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DOSSIÊ PARCERIA EM GRUPOS DE PESQUISA

Máquinas de ver, “A visibilidade é uma armadilha”


Michel Foucault
modos de ser:
visibilidade e
subjetividade
nas novas
tecnologias de
informação e de
comunicação* A RELAÇÃO ENTRE subjetividade e visibilidade
ganha novos contornos com as tecnologias
comunicacionais contemporâneas. Tais tec-
RESUMO nologias participam de uma transformação
O presente artigo fala sobre a relação entre subjetividade e no modo como os indivíduos constituem
visibilidade que ganha novos contornos com as tecnologias co- a si mesmos e modulam sua identidade a
municacionais contemporâneas. Tais tecnologias participam de partir da relação com o outro, mais espe-
uma transformação no modo como os indivíduos constituem a cificamente com o ‘olhar’ do outro. De um
si mesmos e modulam sua identidade a partir da relação com lado, weblogs e webcams promovem novos
o outro, mais especificamente com o ‘olhar’ do outro. formatos de exposição da vida íntima e
privada1. De outro lado, circuitos internos
ABSTRACT de TV, câmeras, chips, bancos de dados e
This article deals with the relationship betwen subjectivity and programas computacionais de coleta e pro-
visibility and the role played by the new com-munication tech- cessamento de informação expõem as ações
nologies on this matter. e comportamentos de inúmeros indivíduos
a uma vigilância quase que contínua. Estes
PALAVRAS-CHAVE (KEY WORDS) novos dispositivos dão continuidade a uma
- Subjetividade (Subjectivity) tendência inaugurada na modernidade:
- Tecnologias (Technologies) a incidência do foco de visibilidade sobre
- Contemporaneidade (Contemporaneity) o indivíduo comum, aspecto decisivo na
produção de subjetividades e identidades.
No interior desta continuidade pretende-
se, contudo, apreender dois deslocamentos
principais. O primeiro concerne à consti-
tuição de uma subjetividade exteriorizada
e marcada pela projeção e antecipação, que
vem se sobrepor a uma subjetividade in-
teriorizada e marcada pela introspecção e
pela hermenêutica. O segundo diz respeito
a mudanças no estatuto do olhar do outro e
do observador, que assume duas novas for-
mas: a primeira, própria aos weblogs e web-
Fernanda Bruno** cams, é caracterizada pela privatização do
UFRJ/Brasil
olhar outrora público e coletivo; a segunda,

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própria à vigilância eletrônica, é caracte- de um olhar individualizante, de um po-
rizada pelo primado da ‘pre-visão’ sobre a der que individualiza pelo olhar, tornando
visão. Os weblogs e webcams2 serão ainda visível, observável, analisável, calculável
explorados tendo em vista as mudanças no o indivíduo comum. Deste modo, o poder
sentido e na experiência da intimidade, que torna-se cada vez mais anônimo enquanto
deixa de corresponder à tópica moderna o indivíduo comum ou desviante, exposto à
do sujeito, onde se opunha aparência e re- visibilidade, torna-se cada vez mais objeti-
alidade vinculando a primeira à superfície, vado e atrelado a uma identidade – o crimi-
à exterioridade e à máscara e a segunda à noso, o doente, o louco, o aluno, o soldado,
profundidade, à interioridade e à verdade. o trabalhador têm seus comportamentos,
Antes de explorar as transformações sintomas, manias, vícios, falhas, desempe-
anunciadas, cabe explicitar os nexos entre nhos, aptidões, méritos e deméritos investi-
subjetividade, visibilidade e tecnologia. dos, conhecidos, registrados, classificados,
Nos restringiremos a mostrar como estes recompensados, punidos por uma maqui-
três domínios se imbricam na modernidade naria de vigilâncias hierarquizadas.
para em seguida traçarmos os deslocamen- Vejamos com mais detalhes de que
tos engendrados na atualidade. A refe- modo tal exposição à visibilidade produz
rência a Foucault é indispensável. Em sua indivíduos e subjetividades. Lembremos
“genealogia da alma moderna” (1983, p. dos princípios que regem o Panóptico de
31), uma das definições do projeto de Vigiar Bentham, o conhecido dispositivo arquite-
e Punir, a subjetividade é inseparável dos tônico de vigilância, “máquina ótica uni-
dispositivos de visibilidade. As instituições versal das concentrações humanas” (Miller,
disciplinares, que encontram seu modelo 2000, p. 77), polivalente em suas aplicações:
ideal no Panóptico, são máquinas de ver prisão, escola, hospital, fábrica, asilo psi-
que produzem modos de ser. O poder dis- quiátrico. A arquitetura circular, as celas
ciplinar e a produção de individualidades e individuais dispostas em anel e a torre cen-
subjetividades na modernidade não podem tral atendem ao princípio de dissociação do
ser dissociados de todo um jogo de olhares par ver-ser visto (Foucault, op. cit., p. 178)
e de uma “arte obscura da luz e do visí- ou de “repartição do visível e do invisível”
vel” (idem, p. 154), presentes nos diversos (Miller, op. cit., p. 77). Da torre central, onde
dispositivos e tecnologias, mais ou menos deve se instalar a vigilância, a transparência
materiais, que constituem o mecanismo é total – todas as celas, todos os indivíduos
disciplinar. De construções arquitetônicas a nelas alojados são perfeitamente visíveis; o
discursos e táticas, constitui-se “um apare- olho central tudo vê. Das celas, ou nada se
lho onde técnicas que permitem ver indu- vê ou se é furtado da decisão sobre o que se
zem a efeitos de poder, e onde, em troca, os vê. Lateralmente, nada se vê, pois as celas
meios de coerção tornem claramente visí- dispostas em anel são separadas por parti-
veis aqueles sobre quem se aplicam” (idem, ções que impedem ver umas às outras. Esta
p. 153). Aí reside uma das principais ca- invisibilidade lateral é garantia da ordem:
racterísticas da tecnologia disciplinar e sua sem visão e comunicação, os indivíduos são
diferença em relação ao modelo de poder mantidos distantes dos complôs, contágios,
que a precede, baseado na soberania: a in- conluios, violências recíprocas etc. (Fou-
versão do foco de visibilidade no exercício cault, op. cit., p. 177). No lugar
do poder. O olhar não mais incide naqueles destes fenômenos próprios às aglomerações
que exercem o poder, mas naqueles sobre humanas e às massas, constitui-se uma
quem o poder é exercido. Sobre o indivíduo “coleção de individualidades separadas”,
comum, ordinário, e ainda mais sobre aque- “enumerável e controlável” onde os indi-
les que estão aquém do comum e mediano víduos reclusos residem numa “solidão
– o desviante, o anormal. Trata-se, de fato, seqüestrada e olhada” (ibidem). O lado de

