Você está na página 1de 26

1 INTRODUÇÃO

Esse presente trabalho propõe uma investigação sobre relevância da relação da


seletividade do sistema criminal no Brasil diante da tradição do Direito Civil e, portanto, seu
sistema jurídico depende de uma interpretação sistemática de regras escritas e gerais,
aprovadas pelo legislativo ou, excepcionalmente, pelo Executivo. Por exemplo, desde 2004, o
Supremo Tribunal Federal está autorizado a estabelecer precedentes obrigatórios em
circunstâncias excepcionais, obrigando tanto o Poder Executivo quanto os de menor nível do
Judiciário. Até agora, o Supremo Tribunal agiu em 32 instâncias.
Desse modo, O sistema de justiça criminal brasileiro é enquadrado pela Constituição
de 1988, que inclui disposições sobre: (i) a elaboração de regras sobre questões criminais e
processuais; (ii) o Poder Judiciário e outras instituições essenciais; (iii) as garantias
processuais; (iv) cooperação internacional jurídica. Em uma hierarquia inferior à da
Constituição de 1988, o Código de Processo Penal de 1941 e muitos regulamentos esparsos
tratam da investigação criminal, do processo judicial e da adjudicação de maneira mais
detalhada.
Diante da problemática levantou-se o seguinte questionamento: Como a estrutura
seletiva do Sistema Penal que retroalimenta as práticas discriminantes dos seus agentes,
fazendo com que o direcionamento dos processos de criminalização seja sempre voltado para
os mesmos grupos, tanto de pessoas como de condutas? Nessa perspectiva de ligação durante
a primeira fase, existe um sistema inquisitorial e não contraditório, os suspeitos podem optar
por ser ou não autorizados por um advogado e, por iniciativa própria, podem aceder a provas
não seladas sobre si próprios. A intervenção judicial ocorre excepcionalmente, por exemplo,
quando uma prisão temporária é necessária.
A pesquisa tendo como objetivo o estudo e a característica da seletividade do
Sistema Penal. Essa característica diz respeito ao fato de a solução punitiva penal ser aplicada
apenas à uma minoria social, por meio de um processo prévio de seleção de pessoas e
condutas. Nesse contexto, o Sistema Penal será entendido como uma instituição estatal que
exerce controle social através de uma metodologia punitiva-seletiva.
Foi formulado ter objetivos específicos: analisar objetivos e subjetivos da crise de
insegurança tornaram-se temas recorrentesnos debates sobre notícias e mídia, a ponto de se
tornarem uma das formas fundamentais, relacionar as falha do Estado, devido ao fato de que
as políticas de segurança e justiça criminal organizada pela governança estadual (polícia,
judiciário e sistema penitenciário). Compreender a crescente insegurança, diante de uma
crescente "politização" da questão, que significa cada vez mais que os braços "políticos" das
estruturas do Estado são vistos como parte do problema, ou como a que, juntamente com
especialistas (por exemplo, advogados e criminologistas), devem fazer decisões que atuam na
área, enquanto transfere a parte administrativa para uma posição secundária.
Justifica-se diante de estudos conclusivos destacam-se em essência os momentos
diferentes no funcionamento do sistema criminal brasileiro de justiça: em primeiro lugar, a
Polícia investigativa, o Ministério Público ou outro órgão legalmente autorizado coleta, se
necessário, evidência de um fato que pode ser um crime e seu agente. (investigação), em
segundo lugar, o Ministério Público ou, excepcionalmente, a vítima acusa o possível agente
(acusação); em terceiro lugar, o Judiciário condena ou absolve o réu (adjudicação); em quarto
lugar, a condenação criminal é implementada (execução).
Durante a primeira fase, existe um sistema inquisitorial e não contraditório, os
suspeitos podem optar por ser ou não autorizados por um advogado e, por iniciativa própria,
podem aceder a provas não seladas sobre si próprios. A intervenção judicial ocorre
excepcionalmente, por exemplo, quando uma prisão temporária é necessária. Na segunda fase,
o Procurador decide se vai processar ou não. Esta decisão não é discricionária, e sempre que
houver alguma evidência de um crime, haverá uma acusação. No entanto, existem algumas
atenuações a esta regra: (i) insignificantes inconformidades com o direito penal podem ser
consideradas irrelevantes; (ii) algumas ofensas menores não podem ser investigadas e
julgadas se, dadas certas condições, o possível agente voluntariamente aceitar “penalidades”
leves.
Na terceira e quarta fases, há um processo judicial em um sistema contraditório; a
legalidade é obrigatória e, na prática, ineficaz para aqueles que não podem pagar advogados
privados. Pode-se notar que também durante a fase de investigação, a opção legal opcional
será garantida apenas àqueles que podem pagar advogados privados. No que diz respeito à
execução penal e prisão, Fingermman relata que o Brasil mantém a quarta maior população
presa no mundo, sendo superado apenas pelos EUA, Rússia e China.
Por isso, o Sistema Penal na teoria é sugerido como igualitário, atingindo
proporcionalmente todas as pessoas que praticam condutas tidas como criminosas. Ocorre que
o seu funcionamento, na prática, é seletivo, atingindo somente determinadas pessoas
pertencentes a determinados grupos sociais, a pretexto da prática de determinadas condutas.
Para a realização deste trabalho, foi utilizada metodologia baseada num estudo
bibliográfico descritivo e posteriormente de análise qualitativa de fontes, tanto impressas,
como livros e artigos, bem como, fontes digitais: blogs e revistas eletrônicas, todas elas com
foco na seletividade do sistema de justiça criminal.
Este trabalho está subdividido em três capítulos assim distribuídos: no primeiro
capítulo relata-se um breve contexto Teorias criminológicas e a questão racial. No segundo
capítulo refere-se a seletividade racial do sistema de justiça criminal brasileiro, já no terceiro
capítulo destina-se o caso Rafael Braga onde abordará a análise dos dados relacionada ao
assunto proposto, seguido as considerações finais.
2 TEORIAS CRIMINOLÓGICAS E A QUESTÃO RACIAL NO BRASIL

