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ENTRE EDUCAÇÃO E JORNALISMO

Em busca de uma teoria construcionista do jornalismo


contemporâneo: a notícia entre uma forma singular
de conhecimento e um mecanismo de construção social
da realidade
aralelamente ao fortalecimento do campo jorna-

P
RESUMO
O presente artigo discute e explora algumas relações lístico brasileiro, registrado com maior ênfase a
possíveis entre a perspectiva que compreende o jorna- partir de meados dos anos 1980, a concepção de
lismo como uma forma singular de produção de co- jornalismo – talvez um pouco próximo da ampla vari-
nhecimento (Adelmo Genro Filho, 1988) e a aborda- abilidade conceitual que marca as noções de comuni-
gem construcionista da produção jornalística (Gaye cação – sofre de uma esquizofrênica amplitude de
Tuchmann, 1983 e 1993; e Nelson Traquina, 1993 e possibilidades que definem seu objeto, que vai desde
2001). Num diálogo articulado entre comentários, crí- a sua restrição a procedimentos técnicos de produção
ticas e observações de vários autores que tematizam o e transmissão de informações até (ainda no âmbito
jornalismo, o autor sustenta a idéia de que o potencial desse mesmo olhar restritivo) sua afirmação como
da produção jornalística reside em sua singularidade uma mera prática profissional cuja orientação básica
de ação cotidiana e, pois, na dimensão instituinte das residiria na sua compreensão como “espelho da “-
relações e acontecimentos que marcam a realidade realidade.
social contemporânea. Tal cenário parece especialmente demarcado no
Brasil, onde os esforços para se pensar o jornalismo
PALAVRAS-CHAVE em suas dimensões históricas e culturais, e como um
• jornalismo campo marcado por relações de disputa e tensões
• relacionamento com os demais campos que constituem a esfera públi-
• realidade ca, ainda são relativamente restritos.
Um exemplo bastante significativo é o fato de que a
ABSTRACT formação acadêmica na área ainda é muito marcada
The current essay discusses and explores some of the possi- por uma certa tradição tecnicista, que insiste na afir-
ble relationships between the perspective that includes jour- mação contínua do mito da objetividade e padece de
nalism as a single form of knowledge production (Adelmo uma espécie de esquecimento de questões cruciais ao
Genro Filho, 1988) and the constructive approach in the entendimento do fenômeno jornalístico, tais como a
journalistic production (Gaye Tuchmann, 1983 e 1993; e problematização das relações com as fontes, a temati-
Nelson Traquina, 1993 e 2001). In an articulate discussion zação, os critérios de noticiabilidade, as rotinas de
including remarks, critiques and observations from several produção e a multiplicidade de atores e discursos que
authors who approach journalism, the author supports the configuram as condições de produção periodística.
idea that the potential of journalistic production lies in its Neste sentido, o debate em torno do conceito de
singularity of every day action and consequently in the jornalismo se torna particularmente importante, na
established dimension of relationships and events that in- mesma proporção em que a emergência de outros
stitute the contemporary social reality. discursos sociais adquire forma, visibilidade e ade-
são no campo midiático. Uma primeira referência des-
KEY WORDS te texto diz respeito aos demais elementos que inte-
• journalism gram a realidade social cotidianamente construída
• relationship pelos próprios indivíduos, grupos, movimentos e ins-
• reality tituições, que instituem uma contínua dinâmica de
relacionalidade.
Daí por que, ao invés de se falar em algo dado, a
perspectiva construtivista da presente abordagem te-
órica do jornalismo pensa a vida social como proces-
sos de instituição dos sentidos e valores que orientam
as ações e percepções dos grupos humanos. Tal con-
cepção implica em compreender que a realidade é
sempre resultante de uma ação social e, portanto,
histórica e cultural, ainda que – como bem ressalta-
Sérgio Luiz Gadini ram Berger e Luckmann (1987) – os indivíduos ten-
UEPG/PR dam a apreendê-la como uma facticidade exterior e