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fora do edifício também é invisível desde a age discreta e anonimamente, suscitando
cela - a janela voltada para o exterior deixa pouca resistência. Ganho de eficiência, pois
entrar o ar e a luz mas impede que se olhe os próprios indivíduos, então submetidos
para fora. A torre central é finalmente visí- à visibilidade, tornam-se a um só tempo o
vel desde a porta da cela voltada para a face efeito e o instrumento do poder, que passa
interna do anel, mas anteparos impedem a funcionar de modo automático e quase
que se veja o interior da torre. Deste modo, espontâneo através daqueles mesmos que
não é possível decidir se há ou não alguém visa a sujeitar.
na torre central. Noutras palavras, não é Começa a ficar claro em que medida
possível decidir a presença ou ausência do a exposição à vigilância e à visibilidade
vigia, mas se está constantemente ciente de produz individualidades e subjetividades.
que sempre se pode ser vigiado. Ao princí- Sabe-se que esta produção não se realiza
pio de dissociação do par ver-ser visto - “no ‘de cima para baixo’ nem simplesmente ‘de
anel periférico se é totalmente visto, sem fora para dentro’, ou seja, as repetidas ve-
nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem zes em que Foucault (op. cit.) afirma que os
nunca ser visto” (idem, p. 178) - junta-se o indivíduos são ao mesmo tempo o principal
de ‘inverificabilidade’ do poder (ibidem). efeito e o principal instrumento do poder
Este segundo princípio é decisivo para disciplinar ele está chamando a atenção
que se cumpra o que Foucault considera para o quanto o poder não implica apenas
ser o efeito mais importante do Panóptico: uma relação com o outro, mas também uma
“Induzir no detento um estado consciente relação dos sujeitos consigo mesmos: a vigi-
e permanente de visibilidade que assegura lância e a autovigilância, o olhar do outro e
o funcionamento automático do poder” o olhar sobre si. Se a objetivação dos indiví-
(Idem, p. 177). Na medida em que o recluso duos requer a presença do olhar do outro,
não pode verificar se o olho do poder de a vigilância e seus efeitos disciplinares de-
fato o observa, a vigilância se torna constan- pendem ainda de todo um processo de sub-
te e independente da presença real do vigia. jetivação e interiorização. O olhar do outro
deve constituir um olhar sobre si, deve
“Se posso discernir o olhar que me abrir todo um outro campo de visibilidade
espia, domino a vigilância, eu a espio que se situa agora no interior do próprio in-
também, aprendo suas intermitências, divíduo e que deve ser ‘observado’ por ele
seus deslizes, estudo suas regularida- mesmo. Essa passagem da vigilância para
des, posso despistá-la. Se o Olho está a autovigilância4 supõe um segundo ele-
escondido, ele me olha, ainda quando mento da maquinaria disciplinar: a sanção
não me esteja vendo” (Miller, op. cit., normalizadora.
p. 78)3. Foucault apresenta inicialmente a san-
ção normalizadora como um “pequeno me-
Graças a esta astúcia, opera-se uma canismo penal” (op. cit., p. 159) que recobre
admirável economia do poder e uma maxi- o espaço deixado vazio pela lei jurídica.
mização de sua eficácia. Diminuição de cus- Os pequenos gestos e atitudes, as tarefas e
tos físicos e financeiros, pois nem mesmo a atividades cotidianas, o tempo, os discur-
presença real daquele que exerce o poder é sos, os hábitos, a maneira de ser de cada
requerida. Aumento de eficácia, pois se ga- indivíduo etc. – eis sobre o que se abaterá
rante com isso uma “vigilância permanente esta micropenalidade que, na realidade, se
em seus efeitos ainda que descontínua em dirige menos ao que cada um faz do que ao
sua ação” (Foucault, op. cit., pp. 177-178). que cada um é. Ou melhor, a norma é aqui-
Diminuição dos custos políticos, pois além lo que opera a passagem da ação ao ser, ex-
de reduzir drasticamente a cota de violên- traindo do comportamento individual o ser,
cia e crueldade no exercício do poder, este a identidade de cada um. O que se pune é

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a inobservância, o inadequado à regra, o reza e o valor dos indivíduos segundo bons
não conforme, o desvio, o anormal, enfim. e maus, normais e anormais. Esta divisão,
A norma é uma lei imanente; é uma regu- uma vez interiorizada, não se dá apenas
laridade observada e um regulamento pro- entre indivíduos mas também no interior
posto (idem, 160). Na escola, no exército, na de cada um passando a reger a relação con-
fábrica etc. observa-se o regular, dado pela sigo. Eis por que a norma opera a passagem
média dos indivíduos na realização das ati- da vigilância à autovigilância. Produzindo
vidades e tarefas requeridas. Tal regulari- aquilo que ninguém pode ser, ela orienta
dade torna-se, na seqüência, uma regra, um o campo de experiências e escolhas sobre
regulamento: os que não se ajustam à regra o que os indivíduos desejam ser. Através
são reprovados, advertidos, punidos. E tal da identificação com os valores que regem
reprovação não concerne apenas ao mau a divisão proposta pela norma, os indiví-
cumprimento de uma atividade, mas ao duos passam a temer, neles mesmos e não
valor dos indivíduos, lhes conferindo uma apenas no outro, o mal ou a anormalidade.
identidade – o aluno estúpido, o soldado Deste modo, a norma passa a ser não tanto
indisciplinado, o operário indolente. imposta, mas até mesmo almejada. Afinal
de onde a norma tiraria a sua positividade
“[...] Os aparelhos disciplinares hie- senão da produção daquilo mesmo que ela
rarquizam, numa relação mútua, os vem negar – de onde, por exemplo, uma
‘bons’ e os ‘maus’ indivíduos. Através sexualidade regular e conforme aos limites
desta microeconomia de uma penali- da genitalidade poderia retirar seu mérito
dade perpétua, opera-se uma diferen- senão da existência do perverso como a en-
ciação que não é a dos atos, mas dos carnação de uma alma doente com paixões
próprios indivíduos.” (idem, p. 162) repulsivas?
Por meio do duplo movimento aci-
Esta divisão não encontra sua efeti- ma descrito, dá-se um duplo efeito. De um
vidade enquanto for entendida como algo lado, a sujeição ao olhar do outro encontra-
que se impõe, do exterior, aos indivíduos. se legitimada, e mesmo consentida, quando
A norma, ou bem a classificação dos indi- o outro assume o lugar daquele que deve
víduos segundo normal/anormal, só fun- cuidar e assegurar o bem daqueles por
ciona, de fato, no interior dos indivíduos quem vela. De outro, a autovigilância inte-
e enquanto estes se julgam e se concebem gra a relação, o cuidado que os indivíduos
segundo seus valores e parâmetros. A pas- mantêm consigo, com o que desejam ou te-
sagem do exterior ao interior implica dois mem ser, com o que pretendem alcançar ou
movimentos. Em primeiro lugar, a sanção extirpar de si.
normalizadora traz à existência a anormali- Todo esse jogo de visibilidades e iden-
dade personificada - a “classe vergonhosa” tidades, de olhares e individualidades que
(idem, p. 163) da escola, o perverso sexual, a marcam a constituição da subjetividade
criança onanista, a besta criminosa. Mas es- moderna vem se completar com o exame
ses seres periféricos, essas existências exte- – terceiro elemento do dispositivo disci-
riores e marginais, encarnações da anorma- plinar. Ritual “de verdade”, o exame faz a
lidade, constituem também a interioridade vigilância e o olhar conduzirem não apenas
dos indivíduos, pois atuam diretamente so- à coerção de comportamentos ou à interio-
bre seus desejos e temores em relação à sua rização da norma, mas principalmente a um
própria natureza e valor, que se orientam conhecimento formalizado sobre os indiví-
segundo a divisão agora interiorizada do duos. Sabe-se que as instituições disciplina-
normal e anormal. O segundo movimento res não são apenas dispositivos de vigilân-
é portanto o de interiorização e de identifi- cia e normalização, mas também aparelhos
cação com o princípio que classifica a natu- de “examinar” e produzir conhecimento:

