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Por que morar na Polônia?

by Isadora Mendes Outubro 2, 2018 6 3509

Era final de julho de 2016. Sentada sozinha na cozinha, perdia meu tempo vendo coisas aleatórias na internet
e resolvi, de novo, dar uma olhada no meu e-mail, pra ver se havia chegado uma mensagem que eu esperava há
dias. Nada na caixa de entrada, de novo. O que aguardava era uma confirmação de que daria um passo adiante
na vida: uns meses antes, havia me inscrito para um mestrado na Polônia e ficava na aflição de receber a
confirmação de que tinha dado certo.

Depois de dias de ansiedade ali estavam as letrinhas marcadas em verde que eu tenho fotografadas na cabeça
para sempre. “Mãe, mãe!! Pai! eu fui aceita!”. Depois de alguns minutos de comoção com toda família reunida na
cozinha, precisava digerir, sozinha, que a minha decisão quase impulsiva de ir embora se concretizava. Não tive
dúvida de que queria ir, o problema geralmente está em arcar com o preço emocional da partida.

Não era aqui ou ali, era lá, há 10 mil quilômetros de casa, em uma cidade que eu nem sequer sabia pronunciar
o nome. Me assustava a ideia de receber a pergunta “mas, por que Polônia?”, que preferi fazer esse pequeno
grande anúncio alguns dias antes de ir.

Escolhas cotidianas não geram muitos questionamentos, sair do país querido para morar num lugar incerto
certamente gera. Com a Polônia, eles ainda são diferentes. Diga que vai morar na França: “Que legal! Quando
você vai?”. Diga que vai pra Austrália: “Boa sorte! Quando volta?”. Agora, diga que vai morar na Polônia: “Mas o q-
u-ê? Por que Polônia?”, “Não é muito frio lá?”, “Tem certeza?”.

A pergunta é compreensível, sabemos que o país, junto com seus vizinhos do leste europeu, nunca esteve na
lista prioritária de países do brasileiro. Naturalmente: a Polônia ainda tem um longo caminho a trilhar para
convencer o mundo que é muito mais do que os esteriótipos negativos criados sobre seu passado sombrio. Por
isso nenhum brasileiro que mora aqui escapa dessa pergunta, nos acostumamos a ouví-la todas as vezes que
conhecemos alguém. E, acredite, o espanto é ainda maior por parte dos poloneses: como explicar o porquê
saímos da nossa calorosa terra para morar num lugar com uma língua dificílima e onde no inverno raramente se
vê o sol?

Bom, certamente cada um tem sua história. Ainda assim, através de um pequeno levantamento rápido dos
relatos das centenas de brasileiros que conheci aqui, posso listar os principais motivos:

Trabalho
Enquanto a Polônia não adota o Euro, a moeda nacional desvalorizada é naturalmente um atrativo para
multinacionais, que instalam seus escritórios e usufruem da mão de obra qualificada e acessível. Dentro deste
grupo, percebo que é mais comum brasileiros que vieram por ofertas internas de suas empresas, mas são muitos
também os que se aventuraram por conta própria e que viram na Polônia um lugar atrativo para trabalhar.

Estudo
São muitas as opções para quem quer estudar, mesmo sem saber o polonês. A oferta fica ainda melhor
quando os valores são relativamente mais baratos que os vizinhos do Euro e pelas oportunidades profissionais
oferecidas a estudantes. Ainda assim, são poucos os que deliberadamente escolheram estudar por aqui, sendo
mais comum estudantes beneficiados com bolsas governamentais ou de programas de mobilidade acadêmica.
Raízes polonesas e união familiar
Foi só quando vim pra cá que descobri a forte presença da cultura polonesa no sul do Brasil. Aliado às
oportunidades de trabalho e estudo, muitos brasileiros com descendência polonesa aproveitam do ambiente e
idioma familiar, muitas vezes também tendo direito a adquirir a cidadania. E claro, por fim, aqueles que encontram
sua alma gêmea na Polônia.

Esses são apenas três dos diferentes motivos que podem existir. Talvez, para alguns, a Polônia tenha sido a
única opção. Talvez para outros, houve a oportunidade de escolher entre aqui e ali, ou, talvez, tenha sido o país
que alguém sempre desejou morar. Independente das motivações e das experiências positivas ou negativas que
viveram, todos nós, um dia, dissemos “sim” a ela.

Minha admiração é enorme a todos que saíram do conforto da família e do país de origem para se arriscar lá
fora. Admiro ainda mais esses que apostaram em algo não tão tradicional assim. Uma dose extra de coragem e
confiança nos é exigida quando do outro lado há um país pouco explorado, país esse que abriu suas portas
recentemente e que, aos poucos, aprende a se adaptar ao novo, ainda que tentando vencer os vestígios deixado
pelo passado duro de restrições.

Sem dúvida a Polônia oferece muitos atrativos para imigrantes e morar aqui é desfrutar de uma vida segura e
em paz. Por outro lado, te exige paciência e compreensão. Apesar de haver respeito, ainda há a indiferença por
parte de alguns, que não vão esboçar simpatia, muito menos querer lhe entender. Alguns serviços públicos estão
ainda na pré-história, longe de se adaptar às novas necessidades.

Confesso que durante os dois anos que estou aqui, muitas vezes essa paciência me faltou – e por vezes ainda
falta. Não consigo entender o porquê de ter que me desdobrar inteira pra conquistar a confiança de alguém ou o
motivo de alguns ainda insistirem em serem tão rabugentos. É tão difícil assim sorrir, meu amigo?

Bom, com certeza o aprendizado é mútuo: eu vou aprendendo a aceitar que cheguei cedo e que preciso
esperar e, eles, que atuamos como coadjuvantes na tarefa de revelar o potencial enorme que aqui se esconde.
Por isso, hoje sou feliz de saber que fiz e faço parte, junto com outros brasileiros, do grupo que decidiu ir além
daquele velho estereótipo do país frio e cinzento, das poucas informações disponíveis, para descobrir o que, de
fato, havia para ver e viver.

Por fim, nos dias em que minha paciência some, eu mesma me faço o questionamento: “Por que eu vim parar
aqui??!”. Nunca em minhas imaginações mais distantes pensei em morar na Polônia. Logo eu, apaixonada pelo
calor e sorriso pronto dos brasileiros… Mas, por trás das minhas explicações de que quis fazer um mestrado fora e
que uma universidade polonesa apareceu nas minhas pesquisas, sei que há uma razão mais forte: a busca pelo
incomum, pelo diferente, pelo não-tão-óbvio, por um lugar que me inspirasse curiosidade.

Talvez eu quisesse exatamente isso, ser questionada. Por isso, pensando bem, talvez para as próximas vezes
que me perguntarem por que a Polônia, vou responder: e por que não?

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