de


Ciências), O pH, 2 conferências.

10) Ruy de Lima e Silva (Escola Politécnica e Academia Brasileira de


Ciências), Riquezas minerais brasileiras, 5 conferências.

11) Fróes da Fonseca (Museu Nacional), Mitologia nórdica, 1 conferência.

12) J. A. Padberg Drenkpol (Museu Nacional), A idade do gênero humano,


1 conferência.

13) O. B. do Couto e Silva (Faculdade de Medicina), Questões sociais na


América, 1 conferência.

14) Ronald de Carvalho, Estética, 2 conferências.

15) Mario Saraiva (Instituto de Química e Academia Brasileira de Ciências),


Atmosfera gasosa e seu aproveitamento, 1 conferência.

16) Heloisa Alberto Torres (Museu Nacional), Cerâmica de Marajó, 1


conferência.

17) Alfredo Schaeffer (Escola de Engenharia de Belo Horizonte),


Possibilidades da química farmacêutica no Brasil, 1 conferência.
177

18) José Marianno Filho (Sociedade Brasileira de Urbanismo), Urbanismo,


2 conferências.

19) Alberto Betim Paes Leme (Museu Nacional, Escola Politécnica e


Academia Brasileira de Ciências), Contribuições à teoria do deslocamento dos
continentes, 4 conferências.

20) Euzébio de Oliveira (Diretor do Serviço Geológico), O que realizou o


Serviço Geológico na Amazônia, 1 conferência.

21) Licínio de Almeida (Escola Politécnica da Bahia), Os recifes coralinos


da Bahia, 1 conferência.

22) Sylvio Fróes de Abreu (Sociedade de Geografia), Antropogeografia do


Maranhão, 1 conferência.

23) Fernando de Magalhães (Faculdade de Medicina, presidente de


Academia Brasileira de Letras), Eugenia, 7 conferências.

24) Dulcídio Pereira (Escola Politécnica), Física do descontínuo, 4


conferências.

25) Aurélio de Menezes (Escola Politécnica da Bahia), Resolução na carta


dos problemas do céu, 1 conferência.

Você também pode gostar