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o hospital, o asilo psiquiátrico, a escola, a visibilidade modernos fundam uma subjeti-
prisão, a fábrica, são locais onde a assistên- vidade que deve aplicar sobre si mesma, no
cia médica e terapêutica, a aprendizagem, recolhimento de sua interioridade, os pro-
o confinamento corretivo e a produção per- cedimentos de observação e correção que
mitem levantar um campo de conhecimen- lhes são aplicados do exterior. O
tos sobre os doentes e a doença física ou dispositivo disciplinar consegue assim, na
mental, sobre o aluno e o desenvolvimento sua forma ideal, lançar luz sobre aquilo que
cognitivo, o criminoso e as técnicas de rea- de outro modo restaria na sombra e na invi-
bilitação, o trabalhador e o processo de pro- sibilidade, o que, para esta forma de poder,
dução. Nesta medida, são locais onde os in- pode ser um meio de proteção e resistência.
divíduos caem na objetividade. O indivíduo Como vimos, a autovigilância só se cumpre
comum, o homem qualquer torna-se um a partir da identificação com o olho do po-
‘objeto’ descritível, mensurável, digno de der, representante da norma, e sua respecti-
registro e análise. O olho do poder aí mis- va interiorização.
turado ao olho do saber tem menos o peso Apenas assim
de uma força que diz não, que oprime, do
que a sutileza de uma técnica positiva que “(...) quem está submetido a um cam-
produz a verdade do indivíduo – por meio po de visibilidade, e sabe disso, reto-
dessa vigilância examinadora, cada indiví- ma por sua conta as limitações do po-
duo torna-se um “caso”, com uma biogra- der; fá-las funcionar espontaneamente
fia, uma identidade, uma individualidade, sobre si mesmo; inscreve em si a rela-
uma verdade, enfim (idem, p. 170). Neste ção de poder na qual ele desempenha
sentido, o exame é um ritual pelo qual a simultaneamente os dois papéis...
norma é extraída, produzida, e também é o [Deste modo] não é necessário recor-
lugar onde ela se exerce, com todos os seus rer à força para obrigar o condenado
efeitos. A individualidade e a verdade aí ao bom comportamento, o louco à cal-
constituídas são interiorizadas pelos indiví- ma, o operário ao trabalho, o escolar à
duos de modo a serem experimentadas não aplicação, o doente à observância das
como algo exterior ou derivado, mas como receitas” (idem, p. 179).
sua própria verdade.
Nota-se que os três elementos combi- É claro que a almejada visibilidade in-
nados – vigilância, sanção normalizadora terior, engendrada na relação dos indivídu-
e exame – constituem um campo de visibi- os consigo mesmos, ultrapassa a dimensão
lidade e procedimentos de observação que ótica e exige procedimentos hermenêuticos
vão além da superfície dos comportamen- que devem a um só tempo trazer à luz o
tos, gestos e atividades para ingressar na in- que impede a adequação à norma e promo-
terioridade, tornando pensamentos, desejos ver uma transformação no indivíduo, na
e paixões também sujeitos à observação e à sua interioridade, que garanta esta adequa-
vigilância. Eis por que a disciplina é para ção: reforma, correção. Apenas nesta me-
Foucault uma tecnologia de poder que atua dida que se pode compreender todo o pro-
sobre o corpo mas que visa, sobretudo, a cesso de transformação dos indivíduos pre-
alma. Ou melhor, a alma moderna, seja que visto na máquina panóptica. À visibilidade
nome ou conceito lhe tenha sido atribuído é preciso somar uma dose de sofrimento,
– psiquismo, subjetividade, consciência fundamental para a requerida reforma que
–, é mesmo o efeito, o desdobramento in- deve ser, mais do que dos corpos e compor-
corpóreo, porém extremamente real, deste tamentos, da própria alma. E o próprio so-
mecanismo disciplinar de adestramento, frimento também deve encontrar sua sede
vigilância e observação dos corpos (idem, não mais no corpo e sim na alma: a culpa.
p. 29). Nesta medida, os dispositivos de Fazer sofrer a alma, e não o corpo – eis a

