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 Quem frequenta os espaços midiáticos digitais certamente já se

deparou com as expressões “fake news” e “pós-verdade”, fenômeno que


permeia especialmente as tão populares mídias sociais e atinge o
jornalismo. Estas expressões são, contundo, termos sofisticados
para definir uma prática muita própria do ser humano: a mentira.
 Do Whatsapp ao Facebook, do Twitter ao Youtube, para citar os mais
populares, o processo é simples: alguém produz e divulga uma
mentira na internet, geralmente no formato de notícia para criar
mais veracidade, valendo-se até mesmo de dados científicos
adaptados.
 Ela é debatida nos espaços das mídias sociais. Torna-se algo
reconhecido, com caráter de sabedoria e verdade. Quando a mentira é
revelada, há diferentes posturas, que vamos discutir adiante (quem
é esse nós).
 Uma das maiores questões que envolvem este fenômeno dos nossos
tempos é: por que os indivíduos (ELES) acreditam e ainda divulgam e
consolidam as mentiras da internet? Uma das respostas está na
psicologia social (patologização dos corpos). Ainda que
(ELES)constatem a mentira, não abrem mão, pois ela é coerente com
seu jeito de pensar, de agir, de estar no mundo, ou lhe traz alguma
compensação, conforto.
 Isto é o que se chama “dissonância cognitiva”. Ela acontece quando
indivíduos têm necessidade de estabelecer uma coerência entre suas
cognições (seus conhecimentos, suas opiniões, suas crenças), que
acreditam ser o certo, com o que se apresenta como opção de
comportamento ou de pensamento.
 Para superar a dissonância, e buscar consonância, há duas atitudes:
aceitar o que é oferecido e refletir no que deve ser mudado ou
rejeitar a opção em nome do que pensam ser “o certo”.
 E é aqui que se situa a perspectiva da religião e como os grupos
religiosos, especificamente os conservadores, estão propensos não
só a assimilar as notícias e ideias mentirosas que circulam pela
internet, coerentes com suas crenças, mas a propaga-la, seguir a
“evangelização”, espalhando estas notícias e ideias para que
convertam gente ao mesmo propósito.
 Não são apenas conservadores que propagam mentiras. Como dito
acima, a disseminação de falsidades ocorre entre diferentes grupos
ideológicos, intensificando polarizações. Grupos cristãos
conservadores parecem, no entanto, ser os mais propensos à
propagação, por conta de maior exposição à “dissonância cognitiva”.
 Tais grupos são interpelados pelas transformações sociais e
políticas que colocam em xeque boa parte de suas convicções
alimentadas por uma leitura descontextualizada da fé, e,
consequentemente, do mundo.
 As notícias e ideias falsas disseminadas por cristãos conservadores
são muitas, mas o maior destaque tem sido aquelas relacionadas à
chamada “ideologia de gênero”, que pode ser classificada como a
mais bem sucedida concepção falsa criada no âmbito religioso.
 Surgida no ambiente católico e abraçado por grupos evangélicos
distintos, o termo trata de forma pejorativa a categoria científica
“gênero” e as lutas por justiça de gênero, atrelando-as ao
termo “ideologia”, no sentido banalizado de “ideia que manipula,
que cria ilusão”.
 A “ideologia de gênero” nesta lógica, é apresentada como uma
técnica “marxista”, utilizada por grupos de esquerda, com vistas à
destruição da “família tradicional”.
 É fato que qualquer tema que levante o assunto “sexo” e
“sexualidade” mexe com o imaginário dos cristãos e provoca muitas
emoções (tratei disto no artigo “Por que os evangélicos só pensam
em sexo?”). É de se considerar também que nos últimos anos, o
contexto político brasileiro ressuscitou e realimentou o velho
temor do comunismo e do marxismo. Como a maioria nunca leu uma
linha das teorias de Karl Marx, vai acreditar nos irmãos de fé que
falam de novas técnicas de escravização de mentes.
 É fato ainda que os avanços nas políticas que garantem mais
direitos às mulheres e aos LGTBs e mais participação deles no
espaço público causam desconforto às convicções e crenças de grupos
que defendem, por meio de leituras religiosas, a submissão das
mulheres e a cura dos LGBTs.
 Por isso, para estes grupos, não adianta o trabalho das agências de
pesquisa e dos sites que promovem a checagem de informações.
 Não adianta que interlocutores, pacientemente, tentem mostrar que o
que se divulga é mentira. Isto porque, como vimos aqui, o que
sustenta este processo de crença nas mentiras não é apenas a
ignorância, mas o fato de que a audiência acredita no que escolhe
acreditar.
 Quando um grupo se identifica com mentiras, mesmo que elas sejam
demolidas em nome da ética e da justiça, permanece com elas e as
defende de qualquer jeito. Não importa que seja mentira, a
falsidade não é apagada dos espaços virtuais e continua a ser
reproduzida.
 Mais: aquele que desmascarou a notícia ou a ideia, que pode ser um
familiar, amigo ou irmão na fé, chega a ser objeto de
desqualificação e rancor.
 Resta-nos então apelar para a fé e a conversão dos disseminadores
de mentiras pela internet. Ainda mais nos tempos eleitorais que
virão por aí.
 Dos tantos textos da Bíblia cristã que desaprovam quem propaga
falsidades e trazem dura condenação ao pecado da mentira, registro
aqui um trecho dos Provérbios, com um chamado à consciência: “Seis
coisas aborrecem Deus, e a sétima a sua alma abomina: olhos
altivos, língua mentirosa, mãos que derramam sangue inocente,
coração que trama projetos iníquos, pés que se apressam a correr
para o mal, testemunha falsa que profere mentiras e o que semeia
contendas entre irmãos” (Provérbios 6. 16-19).

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