A criminologia é uma palavra de que etimologicamente deriva do latim “crimino”


(crime) e do grego “logos” (tratado ou estudo). É uma ciência humana e social que estuda o
crime e as práticas que o envolvem como a vítima, o criminoso e a prática do delito.
Roberto Lyra define que:
Criminologia é a ciência que estuda as causas, as concausas da
criminalidade e a periculosidade preparatória da criminalidade; estuda
também as manifestações, os efeitos da criminalidade e da
periculosidade preparatória da criminalidade, a etiologia da
criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade, suas
manifestações e seus efeitos. (LYRA, 1964, p. 39).

A definição acima colocada é ampla e abrange diversos aspectos como objeto da


criminologia. Isso mostra a complexidade do tema com o qual nos propomos a dialogar
buscando fazer uma análise a partir de um breve histórico das diversas correntes teóricas
criminológicas, indo desde as mais conservadoras que focam mais nas condutas criminosas,
em desvendar as causas que levam alguém a cometer um crime, em entender por que alguns
os cometem e outros não e em o que diferencia aqueles, dos que vivem de acordo com os
preceitos legais, até a teoria crítica inspirada nas teses marxistas e que rompe com os padrões
criminológicos dominantes, onde o crime é visto como frutos dos embates das classes
antagônicas e impostos aos da classe dos dominados pelos dominadores. (Mata, Afonseca,
2016)
Sobre isso Márcia Calazans, parafraseando ANDRADE, 2003 e BARATTA, 1999 diz
que:
No âmbito da Criminologia, presencia-se, desde os 1960, uma
“revolução de paradigmas científicos”, com a passagem do paradigma
etiológico ao paradigma da reação social, além da emergência de
novos temas de pesquisa, deslocando o foco “dos controlados para os
controladores”. Denúncias sobre a violência institucional e a
desigualdade de tratamento no sistema de justiça criminal passam a
ser tematizadas, adquirindo centralidade o tema da
seletividade/vulnerabilidade. (Márcia Calazans Et al, 2016)

Nota se que atualmente há uma mudança no foco dos estudos criminológicos e


começa-se a busca para compreender não as características do criminoso ou o que levariam o
individuo a delinquir, mas o porquê da criminalização de certos grupos da sociedade. É nesse
sentido que faz-se necessário, para melhor compreender essas mudanças, analisar as diversas
teorias criminológicas no contexto sócio histórico do Brasil.

