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III Encontro Nacional de Estudos da Imagem

03 a 06 de maio de 2011 - Londrina - PR

CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA A COMPREENSÃO DO CINEMA: A


TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VIGOTSKI (1896-1934) E A TEORIA
CRÍTICA DE W. BENJAMIN (1892-1940).

Rafael Egidio Leal e Silva


(Universidade Estadual de Maringá / Programa de Pós-graduação em Psicologia).
Endereço eletrônico: lealesilva@gmail.com.

Eixo temático: História e Cinema (10).

O objetivo deste artigo é analisar as teorias acerca da arte e da estética do russo L. S. Vigotski
(1896-1934) e do alemão Walter Benjamin (1892-1940), e, permitir que possamos debater a
contribuição de tais teorias para compreendermos o significado histórico do cinema enquanto
arte, de acordo com materialismo dialético. Desta forma, questionamos duas teorias que, a
partir do marxismo, buscaram compreender o século XX, acerca dos rumos do capitalismo e
de seus aspectos ideológicos, na alienação da humanidade, e até mesmo na estética e na arte e
sua relação com a sociedade e sua influência na humanização ou na desumanização das
massas, trabalhadoras ou marginalizadas. A sociedade contemporânea, ocidental, urbana e
capitalista o adotou como uma de suas formas de arte mais massificadas, através da ideologia
do progresso científico e tecnológico, o que nos permite observar que a obra cinematográfica
é um eficiente retrato da nossa época, onde o homem é instigado a todo tempo a se colocar em
movimento, a fim de alienar-se cada vez mais de si mesmo, mas que, contraditoriamente, é
apenas através do movimento que o mesmo homem tem a possibilidade de se libertar e se
universalizar, tendo a arte papel fundamental neste processo. Através de recorte teórico,
analisaremos a Psicologia da arte de Vigotski. A teoria de Benjamin considerava o cinema
como potencialmente revolucionário, por possibilitar às massas um instrumento de renovação.
Considerando que a arte, como a ciência, constitui-se como uma forma mais desenvolvida de
conhecimento produzida pelo homem, ela pode nos ensinar a ver e a ouvir, e também a
refletir, fazendo avançar a nossa humanidade.

Palavras-chave: Cinema. Liev S.Vigotski. Walter Benjamin.

O objetivo deste artigo é analisar as teorias acerca da arte e da estética do russo


L. S. Vigotski (1896-1934) e do alemão Walter Benjamin (1892-1940), e, permitir que
possamos debater a contribuição de tais teorias para compreendermos o significado histórico
do cinema enquanto arte, de acordo com materialismo dialético. Este texto tem origem nas
discussões e desenvolvimento da dissertação de Mestrado intitulada provisoriamente
“Homem ou máquina? A constituição do sujeito contemporâneo nos filmes de ficção
científica através das lentes da Teoria Histórico-cultural”, desenvolvida no âmbito do
Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, orientada
pela professora Doutora Silvana Calvo Tuleski.

O presente texto tem como problema a exposição e o questionamento de duas


visões acerca do cinema, amparadas pela visão marxista, e com tais visões podem contribuir

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para os rumos do atual debate acerca do papel da arte em nossa sociedade. As teorias de
Benjamin e Vigotski buscaram compreender o século XX, acerca dos rumos do capitalismo e
de seus aspectos ideológicos, na alienação da humanidade, e até mesmo na estética e na arte e
sua relação com a sociedade e sua influência na humanização ou na desumanização das
massas, trabalhadoras ou marginalizadas. No entanto, o contexto social e cultural que cada um
vivenciara e até mesmo os objetivos que cada um se propunha com o marxismo implicou em
ideias próprias em relação à arte e à estética e sociedade.

