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A Casa Barriga: Memórias de um Bebê

Sonia Robatto

Quando em morava na Casa-Barriga da minha mãe ficava


imaginando como seria o mundo aqui fora. Ouvia vozes
falarem de coisas muito estranhas.
O mundo deles se chamava Terra.
O meu mundo não se chamava Terra.
O nome do meu mundo era Barriga.
No meu mundo eu morava sozinha com a minha mãe.
Eu sonhava, é verdade, com outros lugares.
Lá dentro da barriga eu escutava as histórias que a minha avó
contava para os meus irmãos, as histórias da Terra.
Mas será que tudo isso era de verdade? Será que a Terra
existia?
Será que a minha vida não podia ser sempre assim, eu e a
minha mãe quietinhas, sem mais ninguém na minha Casa-
Barriga?

"Assim vivemos, eu e minha mãe, um tempão, coração


batendo junto, o calor dela me aquecendo, a comida dela me
alimentando, sonhando os nossos sonhos, inventando as
nossas comidas.
Um dia, eu compreendi, muito assustado, que não podia ficar
ali para sempre.
Que eu já estava ficando grande demais e a barriga da minha
mãe não podia continuar crescendo para sempre.
Eu sentia que tinha que sair dali. Por onde, eu não sabia.
Como?
Eu não sabia também. Para onde?
Para aquele mundo que diziam que existia lá fora?
Para a tal Terra?
Minha vida de bebê era muito boa, foi difícil tomar a
resolução de sair dali.
A barriga foi ficando cada dia mais apertada, eu quase nem
podia me mexer.
Então eu tomei coragem, virei de cabeça para baixo e fiquei lá,
perto do lugar que devia ser a porta de saída da barriga da
minha mãe, prontinho para sair.
Mas a porta não se abria. Estava fechada, trancada.
O tempo que fiquei de cabeça para baixo não sei dizer.
Mas também eu não podia ficar o resto da minha vida
plantando bananeira na barriga da minha mãe. Podia? Nada
disso!
Um dia tomei coragem e disse ao coração da minha mãe que
estava na hora de sair, ir embora, nascer!
E o coração dela concordou comigo!

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