2.1 A Criminologia Positivista e o Racismo

Antes de se aprofundar no tema propriamente dito da Criminologia Positivista, cabe


aqui primeiro falar do conceito de Positivismo enquanto Ciência, pois é dessa premissa que
nascem as “verdades” em que se apoiam os teóricos da Criminologia. De acordo com LÕWY
o positivismo é caracterizado da seguinte forma:
“1 A sociedade é regida por leis naturais, isto é, leis invariáveis,
independentes da vontade e da ação humana; na vida social, reina uma
harmonia natural. 2 A sociedade pode, portanto, ser
epistemologicamente assimilada pela natureza (o que classificaremos,
como “naturalismo positivista”) e ser estudada pelos mesmos
métodos, démarches e processos empregados pelas ciências da
natureza. 3 As ciências da sociedade, assim como as da natureza,
devem limitar-se à observação e à explicação causal dos fenômenos,
de forma objetiva, neutra, livre de julgamentos de valor ou ideologias,
descartando previamente todas as prenoções e preconceitos.” (1987, p.
04)

Essa caracterização feita pelo autor citado, coloca o Positivismo, como uma ciência
neutra com leis imutáveis, o que passa uma ideia de que a sociedade pode ser estudada como
a natureza, apenas pelo método da observação, negando dessa forma análises que levem em
consideração outros fatores da sociedade. Sabe-se nas que as ciências sociais existem fatores
que são sempre variáveis e que não dar para prever sempre como e quando acontecerão. O
positivismo negaria todas as variáveis possíveis na sociedade, escondendo dessa forma todas
os preconceitos da sociedade.
O positivismo se mostra como única caminha verdadeiro para o conhecimento ao
passo que utiliza um método segura e objetivo baseado nas leis da natureza. “O Positivismo
representou, portanto, uma mudança radical na forma de produção do conhecimento tomado
como verdadeiro. É sob o signo da noção de ciência formulada pelo Positivismo que a
Criminologia nascente se apoiará.” (Evandro Piza, 1998)
O nascimento da Criminologia como ciência é marcado fortemente pelo Positivismo.
De acordo com Evandro Piza:
O conhecimento criminológico despontava com o discurso
disciplinário, mas será, sobretudo com as condições criadas pelo
fenômeno do encarceramento que terá possibilidade para desenvolver-
se. Trata-se da transformação não apenas no discurso sobre a condição
humana de igualdade presente na primeira matriz iluminista para
outra, na qual se afirma a existência de diferenças humanas a partir de
uma concepção orgânica do homem. Tal transição operada no discurso
reflete em primeiro lugar a situação de inferioridade humana, mas
também a situação de inferioridade do prisioneiro, provocada pelo
desvalor social que o delito possuía e a categoria de encarcerado
reafirmava.

A observação de indivíduos encarcerados será utilizada na produção de


conhecimento e que posteriormente esse conhecimento será aplicado fora, na sociedade com o
objetivo de identificar indivíduos potencialmente criminosos. Portando o mesmo método
utilizado pelas ciências da natureza positivista, sendo utilizado pela criminologia nascente.
A criminologia positiva buscava entender como o homem se tornava criminoso e os
motivos que o levar a ser um. Na obra L’uomo Delinquente de Césare LOMBROSO,
publicada em 1876, ele defende que existe um tipo de criminoso nato, que pode ser
identificado por uma série características deformantes evidenciadas por sinais hereditários do
homem selvagem nas sociedades civilizadas. (1983, p. 55; LOMBROSO, 1886)
Evandro Piza comentado essa obra de Lombroso, afirma que:
O modelo explicativo lombrosiano de base biológica vai da
simplicidade das formas de vida animal e vegetal para a complexidade
da vida humana, admitindo, nesta também, diferentes graus de
evolução, portanto de raças superiores e inferiores. Entre todas as
formas de vida, ele estabelece uma espécie de hierarquia de
capacidades orgânicas. Os organismos superiores, por sua vez, em seu
desenvolvimento embrionário, reproduziriam estas diferentes fases
evolutivas. O modelo de LOMBROSO aproxima-se, portanto, como já
se observou, ao modelo proposto por Cuvier, da hierarquia dos tipos
raciais, e por seu discípulo Smith, da recapitulação embrionária.