A sociedade contemporânea, ocidental, urbana e capitalista o adotou como uma


de suas formas de arte mais massificadas, através da ideologia do progresso científico e
tecnológico, o que nos permite observar que a obra cinematográfica é um eficiente retrato da
nossa época, onde o homem é instigado a todo tempo a se colocar em movimento, a fim de
alienar-se cada vez mais de si mesmo, mas que, contraditoriamente, é apenas através do
movimento que o mesmo homem tem a possibilidade de se libertar e se universalizar, tendo a
arte como fundamental neste processo, ao permitir que o homem entre em contato com outras
culturas e linguagens além de lhe permitir uma infinidade de leituras acerca do real. Ao
mesmo tempo, ao se colocar na posição de mero consumidor e expectador, sem compreender
o movimento histórico e social de que toma parte, o homem cada vez mais se movimenta para
a alienação. O movimento é uma das ideias essenciais para entendermos a modernidade, e tal
movimento, que já foi medido através das engrenagens das máquinas da Revolução Industrial,
hoje está na velocidade vertiginosa dos mega, giga e terabytes de informação que podemos
absorver, seja no trabalho, seja na forma de entretenimento virtual – e visual – de nossos dias.
De acordo com Oliveira:

Isso faz dos filmes um ótimo material para análise da cultura e também para
a compreensão da história da ciência. Seja através da reconstrução do
passado ou do futuro do pretérito, os filmes nos possibilitam re-visitar os
eventos ocorridos ou imaginados. (OLIVEIRA, 2006, 135).

Temos nos filmes, assim, uma fonte bastante e rica para a compreensão da
constituição do sujeito contemporâneo e de sua subjetividade. Na transição do século XX para
o século XXI, temos vivenciado uma série de problemas advindos do modo como a sociedade
encontra-se estruturada em classes antagônicas e sua repercussão na constituição dos
indivíduos, já apontado por Sennet (2001) e Mészáros (2003). Vivemos, portanto, numa época
marcada por transformações profundas e contraditórias. Pessoas são excluídas do mercado de
trabalho e ficam à deriva, à margem da economia, sem acesso às condições humanas

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essenciais. Temos também um crescente acesso ao mundo televisivo, inclusive pelas camadas
mais baixas da população, mas este “mundo” é controlado por interesses de grandes redes de
telecomunicações que determinam o que e de que maneira é passada a programação.

O russo Lev. S. Vigotski tem como pano de fundo de sua obra a Revolução
Russa de 1917 e a implantação do regime socialista, como uma pretensa superação do
capitalismo. Muito se discutiu acerca do estado da Rússia czarista na época, pois era, na
verdade, um estado com características muito mais feudais que modernas ou até mesmo
capitalistas. No entanto, com a formação de um regime socialista, a partir das teses de Karl
Marx (1818-1883), Vigotski liderou um grupo de pesquisa que tinha por escopo:

(...) levar as velhas mentes (de psicólogos, professores, pais, etc.) a se


depararem com novos fundamentos. Num contexto de superação do
capitalismo – que agonizava sob o czarismo – e ante a necessidade de
suprimir a propriedade privada e a hegemonia do privado das mentes e da
prática social, o que era social e coletivo deveria ser tomado sob nova
valoração: a coletividade deveria ser o mote de todas as relações sociais.
(FACCI, BARROCO & LEONARDO, 2009, p. 109).

Entendemos que a subjetividade humana e sua forma de entendimento, seja


pela arte, seja pela ciência, não pode ser realmente compreendida em sua forma “abstrata”, ou
seja, destituída de sua materialidade histórica e social que a produz pela ação dos homens,
igualmente seres históricos e sociais. O homem deve ser compreendido a partir de sua
produção material, ou seja, a produção dos meios necessários para sua manutenção no mundo,
e não mais como o produto do mundo.

A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que


eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o
que eles produzem quanto com a maneira como produzem. O que os
indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção.
(ENGELS & MARX, 2002, p. 11)

O pensamento marxiano conclui, assim, que cada época resulta na


configuração de um determinado tipo de homem. No entanto, a história é dinâmica, refletida
nas necessidades dos homens, que produzem os meios de satisfazê-las, e na formação de
classes sociais, que, pela divergência de interesses e pela oposição na forma de produzir a
realidade, estão em verdadeira luta – a luta de classes. No capitalismo temos como classes a
burguesia e o proletariado, que encontram no capital a forma de produção de riquezas e,