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anterior à sua própria experiência; o que não autoriza receptor. A informação jornalística institui, no pro-
uma reificação da realidade, uma vez que a relação cesso de produção de sentido, um conhecimento que
dialética entre institucionalização e legitimação – os vai agregar, questionar ou negar a relação e compor-
dois principais graus da objetivação – evidenciam, tamento que o usuário mantém no espaço coletivo das
em definitivo, a realidade como construção. complexas sociedades contemporâneas.
Nas sociedades complexas da contemporaneida- Daí a pertinência de se compreender de que modo o
de, a realidade social é também instituída por uma acontecimento jornalístico vai interagir na constru-
multiplicidade de discursos e interesses, por padrões ção da realidade social. Adelmo Genro Filho (1988)
de comportamentos socialmente definidos e aceitos, define o fato jornalístico como sendo uma construção,
por variadas formas de interação que ganham visibi- sempre interpretativa, elaborada a partir de um fenô-
lidade e forma por meio de dispositivos técnicos; den- meno. Assim, numa construção discursiva, há um
tre os quais se destacam os de comunicação. “fenômeno e uma pluralidade de fatos”, conforme os
A abordagem do jornalismo como forma de conhe- jogos de interesses, opiniões e procedimentos em ques-
cimento singular, as noções de campo social e produ- tão. Ao oscilar na tensão estrutura- acontecimento, o
ção cultural, bem como as demais referências concei- jornalismo trans-porta uma concepção do mundo;
tuais que perpassam este estudo, estão diretamente uma compreensão dos fenômenos e relações pauta-
associadas à idéia de realidade, entendida no âmbito dos pela mídia. É nessas tensões que são negociados,
do que Philippe Corcuff (2001, p. 26) denomina de instituídos e sobrepostos os sentidos, valores, inten-
perspectiva construtivista: “as realidades sociais são ções e interesses que perpassam as dimensões do
apreendidas como construções históricas e cotidia- universo imaginário.
nas dos atores individuais e coletivos”. Esse proces- Constituído pelo simultâneo imbricamento dos as-
so, uma vez que não é deliberado nem intencional- pectos singulares, universais e particulares presentes
mente planejado, pode ocorrer à revelia dos atores em toda e qualquer situação fenomênica, o jornalismo
envolvidos. Em outros termos, as ações humanas não implica, sempre, num recorte temático que redesenha
se processam de modo (sempre) absolutamente inédi- o mundo social, a partir de um determinado enfoque.
to, mas ocorrem em situações históricas que, por sua Na prática, o discurso jornalístico estrutura-se em
vez, também são gradualmente transformadas por torno de um conjunto de textos, imagens, citações,
essas mesmas ações, sejam elas de atores individuais títulos, diagramação, além de uma série de outros
ou coletivos. Por isso mesmo, nesse processo históri- procedimentos editoriais que articulam estilos pró-
co, “as realidades sociais são ao mesmo tempo objeti- prios, introduzindo suas respectivas expressivida-
vadas e interiorizadas” (CORCUFF, 2001, p. 27). A des e estruturando e sugerindo outras configurações.
realidade é, pois, não só uma representação (simbóli- Em outros termos, o jornalismo conecta uma multipli-
ca), mas uma simultânea e contínua construção social. cidade de vozes, sentidos e códigos diferenciados, os
É, pois, nessa perspectiva – e, de certo modo, próxi- quais fazem, fizeram ou passarão a fazer parte do
mo de uma abordagem construtivista1 – que busca- imaginário em que o mesmo se constitui.
mos pensar a realidade como uma construção contí- Assim, o discurso jornalístico é compreendido como
nua, um campo em disputa, marcado pelas mais mais um dos inúmeros produtos que circulam no
diversas formas de expressão e materialidades. espaço social em que se situa a noção de construção
Apenas para situar a pluralidade do mundo con- social da realidade. A existência e publicação, por
temporâneo, tomamos por base aqui a noção de socie- vezes isoladas, de discussões em torno das variadas
dades complexas, que é trabalhada, entre outros auto- propostas teóricas e tendências do jornalismo con-
res, por Alberto MELUCCI (2001). Para o autor, essas temporâneo ganharam, recentemente, uma sistemati-
sociedades assumem “a existência de uma lógica de zação feita por Nelson Traquina (2001), que apresen-
sistema significativamente diversa daquela do capi- ta um mapa das principais abordagens e conceitos
talismo industrial...”. Nas sociedades complexas, “os sobre a produção jornalística no último século.2
conflitos se desenvolvem naquelas áreas do sistema Nesse texto, o autor propõe uma leitura do jornalis-
diretamente investidas pelos fluxos informativos e mo com base em cinco orientações que nortearam a
simbólicos mais intensos e, ao mesmo tempo, subme- história da produção das notícias: teoria do “espe-
tidas às maiores pressões para a conformidade. Os lho”, teoria da ação social pessoal ou teoria do gateke-
atores destes conflitos são provisórios e a sua ação eper, teoria organizacional, teorias de ação política e
opera como reveladora, anunciando para a sociedade as teorias da notícia como construção social, de onde
os dilemas cruciais que a atravessam” (MELUCCI, surgem as perspectivas da teoria estruturalista e da
2001, p. 27). teoria interacionista. Traquina se detém, entretanto,
O jornalismo, em especial, não só por uma lingua- nessa última abordagem.
gem, técnica e articulação específicas, mas funda- O paradigma que compreende a notícia como cons-
mentalmente por padrões de credibilidade historica- trução social da realidade surge basicamente entre o
mente legitimados, aciona uma gama de significações, final dos anos 1960 e início da década de 70. Seu
forjando processos e produtos que, por sua vez, po- pressuposto básico é de que a notícia, à medida que
dem envolver e “seduzir” o consumidor, usuário ou “presentifica” o acontecimento a que se remete, tam-

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bém o constrói e, assim, participa do processo de lismo é Miquel Rodrigo Alsina (1989), para quem a
instituição da realidade social. Nas palavras do au- notícia configura uma “representación social de la
tor, “as notícias são o resultado de um processo de realidad cotidiana que se manifiesta en la construcci-
produção, definido como percepção, seleção e trans- ón de un mundo posible”. (ALSINA,1989, p. 18).
formação de uma matéria prima, os acontecimentos, Se a notícia é o produto de uma mediação da insti-
num produto, as notícias” (Traquina, 2001, p. 60). tuição comunicativa; para que um acontecimento so-
Com base na reflexão desenvolvida por Gaye Tuch- cial tenha uma efetiva vigência a perceptibilidade do
man (1983), Traquina lembra que a teoria interacio- acontecimento é condição necessária, embora não su-
nista, também conhecida como etno-construcionista ficiente. Afinal, não basta detectar essa alteração sis-
pela aproximação conceitual, “encara o processo de têmica, a mesma deve ser discursivamente construí-
produção das notícias como interativo onde diversos da e veiculada. Caso contrário, estaríamos
agentes sociais exercem um papel ativo no processo simplesmente diante de uma variação ou de uma
de negociação constante”. (Traquina, 2001, p. 64). espécie de evento secreto.
Para a teoria interacionista do jornalismo, os pro- A variação no sistema funcional, a comunicabili-
fissionais, “confrontados com abundância de aconte- dade do fato, sua percepção e a implicação dos indiví-
cimentos e escassez do tempo, lutando para impor duos envolvidos são apresentadas por Miquel Alsina
ordem no espaço e ordem no tempo” (Traquina, 2001, como “elementos essenciais” do acontecimento. De
p. 75), acabam criando uma rotina de “previsibilida- modo que aparece aqui uma outra característica do
de”, até para conseguir cobrir os principais fatos con- acontecimento: o destaque da singularidade ou o ca-
siderados noticiáveis para a edição do dia ou hora ráter espetacular que tipifica a variação sistêmica.
seguintes. É daí que surge a pertinência das “rotinas Imaginemos uma destas alterações; passado o impac-
produtivas”, bem como das necessárias “ordens” no to dos efeitos imediatos, o próprio sistema passa a
tempo e no espaço. assimilar o “rompimento” inicialmente registrado e
A lógica da teoria interacionista reside, assim, na publicizado. Essa gradativa re-acomodação da or-
hipótese de que na mesma proporção em que um dem normativa que sofreu uma variação passa ou a
determinado acontecimento, ao ser pautado pelo cam- incorporar novos elementos ou a rejeitá-los supondo
po jornalístico, origina a notícia na forma de um pro- a não aceitação da ruptura, na tentativa de defender a
duto que torna público ou visível a mesma situação, ordem anterior.
“a notícia também constrói o acontecimento, porque é É, pois, nos interstícios dessa alteração e do seu
um produto elaborado que não pode deixar de refletir caráter espetacular que reside o potencial do “aconte-
diversos aspectos do processo de produção”. (Traqui- cimento periodístico”. Claro que o seu extremo, ou
na, 2001, p. 88). seja, a exploração exacerbada dos aspectos singula-
A reflexão é, de fato, oportuna e mais do que neces- res da variação, tende a levar ao que se convencionou
sária. Aliás, talvez, mais válido ainda seria discutir o chamar de sensacionalismo ou “jornalismo marrom”.
jornalismo – para além da noção funcional e tecnicis- Daí a mediação conceitual que Genro Filho (1988)
ta que muitas vezes marca a imagem da profissão – de apresenta à teoria da produção jornalística: a estrutu-
um modo mais consistente, capaz de justificar que ração discursiva em torno da relacionalidade dos
“agendar” o imaginário de milhões de pessoas, atra- aspectos singulares, universais e particulares que per-
vés de notícias garimpadas entre fontes e entrevistas meiam um determinado fenômeno.
nem sempre de fácil disponibilidade e transparência, É ainda Miquel Rodrigo Alsina (1989) quem discu-
não é algo que pode ficar no limite do senso comum te o jornalismo como uma “atividad especializada en
ou de meia dúzia de técnicas de redação. la construcción de la realidad social”, que se apresen-
Se, por um lado, o ensaio acima citado consegue ta como uma “objetivización de segundo grado (de
dar um maior reconhecimento reflexivo e profissional rutina cognitivas, de esquemas interpretativos y de
ao campo, por outro lado, não há como deixar de significados)”. Em outros termos, trata-se de uma (ou-
perceber a ausência (proposital ou não) de qualquer tra) construção da realidade que vai se somar às situ-
referência a uma hipótese conceitual que busca com- ações, fatos e relações já socialmente existentes e pu-
preender o jornalismo como forma singular de conhe- blicamente reconhecidas (ALSINA, 1989, p. 162).
cimento humano, cotidianamente elaborado, que tam- Mas, nem sempre, a hipótese de que o discurso
bém vai intervir nas relações sociais da realidade jornalístico configura um acontecimento é trabalhada
(Genro Filho, 1988). Até pela proximidade que essa sob o ponto de vista de sua construção singular no
abordagem possui com a via interacionista, a lacuna universo social. Um exemplo disso são as reflexões do
na discussão parece digna de lembrança. Por isso próprio Alsina. Mesmo reconhecendo que, ao lhe dar
mesmo, essa relação será feita neste texto. publicidade, por definição, os media constroem o acon-
tecimento da notícia, Alsina (1989, p. 185) ainda tra-
Jornalismo... representação e acontecimento na balha o acontecimento periodístico um pouco restrito
construção de um “mundo possível” ao nível de sua representação ante o evento, enquanto
Outro pesquisador que partilha, ao menos parcial- ruptura da lógica sistêmica onde se situam os indivídu-
mente, de orientações similares nos estudos do jorna- os. Talvez, resida aí um dos limites da sua abordagem.

