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Autos n° *************

Ação: Ação Penal - Tóxicos/Especial

Autor: Ministério Público Estadual

Denunciado: K P A

Vistos, etc.

1. Trato de ação penal proposta pelo Ministério Público em face de K P A, imputando a este a
seguinte conduta: "Na manhã do dia 22 de maio de 2009, por volta das 10h30min, no
conhecido Morro da N. D., nesta Comarca, após o recebimento de denúncia anônima dando
conta que o denunciado K. P. A, conhecido no meio policial pela prática contínua do crime de
tráfico de entorpecentes, teria recebido grande quantidade de drogas e que as teria escondido
num matagal existente atrás de sua casa, policiais do serviço de inteligência da Polícia Militar
dirigiram-se atá a sua residência, localizada na Rua General. n.XX, Morro da N. D., centro
desta Capital, para averiguações das informações. Chegando ao local, franqueada a entrada
dos policiais, esses lograram encontrar inicialmente, dentro da residência, 01 cigarro artesanal
(0,8 gramas) e 02 porções de maconha (54,6 gramas). Ato contínuo, realizada uma vistoria no
matagal existente atrás da residência de K, lograram os policiais apreender duas mochilas,
uma contendo 08 porções grandes de maconha (9.751,6 gramas) e outra contendo 07 porções
menores de maconha (742,3 gramas), todas embaladas em plástico incolor e em fita adesiva
bege, as quais o denunciado mantinha em depósito para fins de comercialização, fornecimento
e distribuição aos usuários e outros traficantes do Morro da N D, juntamente com três facas e
um rolo de fita adesiva bege, tudo sem autorização legal e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar. As substâncias apreendidas foram submetidas ao exame de
constatação, verificando se tratar ao todo cerca de 10,550Kg (dez quilos e quinhentos e
cinquenta gramas) da erva  Cannabis sativa Lineu, popularmente conhecida como maconha,
que tem o seu comércio e uso proscritos em todo o Território Nacional, nos termos da Portaria
n. 344/98, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, atualizada pela
RDC n. 7/2009." Em assim agindo, estaria incurso nas sanções do art. 33,  caput, da Lei n.
11.343/06.

Certificados os registros (f. 46-52). Notificado preliminarmente (f.71), apresentou defesa e


arrolou testemunhas (f. 57-58). A denúncia foi recebida (f. 65). Durante a instrução foi colhida
prova testemunha e interrogado o acusado (f. 76-85). Atualizados os antecedentes (f. 86-93).
Em alegações finais o representante do Ministério Público requereu a condenação do acusado
(f. 95-101). A defesa, por seu turno, em preliminar, requereu fosse analisada laboratorialmente
se há diferença entre a droga apreendida na casa do acusado e a encontrada pela polícia.
Asseverou que o acusado usa droga e que o crime é o do art. 28 da Lei n. 11.343/06.
Impugnou a maneira como a ação policial foi realizada, bem assim que foi forjada a entrada
com a contaminação do amealhado depois. Trabalhou as declarações dos policiais e requereu
a absolvição do acusado.

É o breve relatório.

1. A decisão no processo penal não é ato de conhecimento, mas sim de compreensão, em que
os sujeitos incidentes, no evento semântico denominado sentença, realizam uma fusão de
horizontes, para usar a gramática de Gadamer. Neste contexto, diante da apresentação de
uma hipótese fático-descritiva pela acusação, procede-se a um debate em contraditório, entre
partes, nos quais os ônus são compartilhados. O resultado da produção válida de significantes
será composta em uma decisão judicial, a qual não se assemelha, nem de longe, ao mito
ultrapassado da verdade real. A verdade real é empulhação ideológica que serve para
"acalmar" a consciência de acusadores e julgadores. O que existe é a produção de
significantes e uma decisão no tempo e espaço. As únicas garantias existentes são: a) um
processo como procedimento em contraditório; b) processo acusatório, entre partes, sem
atividade probatória do juiz, com as garantias constitucionais (presunção de inocência, etc.; c)
decisão fundamentada por parte dos órgãos julgadores. A legitimidade desta decisão decorre,
também e fundamentalmente, da sua concordância com a Constituição (MORAIS DA ROSA,
Alexandre. Decisão Penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006).