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portanto, de suas vidas. A burguesia, proprietária dos meios de produção, mantém o


proletariado alienado de sua existência, através da exploração do trabalho pela mais valia e
pela formação de uma ideologia que mantenha esse sistema de exploração. A ideologia está
presente na vida cotidiana do homem, seja na divisão entre trabalho intelectual e manual,
entre ciência e senso comum, na arte das elites e na arte de massas. O desvendamento de tais
mecanismos é função do cientista humano comprometido com a libertação das amarras da
humanidade, o que só é possível através do método histórico e dialético, pois, tal libertação
apenas acontecerá quando o homem, livre da alienação, enxergar-se produtor de sua própria
existência. Desta forma, a investigação que une o cinema e a Psicologia em torno da Teoria
Histórico-Cultural é um desafio, pois o cinema é, na maior parte das vezes, entendido
desvinculado de suas bases históricas, apenas como forma de entretenimento, ou, quando
objeto de estudos acadêmicos, como expressão da imaginação artística humana produzido por
gênios da indústria cultural. Os filmes são considerados como mera imaginação desvinculada
de profundas raízes históricas. Concordamos com Noma ao dizer que:

Evidentemente, não estamos presumindo que um filme tem a capacidade de


abordar, de lançar um olhar sobre a totalidade da vida social. O olhar
produzido pelo cinema é uma construção de uma determinada visão de
mundo acerca de algumas dimensões do social. Desde a sua gênese, ele
implica numa série infinita de escolhas, revelando sempre o ponto de vista
que a equipe envolvida na produção (diretor, atores, roteirista, produtor, etc)
tem sobre a temática abordada. O que interessa para nosso trabalho é que
independentemente do tratamento dado ao tema, os filmes sempre lançam
mão de e revelam dimensões da consciência coletiva que é produto social da
experiência de viver no meio urbano, mesmo quando seu objetivo é a crítica
e a rejeição. A grande força do cinema advém do fato dele ser um dos meios
que permitem aos sujeitos sociais expressarem, registrarem e conhecerem
melhor a sua realidade. (NOMA, 1998, p. 20).

Vigotski lançou assim as bases para a Teoria Histórico-cultural, cuja


compreensão da psicologia e da subjetividade humana tem como causa a historicidade das
relações humanas, da divisão do trabalho, da não-distribuição da riqueza produzida por este
trabalho e da divisão da sociedade em classes que impõe à classe trabalhadora a alienação.
Por outro lado, esta teoria vê o homem como ser essencialmente criativo e criador, podendo
alcançar sua plenitude histórica. Para ele, assim, a arte possuía uma essencial função catártica:

O social existe até mesmo onde há apenas um homem e as suas emoções


individuais. Por isso, quando a arte realiza a catarse e arrasta para esse fogo
purificador as comoções mais íntimas e mais vitalmente importantes de uma
alma individual, o seu efeito é um efeito social. A questão não se dá da
maneira como representa a teoria do contágio, segundo a qual o sentimento

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que nasce em um indivíduo contagia a todos, torna-se social; ocorre


exatamente o contrário. A refundição das emoções fora de nós realiza-se por
força de um sentimento que foi objetivado, levado para fora de nós,
materializado e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram
instrumento da sociedade. A peculiaridade essencialíssima do homem,
diferentemente do animal, consiste em que ele introduz e separa de seu corpo
tanto o dispositivo da técnica quanto o dispositivo do conhecimento
científico, que se tornaram instrumentos da sociedade. De igual maneira, a
arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade
através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e
pessoais do nosso ser. Seria mais correto dizer que o sentimento não se torna
social, mas, ao contrário, torna-se pessoal, quando cada um de nós vivencia
uma obra de arte, converte-se em pessoal sem com isto deixar de continuar
social. (VIGOTSKI, 1998, p. 315)

Desta forma, mesmo em nossos aspectos mais íntimos, a história da


humanidade se faz presente, de maneira dialética. A arte objetiva sentimentos sociais que,
pela sociedade se fizeram fundamentais para o mesmo ser humano que necessita dela como
um fogo purificador. O cinema surge, assim, como a forma de arte onde há a possibilidade da
catarse, desde que permita ao homem o desenvolvimento de seu potencial humano, que são as
funções psicológicas superiores, relacionadas à atenção voluntária e a reflexão. Catarse,
conforme Newton Duarte, é um conceito fundamental para a teoria estética marxista:

Para argumentar em favor dessa perspectiva, retomarei a questão da catarse


em Lukács. A análise lukacsiana da catarse na recepção da obra de arte é
parte de uma teoria mais ampla, na qual a arte possui como função social a
de produzir a desfetichização da realidade social e de fazer o receptor da
obra artística deparar-se com o questionamento acerca do próprio núcleo
humano de sua individualidade. A realidade expressa na obra de arte é, para
Lukács, sempre a realidade humana, é sempre o mundo dos homens o objeto
por excelência da arte. (...).
Essa maneira como Lukács entendia o humanismo da arte explica sua defesa
intransigente do realismo, que não pode ser confundido com o naturalismo, o
qual não consegue trabalhar artisticamente com a dialética entre essência e
aparência e acaba tornando-se prisioneiro do fetichismo das formas alienadas
que assume a vida cotidiana na sociedade produtora de mercadorias.
Enquanto que o naturalismo ficaria prisioneiro dos detalhes de uma dada
situação, o realismo captaria de forma artisticamente rica os processos e as
tendências do movimento da história. (DUARTE, s.d., p. 04).

A partir da reflexão de Tonet (2006), que afirma que o processo de o indivíduo tornar-
se membro do gênero humano passa pela necessária apropriação do patrimônio – material e
espiritual – acumulado pela humanidade em cada momento histórico, consideramos que é
através dessa apropriação que o indivíduo vai se constituindo como membro do gênero

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humano. Por isso mesmo, todo obstáculo a essa apropriação é um impedimento para o pleno
desenvolvimento do indivíduo como ser integralmente humano. Desta forma, quando se
pretende promover o desenvolvimento das funções psicológicas para níveis mais complexos,
não basta apenas assistir filmes como forma de entretenimento, mas é necessário que a eles
sejam relacionados conhecimentos que se articulem ao entendimento do Cinema como forma
de Arte. No entanto, na sociedade de classes, como nos mostra Leontiev, um dos principais
colaboradores de Vigotski: “a encarnação no desenvolvimento dos indivíduos dos resultados
adquiridos pela humanidade na seqüência do desenvolvimento da sua atividade global, de
todas as aptidões humanas, permanecem sempre unilaterais e parciais” (LEONTIEV, 1978, p.
185). Este patrimônio material e espiritual a que este autor se refere está relacionado ao que
há de mais elaborado pela cultura humana, no caso a Ciência, a Arte e a Filosofia. Vejamos
esta citação de Lukács:
Não pensamos aqui tão-sòmente em tôda a técnica dos instrumentos surgidos
com o desenvolvimento da produção econômica, da técnica e das ciências
naturais, mas também no superior desenvolvimento dos órgãos receptivos
naturais causado pelas exigências cada vez mais diversificadas do trabalho,
etc., e pelas fecundas relações recíprocas entre os estimulantes resultados
oferecidos pela ciência e pela arte, pelo trabalho e pela prática cotidiana. A
diferenciação produzida pelo desenvolvimento histórico-social, portanto, não
isola entre si as atitudes singulares. Pelo contrário: quanto maior fôr a
especialização, tanto maiores podem ser – se a estrutura social não intervém
como fator de distúrbio, como é o caso na divisão capitalista do trabalho –
suas fecundas relações recíprocas, os estímulos que elas exercem umas sôbre
as outras. (LUKÁCS, 1968, p. 160).

De acordo com Engels, segundo o qual: “Primeiro o trabalho, e depois dele e com ele
a palavra articulada, foram os dois estímulos principais sob cuja influência o cérebro do
macaco foi-se transformando gradualmente em cérebro humano” (ENGELS, [s.d.], p. 273), e
para LEONTIEV (1978), foi por meio do desenvolvimento de instrumentos e ferramentas
cada vez mais complexas em virtude do trabalho, que o homem desenvolveu as funções
motrizes da mão e a fonética das línguas, aperfeiçoando a articulação e o ouvido verbal, o
progresso das obras de arte demonstra também a expressão do desenvolvimento das aptidões
estéticas, no homem. O processo de apropriação se objetiva no decurso do desenvolvimento
de relações reais do sujeito com o mundo, e estas relações “não dependem nem do sujeito
nem da sua consciência, mas são determinadas pelas condições históricas concretas, sociais,
nas quais ele vive, e pela maneira como a sua vida se forma nestas condições” (LEONTIEV,
1978, p. 275). Seguindo este raciocínio, para se desenvolver as aptidões artísticas e