É a partir dessa discursão que se deve partir para a relação entre a criminologia
positivista e o racismo, como fica explicito nas afirmações de Lambroso, quando ele coloca
que existe raças superiores e raças inferiores. Essa teoria que naturalizava essa diferença de
raças será transplantada para a criminologia, estigmatizando os grupos tidos como inferiores e
selvagens.
Agora é necessário esclarecer que a Criminologia encontrou nessa teoria raciais a
possibilidade do controle social dos grupos não europeus, principalmente as populações
negras da África, apesar de que não eram os únicos grupos a serem objetos de controle, mas
os principais.
2.2 Criminologia positivista no Brasil

No Brasil, marcado por um longo período em que grupos humanos foram


escravizados, incluindo-se ai os negros africanos e os índios, mas principalmente os negros,
sempre houve por parte da elite metropolitana branca europeia, desde o período da
colonização, a necessidade de teorias que justificassem a escravidão e depois da abolição,
surge a necessidade de controle social, desses grupos estigmatizados, por parte das elites
nacionais. E novamente irão recorrer a teorias que colaborem e justifiquem o controle social
dessas populações.
É nesse sentido que que Márcia Calazans, 1999, faz uma explanação dessa tendência
em nosso país citando vários teóricos :
No Brasil, no período final da escravidão, ideias científicas
sobre a incapacidade do negro para o exercício da cidadania
foram largamente desenvolvidas no espaço acadêmico, como
teorias da criminalidade diferencial, especialmente nas
Faculdades de Direito e de Medicina, marcando a integração dos
negros na sociedade de classes. A crítica culturalista dos anos
1920/1930 de Gilberto Freyre (2004) e a crítica da Escola
Paulista de Sociologia, de base weberiana e marxista,
especialmente os trabalhos de Florestan Fernandes (2008),
deslocaram, apenas aparentemente, o tema da criminalidade
diferencial. Ainda no âmbito da Criminologia Positivista e
etiológica, especialmente no debate sobre o Código Penal de
1940, Nelson Hungria sintetiza o novo repertório de argumentos,
segundo os quais o “[...] fato que determinava a propulsão da
delinquência” entre os “homens de cor” era o desamparo no qual
estes se viram após a abolição da escravatura, bem como sua
“ineducação” e as condições miseráveis de vida em que se
encontraram. Daí a necessidade de defesa de uma “pedagogia
corretiva” e do uso de “medida de segurança tutelar” como
métodos para reverter essa situação. Enfim: “O parcial
desajustamento” dos “negros e mulatos” estaria “[...] ligado, não
a fatores raciais, hereditários ou orgânicos, mas exclusivamente
culturais, ambientais ou sociais.” (HUNGRIA, 1956, p. 283)

Observa-se que no Brasil, a necessidade de discursos que justifiquem a


marginalização e consequentemente o controle social dos negros é clara e a chegada da
criminologia positivista no Brasil por volta da década de setenta, veio servir as
transformações sofridas pelo controle social aqui nesse período. Sobre essas transformações
Evandro Piza comenta:
A chegada do positivismo criminológico na década de setenta do
século passado insere-se numa ordem de problemas gerais como a
passagem da ordem escravista para capitalismo dependente e, com ela,
a transformação do direito e das estruturas repressivas, cujo resultado
não é uma transformação radical dessas estruturas, mas a preservação
aparentemente contraditória de características da ordem anterior na
nova ordem.

2.3 Teoria da Criminologia

Criminologia é uma ciência eclética, desenhando suas teorias de diversas correntes