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lógica de um poder que em vez de negar e panóptico, onde poucos vigiam muitos (cf.
reprimir uma individualidade ou subjetivi- Bauman, 1999). Este novo dispositivo, a que
dade constituídas constitui uma subjetivi- Mathiesen (1997, apud Bauman, op. cit., p.
dade que julga e condena a si mesma. Ora, 60) chama Sinóptico, promoveria mais uma
o sofrimento da alma é menos o de uma vez a inversão do foco de visibilidade no
consciência reprimida do que o de uma exercício do poder: ele deixa de incidir so-
consciência culpada, de uma má-consciência, bre o indivíduo comum, ordinário, e volta
cuja dor só é efetiva e corretiva enquanto a investir naqueles que detêm o poder, as
derivar de uma falha, um mal atribuído a elites, constituindo uma nova fase do es-
si mesmo e não ao outro. É também nesta petáculo onde brilham não mais os reis e a
medida que se deve entender a célebre frase corte, mas celebridades e pop stars do mun-
que condensa o funcionamento e o efeito do televisivo. O indivíduo comum, a massa,
desejados pelo panóptico – dar “ao espírito passa à condição de observador de uns pou-
poder sobre o espírito” (idem, p. 182). Ou a cos dignos de visibilidade, deixando de ser
referência que Foucault faz a Julius em sua objeto de coerção ou correção para se tornar
descrição do panóptico - “bem mais que um alvo de um poder que se exerce sobretudo
talento arquitetural: um acontecimento na por sedução. Tal argumento é sem dúvida
‘história do espírito humano’” (idem, 190). pertinente às formas atuais da relação entre
Acontecimento que marca, como vimos, a o poder, os dispositivos de visibilidade e
gênese da subjetividade moderna, que pode os indivíduos. No entanto, tal relação vem
também ser entendida como a gênese da recentemente ganhando novos contornos
má-consciência moderna. tanto no interior da própria TV quanto nas
Espera-se, com esta breve análise do novas tecnologias de comunicação e de
dispositivo disciplinar, ter esclarecido o informação, como a Internet e os diversos
quanto a subjetividade e o ‘espírito’ mo- dispositivos que vigoram no ciberespaço.
derno são ao mesmo tempo os efeitos e os Em L’individu incertain, Alain Ehren-
portadores de um poder que tem entre suas berg (1995) mostra brilhantemente como o
principais técnicas a exposição do indivíduo indivíduo qualquer e a banalidade de sua
comum à visibilidade. Tal exposição ganha existência e de seus problemas pessoais
continuidade na passagem da modernidade ingressam no reino televisivo. O crescente
para a atualidade, se vista sob a perspectiva aumento de programas de caráter confes-
das tecnologias de comunicação. É claro que sional e ‘realista’ coloca os holofotes sobre
esta continuidade não implica a repetição o indivíduo e sua realidade ordinária, seus
do que se passa na modernidade. As tec- problemas psíquicos, conjugais, pessoais5.
nologias de comunicação constituem novos Tais espetáculos de realidade ganham ain-
dispositivos de visibilidade com diferentes da mais espaço nos formatos recentes dos
implicações na sociedade e na subjetivida- ‘reality shows’ como Loft Story e Big Brother.
de. Não se quer apontar com isso o fim do es-
Se considerarmos a trajetória des- petáculo das celebridades e sua substituição
tas tecnologias, desde a TV até a Internet, pelo espetáculo de realidade. Sabe-se que
e a compararmos ao modelo panóptico, estes dois formatos convivem e se alimen-
apreenderemos uma série de inversões, tam reciprocamente, ainda que constituam
desvios e deslocamentos na relação entre dois modos distintos de espetáculo e de
indivíduo e visibilidade. São conhecidos os relação com o espectador. O que desejamos
argumentos de que o advento dos meios de ressaltar é o retorno do foco de visibilidade
comunicação de massa, particularmente a sobre o indivíduo comum, agora residente
TV, implica a emergência de um novo dis- não mais nas instituições disciplinares, mas
positivo de poder e vigilância onde muitos nas telas de TV. E não apenas aí – as novas
vigiam poucos, diferentemente do modelo tecnologias de comunicação e de informa-

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ção ampliam ainda mais esta tendência: os continuava o olhar do Outro e a norma por
circuitos internos de tv e câmeras dispostos ele representada, os dispositivos contempo-
sobre espaços públicos e privados, os chips, râneos vêm contribuir para a constituição
os bancos de dados eletrônicos e programas de uma subjetividade exteriorizada onde
computacionais de coleta e processamento vigoram a projeção e a antecipação. Exte-
de informação no ciberespaço e os recentes riorizada porque encontra na exposição
fenômenos dos weblogs e webcams na Inter- ‘pública’, ao alcance do ‘olhar’, escrutínio
net constituem um novo campo de visibili- ou conhecimento do outro, o domínio pri-
dade para o indivíduo comum. vilegiado de cuidados e controle sobre si.
Este novo campo de visibilidade, obje- Nos weblogs de caráter ‘confessional’ e nas
to do nosso interesse, comporta duas carac- webcams pessoais esta exteriorização é pa-
terísticas relevantes: a vigilância e a exposi- tente. É importante notar que não se trata
ção da vida íntima e privada. Câmeras de tanto da exteriorização de uma interiorida-
circuito interno, chips informáticos e bancos de constituída, por natureza recôndita, que
de dados eletrônicos vêm sendo descritos, passa a se expor, mas principalmente de
por diversos autores, como peças de um uma subjetividade que se constitui priori-
aparato global de vigilância, uma espécie de tariamente na própria exterioridade, no ato
superpanóptico, que não mais se restringe mesmo de se projetar e de se fazer visível a
aos espaços fechados das instituições mas outrem. Depoimentos de diaristas e estudos
se estende tanto sobre dimensões alargadas sobre webcams e a escrita de si na Internet
do espaço físico quanto sobre o ciberespaço, mostram como a prática da exposição de si
ampliando enormemente o número de indi- coincide com o processo de constituição do
víduos sujeitos à vigilância e à capacidade que os indivíduos tomam como seu ‘eu’ e
de coleta, processamento e uso de informa- sua identidade7.
ções a seu respeito (cf. Lyon, 1994 e 2003; Quanto aos referidos dispositivos de
Poster, 1995; Bogard, 1996, Norris & Arms- vigilância contemporâneos, o caráter exte-
trong, 1999; Marx, 2002). Webcams e weblogs, riorizado da subjetividade não é tão ime-
por sua vez, têm sido explorados como no- diatamente visível, mas ainda assim presen-
vas formas de exposição de si (Lemos, 2002; te. Não ser imediatamente visível toma aqui
Sibilia, 2003; Mcneil, 2003; Garza, 2002; um sentido quase literal, ou seja, os indiví-
Zuern, 2003) que abalam as fronteiras entre duos sob vigilância no ciberespaço, particu-
público e privado ao encenarem no âmbito larmente nos bancos de dados eletrônicos,
público da Internet práticas antes restritas não são num primeiro momento pessoas
à vida íntima (imagens do espaço privado com uma identidade, uma personalidade
cotidiano, escrita de diários íntimos). Se que se conheça de antemão. Esta identidade
podemos ver nas características ressaltadas vai ser ‘composta’ num segundo momento,
alguma continuidade em relação ao que através do processamento e do cruzamento
descrevemos da modernidade, também é de um conjunto de dados e informações
possível apreender uma série de desconti- inicialmente impessoais – ‘populações’,
nuidades. ‘categorias’, ‘contextos’. Destas categorias,
Uma primeira descontinuidade con- constituídas em função de espaços geográfi-
cerne ao modo como estes dispositivos de cos, períodos de tempo, faixa etária, hábitos
vigilância e de visibilidade participam do de consumo, dados biológicos, genéticos,
processo de constituição da subjetividade criminais etc., é que se vai projetar, antecipar
contemporânea. Se os dispositivos moder- indivíduos a serem pessoalmente vigiados,
nos escavavam uma subjetividade interio- cuidados, punidos ou seduzidos. A subje-
rizada6 que instaurava de si para consigo, tividade é aí exteriorizada na medida em
pela introspecção ou pela hermenêutica, que o que a caracteriza, o que a ‘constitui’
uma autovigilância que de algum modo e a ‘compõe’ são menos intenções, desejos,

