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Música e Poética

sábado, 2 de novembro de 2019

Vai dormir teu sono


As difusoras sempre tiveram um papel relevante
nos processos comunicativos. Bastante popular
antes da criação das rádios comunitárias, da TV a
cabo e das plataformas de streaming, muitos
bairros possuíam esse tipo de empreendimento,
que, além de entretenimento, prestava serviços de
utilidade pública, de modo geral. Aqui em
Campina Grande isso não foi diferente. No
Centenário, por exemplo, na década de oitenta, na
esquina da Francisco Lopes com a Floriano
Peixoto, funcionou, durante muito tempo, a
difusora M. Barros. A estação, localizada num
casebre, tinha um pequeno estúdio com uma
coleção de LPs, toca-discos, microfone e mesa de
som.

A voz rouca e fanhosa da M. Barros se propagava


com a ajuda de um alto-falante mono, em forma
de cone, pendurado num poste de madeira a seis
ou sete metros. O vento ajudava a levar os
anúncios comerciais, as notas de falecimento, os
achados e perdidos e as mensagens de amor para
toda a parte baixa da antiga Casa de Pedra, Vila
Lira, Santa Rosa e até próximo do Pedregal. A
programação, predominantemente noturna, era
variada. Após saudar o público, o locutor liberava
a seleção do dia, que também era sugerida pelos
ouvintes. Entre um bloco e outro entravam os
anunciantes, incluindo a mercearia de Mário, os
restaurantes de Alexandre, Maria da Carne de Sol
e Luís do Peixe, bem como as festas de São
Cristóvão e Nossa Senhora Aparecida, onde
encontrei o amor da minha vida.

Hoje, enquanto pesquisava sobre as vozes de ouro


da MPB, encontrei uma canção que me trouxe à
tona a lembrança das canções que animaram
muitas das nossa noites juvenis, há mais de trinta
anos. Bateu uma saudade enorme daquele tempo,
quando eu ia ao seu encontro, Jane Cely, para
namorarmos. Lembro-me de tudo com o mesmo
frescor de outrora. Às vezes, eu chegava e ficava te
esperando, na sala, enquanto conversava com
seus irmãos e/ou sua mãe. Depois, quando
saíamos para a frente da sua casa, ao lado do
portão, cuja sombra se projetava na calçada por
conta da luz do jardim, ouvíamos, ao longe,
algumas das canções que emanavam daquele
amplificador solitário.

Religiosamente, por volta das vinte e duas horas,


a M. Barros concluía as suas atividades com uma
canção muito simples e que foi imortalizada pela
dupla Caçula e Marinheiro, no álbum O amor
mais puro. Era preciso ir embora, infelizmente. E
assim eu subia a Oswaldo Cruz, com o coração
entre o peito e a boca, o encanto e o espanto, o
chão e o céu, numa longa e demorada despedida,
dizendo: “Querida, já está na hora. Já é muito
tarde, querida, eu já vou embora. Vai, vai dormir
teu sono. Pra sonhar comigo, querida, pede a
Santo Antônio.”

Vladimir Silva (silvladimir@gmail.com)

Vladimir Silva às 22:03

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Quem sou eu

Vladimir Silva
Sou paraibano, natural de Campina
Grande. Fui seduzido pela arte, pela
música e pela literatura há muito tempo.
Atualmente, leciono no curso de música
da UFCG. Sempre estou aqui e acolá, regendo e
cantando, ensinando e aprendendo, ouvindo e contando
histórias. Meu perfil profissional completo pode ser
acessado na Plataforma Lattes (CNPq):
http://lattes.cnpq.br/5912072788725094
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