em psicologia, sociologia, antropologia e direito. A diversidade teórica provou, no entanto, ser
um constrangimento de riquezas. Apesar de toda a teoria e pesquisa em criminologia, o
campo carece de um quadro conceitual unificado. Na verdade, a falta de a integração é uma
deficiência relativa. Criminologistas, por exemplo, prepararam revisões bibliográficas
completas, muitas vezes críticas.
Embora essas revisões certamente sejam um recurso importante para os esforços
integrativos, elas mesmas não são integrações teóricas. Wolfgang e Ferracuti2 aproximaram-
se de uma integração em larga escala na sua explicação da subcultura da tese da violência.
Apesar seu trabalho é uma contribuição importante para o campo, é um estudo revisão crítica
da teoria e pesquisa contemporâneas sobre violências e agressão, em vez de uma integração
das principais teorias criminológicas em uma estrutura conceitual sistemática.
Primeiramente, cabe ressaltar que o processo de criminalização nada mais é que um
processo de produção de criminosos (MONGRUEL, 2012, p. 32) . Nem a conduta nem seu
autor são criminosos por características inerentes. O caráter criminoso tanto de uma conduta
como de seu autor é atribuído através de um prévio processo de seleção, que inicia-se nos atos
decisórios do legislativo e vai até os atos decisórios dos órgãos repressivos (administração
penitenciária, tribunais e polícia) (MONGRUEL, 2012, p. 35).
Vários trabalhos identificaram vínculos entre os teóricos proposições em diferentes
teorias. Eles selecionam, no entanto, apenas alguns teorias para a integração. Alguns estudos
empíricos também integraram diferentes modelos teóricos, mas esses esforços também
incluíram apenas algumas teorias.
Outro aspecto importante para compreensão do fenômeno da seletividade é a
percepção de que no processo de controle social-penal permeiam as chamadas fases da
criminalização, que são divididas em instâncias de controle formal e informal. O poder
punitivo é exercido pelo Estado, de maneira instituicional, por meio do Sistema Penal, cuja
função é a aplicação do Direito Penal e consequentemente a realização do controle social
estatal.
Existem várias razões para tentar uma integração teórica. Como resultado de vários
fatores conceituais e pragmáticos, a maioria criminologistas concentram-se em algumas
teorias que parecem mais esclarecedoras e, portanto, são incapazes de considerar trabalho de
outras escolas teóricas. Consequentemente, os criminologistas às vezes não apreciam
totalmente as implicações de outras teorias do que aqueles que eles acham que são mais
válidos. Criminologistas com diferentes orientações teóricas muitas vezes podem falar um do
outro, em vez de comunicar eficazmente sobre idéias teóricas. Nosso objetivo é apontar as
implicações das teorias selecionadas e delinear suas semelhanças.
Já nesse período, observa-se que a distribuição seletiva do status de criminoso se dá
sobre pessoas concretas, fazendo dos selecionados os únicos delinquentes, o que,
consequentemente, constrói um estereótipo negativo, que a partir de então será perseguido e
criminalizado (GROSNER, 2008, p. 40). Além disso, nota-se que é na Criminalização
Secundária (aplicação da lei penal) que a seleção discriminatória é mais evidente, sendo
atribuído um papel de destaque a atividade policial, vez que é a primeira instituição a realizar
a filtragem dos futuros estigmatizados (LEMOS, 2015, p. 42)
Duas grandes dificuldades enfrentam criminologia teoria na atualidade. Em primeiro
lugar, existe o problema de integrar a abordagem sociológica comportamento criminoso, bem
como a teoria da associação diferencial, com a abordagem psicológica. O segundo problema é
o de integrar uma teoria jurídica do crime com uma teoria da comportamento criminoso. O
crime é um tridimensional problema: legal, psicológico e sociológico.
Criminologia envolve três tipos diferentes de problemas: o problema de detectar o
infrator de lei, que é o trabalho do detetive, a polícia oficial, o especialista médico, o químico;
em outro palavras, o campo da criminalística. O problema da custódia e tratamento do
agressor, uma vez que ele é detectado e legalmente julgado culpado, que é o trabalho do
penologista, e o problema de explicar o crime e o comportamento criminoso, que é o
problema da cientificidade contabilizando a presença de crime e criminosos em uma
sociedade. O aspecto legal do crime é de interesse para o advogado e para o sociólogo que
está estudando a sociologia do direito penal. Os problemas associados com a detecção,
tratamento e explicação do crime e criminosos estão mutuamente inter-relacionados, e há é
uma grande quantidade de sobreposição de campos.
Por fim, como dispõe Alessandro Baratta, o funcionamento do Sistema, de fato, não
serve para prevenir a criminalidade, por meio da aplicação de um direito justo e igualitário,
mas sim para assegurar e reproduzir as relações de desigualdade decorrentes da diferente
distribuição dos recursos e do poder81. O fortalecimento do Sistema com maior policiamento
e a criação de mais leis só pode gerar o encarceramento de um maior número de pessoas, e
não propriamente a redução da criminalidade (LEMOS, 2015, p. 52).
As agências e organizações responsáveis pelas investigações criminais no Brasil são,
principalmente, a Polícia Federal (como o nome explica, atua em todo o país) e a Polícia Civil
(que atuam em cada Estado). A Polícia Federal apura: (i) infrações penais contra a ordem
política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União e de seus entes
autônomos do governo e empresas públicas (em uma palavra, crimes federais), bem como
como outras ofensas com efeitos interestaduais ou internacionais e exigindo repressão
uniforme conforme a lei estabelecer; (ii) tráfico ilegal de entorpecentes e similares, assim
como contrabando, sem prejuízo da atuação das autoridades do Tesouro e demais órgãos
governamentais em suas respectivas áreas de competência.
De acordo com a Constituição brasileira, cabe à polícia civil, exceto pela
competência da União, investigar infrações penais, com exceção das militares. Em outras
palavras, a Polícia Civil investigou os crimes julgados pelos Tribunais Estaduais e da Polícia
Federal com os crimes julgados pela Justiça Federal, o tráfico ilegal de entorpecentes e
similares como drogas, contrabando e outras infrações com efeitos interestaduais ou
internacionais exigindo repressão uniforme conforme a lei. estabelecerá.