2. Destaque-se, por básico, que a pseudo-prova produzida no 'Inquérito Policial' somente pode
servir para análise da condição da ação (GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice. Justa Causa
no Processo Penal: Conceito e Natureza Jurídica. In: BONATO, Gilson (Org.). Garantias
Constitucionais e Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 199-200), ou seja, dos
elementos necessários para o juízo de admissibilidade positivo da ação penal. No mais, não há
qualquer possibilidade de valoração democrática, no Processo Penal constitucionalizado, por
ser ela desprovida das garantias processuais. A recente reforma do CPP, dando nova redação
ao art. 155, ao indicar a possibilidade de seu uso é flagrantemente inconstitucional (MORAIS
DA ROSA, Alexandre; SILVEIRA FILHO, Sylvio Lourenço da. Para um Processo Penal
Democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 83-97; BARROS, Flaviane de Magalhães.
(RE)Forma do Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 23-27; GIACOMOLLI, Nereu
José. Reformas (?) Do Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008)23-36). É que
quando de sua produção ainda não existia acusação formalizada, despreza o defensor – além
de alguns ainda negarem a publicidade dos atos, embora sumulada a situação – e, ademais,
viola a garantia de que seja produzida em face de juiz imparcial, sob contraditório (PIZA,
Evandro. Dançando no escuro: apontamentos sobre a obra de Alessandro Baratta, o sistema
penal e a justiça. In: ANDRADE, Vera Regina Pereira de (Org.). Verso e reverso do controle
penal: (des) aprisionando a sociedade da cultura punitiva. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2002, p. 106-108.). Decorrência direta do princípio da publicidade é a conclusão de somente as
provas produzidas (significantes) em face do contraditório é que podem ser levadas em
consideração nos debates e também na decisão judicial. Os elementos indiciários não devem
adentrar validamente no debate porque, por evidente, não havia acusação quando colhida,
violando, dentre outros, o princípio da publicidade. Logo, as declarações prestadas naquele
momento são – para se utilizar o estatuto probatório italiano, perfeitamente aplicável ao
brasileiro –, absolutamente inutilizáveis, conforme lição de Paolo Tonini (A prova no processo
penal italiano. Trad. Alexandra Martins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 76): "O
termo inutilizabilidade descreve dois aspectos do mesmo fenômeno. Por um lado, indica o
'vício' que pode conter um ato ou um documento; por outro lado, ilustra o 'regime jurídico' ao
qual o ato viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como fundamento
de uma decisão do juiz. A inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a característica de
atingir não o ato em si mas o seu 'valor probatório'. O ato pode ser válido do ponto de vista
formal (por exemplo, não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial,
pois a inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja, servir de
fundamento para a decisão do juiz." No Processo Penal democrático, o conteúdo do Inquérito
Policial está maculado pela ausência de contraditório, sendo utilizável exclusivamente para
análise das questões prévias (condições da ação e pressupostos processuais aplicáveis –
MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de. A natureza cautelar da decisão de arquivamento do
Inquérito Policial. In: Revista de Processo, São Paulo, n. 70, p. 49-58, 1993.). Enfim, é
absolutamente antidemocrática a utilização dos elementos do Inquérito Policial para efeito de
condenar o acusado. Claro que se for consultar Damásio, Mirabete e Capez, todos dirão da
validade, pois ainda não fizeram o giro democrático que a Constituição de 1988 preconiza!

3. O pleito preliminar da defesa no sentido de que seja periciada a droga apreendida é de ser
rejeitado por ter sido realizado a destempo, ou seja, não pode a defesa esperar o final da
instrução para, em alegações finais, reabrir a discussão. Sua tese deveria ser ventilada na
audiência de instrução e julgamento. Sabe-se, ademais, que as provas acompanham uma
lógica e, no caso, já se passou o momento do requerimento.