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científicas, as novas gerações devem não só ter acesso a estas formas de conhecimento, mas
se apropriar do modo como elas são produzidas:
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são
simplesmente dadas aos homens nos fenômenos objetivos da cultura
material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se
apropriar destes resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos da
sua individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os
fenômenos do mundo circundante através de outros homens, isto é, num
processo de comunicação entre eles. Assim, a criança aprende a atividade
adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de
educação. (LEONTIEV, 1978, p. 290)

Sendo assim, por que não pensarmos o cinema enquanto um ganho histórico
que pode ser um importante meio para a educação?

Se a Teoria Histórico-cultural abre uma grande possibilidade para o cinema,


podemos encontrar na obra de Walter Benjamin, em seu texto A obra de arte na época de
suas técnicas de reprodução uma visão bastante otimista em relação ao cinema. Benjamin
publicou este texto em 1936, sendo que ele mesmo se suicidou em 1940 em fuga da Gestapo,
vivia o contexto da efervescência da sociedade alemã dos anos 20 e 30 do século passado. Ao
mesmo tempo que derrotada da primeira Guerra Mundial (1914-1918), era uma sociedade em
pleno desenvolvimento econômico, tecnológico e bélico. Tal desenvolvimento também
refletia-se na arte e no cinema, com o expressionismo alemão. Benjamin foi um dos teóricos
da Escola de Frankfurt, corrente de pesquisadores que, a partir da crítica marxiana, e de outras
teorias consideradas revolucionárias, como a psicanálise, formularam teses que procuravam
compreender o momento histórico que viviam. Sobre Benjamin, vejamos esta citação de
Kothe:

O problema dele não era reescrever O capital, mas entender a especificidade


do fenômeno cultural. O seu trabalho não pode ser lido como uma
substituição do marxismo, mas só como uma contemplação deste num
determinado aspecto que o próprio Marx quis e não pode desenvolver.
Benjamin estuda a transformação da palavra literária em mercadoria, não
substitui a mercadoria pela palavra: isto não lhe seria possível. Ele não
queria substituir o modo “moderno” (isto é, capitalista industrial) de
produção pelo moderno modo de produção literária: queria estudar o modo
moderno de produção literária e a modernidade de seu produto, ou melhor,
esta modernidade dentro do modo moderno de produção e esse modo
moderno em sua modernidade literária. (KOTHE, 1991, p. 14-15).

Benjamin parte da tese de Marx que pode ser citada em nesta passagem: “A
força é o parteiro de toda sociedade velha que traz uma nova em suas entranhas. Ela mesma é

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uma potência econômica.” (MARX, 1998, p. 864). Assim, a tônica de sua teoria é que as
produções do capitalismo serão a força que o derrubarão, por conterem um potencial
revolucionário. Ele acreditava que o cinema era essa força.

Pra Benjamin, toda arte possui a característica de reprodutibilidade técnica. No


entanto, cada época produziu obras com “aura”, ou seja, obras que sua reprodução era tão
difícil que possuíam caráter de únicas. A aura confere à obra de arte um caráter quase sacro, e
que por este motivo muitas vezes foi explorada pela religião, em rituais. O cinema rompe com
isso, pois:

Pois a aura depende de seu hic et nunc. Ela não sofre nenhuma reprodução.
No teatro, a aura de Macbeth é inseparável da aura do ator que desempenha
esse papel tal como a sente o público vivo. A tomada no estúdio tem a
capacidade peculiar de substituir o público pelo aparelho. A aura dos
intérpretes desaparece necessariamente e, com ela, a das personagens que
eles representam. (BENJAMIN, 1980, p. 16).

