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Os limites da Educação Ambiental

Na obra de Moraes, Meio Ambiente e Ciências Humanas, há, logo de início, a tomada
de um posicionamento que rejeita considerações acerca da questão ambiental segundo um
viés “holístico” (MORAES, 1997, p. 9-10). Tal postura (a “holística”), negada pelo autor, traduz-
se em uma concepção “não-fragmentada” daquilo que, em termos bastante gerais, poder-se-ia
chamar de “meio ambiente”: grosso modo, segundo tal paradigma seria preciso considerar
todas as relações do mundo natural como interconectadas e dependentes umas das outras de
modo que, em última instância, nem mesmo faria sentido pensar em “partes”, mas apenas
num “todo”.

Um possível representante de uma postura ambientalista holística seria o filósofo Arne


Naes (1912 – 2009), quem cunhou a noção de “Ecologia Profunda” para referir-se a um
paradigma “ecossistêmico” do meio ambiente como contraponto à corrente postura
“antrópica” sobre este. Segundo os autores do artigo Ecologia Profunda: o despertar para uma
educação ambiental complexa, a proposta ambientalista de Naes parte da suposição de que o
que marca a relação da humanidade com a natureza é certo "desejo de poder" da primeira em
relação à segunda. Tal desejo conduz a um posicionamento de deslocamento e distanciamento
em relação a algo que, em última instância, não é "descolado". Ao cabo de tal distanciamento,
como consequência, alcança-se a corrente (e cada vez mais agravada) crise ambiental de nosso
tempo (marcada, por exemplo, por grandes áreas florestais desmatadas, poluição de
afluentes, extinção de espécies e toda sorte de problemas dessa ordem). Assim, na medida em
que se assume o pressuposto “ecossistêmico” dos problemas ambientais (que, grosso modo,
significaria assumir que tratam-se não de problemas isolados e pontuais, mas sim de
problemas de natureza complexa que, tal como uma rede, articulam intimamente dimensões
econômicas, sociais, políticas, químicas, físicas e etc.) seria uma “crise de valores civilizatórios”:
o “distanciamento” do humano em relação à natureza instaura, entre outras coisas, a
superioridade do primeiro em relação ao segundo e um valor meramente utilitário da natureza
– o que, em última instância, inculca uma atitude de domínio, extrativista e predatória por
parte da humanidade sobre a natureza. (ALTEMBURG; CASALINHO; LOBO; LOVATTO, 2012, p.
123 - 124) Presume-se daí as potencialidades da Educação enquanto fator excelente para a
resolução de tais problemas, visto ser justamente este o campo onde valores são construídos
e/ou transformados. Desse modo, o desafio de uma Educação baseada na Ecologia Profunda é,
de um lado, o de romper com os valores correntes (que fragmentam, hierarquizam, dominam
e atribuem valores utilitários à natureza) e, de outro, inculcar novos valores (pautados no
paradigma holístico da Ecologia Profunda). (ALTEMBURG; CASALINHO; LOBO; LOVATTO, 2012,
p. 129)

Apresentada, mesmo que superficialmente, a Ecologia Profunda como expressão de


um “ambientalismo holístico” e, por sua vez, suas implicações na Educação, pode-se retornar à
Moraes. Uma possível consequência das reflexões restritivas deste em relação àquela
concepção, parece-nos, seria, de um lado, a de que uma postura tal como a da Ecologia
Profunda sugere um reducionismo exagerado da problemática ambiental à dimensão social
e/ou cultural e, de outro, que tal desconsidera as especificidades gerais e, de modo mais
pontual, as caracterizações metodológicas particulares de cada campo do conhecimento. Isso
significaria que a resolução das crises ambientais não se resume apenas à uma questão de
educação de valores (tal como faz transparecer a Ecologia Profunda), mas depende, sim, da
ação conjunta e articulada de diferentes campos do conhecimento. Disso decorre, por sua vez,
o problema levantado pelo próprio Moraes dos limites da intersecção entre diferentes
disciplinas que, por sua natureza, partem de pressupostos diferentes e, também, possuem
métodos diversos (MORAES, 1997, p. 67 – 79).

Sobre isso, pode-se pensar na dificuldade em articular o campo das ciências sociais
com investigações dos das ciências naturais. Tal dificuldade, dirá o autor, reside num problema
de método: por exemplo, os pressupostos metodológicos do materialismo histórico e dialético
de Marx1 mostram-se claramente inócuos (se não incompatíveis) a análises físico-químicas de
nascentes de água – tais análises possuem naturezas diversas e utilizam-se de recursos
metodológicos também diversos. Note-se, no entanto, que, apesar de Moraes mostrar-se
contrário a uma postura holística, não se trata aqui de pensar as diferentes disciplinas como
ramos independentes e isolados em absoluto (pensar nestes termos conduziria o cientista,
assume Moraes, à um distanciamento em relação ao campo do “real”, esterilizando, inclusive,
considerações de ordem política ou de responsabilidade social deste), mas sim, resguardadas
suas especificidades, como disciplinas especializadas que, apesar das limitações de
convergência, guardam ainda uma certa possibilidade de articulação restrita entre si2
(MORAES, 1997, p. 71-72).

Poder-se-ia concluir este estudo apontando que apesar de Moraes apontar que os
problemas ambientais, na medida em que pontuais, precisam de certa atenção especializada
(e, portanto, até certo ponto, fragmentada), faz sentido pensar que este estaria de acordo com
a proposta educacional da Ecologia Profunda no que concerne, ao menos, à dimensão ética da
questão: o "problema ambiental" é também um problema cultural - transformada a cultura,
portanto, transformar-se-ia também o modelo de desenvolvimento da humanidade. Faz
atentar Moraes, no entanto, que, de certo modo, seria ingenuidade supor que as
problemáticas ambientais necessitam de uma atenção exclusivamente educacional – além
dessa dimensão, há inúmeras outras que precisam de igual atenção.

1
É interessante notar, afim de ir além desta ilustração do problema discutido, que, tal como indicado
pelo autor (MORAES, 1997, p. 73), na medida em que Marx considera, grosso modo, a “natureza” como
um elemento “externo” ao homem (que serviria como “matéria” sobre a qual incidiria o trabalho deste
– uma “natureza para o homem”), mostrar-se-ia, no mínimo, problemática uma discussão de ordem
ambiental “sistêmica” (que, grosso modo, considera o homem como dependente e interligado ao
natural, ambos conformados num único “sistema” – expressa, como se viu, pela Ecologia Profunda) à
partir dos pressupostos metodológicos de Marx.
2
Uma possível articulação entre as análises histórico-sociológicas de Marx e as análises químico-físicas
de um químico, afim de exemplificar esse ponto, poderia produzir um estudo acerca das contradições
de natureza social que marcam as periferias urbanas e, por sua vez, as implicações das condições destas
comunidades no que concerne à problemas de saneamento e, por sua vez, à qualidade da água
consumida.
REFERÊNCIAS

ALTEMBURG, Shirley Nascimento; CASALINHO, Hélvio; LOBO, Eduardo Alexis; LOVATTO,


Patrícia Braga. ECOLOGIA PROFUNDA: O DESPERTAR PARA UMA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
COMPLEXA. REDES, Santa Cruz do Sul, v. 16, n. 3, p. 122 –137, set/dez 2011.

MORAES, Antonio Carlos Roberto. MEIO AMBIENTE E CIÊNCIAS HUMANAS. Editora Hucitec.
São Paulo, 1997, 2ª ed.

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