4. A Materialidade consta dos autos (f. 14, 16-17 e 62-63), mas a apreensão foi
inconstitucional. Explico.
5. A função do Poder Judiciário é o de garantir Direitos Fundamentais do sujeito em face do
Estado, a saber, as intervenções na esfera privada somente se justificam se houver uma
relevância coletiva e, no caso de investigações criminais, os fundamentos precisam ser firmes.
Por isto, para se investigar alguém, numa democracia, não se pode iniciar com o "denuncismo
anônimo" contemporâneo em que a polícia recebe a denúncia anônima e se dá por satisfeita.
Tanto assim que agora se fomenta programas "covardes" como o do "Informante Cidadão". É
preciso que as investigações aconteçam no limite da legalidade. O processo da inquisição
acontecia com testemunhas sem rosto, sem face, sem nome, num denuncismo sem limites.
Para isto a Constituição da República em vigor há mais de VINTE ANOS, estabeleceu
claramente no art. 5º, IV: "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato." Paulo Rangel (A Linguagem pelo Avesso: a Denúncia Anônima como causa
(i)legitimadora da Instauração de Investigação Criminal: Inconstitucionalidade e
Irracionalidade. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo (orgs). Processo Penal e Democracia. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 477-494), promotor de Justiça no Rio de Janeiro, sem aceitar
investigar a qualquer preço, pontua: "Pensamos que autoridade que determinar a instauração
do procedimento criminal ou administrativo, tendo como base a denúncia anônima, ficaria
sujeita, em tese, à responsabilidade criminal, nos exatos limites do art. 339 do CP. O
denunciante anônimo se esconde atrás das vestes da impunidade, pois, se sua denúncia for
falsa, ele não será responsabilizado. (...) O 'denunciado' tem o direito de demonstrar os
motivos pelos quais quem o denuncia o faz: vingança, perseguição política, inveja, despeito,
falta do que fazer etc. Sendo anônima a denúncia, não há como reagir contra o denunciante.
Ele fica refém."  Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa.Processo Penal. v. 1.
São Paulo: Saraiva, 1997, p. 218) sustenta: "se o nosso CP erigiu à categoria de crime a
conduta de todo aquele que dá causa à instauração de investigação policial ou de processo
judicial contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente, como poderiam os
'denunciados' chamar à responsabilidade o autor da delatio criminis, se esta pudesse ser
anônima? A vingar entendimento diverso, será muito cômodo para os salteadores da honra
alheia vomitarem, na calada da noite, à porta das Delegacias, seus informes pérfidos e
ignominiosos, de maneira atrevida, seguros, absolutamente seguros da impunidade. Se se
admitisse a  delatio  anônima, à semelhança do que ocorria em Veneza, ao tempo da  inquisitio
extraordinem, quando se permitia ao povo jogasse nas famosas 'Bocas dos Leões' suas
denúncias anônimas, seus escritos apócrifos, a sociedade viveria em constante sobressalto,
uma vez que qualquer do povo poderia sofrer o vexame de uma injusta, absurda e inverídica
delação, por mero capricho, ódio, vingança ou qualquer outro sentimento subalterno." Decidiu-
se no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: "INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DENÚNCIA
ANÔNIMA.: Trata-se de habeas corpus em que se busca o trancamento de inquérito policial
instaurado contra o paciente, visto que tal procedimento iniciou-se com a interceptação
telefônica fundada exclusivamente em denúncia anônima. A Turma, por maioria, entendeu que,
embora apta para justificar a instauração do inquérito policial, a denúncia anônima não é
suficiente a ensejar a quebra de sigilo telefônico (art. 2º, I, da Lei n. 9.296/1996).  A delação
apócrifa não constitui elemento de prova sobre a autoria delitiva, ainda que indiciária; é
mera notícia vinda de pessoa sem nenhum compromisso com a veracidade do conteúdo
de suas informações, haja vista que a falta de identificação inviabiliza, inclusive, a sua
responsabilização pela prática de denunciação caluniosa (art. 339 do CP).  Assim, as
gravações levadas a efeito contra o paciente, por terem sido produzidas mediante
interceptação telefônica autorizada em desconformidade com os requisitos legais, bem como
todas as demais provas delas decorrentes, abrangidas em razão da teoria dos frutos da árvore
envenenada, adotada pelo STF, são ilícitas e, conforme o disposto no art. 5º, LVI, da CF/1988,
inadmissíveis para embasar eventual juízo de condenação. Contudo, entendeu-se que é
temerário fulminar o inquérito policial tão-somente em virtude da ilicitude da primeira diligência
realizada. Isso porque, no transcurso do inquérito, é possível que tenha ocorrido a coleta de
alguma prova nova e independente levada por pessoa estranha, ou seja, sem conhecimento do
teor das escutas telefônicas. Realizar a correlação das provas posteriormente produzidas com
aquela que constitui a raiz viciada implica dilação probatória inviável em sede de habeas
corpus e a autoridade policial pode recomeçar as averiguações por outra linha de investigação,
independente da que motivou a instauração do inquérito, ou seja, a denúncia anônima, tendo
em vista que o procedimento ainda não foi encerrado, quer por indiciamento quer por
arquivamento. Com esses fundamentos, concedeu-se parcialmente a ordem de habeas corpus.
Precedentes citados do STF: Pet-AgR 2.805-DF, DJ 13/11/2002; RHC 90.376-RJ, DJ
18/05/2007; do STJ: HC 44.649-SP, DJ 8/10/2007; HC 38.093-AM, DJ 17/12/2004, e HC
67.433-RJ, DJ 7/5/2007." (HC 64.096-PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em
27/5/2008).