A característica fundamental do cinema é a mediação pelo aparelho: a câmera


ao ser gravado, a montagem, o projetor. Não é a arte que se coloca como natural, mas
obrigatoriamente mediada pela técnica que faz o público conviver e ser desafiado por ela. O
cinema possui inúmeros artifícios de montagem, e novas linguagens (o quadro) para o
público.

Para Benjamin, o que tornava o cinema único era, paradoxalmente, o seu


caráter não-único, o fato de que suas produções eram disponibilizadas
multiplamente, para além das barreiras de tempo e espaço, em um contexto
em que o fácil acesso transformava-a na mais social e coletiva das artes.
(STAM, 2003, p. 84)

Desta forma, o cinema possui uma praxis que o torna totalmente peculiar em
relação ao outros modos de arte. Tanto no teatro, como no na pintura, a aura do ator ou do
pintor são a expressão da individualidade, o que no cinema, de produção altamente coletiva,
especializada na divisão do trabalho, o que implica na reprodução do capitalismo no fazer do
cinema.

A auto-alienação expressa na representação do homem no aparelho revela


uma “aplicação altamente criadora”. O ator cinematográfico se encontra
numa situação de estranheza diante do aparelho e isto pode ser transferido
para as telas, podendo ser vista pela massa, que irá controlá-la. A
invisibilidade da massa para o ator reforça este controle. Assim, Benjamin
coloca sua posição: a arte contemporânea deverá se orientar mais para a
reprodutibilidade e menos para a obra original para ser mais eficaz. O uso

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político do controle da massa sobre o ator ocorrerá com o fim do


capitalismo, já que no contexto atual o capital cinematográfico impede tal
processo, pois dá um caráter contra-revolucionário a ele, promovendo,
inclusive, o “culto do estrelato”. (VIANA, 2006)

É interessante notarmos que ele já visualizava, nos anos 30, o acirramento das
tensões do fascismo e do nazismo que culminariam em mais um conflito mundial.
Interpretando esses regimes totalitários como uma das formas da atuação do capitalismo na
política, Benjamin previa que a estética da guerra se anunciaria. O fim do capitalismo então,
se fazia necessário como forma de preservação da humanidade:

Fiat ars, pereat mundus, esta é a palavra de ordem do fascismo, que, como
reconhecia Marinetti, espera da guerra a satisfação artística de uma
percepção sensível modificada pela técnica. Aí está, evidentemente, a
realização perfeita da arte pela arte. Na época de Homero, a humanidade
oferecia-se em espetáculo, aos deuses do Olimpo: agora, ela fez de si
mesma, a fim de conseguir viver a sua própria destruição, como um gozo
estético de primeira ordem. Essa é a estetização da política, tal como a
pratica o fascismo. A resposta do comunismo é politizar a arte.
(BENJAMIN, 1980, p. 28).

A posição otimista de Benjamin em relação ao cinema foi criticada até mesmo


por outros integrantes da Escola de Frankfurt, como Adorno, que não faz parte de nossos
objetivos, pelo menos por enquanto, de apresentar este debate. Mesmo entre outros autores de
vinculação ao pensamento marxiano, o cinema é visto assim como Vazquez:

o star system em que se apóia, em geral, a indústria cinematográfica


capitalista, e, em particular a norte americana, é uma criação artificial dos
produtores para assegurarem o máximo lucro, ligado, por sua vez, ao número
de espectadores que podem assistir a fita. E, ao lado do star system (ou
vedetismo), deve-se colocar a preferência dos espectadores – preferência
fabricada ou induzida de fora – por certos temas ou genros de películas que
terminam por se converterem no tema ou gênero que o público necessita ver,
ainda que, em última instância, sua necessidade não seja tanto sua quanto
dos próprios produtores. (VAZQUEZ, 1978, p. 282).

Sendo assim, podemos observar, a partir da Teoria histórico-cultural, que há


espaço para a emergência de um indivíduo criador e criativo, e não apenas reprodutor. E, a
partir de Benjamin, podemos entender o cinema como meio para esta possibilidade, uma vez
que, ao observarmos a produção cinematográfica norte-americana comercial, podemos
perceber que o que tem imperado é a estética da guerra como meio de manter o capitalismo
vivo e atuante.

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Referências.

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