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Apesar de atribuir ao acontecimento periodístico dessa compreensão sociológica, se ocupa dos fenô-
uma gama de características que o diferenciam de menos no mundo, constituindo uma referência com a
outras construções discursivas, Miquel Alsina acaba qual os autores abordam o mundo social. Nessa pers-
por não trabalhar a dimensão constitutiva da produ- pectiva interpretativa, “aunque un lector de periódico
ção mediática como uma prática que, ao recortar uma podría impugnar la veracidad de un relato informati-
determinada variação registrada, apreende-a, dando- vo específico, él o ella no impugna la existência mis-
lhe uma outra estrutura de acontecimento, o qual, ma de la noticia como fenómeno social” (Tuchman,
mesmo tendo como referência um evento antes desta- 1983, p. 200).
cado do mundo, possui um tempo e um espaço pró- É dessa maneira que o mundo da vida cotidiana é
prios, que não são e nem podem ser os mesmos da visto ou compreendido, pelos pensadores dessa ori-
variação fenomênica percebida e, agora, comunicada entação teórica, enquanto “realidade por excelência”
como um acontecimento discursivo pelos media. dentre as possíveis e “múltiplas realidades” de que
Os fenômenos e eventos que povoam o mundo coti- fala Alfred Schütz. Oportuno lembrar que, para essa
diano precisam ser percebidos como processos in- mesma abordagem, os atores sociais criam significa-
completos que se articulam e se apresentam, deixan- dos e, com isso, também uma consciência comparti-
do sempre uma margem de significação em aberto, a lhada da ordem social, fazendo com que a própria
ser construída, exatamente porque se supõe que, no ordem social se torne, guardadas as proporções, de-
processo do conhecimento, o real não aparece imedia- pendente dos significados compartilhados.
tamente em sua face concreta e essencial. A constru- Daí a pertinência para se pensar o jornalismo e sua
ção do conhecimento se dá na apropriação de suas criação cotidiana de significados que, por sua vez,
relações com o mundo. É assim que o homem transfor- atribuem “sentidos”, valoração, prioridades de olhar,
ma as coisas, tornando o mundo compreensível. E, interesses e, enfim, participam da instituição dos mo-
embora o mundo não se esgote no que é aparentemen- dos coletivos de organização da vida humana. Por
te dado, mas é sempre uma possibilidade, a noção de isso Gaye Tuchman vai problematizar o jornalismo
mundo real, aqui trabalhada, refere-se à forma pela em uma já reconhecida dupla perspectiva: de reforço
qual o mesmo está estruturado no presente, como o da ordem ou normas sociais e pela possibilidade de
experienciamos e como se apresentam as situações da criação de outros sentidos igualmente compartilha-
vida cotidiana. dos pelos atores sociais. O que possibilita pensar,
A mesma abordagem construtivista se torna mais ainda, que
pertinente para nortear conceitualmente o presente
estudo. Com base na perspectiva sociológica interpre- Los relatos informativos no sólo prestan a los aconteci-
tativa de Alfred Schütz (1979), e também dialogando mientos su existencia como sucesos públicos, sino que
com as contribuições de Berger e Luckmann (1987), también les imparten carácter, puesto que los reporta-
Gaye Tuchman (1983) trabalha o jornalismo como jes informativos ayudan a dar forma a la definición
forma de ação instituinte da vida coletiva; como pro- pública de los acontecimientos atribuyéndoles, de ma-
cesso de construção social da realidade cotidiana. nera selectiva, detalles específicos o “particulares”.
Para Tuchman, as abordagens da sociologia inter- Hacen accesibles a los consumidores de noticias estos
pretativa detalles. (TUCHMAN, 1983: 204).