6. Assim é que a denúncia anônima não pode ser tida, a priori, como verdade, nem justifica
qualquer medida direta pela autoridade policial que não a investigação preliminar e, se for o
caso, requerer-se ao Juízo competente, o respectivo mandado de busca e apreensão,
apresentando-se as investigações preliminares. Claro que se verificar alguma das hipóteses do
art. 302, I ou II, do CPP, estará autorizada a agir. Mas esta ação precisa estar autorizada
anteriormente, ou seja, o flagrante não pode ser pressuposto, mas deve estar posto, a saber,
não se pode achar que há droga e se adentrar. É preciso que a droga tenha sido vista
anteriormente ou sua entrega ou mesmo a venda, situação diversa da presente.

7. Com efeito, o policial J, (f. 79-80) afirma que recebeu uma ligação anônima em seu celular,
sem que indique quem fez a denúncia, nem mesmo o número de telefone, dizendo que havia
chegado droga no morro, na casa do acusado, indicando-se, ademais, o local onde estaria
escondida e, como já conheciam o acusado, foram até a sua casa, acompanhado dos policiais
Alessandro e Luciano. Ainda que haja controvérsia sobre quem teria batido na porta da casa do
acusado, já que J. diz que acha que foi A., enquanto este diz que foi L., este último que
confirmou ter batido na porta da casa do acusado, em nenhum momento havia evidências de
tráfico que autorizasse a entrada na residência. Assim é que a atuação policial foi abusiva e
inconstitucional, por violação do domicílio do acusado. Embora seja uma prática rotineira a
violação da casa de pessoas pobres, porque a polícia não entra assim em moradores da Beira-
Mar, não se pode continuar tolerando a arbitrariedade. Desde há muito se sabe – e os policiais
não podem desconhecer a lei – que não se pode entrar na casa de ninguém – pobre ou rico –
sem mandado judicial, salvo na hipótese de flagrante próprio, o qual não existe com denúncia
anônima. Nem se diga que depois se verificou o flagrante porque quando ele se deu já havia
contaminação pela entrada inconstitucional no domicílio. Luis Gustavo Grandinetti Castanho
de Carvalho (Processo Penal e Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 92) aponta: "Em conclusão, só é possível o ingresso em
domicílio alheio nas circunstâncias seguintes: à noite ou de dia, sem mandado judicial, em
caso de flagrante próprio (CPP, art. 302, I e II), desastre ou prestação de socorro; e durante o
dia, com mandado judicial, em todas as outras hipóteses de flagrante (CPP, art. 302, III e IV).
Reconheço que a falta de estrutura do sistema investigatório brasileiro, tornando inviável o
contato próximo e a tempo com a autoridade judiciária, possa fazer com que o entendimento
exposto se transforme em mais um entrave burocrático à persecução penal. Não é essa a
intenção, mas não se pode aceitar que a doutrina fique à mercê da boa-vontade dos
governantes para dotarem a polícia dos recursos técnicos e humanos necessários para o
desempenho da função." Assim é que não se pode tolerar violações de Direitos Fundamentais
em nome do resultado, pois pelo mesmo argumento seria legítima a "tortura", a qual, no fundo
não é tão diferente da ação iniciada exclusivamente por "denúncia anônima", à margem da
legalidade e com franca violação dos Direitos Fundamentais. Perceba-se que a coisa é tão
grave que a droga foi encontrada, por certo, conforme a denúncia, fora da casa do acusado,
ainda que na sua propriedade, mas em lugar aberto, sem cercas, no meio do mato. Qualquer
um agora pode plantar droga em quem quiser e depois ligar para polícia denunciando
anonimamente o depósito de drogas no terreno e a polícia, sem mais, vai até o local, sem
mandado, e prende o proprietário. Não dá para tolerar isto!

