Você está na página 1de 2

Leak ni mim

Ivna Feitosa

Seja no território nacional, seja no campo internacional, a coisa no Brasil está pegando fogo. O nosso
fogo doméstico, diário, já conhecemos. Mas agora o circo pegou fogo lá fora também e o nosso nome
está envolvido. Bom, espero que, no que toca ao campo internacional, nada pegue realmente fogo,
nacionalmente já temos os nossos. E não acredito que os fogos alheios possam chegar, o mundo já é
outro e o Brasil também. Estão chegando, na verdade, gotas americanas para informar, fazer pensar e
provar que as políticas estão se modificando. Quem diria!

Desde o México, do outro lado da balança da nossa américa, a latina, fica clara a diferença do impacto
das gotas. Ou ainda não foram publicados os telegramas mais picantes, ou no México as relações com
o EEUU, como chamam EUA aqui, são tão íntimas que dispensam telegramas. Hoje, no jornal online
mexicano mais sério e responsável, o La Jornada, a notícia da US goteira saiu no canto direito, sem
nenhum destaque especial, e diz: "'Embarazosos' datos revelados por Wikileaks, pero de
consecuencias 'modestas': secretario de Defensa". Vou esperar ansiosa por telegramas picantes, mas
tendo a acreditar na segunda opção, que as relações entre México e EUA são demasiado intimacionais
para serem internacionais.

Morando aqui e sendo brasileira, não conseguia entender muito bem a impressão que me dava esse
outro lugar. Era, e ainda é, muito confuso. Quando consegui entender um pouco mais a imagem
borrada que eu tinha, percebi uma certa esquizofrenia que vive o território mexicano, com suas leis
americanas e seu povo latino. Os sintomas do trastorno psicopoliticosocial crônico mexicano são, para
quem é de fora, gritantes, e para quem é de dentro, velhos e cruéis costumes. Não existe saúde
pública universal e gratuita, mesmo que a pobreza da grande maioria da população seja alarmante. O
México até pouco tempo era o país mais rico da América Latina, perdeu o posto faz pouco para o
Brasil; ou seja, não existe justificativa financeira para isso.

O sistema eleitoral existe, mas sua atuação parece uma obra contemporânea, de estilo
fantasmagórico, que trama dúvidas e incertezas. A diversidade de opiniões e explicações dos
mexicanos sobre a validez das eleições daqui me pinta esse quadro. Os governos são narcogovernos
obrigatórios. Quem não aceita a hegemonia da indústria da droga é prontamente executado. A notícia
de um governador, prefeito ou chefe de polícia assassinado não é incomum. A cifra de mortes
matadas entre jornalistas e defensores de direitos humanos é comprida. Acho muito difícil imaginar o
que vive e o que acontece realmente ao povo mexicano em geral. A taxa, nesse ano de 2010, de
execuções no México é de 35 pessoas por dia.

Nem sei porque divago tanto sobre o México. Acho que de um lado preciso desabafar a tristeza de ver
latinoamericanos tão abandonados e, pelo que parece, fadados a isso. O candidato mais forte à
presidência do México, já na disputa faltando ainda dois anos para as próximas eleições, chama-se
Peña Nieto. Esse homem tem pouco mais de 40 anos e é suspeito de assassinar sua mulher. Claro, não
saiu culpado. Além de ser casado agora com uma super atriz, o último feito desse personagem foi
entrar com uma reforma na constituição eleitoral do estado que governa, pela qual a aliança entre
partidos fica proibida, se reduz o tempo de campanha eleitoral e as quantias dos financiamentos de
campanha são modificadas. A Suprema Corte de Justiça, claro, validou a reforma, chamada de ley
"Peña Nieto". O fato de que a mídia em peso já está fazendo campanha massiva para ele não conta,
claro!

De outro lado, estar nessa outra ponta da balança me faz ver o Brasil como um país em seu caminho.
Também temos nossa esquizofrenia, nossos absurdos, guerras e desigualdades, também crescemos
debaixo de colonização e hegemonia americana. Brasil e México parecem irmãos estranhos, que não
se conhecem. Mas nosso país tomou algumas medidas eficazes contra seu transtorno
psicopoliticosocial, medidas iniciais eu diria. Medidas que até aqui são célebres; quando o Brasil
aparece em uma conversa, já não é do futebol apenas que se fala, o mexicano fala do Lula e de como
o admira.

Estamos no caminho, estamos amadurecendo, mesmo que da gorda e promissora goteira gringa,
tenham pingado fatos desconcertantes para o Brasil, como a intimidade de Nelson Jobim com o
governo americano. Na verdade, não se pode dar a isso um status de novidade. Sejamos reais, essa é,
ou era, a regra do relacionamento externo brasileiro, a ditadura militar é o carimbo desse tratado
histórico. Se esse senhor continuar mesmo no Ministério da Defesa brasileiro, vai ficar claro um
sintoma perigoso do nosso próprio transtorno, que as medidas iniciais tomadas no Brasil não
conseguem resolver.

O louco que criou o Wikileaks molhou o Brasil também com umas informações bem interessantes.
Saber que o EUA vê tendência antiamericana no Itamaraty me dá um certo orgulho. Dando uma
olhada no site, descobri que, diante da tentativa de imposição americana de uma lei antiterrorista no
Brasil, a Casa Civil, sob comando de Dilma Roussef, se recusou a dar muito ouvido para a coisa. E então
já avisou de uma vez que, não, a lei não ia rolar, porque a gente tem muito boas relações, obrigado, e
porque essa lei poderia ser utilizada contra a liberdade dos movimentos sociais no país. Isso, de
verdade, me deixou feliz! Estamos no caminho!

Gostaria de ver de fato meu país se relacionando mais com os vizinhos da América Central. Lula, em
sua invejada entrevista para os blogueiros, disse ser essa aproximação uma das metas que deixará
para Dilma. Gostaria de ver a América Latina se relacionar no melhor sentido do que é ser um vizinho
para o povo latinoamericano, da maneira como somos, não como as potências do mundo fizeram. Ser
aquele vizinho que te avisa das promoções que valem a pena, que te dá uma boa dica de cozinha, que
te dá um açucar quando falta e aproveita para te chamar pra um cafezinho ou para uma cerveja. Lula
mencionou alguns países ao contar essa sua vontade de aproximação maior, o país mais ao norte foi a
Guatemala. México não estava na lista. Mas algo me diz que muita coisa ainda vai acontecer, que
muita coisa pode mudar. Existe uma inquietação no ar, um ruído incômodo que precisa ser estudado,
como se fosse uma goteira pingando do teto de casa.

Você também pode gostar