sostienen que el mundo social proporciona normas que Isso porque, continua TUCHMAN (1983, p. 16), “la
los actores invocan como recursos o compulsiones cuan- noticia coordina las actividades en el interior de una
do trabajan activamente para realizar sus proyectos. sociedad compleja al hacer disponible a todos la in-
Mediante esse trabajo, los actores dan forma al mundo formación que de otra manera sería inaccesible”. Des-
social y sus instituciones como fenómenos comparti- se modo,
dos y construidos. Se producen simultáneamente dos
procesos. Por un lado, la sociedad ayuda a dar forma a Por impartir caráter público a los casos que ocurren, la
la conciencia. Por el outro, mediante su aprehensión noticia es primero y primordialmente una institución
intencional de los fenómenos en el mundo social com- social. Em primer término, la noticia es un método
partido – mediante su trabajo activo –, los hombres y institucional para hacer que la información esté dispo-
las mujeres construyen y constituyen los fenómenos nible ante los consumidores... En segundo término, la
sociales colectivamente. (TUCHMAN, 1983, p. 196). noticia es una aliada de las instituciones legitima-
das... En tercer término, la noticia es localizada, reco-
Assim, a perspectiva da sociologia interpretativa gida y diseminada por profesionales que trabajan en
no jornalismo acentua as atividades dos informado- organizaciones. De tal manera, la noticia es, inevita-
res e das organizações informativas mais que as nor- blemente, un producto de los informadores que actúan
mas sociais, uma vez que os próprios critérios de dentro de procesos institucionales y de conformidad
noticiabilidade não estão claramente pré-determina- com prácticas institucionales” (TUCHMAN, 1983;
dos pelas relações ou pela estrutura sociais. 16).
Alfred Schütz (1987), um dos principais mentores

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Nilson Lage (2003)3 critica a perspectiva percorri- singular, ao mesmo tempo em que insinua a es-
da por Gaye Tuchman, a partir do texto “A objetivi- sência no próprio corpo da singularidade, en-
dade como ritual estratégico”, publicado original- quanto particularidade delineada em maior ou
mente em 1972 e, posteriormente, traduzido e menor grau e universalidade virtual. A informa-
veiculado por Traquina. ção jornalística sugere os universais que a pres-
supõem e que ela tende a projetar. É na face agu-
Por esse texto seminal, você verá que a autora, da do singular e nas feições pálidas do particular
uma espécie de madrinha do newsmaking, ad- que o universal se mostra como alusões e ima-
mite uma série de virtudes nos jornalistas (con- gens que se dissolvem antes de se formarem... O
tam o que viram com a precisão possível, ouvem real aparece, então, não por meio da teoria, que
várias versões etc), mas conclui que fazem isso vai apanhar o concreto pela sua reprodução lógi-
porque têm medo de processos, de serem demiti- ca, mas recomposto pela abstração e pelas técni-
dos etc. Não é uma visão negativa do jornalismo, cas adequadas numa cristalização singular e fe-
é uma visão negativa da natureza humana em nomênica plena de significação, para então ser
geral (poderia aplicar-se a médicos, dentistas, percebido como experiência vivida. (GENRO FI-
advogados, engenheiros), inspirada, em última LHO, 1988, p. 140).
análise, no pessimismo da Human Nature, obra
clássica do pensamento saxônico. (LAGE, 2003). Ao destacar a especificidade do singular no discur-
so jornalístico, Genro Filho diz que
O jornalismo na perspectiva da singularidade do
acontecimento As informações que circulam entre os indivíduos
Em um esforço ousado, Adelmo Genro Filho (1988) na comunicação cotidiana apresentam, normal-
propõe uma teoria marxista para o jornalismo. Para mente, uma cristalização que oscila entre a sin-
além das implicâncias do modelo apresentado por gularidade e a particularidade. A singularidade
Genro Filho, interessa aqui explorar o diferencial que se manifesta na atmosfera cultural de uma ime-
essa proposição traz ao jornalismo. Trata-se da noção diaticidade compartilhada, uma experiência vi-
de singularidade como ponto de partida para o olhar vida de modo mais ou menos direto. Somente o
periodístico. Mas, a idéia de singularidade só tem aparecimento histórico do jornalismo implica
sentido se relacionada às outras duas esferas que, a uma modalidade de conhecimento social que, a
partir de Hegel e da posterior discussão de Georg partir de um movimento lógico oposto ao movi-
Lukacs, formam um determinado acontecimento: a mento que anima a ciência, constrói-se delibera-
universidade e a particularidade. da e conscientemente na direção do singular,
Ao elaborar suas reflexões, Genro Filho preocu- como ponto de cristalização que recolhe os movi-
pou-se em compreender as potencialidades e o signi- mentos, para si convergentes, de particularidade
ficado do jornalismo. Dirá, então, que o relato jorna- e da universalidade (1988, p. 160).
lístico de um fato singular já contém dimensões
particulares e universais na forma viva do próprio Existe, obviamente, uma inter-relação entre essas
acontecimento, pois um fato jornalístico, em certa pro- três categorias que representam aspectos objetivos do
porção, expressa a interiorização das relações sociais mundo real. A questão central, nesse debate, parece
que o envolvem na construção (inter) subjetiva de residir fundamentalmente no fato de que a aborda-
sentidos do discurso. gem jornalística tende a apreender o real pelo movi-
O autor de O Segredo da Pirâmide (1988, p. 49) alerta, mento e este como produção do novo, daquilo que
com isso, que a atividade jornalística não se reduz a motiva a elaboração de uma determinada notícia.
uma mera coleta e reprodução dos fenômenos en- Genro Filho (1989, p. 2) observa que a ligação entre
quanto algo dotado de significados puramente objeti- essas três esferas de um fenômeno abordado é sempre
vos. Antes, ela inclui a reconstituição fenomênica já relacional. O particular, por exemplo, “é sempre par-
“recheada de significação” pela intermediação subje- ticular em relação a um singular e a um universal”.
tiva tanto do comunicador que elabora a notícia como Não há um particular por si mesmo, como também
por parte do receptor que, enquanto membro dessa não existe um singular fixo. “Em cada uma das di-
mesma comunidade social – não necessariamente lo- mensões estão presentes as demais categorias, mas
cal, mas potencialmente global e presentificada no estão presentes de forma subjacente, superada, como
imaginário – participa da produção do sentido dos se fossem dissolvidas”. Não havendo apenas um
respectivos enunciados. Falar em jornalismo é, então, singular, em boa medida, a singularidade de um
falar em fragmentos de realidade, resultantes de um fenômeno depende do ângulo e da compreensão com
jogo de fatores e códigos de produção discursiva. A que se reveste o olhar do indivíduo quando de sua
reflexão de Genro ilustra bem essa complexidade: tentativa de compreensão.
Se a singularidade é a força central da informação,
A notícia jornalística reproduz o fenômeno en- na construção discursiva de um evento, serão “as
quanto tal, resguardando sua aparência e forma características, os detalhes necessários para montar