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paixões e inclinações reclusas numa interio- O ritual do exame e seus procedimentos
ridade, num psiquismo que deve ser inter- hermenêuticos são substituídos pelos perfis
pretado e trazido à luz, do que um campo computacionais e seus procedimentos algo-
superficial de ações, comportamentos, há- rítmicos e estatísticos.
bitos e transações eletrônicas dispostos em Os indivíduos e identidades, projeta-
bancos de dados que, uma vez analisados e dos e antecipados pelos atuais dispositivos
classificados, irão projetar criminosos, con- de vigilância, não interessam para além do
sumidores, doentes, trabalhadores, atuais campo exterior dos comportamentos atuais
ou potenciais. É da exterioridade da ação e e potenciais. Cada vez menos importa o que
do comportamento que se extrai ou se pro- reside sob ou na interioridade destes indi-
jeta a subjetividade, com uma identidade e víduos. Tanto a definição de sua identidade
uma individualidade que não estavam pre- quanto as intervenções visadas não vão
viamente presentes. O ato de vigilância não além do campo de ações e comportamentos
se dá sobre um indivíduo já constituído; ele destes indivíduos. Nota-se aqui mais uma
projeta, antecipa um indivíduo e uma iden- diferença em relação à modernidade: a in-
tidade potencial8. cidência de visibilidade sobre o indivíduo
Ora, vimos que o caráter individu- não quer curar ou reformar o criminoso, o
alizante da vigilância também é um dos doente físico ou mental, mas sim impedir o
traços centrais do panóptico e do poder crime, prevenir a doença ou minimizar seus
disciplinar, sendo o indivíduo o seu princi- riscos. Ou seja, o foco de intervenção não é
pal efeito e instrumento. Certamente, tanto mais a alma, a interioridade, o psiquismo,
os atuais dispositivos de vigilância quanto mas o comportamento, o campo de ações
os modernos produzem indivíduos, mas exteriores e visíveis. Alguns exemplos po-
na modernidade o indivíduo está presente dem esclarecer o que se quer mostrar. As
desde o início do processo de vigilância e câmeras que visam a manter a segurança de
ainda que esta venha a constituir ou trans- lugares públicos ou privados atuam sobre o
formar sua identidade, a presença física do crime, impedindo a ação, e não sobre o cri-
louco, do criminoso, do perverso, do doente minoso, como queria a vigilância panóptica.
é desde o início requerida. E o que faz deles Na psiquiatria, a dificuldade em se definir
esses seres marginais e anormais é o peso um critério de normalidade constitui uma
de uma história familiar, a força insistente tendência a substituir o ideal da cura por
de impulsos inconscientes, uma intrincada procedimentos terapêuticos que se voltem
e obscura causalidade psicológica, uma para a diminuição do sofrimento e dos ris-
trama complexa de desejos, inclinações que cos da doença mental para o paciente e seus
vêm determinar, do interior em sombra, familiares (cf. Castel, 1981).
uma série de ações, comportamentos e há- A segunda descontinuidade a ser res-
bitos exteriores e visíveis. Eis por que, como saltada concerne ao estatuto do ‘olhar’ do
se mostrou, a vigilância moderna deve ver outro e do observador e seu papel na cons-
e agir através, sob a superfície dos corpos e tituição de subjetividades e identidades.
comportamentos de modo a incidir sobre Vejamos primeiro o caso das webcams e dos
a interioridade, a alma dos indivíduos. Na weblogs: a exposição ao olhar e à observação
atualidade, trata-se sobretudo de ver adian- do outro é aqui um ato voluntário e decisi-
te, de prever e predizer, a partir dos cru- vo como prática identitária. O estatuto des-
zamentos e análises de dados, indivíduos te outro ainda não está claro e merece uma
e seus atos potenciais, seja para contê-los análise muito mais aprofundada do que a
(como no caso de crimes, doenças, onde que este artigo pode efetuar. No entanto,
tende a predominar uma vigilância preven- o contraste com a modernidade contribui
tiva), seja para incitá-los (como no caso do para que arrisquemos algumas hipóteses
consumo, da publicidade e do marketing). que, apesar de provisórias, merecem ser

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consideradas. Uma primeira hipótese é a dade do próprio indivíduo.
de que o olhar do outro deixa de ser dado Num mesmo golpe, estas práticas efe-
pelo coletivo, pela sociedade e passa a ser tuam o movimento inverso de publicização
demandado, conquistado pelo próprio indi- do que antes soava ‘naturalmente’ priva-
víduo. Em outros termos, o olhar do outro é do: a intimidade. Mais um contraste com a
‘privatizado’, individualizado. Vimos como modernidade, que auxilia a compreender o
o olho central do Panóptico representava o papel do olhar do outro na constituição da
olho do poder normalizador; a indecidibi- identidade e da subjetividade contemporâ-
lidade acerca de sua presença real e a sua neas. Quando o olhar do outro, do coletivo
almejada interiorização pelos indivíduos está dado, tal como na modernidade, a in-
constituíam o ardil que garantia o funcio- timidade, a interioridade, ainda que sejam
namento automático do poder. Ora, o olho atravessadas por ele, ocupam muitas vezes
central é o olho de Deus laicizado, é o gran- o lugar do segredo, do recolhimento, da
de olho público, o olhar do outro onde se verdade que em alguma medida pode esca-
inscreve a ordem social e coletiva com suas par à observação alheia9. Daí a intimidade e
normas e leis, anteriores a qualquer indi- a interioridade, enquanto domínios priva-
víduo e da qual ninguém está plenamente dos, serem muitas vezes associadas à liber-
livre. Segundo o diagrama moderno, não dade, ao que pode resistir ao olhar norma-
há indivíduo e identidade que se constitu- lizador do coletivo e à luz da opinião públi-
am fora deste olhar, ainda que se lhe possa ca, fazendo falhar a máquina panóptica (cf.
resistir ou opor num segundo momento. O Corbin, 1991). Daí também uma tópica do
pertencimento necessário a um coletivo, a sujeito que associa a aparência à superfície,
uma instituição, ao olhar do outro, enfim, à exterioridade e à mascara e a realidade à
garantia o processo identitário. profundidade, à interioridade e à verdade.
Hoje, este olhar público e coletivo Esta tópica ajusta-se perfeitamente à socie-
parece não mais estar dado, precisando dade moderna, que estabelece limites claros
ser produzido pelos próprios indivíduos. entre o público e o privado. A crise destes
As práticas de exposição de si na Internet limites, encenada nos weblogs e webcams,
podem ser vistas neste sentido como uma subverte esta tópica e transforma o sentido
demanda pelo olhar do outro, que se torna da intimidade e da interioridade. Estes dois
assim uma conquista individual, privada e domínios, antes constantemente ameaçados
não mais um dado público. Esta hipótese de uma visibilidade ‘seqüestrada’ pelo olho
só faz sentido no interior de um cenário de do poder, passam a requerer e produzir sua
individualização da existência e radicaliza- própria visibilidade. Na ausência do gran-
ção da responsabilidade por si mesmo nos de olho público, a intimidade se volta para
diversos setores da vida privada e pública fora, como que em busca de um olhar que a
contemporâneas, da progressiva privatiza- reconheça e lhe atribua sentido, existência.
ção das trajetórias individuais e do paralelo A exposição de si na Internet configura, na
declínio do encargo coletivo dos destinos seqüência dos reality shows, todo um cam-
individuais, antes atribuído a instituições e po de cuidados com a “aparência interior”
atores sociais organizados (cf. Bauman, op. (Ehrenberg, op. cit.). O foro íntimo deixa
cit., e Ehrenberg, op. cit.). Já é bastante co- de ser experimentado como o refúgio mais
nhecida a progressiva ‘privatização’ de do- autêntico e secreto para se tornar uma ma-
mínios antes vinculados a projetos públicos, téria artificialmente assistida e produzida
como a saúde, a formação, o trabalho etc. na presença explícita do olhar do outro.
Os weblogs e webcams apontam para a indi- Obscenidade, superficialidade e vitória da
vidualização e ‘privatização’ do que parecia aparência sobre a realidade e a verdade?
público quase que ‘por natureza’ – o olhar Tais acusações perdem força na medida em
do outro, que se torna aí uma responsabili- que a tópica que as justifica não parece mais