8. Claro que o argumento seguinte é: mas o proprietário autorizou a entrada! Será que alguém
acredita mesmo que o acusado autorizou? Não há verossimilhança, ainda mais com a
constante acolhimento jurisdicional desta prática, mormente em se tratando de crime
permanente, como de tráfico. Até porque o acusado em seu interrogatório negou a autorização,
não existe nada escrito, nem testemunha. A prevalecer esta lógica, a garantia do cidadão resta
fenecida. Ana Maria Campos Tôrres (A busca e apreensão e o devido processo. Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p. 153-154) sustenta: "Ora, sabendo que alguém tem em depósito
drogas, vende droga, ou outras situações de permanência é que pode, conforme a
Constituição, penetrar em domicílio sem o consentimento do morador. Sabe, logo tem indícios
que permitam solicitar ao juiz o mandado, imprescindível contra o abuso. Não basta a mera
desconfiança, pois corre o risco de responder por descumprimento da lei, logo, impossível
considerar válida a apreensão nesses casos, sem ordem judicial. Seria, como o é de fato, fazer
vista grossa aos abusos policiais (..) Como entender urgente o que se protrai no tempo? É
possível, graças à presença diuturna do judiciário guardião da lei, requerer e ser atendido em
pouco tempo, o direito constitucionalmente previsto de entrar em domicílio. A facilidade do
arguir-se urgência é forma espúria de desconhecer direitos, é subterfúgio para o
exercício de força, é descumprimento do dever de acatar as diretrizes políticas
assumidas pelo Estado. Impossível legalizar o ilícito.  Deve, nestes crimes chamados
permanentes, especificamente por durarem, não se reconhecer a urgência do flagrante próprio,
pois nem se evita sua consumação, nem se impede maiores consequências, e, sobretudo,
arrisca-se sequer determinar a autoria, interesse maior nesses casos. O argumento de
urgência deve fundamentar pedido à autoridade judiciária, inclusive, modos legais de
realização. Nada impede o respeito à intimidade nessa hipótese. (...) No caso do flagrante em
crime permanente, vê-se com muita frequência não só o descumprimento da lei, mais que isto,
um caminho perigoso a permitir retornem as más autoridade o modelo inquisitorial, buscando
provar a qualquer custo, não se preocupando com mais nada, senão com a punição pela
punição."

9. Por tais razões, diante das condições em que a droga foi apreendida, em decorrência de
ilegal denúncia anônima, bem assim a atuação dos policiais sem mandado judicial, declaro
ilegal a prova obtida por tal ação, implicando, pois, na ilegalidade da apreensão da droga e, por
via de consequência, da ausência de materialidade.

10. Mesmo que superada esta questão – insuperável – tenho que diante do local onde a droga
foi apreendida, fora da residência do acusado, sem cerca no terreno, por denúncia anônima,
bem assim que a droga apreendida diverge da encontrada na casa do acusado, conforme foto
de f. 17, restaria evidenciada a dúvida quanto a autoria.

Por tais razões, JULGO IMPROCEDENTE a denúncia de f. II-IV, para o fim de absolver o


acusado K P A, devidamente qualificado, da imputação que lhe é feita ( art. 33,  caput, da Lei n.
11.343/06), nos termos do art. 386, II, do CPP. Sem custas.

Expeça-se alvará de soltura se por al não estiver preso.

P. R. I.

Transitada em julgado, dê-se a destinação legal à droga apreendida, bem assim aos demais
bens que não não tiveram pedido de restituição.

Florianópolis (SC), 26 de agosto de 2009.

Alexandre Morais da Rosa

Juiz de Direito

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