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um quadro com uma certa semelhança da percepção na orientação editorial são, assim, alguns fatores que
imediata que os indivíduos têm das coisas que con- podem marcar o processo de produção, circulação e
tornam o discurso jornalístico”. É daí que decorre a consumo da informação jornalística. Fatores esses
“grandeza e a força do jornalismo”, acredita Genro que podem redirecionar os sentidos que vão ser desta-
Filho (1988). cados e marcar a apresentação dos mais diversos
Existe, obviamente, uma série de outras contribui- produtos do jornalismo contemporâneo. Da mesma
ções bibliográficas que podem ser relacionadas ao forma, os desdobramentos políticos, econômicos e
modo como os autores citados trabalham o jornalis- culturais dessa perspectiva estão diretamente associ-
mo. Destaque-se aqui, por exemplo, a discussão de ados aos modos de organizar, viver, pensar e agir dos
Maurice Mouillaud, que trabalha o jornal como um indivíduos que participam de um determinado con-
campo polêmico que, dessa forma, também atua na texto e época.
instituição cotidiana de sentidos no imaginário cole- São esses procedimentos rotineiros – e considera-
tivo. O discurso do jornal integra um conjunto de dos “objetivos” – que Gaye Tuchman (1993, p. 74)
relações que envolvem dispositivos e técnicas que denomina de “rituais estratégicos” de proteção con-
produzem sentido num contexto e momento (Moui- tra erros, críticas, e falsidades. Numa retomada – in-
llaud, 1997, p. 29). Além disso, direta e, de certo modo, sutil – de influências do funci-
onalismo sociológico, a objetividade é compreendida
O jornal diário tornou-se, na realidade, um subs- por Tuchman como estratégia que possibilitaria um
titutivo do espaço público, um fórum onde se maior e, supostamente, necessário distanciamento
escuta o eco de todas as vozes públicas, ao mes- entre os jornalistas e os fatos, bem como entre os
mo tempo em que tem sua própria voz. Esta dua- jornalistas e as fontes.
lidade está na origem das estratégias pelas quais Sem abraçar exclusivamente uma dessas várias
o jornal manipula, seja por identificar-se com ele, abordagens como a mais convincente, é possível con-
seja por distanciar-se do mesmo, o discurso de siderar alguns aspectos apresentados pelos autores
outrem. Uma tipologia das “estratégias da cita- citados, explorando o potencial do jornalismo pela
ção” é proposta em conclusão a essas análises. perspectiva da singularidade do acontecimento, ao
(MOUILLAUD, 1997, p. 27). considera-lo como um dos inúmeros mecanismos que
participam dos processos e relações que instituem a
Rosa Nívea Pedroso (2003) discute o caráter infor- realidade. E, assim, também contribuem na constru-
mativo do jornalismo e, de certo modo, também reto- ção agendamento, tematização e visibilidade que pos-
ma essa trajetória em que a realidade social é compre- sibilitam pensar sobre os fatos selecionados e, jorna-
endida como um campo aberto para disputas listicamente, pautados do campo social.
simbólicas e onde, cotidianamente, as produções jor- Além das principais características que, tradicio-
nalísticas também atuam. nalmente, são referências no jornalismo4 , é possível
Na avaliação da professora Pedroso (2003), o jor- destacar o agendamento (agenda setting) e as rotinas
nalismo é uma atividade que “transforma o aconteci- produtivas como fatores que integram a produção
mento em notícia (e a notícia em meta-acontecimento, periodística e, numa perspectiva relacional entre al-
isto é, o fato reacontece ao ser relatado/narrado” que, guns dos conceitos aqui discutidos, pensar que o
por sua vez, “reacontece de acordo com as leis do jornalismo configura uma construção atualizada das
mundo simbólico)”, seja em formato de reportagem, relações entre os fatos do cotidiano, operando no ima-
entrevistas diretas, artigos, foto-legendas, notas, den- ginário histórico-cultural de uma dada época.
tre outras variações discursivas.
Ao trabalhar com fatos – teoricamente inéditos, exó- No agendamento (singular) do fazer jornalístico... a
ticos e singulares – a produção jornalística assume a instituição social da realidade
possibilidade concreta e cotidiana de “interpretar” a De um modo geral, os discursos (produtos) midiáti-
realidade social, seguindo rotinas editoriais, condi- cos operam nos interstícios, nos supostos “vazios”
ções técnicas e procedimentos de seleção, hierarqui- das relações sociais, negociadas, impostas ou, ainda,
zação e publicação de determinados olhares que inte- instituídas pelos grupos humanos. É, pois, também a
gram e agem na vida social. A produção periodística dimensão imaginária que, num determinado momen-
torna-se, assim, um discurso que, ao apresentar-se to, torna uma informação mais aceita e autoprojetável
como “porta-voz” de determinados olhares – marca- no meio social do que, diferentemente, se registra em
dos pela busca da pluralidade, proximidade, univer- outras ocasiões. Esse mesmo enfoque e exploração da
salidade, periodicidade, interesse coletivo, dentre ou- dinâmica instituído-instituinte torna o discurso jor-
tras características –, participa da instituição, nalístico um mecanismo de intervenção nas relações
manutenção ou projeção das relações do espaço sim- sócio-imaginárias do mundo contemporâneo.5
bólico, geográfico e cultural em que os produtos jorna- Por essa mesma lógica, os sentidos dos discursos
lísticos circulam. midiáticos não são deflagrados senão numa dinâmi-
Limites de tempo e espaço; condições de produção; ca instituinte, seja no espectro da negociação, imposi-
qualificação profissional e interferência empresarial ção, resíduo cultural ou memorizações. Como o senti-