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delimitar a experiência contemporânea de Como aponta Ehrenberg (op. cit., p. 306), a
si e do outro. Nos weblogs pessoais, webcams identidade é tão mais uma questão quanto
e reality shows, pouco importa a distinção mais se é responsável por si e proprietário
aparência/realidade - a verdade é o que se de seu corpo. E se tais instrumentos servem
mostra, pois não reside numa interioridade à ampliação da visibilidade do indivíduo
prévia e mais autêntica, mas é produzida no comum é porque esta deixa de ser uma
ato mesmo de se mostrar. armadilha que pode aprisionar – como no
Para que estas transformações na inti- caso do poder disciplinar - para se afirmar
midade fiquem mais claras, é preciso acres- como condição almejada de existência e de
centar à crise das fronteiras entre o público reconhecimento. “A convocação de um ou-
e o privado e entre a interioridade e a exte- tro que nos olhe é um recurso para sair do
rioridade duas outras crises, que incidem fechamento privado; ela dá uma consistên-
sobre as fronteiras entre natural/artificial e cia às realidades psíquicas e as autentifica”.
normal/patológico. Estas duas últimas cri- (idem, p. 251). Não que a visibilidade antes
ses dispensam maiores detalhes. É bastante fosse má e agora seja boa; com Foucault
conhecida a crescente produção de seres aprendemos que o poder não é bom nem
híbridos e práticas que não mais respeitam mau, mas aquilo mesmo que divide os in-
os limites entre natureza e artifício, assim divíduos, a experiência, os desejos segundo
como a flexibilização dos limites que sepa- bem e mal. Os dispositivos de visibilidade
ravam o normal e o patológico no campo atuais oferecem o olhar do outro e uma
dos comportamentos, desejos e modos de cena pública numa realidade social onde o
vida. O que se deseja ressaltar é o quanto a indivíduo só existe se ele é capaz de fazer
intimidade também é atravessada por este saber que ele existe (idem). Não por acaso,
deslocamento de fronteiras. O alargamento as tecnologias de comunicação são instru-
dos limites do que se pode dizer e fazer em mentos privilegiados na atual constituição
público vai de par com um relaxamento dos da individualidade e da subjetividade.
critérios de ‘normalidade’, assim como a Talvez desde os meios de comunica-
produção tecnicamente assistida de si mes- ção de massa a entrada no campo do visível
mo vai de par com a indefinição dos limites equivale à entrada no mundo comum onde
entre natureza e artifício. o necessário reconhecimento pelo outro dig-
Do mesmo modo que o silicone parti- nifica e autentifica a existência individual.
cipa da construção artificial do corpo, que A exposição de si na Internet constitui um
os antidepressivos assistem artificialmente segundo passo nesta demanda por visibili-
a saúde psíquica, os reality shows, weblogs dade na medida em que esta se desconecta
e webcams apresentam-se como dispositivos do pertencimento ao mundo extraordinário
de produção artificial do foro íntimo e da da fama, do sucesso e da celebridade para
identidade. Do mesmo modo que não se se estender ao indivíduo qualquer, naqui-
pode afirmar que o corpo e a experiência lo mesmo que ele tem de mais ordinário
que se faz dele tornam-se menos verda- e banal. Como aponta Lemos, neste novo
deiros com o silicone, ou que o bem-estar meio “a máxima é: ‘Minha vida é como a sua,
psíquico é menos autêntico sob o efeito de logo, se tranqüilize, estamos todos na banalida-
antidepressivos, não se pode afirmar que de do quotidiano’” (op. cit., p. 10). Segundo
a intimidade construída na artificialidade Ehrenberg, a propósito dos reality shows, a
das tecnologias de comunicação seja menos visibilidade se torna uma espécie de direito
autêntica e verdadeira. Todos esses instru- requerido e corresponde a uma mutação
mentos e dispositivos assistem o indivíduo no imaginário igualitário onde “o aumento
contemporâneo para o qual uma nova nor- do sentimento de ser igual, malgrado as
ma a ser cumprida parece ser a da autono- desigualdades reais, permite investir sobre
mia e da responsabilidade por si mesmo. o indivíduo qualquer, inteiramente seme-