2.4 O silêncio sobre racismo nas teorias criminológicas

Uma das dificuldades de produzir evidências sobre o racismo no Brasil decorre da


reprodução desse padrão de não responsabilização individual e coletiva. Não se trata, porém,
de uma característica sobre as “relações raciais” dos brasileiros ou de um problema sobre os
“nossos corações”, mas de hábitos, estratégias e arranjos sociais construídos nas disputas em
torno da tentativa de demarcar um sentido para a palavra racismo e, especialmente, na
continuidade de relações de poder racializadas.
No entanto, o silencio nas teorias criminologicas sobre o racismo. Diante das
evidências e os dados relativos às experiências de jovens negros no sistema de justiça criminal
e na sociedade em geral. Depois de analisar os dados, não aceitamos alegações feitas por
políticos e outros comentaristas de que jovens negros ou a comunidade negra eram o
problema. O problema, na maioria das vezes, parecia ser racismo, vigilância e uma sociedade
que cria problemas e barreiras para as pessoas. As pessoas negras e as minorias étnicas
experimentam problemas - elas não são o problema.
Por outro lado, a visão criminológica do processo de criminalização amplifica e
estende à outros ramos sociais (informal) a aptidão para influenciar e determinar, de maneira
tanto quanto eficaz, a construção da sistemática criminalizadora de condutas e agentes,
fazendo com que o controle penal esteja inserido dentro de um contexto de controle social.
Exemplos desses setores sociais atuantes, além daqueles já considerados pelo entendimento
clássico, são as mídias, as escolas, as igrejas, os institutos de pesquisa, os órgãos
internacionais, etc.
Com a abordagem prática-racista do sistema de reajustes, o foco está em como O
direito penal desfavorece os membros dos grupos minoritários, pessoas de acordo com raça e
etnia. Membros do grupo minoritário podem ser alocado menos recursos, pode ser julgado por
padrões diferentes, pode ser oportunidades negadas, ou pode não ser reconhecido como
afetado por certos danos. Evidências de práticas racistas incluiriam o seguinte: Policiamento
excessivo e pouco zeloso. O policiamento excessivamente zeloso é visto perfilando infratores
da legislação antidrogas, no assédio policial de grupos de rua e na polícia e espancamentos. O
policiamento sub-zeloso é visto nas respostas a pede violência doméstica. ' Processamento
excessivo e pouco zeloso. A acusação excessivamente zelosa é evidente na negação de menor
fiança ou liberação no reconhecimento, na busca condenações mais veementemente contra os
acusados de grupos minoritários, e pressionando por encarceramento ou por prazos mais
longos.
Um problema em documentar as práticas do sistema de justiça como racista é a
presença de comportamento excessivo e pouco zeloso (ou indiferente) funcionários. Se ambos
os tipos de comportamento estão ocorrendo, então em média há pode parecer não haver
diferença nas respostas dos funcionários, uma vez que o outro, mais problemático.
Qualquer que seja a sabedoria de usar a discriminação por raça de vítima argumentos
para contestar a constitucionalidade da pena de morte, sendo uma questão mais imediata é a
situação de perda de funcionários da sentença em casos intra-raciais negros (ou minoritários).
Logo, vê-se que a seletividade opera em favor daqueles que exibem as características
da respeitabilidade dominante e em desfavor daqueles que exibem os estereótipos da não
sociabilidade e do crime. Tendo isso em vista, resta evidente que os indivíduos e seus grupos
sociais enfrentam o Sistema Penal em condições de insuperável desigualdade, sendo os
vulneráveis sempre colocados em grau de desvantagem (GROSNER, 2008, p. 79)
Tendo anotado esta organização organizacional codificada por cores (e classe-
composta) esquema, precisamos dar um passo além, identificando como a maioria valores de
brancura e classe média são estruturados em direito penal e justiça práticas do sistema. Os
elementos precisos de um "ponto de vista branco" (o que é muitas vezes referido como
racismo institucionalizado) não foram clarificados para as práticas do direito penal e do
sistema judicial, na medida em que o ponto de vista masculino.
Um problema é que o branco tem ambas as dimensões de classe e cultural. Ele inclui
noções do que constitui vestimenta apropriada, comportamento, formas de falar e práticas de
criação de filhos; isso significa acreditar que as regras e autoridades existentes são legítimas e
justas; e isso implica confiança que escolaridade está relacionada com o emprego remunerado
e que as decisões nas escolas e locais de trabalho são baseados em princípios meritocráticos
de habilidade e disciplina.
De todos os grupos raciais e de gênero, as histórias sociais dos negros menos
provável de ser construído com este tema de limites turva. Homens negros eram mais
propensos a serem categorizados como comprometidos com a vida na rua, e eram menos
propensos a serem vistos como reformados.