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do é produzido nas relações entre as coisas, fatos e ção, apagamento ou projeção de significação valorati-
indivíduos que ocupam posições de sujeito, o espaço va, a partir da interlocução com o imaginário social.
social onde se desencadeiam esses processos de cons- A noção de poder designa, aqui, o que seriam os
trução de valores, sentidos e situações projetadas é, a efeitos dos discursos no interior de um determinado
princípio, uma possibilidade, uma esfera aberta e in- contexto de relações sociais, sendo que tais efeitos
determinada. Daí porque se pode pensar – nos cam- não podem deixar de ser uma produção de sentido. É
pos sociais pelas relações estruturadas e, ao mesmo o que explica Eliseo Verón:
tempo, em estruturação – em processos de disputa e
construção de hegemonia. Assim, o discurso jornalís- Todo reconhecimento engendra uma produção
tico configura e se constitui em uma forma possível de e, por sua vez, toda produção resulta de um siste-
compreensão e, conseqüentemente, de construção da ma de reconhecimento. Desse modo, um tal tipo
realidade (social) cotidiana. Sem dúvida, em cada de “mensagem” dos media tem efetivamente um
caso, as condições de produção, circulação e de reco- poder sobre os “receptores”; esse poder só existe
nhecimento (VERÓN, 1981, p. 193) implicam meca- sob a forma de sentido produzido: comporta-
nismos diferentes que exigem a utilização de estraté- mentos, falas e gestos que definem relações soci-
gias e análises específicas. Essa lógica sobre os modos ais determinadas entretidas por esses mesmos
de dizer, entretanto, é objeto para outras discussões. “receptores” e que se entrelaçam na infinita rede
Sob certos aspectos, o jornalismo efetua, então, uma da semiose social. (VERÓN 1981, p. 197).
espécie de “mundo possível” que se apresenta na
forma de representações discursivas que ganham vi- É nesse sentido que o jornalismo constrói e trans-
sibilidade social por meio das estruturas de produ- porta um “mundo possível” (ALSINA, 1989), que se
ção, circulação e consumo. Miquel Rodrigo Alsina processa e se desdobra como construção sócio-cultu-
(1989) dirá que no processo de produção jornalística ral e imaginária. Como os indivíduos deslocam-se,
interferem três mundos distintos e inter-relacionados: vivenciam e realizam suas experiências num determi-
Por um lado, compreendido como a fonte dos eventos nado universo social, que é, a priori, conformado por
que o jornalismo utiliza para produzir a notícia, está uma série de variantes sócio-culturais, pode-se dizer
o “mundo real”. Já o “mundo de referência” envolve que o ser humano é “apresentado” a uma estrutura de
todos aqueles elementos nos quais se podem enqua- mundo com a qual aprende a conviver e vai formando
drar os fenômenos do mundo real problematizado. sua compreensão social, sua personalidade, seu mun-
Justifica-se aqui o fato de ser imprescindível, para a do existencial e, enfim, capacitando-se para pensar e
compreensão de um evento, o seu enquadramento agir coletivamente.
num modelo de mundo referencial. Por sua vez, o É nessa perspectiva (sociológica) que se pode me-
“mundo possível” seria aquele que o jornalista cons- lhor compreender o modo como se processam os des-
trói, a partir do “mundo real” e do “mundo de referên- dobramentos do discurso jornalístico. Adelmo Genro
cia” escolhido. Conclui-se, pois, que o mundo possí- Filho (1988, p.81) dirá que é a partir da necessidade
vel construído e projetado no discurso da informação de relacionar os indivíduos com o mundo global que
recolhe suas marcas e traços do mundo de referência. surge o “jornalismo como uma forma de conhecimen-
Essa noção de mundo possível, trabalhada por Al- to que vai cumprir um papel semelhante ao da per-
sina (1989), está associada aos mecanismos de cons- cepção individual da singularidade dos fenômenos,
trução histórica e imaginária da sociedade e da reali- só que agora é como se nos relacionássemos com a
dade contemporâneas. É nessa dimensão imaginária imediaticidade do mundo, de uma aldeia global”.
que o discurso jornalístico opera enquanto recorte e A realidade presentifica-se, projeta-se e se constrói
produto da dinâmica instituído-instituinte, marcado (ou é construída) pelos discursos. O mesmo ocorre
por seus respectivos modos, mecanismos, especificida- com o jornalismo, na medida em que opera uma série
des editoriais, fatores de conexão, recursos técnicos, de elementos e relações que interagem, direta ou indi-
dentre aspectos que instituem a produção jornalística. retamente, na vida das pessoas. Aqui, também em
Pondere-se que se, por um lado, Miquel Alsina de- função da dimensão globalizante dos espaços midiá-
safia o senso prático profissional, identificando na ticos, não é apenas o grau de proximidade que deter-
notícia uma lógica de acontecimento como rompi- mina o interesse por um determinado discurso. Além
mento sistêmico do cotidiano, por outro lado, ele mes- disso, os problemas e confrontos da realidade perpas-
mo parece complicar-se um pouco quando tenta cap- sam todo o processo de elaboração da informação, pois
tar o que seriam as especificidades do discurso constituem um recorte do fluxo contínuo de ocorrências.
periodístico. Adelmo Genro Filho (1988), mesmo que Entendido como o discurso da cotidianeidade, o
parcialmente e nos limites de um modelo sociológico, jornalismo responde a uma necessidade social da
parece superar esse dilema ao identificar a centrali- informação: noticia, informa e veicula uma aborda-
dade da produção jornalística em sua relação de sin- gem a respeito dos eventos da realidade (global) coti-
gularidade; no que há de mais específico e peculiar diana, logicamente passível de identificação pelo seu
em um dado fenômeno pautado. Ressalte-se, entre- respectivo público-alvo, uma vez que são essas mes-
tanto, que essa singularidade só tem sentido de produ- mas condições e possibilidades de produção que tor-