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lhante ao telespectador qualquer, o estilo de contida nem por limites naturais, como
identificação que era privilégio dos heróis distância, opacidade, pele, tempo, tama-
da cultura de massa” (op. cit., p. 185). A nho, nem por antigos limites construídos,
exposição de si na Internet estende ainda como paredes, cofres, envelopes etc. (Marx,
mais a visibilidade ao indivíduo comum op. cit.). Se na modernidade a vigilância
se comparada aos reality shows televisivos, precisava de algum modo imobilizar os
onde a entrada do ‘qualquer um’ ainda indivíduos nos espaços fechados das insti-
é centralizada. Com os weblogs e webcams tuições, hoje é a mobilidade que se oferece
passamos da tentativa de ingresso na mídia ao monitoramento. Além disso, diminui
para a possibilidade de o indivíduo ser sua drasticamente a consciência dos vigiados
própria mídia e criar, conseqüentemente, o acerca da vigilância; muitas vezes um pos-
seu próprio público10. sível observador nem mesmo é claramente
No entanto, nem toda visibilidade é suposto pelo observado. O fato de a vigi-
almejada e requerida. Os dispositivos ele- lância estar hoje intimamente vinculada à
trônicos de vigilância representam muitas troca de informações, às ações e movimen-
vezes a face negativa e potencialmente per- tos cotidianos dos indivíduos, juntamente
versa da visibilidade, inspirando temores com a ‘redução’ destes às informações que
de atentados à privacidade e à liberdade eles produzem e acessam, os tornam quase
dos indivíduos. O olhar do outro e o esta- que continuamente expostos e muitas vezes
tuto do observador assumem outras formas inconscientes desta exposição. É claro que
nestes dispositivos. Em primeiro lugar, a numa certa medida todos nós sabemos que
vigilância eletrônica representa, segundo podemos estar sendo vigiados, mas esse
inúmeras análises, a diminuição relativa ‘saber’ é muito abstrato se comparado à
da centralidade da visão e do olhar (cf. modernidade, onde a vigilância estava vin-
Lyon, op. cit., Bogard, op. cit., e Marx, op. culada a espaços de reclusão delimitados e
cit.). Em vez da demanda pelo olhar dos onde a consciência da vigilância, associada
weblogs e webcams, a economia do poder na a sua inverificabilidade, eram fundamentais
vigilância eletrônica parece prescindir do para que seus efeitos fossem cumpridos.
olhar e da presença visível do observador O campo de ações cotidianas e com-
e do observado. As informações coletadas portamentos dos indivíduos torna-se hoje
e registradas nas transações eletrônicas, mais facilmente rastreado na medida em
nas redes de comunicação e nos bancos de que muitas vezes coincide com os próprios
dados estão menos sujeitas ao olhar que sistemas de coleta, registro e distribuição de
ao tratamento estatístico e informático. Os informações. Quando faço um exame mé-
dados não são em si mesmos nem muito dico, por exemplo, estou simultaneamente
reveladores nem facilmente acessíveis aos cuidando de minha saúde e fornecendo in-
sentidos nus, pois além de serem extrema- formações ao meu seguro de saúde que po-
mente numerosos, são fragmentados e não dem, apesar dos entraves legais, ser apro-
compõem um indivíduo a ser apreendido priadas por outros setores de informação.
pelo olhar; como vimos, estes indivíduos só Quando efetuo uma compra com cartão de
emergem num segundo momento graças às crédito, estou simultaneamente realizando
técnicas de composição de perfis computa- um desejo pessoal e fornecendo informa-
cionais. Como a vigilância contemporânea ções que podem servir a diversos bancos
é em sua maioria efetuada a distância, o de dados. Esta ‘coincidência’ entre as ações
anonimato e a invisibilidade do observador e comportamentos individuais e a coleta,
crescem ainda mais em relação à moderni- registro e distribuição de informações am-
dade, assim como aumentam o seu caráter plia enormemente o alcance e a eficiência
híbrido. Tais características permitem que da vigilância, a ponto de ser possível carac-
a coleta de informações pessoais não seja terizar as sociedades informacionais como

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sociedades de vigilância (Lyon, op. cit.). pações em torno da sexualidade estão me-
A coincidência entre o campo de ações e nos relacionadas à normalidade do ato e da
comportamentos individuais e os sistemas escolha sexual do que aos riscos de doenças
globais de informação promove ainda uma sexualmente transmissíveis e de gravidez
outra forma de confusão entre o público e precoce; o uso de drogas tende a ser tolera-
o privado, distinta daquela que vigora nos do como comportamento e prazer contanto
weblogs e webcams. A vida privada e íntima que não ponha em risco a vida do próprio
é aqui exposta à visibilidade não por um usuário e de outrem12; no âmbito da me-
desejo deliberado do indivíduo, mas pelo dicina a noção de fator de risco (cf. Fagot-
fato de suas ações em esferas públicas ou Largeault, 1989), que indica a probabilidade
semipúblicas se converterem facilmente e da ocorrência de um evento mórbido ou
quase que imediatamente em dados e in- fatal, torna-se central incitando uma série
formações que concernem à esfera íntima e de cuidados não tanto com doenças e doen-
privada (dados biográficos e biométricos, tes atuais, tal como na medicina moderna,
desejos e preferências pessoais etc.) sem mas com os riscos (genéticos ou ligados ao
que o indivíduo tenha o controle sobre estas ambiente e ao estilo de vida de cada um)
fronteiras (Lyon, op. cit., Poster, op. cit.). de doenças virtuais e de morte prematura
Que papel sobre a subjetividade e a (cf. Bruno, 1997); as preocupações com a na-
identidade pode ter um observador sem tureza são hoje em grande parte pautadas
rosto e sem nome, tão maquínico quanto pela noção de risco ambiental; a crimino-
humano, muitas vezes ignorado pelos in- logia volta-se menos para o criminoso, as
divíduos sob vigilância? Certamente não se causas (psicológicas, sociais) de seus atos e
pretende responder plenamente a esta per- a reforma de seu caráter do que para a di-
gunta. Consideraremos apenas algumas si- minuição dos riscos de ocorrência do crime
tuações em que a vigilância eletrônica pode ou de seus efeitos.
ser matéria ou objeto de experiência dos A preocupação com o risco em nossa
indivíduos e do modo como eles se definem sociedade vai contribuir para ‘justificar’
e cuidam de si mesmos. Ressaltaremos, uma vigilância que é sobretudo preditiva
pois, o caráter preditivo e preventivo da vi- e muitas vezes preventiva, voltada para
gilância11. Uma primeira questão a ser colo- a composição de perfis que predigam e
cada diz respeito aos mecanismos e valores prevejam os riscos que assombram os indi-
sociais que podem legitimar tal vigilância, víduos. Esta vigilância é tão mais eficiente
desfazendo a sua face conspiratória, mons- quanto maior for a identificação dos indi-
truosa e ameaçadora em proveito de uma víduos com os perfis projetados (doentes
face mais amigável e até desejada pelos potenciais, vítimas de crimes antecipados,
indivíduos. Uma possível resposta reside responsáveis por catástrofes naturais po-
naquilo que nossa sociedade define como tenciais etc.). Deste modo, eles não apenas
sendo o perigo que os dispositivos de vigi- ‘autorizam’ a vigilância como a estendem
lância podem evitar. Se na modernidade o na relação e no cuidado consigo mesmos.
perigo residia na anormalidade, no desvio, Reaparece aqui a hipótese de que a produ-
a atualidade vai fazê-lo residir sobretudo ção de subjetividade é hoje marcada pela
no risco (Cf. Vaz & Bruno, op. cit.). Em di- antecipação e pela projeção. No entanto, a
versos domínios da cultura contemporânea, identificação com os perfis projetados não
as preocupações e cuidados em torno da parece implicar, tal como na modernida-
saúde, dos desejos e prazeres, dos modos de, a interiorização e a reforma da subje-
de vida, do crime, da guerra, da ecologia tividade. Já se viu o quanto a vigilância
orientam-se em torno da noção de risco (cf. informacional e eletrônica não pretende
Castel, op. cit., Douglas, 1992; Rose, 2000). tanto agir sobre a interioridade e reformar
Os exemplos nos são familiares: as preocu- a alma dos indivíduos, mas sobre o controle