3 A SELETIVIDADE RACIAL DO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL

BRASILEIRO

Como descrevemos a desigualdade no sistema de justiça criminal, diante de uma


ferramenta conceitual para referir e analisar a aplicação sistemática do controle do crime
sobre os pobres e as comunidades de cor ao longo de todas as etapas do processo de justiça
criminal, no entanto, embora criminologia e o direito penal reconheceu amplamente o
funcionamento desigual do sistema de justiça criminal, a falta de ferramentas conceituais para
analisar a presença abrangente de injustiça em todo o diferentes etapas do processo de justiça
criminal levando em consideração não apenas a raça, mas também classe, gênero, idade e
associação religiosa, persistir.
Esta noção descreve o fenômeno da desigualdade em todas as etapas do processo
penal. processo de justiça (criminalização primária e secundária) e individualiza como ela
opera em cada esses estágios (mecanismos de sub e super-criminalização). A criminalização
excessiva refere-se à tratamento excessivamente punitivo de comportamentos cometidos por
indivíduos em uma posição vulnerável por causa de sua classe e filiação racial, mas também
seu gênero e idade.
A subdivinicialização refere-se ao ausência ou minimização do tratamento punitivo
de comportamentos cometidos por indivíduos portadores de posição socialmente vantajosa em
relação à sua classe e associação racial, mas também seu sexo e idade. Assim, a
criminalização excessiva e a sub-criminalização são termos usados anteriormente pelos
estudiosos, mas de uma perspectiva diferente da proposta aqui.
É a denominada criminalização primária. A própria gênese do processo legislativo
demonstra que a representação política é voltada para os interesses das classes dominantes, de
modo que não é o interesse público alvo de tutela, mas sim, os interesses das classes que
financiam as campanhas eleitorais, daqueles que possuem o trânsito necessário dentro do
Parlamento para construir os lobbies que levam à aprovação de determinadas leis e,
principalmente, por aqueles que detém o controle dos meios de comunicação (MARTINI,
2007).
É então possível definir a criminalização primária como o processo de filtragem
para o qual apenas tipos de comportamentos considerados negativos em termos sociais são
estabelecidos como infracções penais estatutos. Do universo de condutas prejudiciais, apenas
certas infrações são submetidas a crimes sanção. Por exemplo, recusar um assento a uma
senhora idosa no metrô pode ser considerado prejudicial comportamento, embora os
legisladores não considerem tal comportamento criminoso. As ofensas que passam o filtro de
“criminalização primária” são as mais grosseiras, comprometidas com recursos simples,
exigindo coleta de evidências, produzindo um baixo conflito político-social e tipicamente
perpetrado por classes e raciais.
Em contraste, comportamentos mais complexos que exigem níveis mais elevados
para conduzir a investigação, que não produz agitação social, e que geralmente são cometidos
por indivíduos de estratos raciais e de classe privilegiados, não são o núcleo do processo de
codificação, apesar de proporcionando altos níveis de dano social. Isso significa que, embora
a maioria das leis pareça neutros, eles segmentam desproporcionalmente comportamentos
associados às classes mais baixas e minoritários.
Em suma, a criminalização primária refere-se ao processo de filtragem primária,
certos tipos de comportamentos socialmente considerados negativos são superdimensionados
como crimes por causa do status dos indivíduos que geralmente os cometem, e não por causa
do dano que eles produzem. O resultado do processo de criminalização primária é o
tratamento desigual em o nível legislativo e de common law de diferentes comportamentos
sociais negativos, que podem ser nomeados desigualdade sob a lei.
A criminalização secundária aparece como resultado da impossibilidade prática de
processar cada e toda ofensa perpetrada todos os dias em uma determinada jurisdição. Então,
criminalização secundária consiste em um processo de filtragem responsável por selecionar
quais dos principais comportamentos criminalizados vão ser efetivamente criminalizados.
Esse processo secundário de filtragem é influenciado pela classe e características raciais dos
infratores, e também por sua idade e gênero. Os indivíduos visados são aqueles que