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nam uma notícia aceitável... na medida em que o As “rotinas” produtivas como referências e limites
receptor é interlocutor, que age como “reconhecedor” profissionais
dos sentidos projetados nos produtos que ganham Para além ou paralelo às estruturas sociais e à pró-
visibilidade e forma pela ação jornalística. pria lógica empresarial da comunicação, o jornalismo
Ao “cristalizar” a singularidade de um dado even- é marcado por “rotinas” profissionais, que podem ser
to (dando forma e expressão pela articulação discur- definidas como “uma série de actuações dos meios de
siva), o jornalismo constrói acontecimentos de um comunicação que regulam e determinam o exercício
modo específico; pontua relações entre os aspectos de profissional a partir de factores que nada têm a ver
ordem particular, que envolvem os fenômenos abor- com a importância intrínseca dos factos ou a sua
dados, apresentando – como projeção potencial uni- actualidade” (Fontcuberta, 1999, p. 106). Na medida
versalizante – outras formas de compreender as situ- em que integram o cotidiano da profissão, de certa
ações da realidade noticiada. Mas esse efeito, como se forma como algo “inerente”, as rotinas “são vistas como
sabe, é apenas um momento do processo de construção o preço da urgência imposta pelo trabalho com factos
do real do qual o jornalismo participa, como um meca- da actualidade e como imperativos do próprio processo
nismo de produção de sentido entre os interlocutores de produção mediática”. (Fontcuberta, 1999, p. 106).
(Pêcheux, 1988), usuários, leitores ou telespectadores. O estudo de Gaye Tuchman (1983), uma das pri-
Não se trata, além disso, apenas da recepção que o meiras autoras a problematizar o assunto na perspec-
público-alvo vai ter do discurso elaborado, mas fun- tiva construcionista,6 indica que os modos de organi-
damentalmente do fato de que o processo mesmo da zação e funcionamento do jornalismo impõem um
definição da pauta à construção discursiva, em si, ritmo de trabalho baseado ou decorrente de três fato-
pressupõe um conjunto de relações significantes que res – espaço, tempo e fontes – que, em última instân-
povoam o momento em que se delimitou o que, estra- cia, determinam a própria agenda do fazer jornalístico.
tegicamente – seja sob o ponto de vista mercadológi- Desse modo, “a estruturação do tempo numa re-
co, de valoração conceitual, importância ou impacto – dacção também influi na avaliação dos factos como
será incluído ou não na edição periodística. Como se acontecimentos informativos”, diz Fontcuberta (1999,
habituou a pensar: o grau de inovação em que o jorna- p. 106). O tempo central de funcionamento efetivo da
lismo opera é dado pela possibilidade de aceitação estrutura de um diário, por exemplo, é um indicador
que o seu público potencial apresenta. Embora o re- de que os acontecimentos, programados ou registra-
ceptor dos suportes de comunicação também seja, nas dos nesse período, possuem um grau de noticiabili-
palavras de Antonio Fausto Neto (1991, p. 17), “al- dade superior aos fatos que ocorrem após, ou antes,
guém construído na própria economia enunciativa desse tempo de “cobertura” jornalística cotidiana.
ou na produção imaginária dos organizadores e enun- A rotina profissional de produção jornalística, con-
ciadores do discurso”. tudo, acompanha não só o processo de agendamento
Pertinente considerar ainda que os procedimentos como também as expectativas do público e os desdo-
de produção de sentidos no discurso jornalístico ope- bramentos que o acontecimento pode adquirir. É, ain-
ram-se nesse constante imbricamento de falas, bem da, fundamental considerar as rotinas que podem
como do apagamento ou anulação de certos aspectos facilitar ou, em outros casos, justificar o não acompa-
constitutivos da deflagração de sentidos. Contudo, nhamento da reportagem. Na base disso está, obvia-
sabe-se que essa justaposição de vozes e falas não é mente, uma “estrutura” de rotina profissional de pro-
algo que ocorre apenas nos discursos midiáticos, pois dução jornalística que não pode ser desconsiderada e
caracteriza, antes, todo e qualquer processo de produ- tampouco ignorada, seja por profissionais da área,
ção de sentidos. A construção – ordem e coerência produtores culturais ou leitores que, freqüentemente,
lógica – que o acontecimento discursivo assume ins- alegam descaso da parte da mídia para com determi-
taura um estatuto e dimensão conceitual, estabelecen- nados eventos. Algumas vezes tais argumentos pro-
do uma ordem nos fatos enunciados, os quais, mesmo cedem, em outras, contudo, seria oportuno ter presen-
sendo referentes de eventos do cotidiano, não possu- te a lógica das rotinas produtivas do jornalismo.
em o mesmo tempo e espaço, exatamente porque que A pluralidade de fontes é outro fator essencial que
em cada construção instaura-se uma outra ordem do envolve as rotinas profissionais da área e, pois, vai
mundo que os discursos midiáticos apresentam ao marcar as estratégias de produção editorial. A priori-
seu respectivo público-alvo. dade ou, em certos casos, centralidade de fontes ofici-
Sabe-se ainda que as produções jornalísticas, não ais, por exemplo, é uma prática que parece ser cada
sendo absoluta e aleatoriamente casuais, orientam- vez mais habitual no jornalismo brasileiro. Tais ca-
se, por exemplo, por pistas semânticas, pautas agen- racterísticas da rotina profissional passam a consti-
dáveis, indicam sinais que os fatos e boatos sugerem, tuir, apesar da ação “facilitadora” das assessorias
dando-lhes uma conexão – nem sempre tão lógica cada vez mais equipadas, um “hábito” profissional e,
quanto os supostos “fatos brutos” possam aparentar ao mesmo tempo, uma desculpa para que, do ponto
– que vai, em alguma medida, apresentar-se como de vista administrativo, os proprietários de veículos
uma outra compreensão estrutural dos eventos e rela- e, por extensão os diretores de redação e edição, não
ções do mundo social. apostem no tradicional exercício do jornalismo de

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apuração, checando, comparando e verificando a pro- Observações Conclusivas


cedência e interesse das centenas ou milhares de in- É nesse sentido que se pode dizer que todo produto
formações que, diariamente, chegam aos editores, via jornalístico (seja ele voltado ao campo cultural, eco-
e-mail, telefone, correio ou contato direto. nômico ou político) “trafica” e publiciza imagens da
De toda forma, diante de uma gama crescente de realidade social, à medida que o mesmo é identifica-
informações, os profissionais do jornalismo precisam, do, consumido e apropriado pelo público. Ao estabe-
inevitavelmente, “exercitar” sua condição de selecio- lecer uma (inter) conexão com o mundo, o produto
nar, hierarquizar, excluir e incluir na edição do dia jornalístico presentifica a simultaneidade de uma enor-
seguinte os assuntos que, sob sua ótica e em relativa me variedade de fenômenos, desenhando um mapa
consonância com os interesses e expectativas dos lei- do universo social onde são recortados os aconteci-
tores e no próprio jogo de “pressão” por parte das mentos noticiados pela mídia. Esse ato de produção
indústrias culturais, será editado e terá destaque no social imaginária (e, pois, histórica) capacita o indiví-
caderno de cada edição diária. duo a projetar novas relações e compreensões, possi-
Gaye Tuchman (1983) discute o assunto ao tentar bilitando – pelo olhar singular do acontecimento pau-
compreender “como” os jornalistas decidem o que é tado e discursivamente estruturado – outras noções
notícia no meio profissional e o porquê destes profis- da realidade, materializadas em uma forma de pro-
sionais se pautarem por determinados critérios, e não dução singular do conhecimento humano.
por outros, por exemplo, para decidir o que os leito- Contudo, daí a afirmar que essa perspectiva seria
res/ouvintes/telespectadores podem vir a receber uma teoria marxista do jornalismo, como sugeriu Adel-
pelos respectivos meios periodísticos. mo Genro Filho (em sua importante obra sobre o as-
Importante, por isso, considerar as rotinas produti- sunto!) talvez, ainda, haveria uma grande distância.
vas como elementos integrantes das estratégias de Mas, este já seria um outro debate! O fato é que, na
produção jornalística, onde a notícia resulta de um perspectiva aqui discutida, o jornalismo leva a cabo –
trabalho socialmente produzido; o que implica em ter pela ação cotidiana de sua produção discursiva – um
presente não apenas o contexto, mas também os pro- conhecimento que pode participar da construção co-
cessos e os modos que instituem a atividade periodís- tidiana da realidade social... um olhar, portanto, as-
tica. É nessa orientação de pesquisa (newsmaking) que sumidamente construcionista para uma teoria do jor-
se busca compreender e descrever o trabalho dos emis- nalismo contemporâneo.nFAMECOS
sores como parte de um processo marcado por roti-
nas, imagens – por vezes, estereótipos –, expectativas NOTAS
dos leitores, agendamento instituído pela presença e
ação de outros atores no campo midiático, limites e 1. Em As novas sociologias: construções da realidade
seleções temáticas.7 social, Philippe Corcuff (2001, p. 89) aponta algu-
Como decorrência, o processo de seleção – agenda- mas diferenças e, ao mesmo tempo, aproxima-
mento, pauta e produção – jornalística não ocorre de ções entre o “construtivismo estruturalista, que
forma isolada, sob única responsabilidade de alguns parte das estruturas sociais, reivindicado por
profissionais, mas integra um processo que é formu- Pierre Bourdieu” (1990 e 1998), e o “construtivis-
lado, e mantido inclusive, sob o consentimento da mo fenomenológico”, ao qual estão mais próxi-
sociedade civil (mais ou menos organizada!), dos mos os trabalhos de Peter Berger e Thomas Luck-
consumidores e dos gestores da vida pública ou ad- mann (1987), desenvolvidos a partir de Alfred
ministrativa vigentes. SCHÜTZ (1979 e 1987). Nessa última perspecti-
E, assim, a “responsabilidade” pela edição (publi- va, “a sociedade é uma produção humana; uma
cação ou não) de determinados fatos e assuntos não realidade objetiva e o homem é uma produção
pode ser atribuída unicamente ao que se entenderia social”. (BERGER e LUCKMANN, 1987, p. 87)
por critérios e opções “subjetivas” dos próprios pro-
fissionais. Logicamente, considerar esses múltiplos 2. Um outro autor português, Jorge Pedro Sousa,
mecanismos de intervenção no processo não equivale sistematiza os paradigmas e teorias das notícias
a isentar os profissionais do jornalismo pela suas e do jornalismo no último século. Pode-se afir-
respectivas concordâncias (adesões, conivência ou mar que o trabalho de Souza, de certo modo,
indiferença) diante das políticas editoriais das em- complementa e dialoga com o texto de Nelson
presas de comunicação. Isso porque os virtuais e dis- Traquina, já que também ele assume uma versão
cutidos interesses da sociedade civil muito dificil- construcionista das notícias. (SOUSA, 2002, p. 18).
mente parecem ser os mesmos que as algumas
empresas insistem em denominar como “interesses 3. Conforme discussões feitas na Lista Jornalismo
do mercado”; no meio dos quais, os profissionais não Cultural on line, realizadas no período em 30/
parecem ter muitas condições de reivindicar isenção 03/2003, disponíveis em
ou indiferença. www.yahoogrupos.com.br/jncultural/. Acesso
em 30/08/2003.