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dos comportamentos, de modo a prevenir visão’, são como que condenados ao futuro,
ações indesejadas. A autovigilância torna-se impedidos de ver o presente, ou simples-
prioritariamente autocontrole. O operador mente de viver. E esse é apenas um risco .
afetivo em questão é menos a culpa do que
a responsabilidade.
Vê-se que os atuais dispositivos de Notas
vigilância também são atravessados pela
tendência à privatização dos destinos indi- * Este artigo constitui um resultado do Projeto “As formas
viduais e à individualização da existência, híbridas da cognição na atualidade”, apoiado pela Funda-
já mencionada na análise dos weblogs e we- ção Universitária José Bonifácio/FUJB/UFRJ.
bcams. A vigilância preditiva e preventiva
torna-se tão mais ‘legítima’ quanto mais ** Profa. Adjunta do Instituto de Psicologia da UFRJ - Coor-
cada um é suposto responsável pelos riscos denadora do CiberIDEA/ECO/UFRJ - Pesquisadora do
próprios ao existir. A vigilância apresenta- Programa IDEA/ECO/UFRJ
se assim como o que pode assistir o indi-
víduo na previsão e prevenção de doenças,
sofrimentos e demais acontecimentos virtu- 1 Os interessantes trabalhos de André Lemos (2002) e de
ais. Se nos weblogs assistimos a uma espé- Paula Sibilia (2003) sobre weblogs e webcams, apresenta-
cie de privatização do olhar do outro, aqui dos no GT Tecnologias Informacionais de Comunicação
assistimos a uma privatização do futuro na e Sociedade/Compós, abriram um campo fértil de pro-
forma da individualização dos riscos. blematização com o qual este artigo pretende dialogar e
Cabe observar que nem toda vigilân- colaborar.
cia eletrônica, ainda que seja baseada na
predição e na previsão, implica prevenção 2 A análise de weblogs e webcams se restringe àqueles que têm
de riscos. Uma exceção que vale ser men- como conteúdo central a vida íntima e privada.
cionada são as esferas do consumo, da
publicidade e do marketing, altamente su- 3 Miller chama a atenção para o quanto este ardil cria uma
jeitas à vigilância e também voltadas para instância onividente, onisciente e onipresente - uma imita-
a predição de tendências, comportamentos, ção de Deus ou um Deus artificial (op. cit., pp. 78-79).
atitudes, desejos e intenções de consumo a
partir de técnicas de cruzamento e análise 4 Para uma análise dos nexos entre vigilância e auto-vigi-
de informações de diferentes bancos de lância em Foucault, Cf. Vaz, P. & Bruno, F. (2003) “Types
dados como uma estratégia privilegiada de of self-surveillance: from abnormality to individuals ‘at
conquista e sedução de consumidores po- risk’”. In: Surveillance &Society 1 (3), p. 272-291.
tenciais. De todo modo, o que está hoje em
jogo nas práticas de vigilância eletrônica e 5 Ehrenberg refere-se a programas ‘animados’ por psicó-
no controle dos riscos parece ser menos a logos, psicanalistas ou profissionais de comunicação que
reforma dos indivíduos, a ação sobre sua procuram ‘dar voz’ ao ‘qualquer um’ e oferecer alguma
interioridade que a antecipação e a projeção orientação e assistência às dificuldades de sua vida pessoal
de uma identidade, um perfil composto e cotidiana.
de comportamentos e ações potenciais que
‘autorize’ sua inclusão ou exclusão, uso ou 6 Sobre a crise da interioridade psicológica no contexto dos
descarte, sedução ou marginalização, aces- diários pessoais divulgados na Internet, cf. Sibilia, 2003.
so ou interdição em espaços de consumo,
segurança, saúde, formação, trabalho, lazer 7 Sobre as webcams e weblogs e o papel da exposição ao olhar
etc. do outro na construção da identidade e do vínculo social,
Resta perguntar se não tendemos a cf. Lemos, 2002. O assunto também é abordado por Mcneil
nos assemelhar aos mutantes precognitivos (2003), que enfatiza a atividade do leitor na ‘escrita’ da
de Minority Report que, por excesso de ‘pre- identidade construída nos weblogs.

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8 Não se supõe com isso a ausência de uma vigilância disci- ______. Do sexual ao virtual. São Paulo: Unimarco, 1997.
plinar na sociedade contemporânea. Uma matéria recente
na revista Istoé mostra como empresas submetem traba- CORBIN, A. “Bastidores”, In PERROT, M. (org.) História da
lhadores a uma vigilância panóptica sobre seus e-mails e vida privada 4: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. São Pau-
navegações na Internet, acarretando inclusive demissões. lo: Companhia das Letras, 1991.
Matéria publicada em 13/08/2003.
CASTEL, R. La gestion des Risques, de l’anti-psychiatrie à l’après-
9 Sabe-se que ao mesmo tempo em que a modernidade psychanalise. Paris: Minuit, 1981.
testemunha uma enorme curiosidade pela vida privada,
como atesta a intensificação da literatura sobre o tema, as DICK, P. K. Minority Report – a nova lei. Rio de Janeiro: Record,
práticas de confissão e de exposição da interioridade usu- 2002.
almente se limitavam ao espaço privado e íntimo. Sobre
os procedimentos hermenêuticos de enunciação de si na DOUGLAS, M. Risk and blame: essays in cultural theory. London:
modernidade, como os diários íntimos e as ‘confissões’ Routledge, 1992.
clínicas, cf. Bruno, F., 1996.
EHRENBERG, A. L’individu incertain. Paris: Calmann-Lévy,
10 Uma declaração da ‘bloggeira’ Roberta Carvalho, denun- 1995
ciando o caráter inusitado de um plágio de seu weblog, é
significativa: “O meu blog é minha vida, e vida todo mun- FAGOT-LARGEAULT, A. Les causes de la mort : Historie naturel-
do tem”. Declaração feita a programa televisivo da UERJ, le et facteurs de risque, Paris: Vrin, 1989.
emitido pela UTV-Rio no dia 20/01/2004.
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1983.
11 Uma análise do aspecto preditivo da vigilância atual a
partir da noção de simulação, com algumas afinidades LEMOS, A. “A arte da vida: diários pessoais e webcams na In-
e também diferenças em relação à nossa, é efetuada por ternet’’, In CD-ROM da XI Compós, 2002.
Bogard, op. cit.
GARZA, G. “The Internet, narrative, and subjectivity”, In Jour-
12 Mesmo no Brasil, onde a criminalização do consumo de nal of constructivist psychology, 15, 2002.
drogas parece estar longe de ser repensada pelas instâncias
governamentais, esta mudança se faz notar numa recente LYON, D. The electronic eye: The rise of surveillance society. Cam-
campanha publicitária de prevenção às drogas, onde o bridge: Polity Press, 1994.
argumento central de dissuasão é a associação do uso de LYON, D. (org.) Surveillance as social sorting: Privacy, risk and
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