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4. Otto Groth, por exemplo, já na primeira década GADINI, Sérgio Luiz. Jornalismo e Acontecimento: A
de século XX (na Alemanha), fala em universali- Produção de Sentido no Discurso da Informação.
dade, periodicidade, atualidade e difusão (BE- Dissertação (Mestrado em Comunicação e
LAU, 1966, p. 43). Cultura Contemporâneas) – Faculdade de
Comunicação, Universidade Federal da
5. Para uma discussão mais densa e sistemática Bahia. Salvador, 1994.
sobre jornalismo e construção do imaginário
social, ver GADINI, Sérgio Luiz. Jornalismo e GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide:
Acontecimento: A Produção de Sentido no Discurso para uma teoria marxista do jornalismo.
da Informação. Dissertação (Mestrado em Comu- Porto Alegre: Ortiz, 1988. 2. ed.
nicação e Cultura Contemporâneas) – Faculdade
de Comunicação, Universidade Federal da GENRO FILHO, Adelmo. “Jornalismo já tem sua
Bahia. Salvador, 1994. teoria”. In: Jornal Zero. Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina,
6. Robert Park e Walter Lipmann, na primeira me- setembro de1989. Caderno especial, página 2.
tade do século XX, já haviam discutido o assun-
to, com base no interacionismo simbólico sem, LAGE, Nilson. Conforme discussões feitas na Lista
contudo, aprofundar os desdobramentos da Jornalismo Cultural on line, realizadas no
produção jornalística, como vão fazer, mais tar- período em 30/03/2003, disponíveis em
de, Tuchman e outros autores. www.yahoogrupos.com.br/jncultural/.
Acesso em 30/08/2003.
7. É importante destacar, aqui, a noção de gatekee-
per. Aplicado aos estudos do jornalismo, na MELUCCI, Alberto. A invenção do presente:
década de 1950, pioneiramente por David White, movimentos sociais nas sociedades complexas.
esse conceito da psicologia social refere-se à Petrópolis: Vozes, 2001.
pessoa que toma uma decisão numa seqüência
sistemática. No processo de produção da infor- MOUILLAUD, Maurice e PORTO, Sérgio Dayrell
mação, “é concebido como uma série de escolhas (org.). O Jornal: da forma ao sentido. Brasília:
onde o fluxo de notícias tem de passar por diver- Paralelo 15, 1997.
sos gates, isto é, portões que não são mais do que
áreas de decisão em relação às quais o jornalista, PÊCHEUX, Michel. Discurso, Estrutura ou
isto é o gatekeeper, tem de decidir se vai escolher acontecimento. Campinas: Pontes, 1990.
essa matéria ou não” (TRAQUINA, 2001, p. 36).
PEDROSO, Rosa Nívea. “Elementos para
REFERÊNCIAS compreender o jornalismo informativo”. In:
Sala de Prensa (Web para Profesionales de la
ALSINA, Miguel Rodrigo. La construcción de la Comunicacion Iberoamericanos). Numero 51,
noticia. Barcelona: Paidós, 1989. Enero 2003. Año IV, Vol. 2. Acesso em 21/
10/2003.
BELAU, Angel Faus. La ciencia periodística de Otto
Groth. Pamplona: Univ. de Navarra, 1966. SCHÜTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais.
Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
BERGER, P. & LUCKMANN, T. A construção social da
realidade. Petrópolis: Vozes, 1987. 7. ed. SCHÜLTZ, Alfred. “Sur les realitès multiples”. In:
Le chercheur et le quotidien. Paris: Meridièns,
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: 1987. Pp: 103-167.
Bertrand Brasil, 1998. 2.ed.
SOUZA, Jorge Pedro. Teorias da notícia e do
CORCUFF, Philippe. As novas sociologias: construções jornalismo.Chapecó/Florianópolis: Argos/
da realidade social. Bauru: Edusc, 2001. Letras Contemporâneas, 2002.

FAUSTO NETO, Antônio. Mortes em derrapagem. TRAQUINA, Nelson (org.). Jornalismo: Questões,
Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1991. Teorias e histórias. Lisboa: Vega, 1993.

FONTCUBERTA, Mar de. A notícia: pistas para TRAQUINA, Nelson (org.). Revista de Comunicação e
compreender o mundo. Lisboa: Editorial Linguagens. Jornalismo/2000. Lisboa: Relógio
Notícias, 1999. D”Água, 2000.

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