respondem à “imagem pública estética do ofensor, com classista, racista, idade e gênero
componentes. ”
Para Vera Malaguti, o delito, ou desvio, não é um fenômeno natural, mas uma
construção do sistema de controle (2009, p. 27). Nesse sentido, o processo de criminalização e
a prisão mostram-se eficazes meios de controle social de determinadas categorias de
indivíduos. É o que aponta Wacquant, para o qual o advento do Estado neoliberal impõe a
proeminência do Estado penal, cuja lógica é deixar de investir em políticas públicas para o
desenvolvimento socioeconômico da população para, em seguida, entregar as classes
marginalizadas às prisões (2001, p. 7).
Por outro lado, no extremo oposto do processo seletivo, os perpetradores de crimes,
crimes organizados ou violações dos direitos humanos, e qualquer outro infrator que não
responda o estereótipo ameaçador dos alvos habituais raramente são criminalizados. Este
segundo filtro também foi conceituada como "aplicação seletiva".
Em suma, a criminalização secundária refere-se à processo de filtragem secundária,
em que apenas determinados tipos de comportamento criminalizado são processo tendencioso
que particularmente responde às características de classe e raça do ofensor.
No entanto, a criminalização secundária envolve três níveis diferentes. O primeiro
nível é a desigualdade nas práticas de aplicação da lei. Este nível tem sido mais comumente
conceituado como perfil racial. No entanto, não existe um acordo comum quanto à definição
de perfilamento. Enquanto alguns autores entendem que o perfil racial é um critério da polícia
durante as paradas e em buscas, outros o consideram um desempenho mais amplo da polícia
em detrimento das minorias raciais.
Apesar desta falta de uma definição comum de perfis raciais, esta noção não deixa
claro que perfilamento não segue apenas padrões de raça ou etnia, mas também segue outros
padrões como classe, sexo e idade. Críticas similares são levantadas quanto aos conceitos de
“perfis raciais ilegais” e “Perfis étnicos e raciais patrocinados pelo governo”.
Esse processo de seleção daqueles que ingressarão no sistema carcerário, e a marca
higienista que revela, tem origem na demanda por ordem oriunda das classes dominantes,
através da propagação do discurso do medo do caos e da desordem que impõem estratégias de
neutralização e disciplinamento das camadas sociais empobrecidas. Essa cultura de medo
acaba por gerar uma política de segurança pública que tem como premissas o extermínio, a
opressão policial contra os grupos marginalizados e a violação de direitos de garantias
fundamentais das classes vulneráveis, eminentemente jovens negros e pobres como é o caso
de Rafael Braga Vieira (MALAGUTI, 2003).
Esse problema inspirou a noção de “crime perfilamento ”, que aborda o padrão
discriminatório mais amplo, embora ainda esteja restrito a pesquisas. Outros autores
descreveram o desempenho tendencioso da aplicação da lei como “lei seletiva aplicação ”,
que usa a noção de “seletividade” de maneira ampla, e não consegue abordar ação de
perfilação realizada pela aplicação da lei.
Esse fenômeno também foi chamado de “assédio policiamento ”, que destaca um
aspecto do desempenho da aplicação da lei, ou seja, o assédio contra indivíduos vulneráveis,
mas não o funcionamento mais amplo desta agência. “Execução discriminatória” inclui não
apenas a raça, mas também a afiliação política e de classe, mas carece de uma definição clara.
A noção de “aplicação seletiva” descreve a “aplicação desigual da lei neutra que exige provar
discriminação intencional com base na classificação ilegítima ”, não incluindo a aplicação
equitativa de estatutos tendenciosos pela aplicação da lei, o viés implícito da aplicação da lei e
o desempenho tendencioso não relacionado a corrida.

3.1 A Ideologia da “igualdade para todos” no sistema de justiça criminal

As minorias continuam presas a taxas mais altas do que as brancas. Disparidades


ao longo das linhas raciais em taxas de detenção e encarceramento em todo o país
demonstram como a corrida continua a desempenhar papel nas decisões de justiça criminal.
As políticas de justiça criminal tendem a ser neutras em relação à raça quando valor nominal.
No entanto, a legislação criminal na prática tende a ter graves consequências raciais tem sido
a causa de grande parte da desproporcionalidade nas condenações criminais.
Os princípios jurídicos para KARL LARENZ são qualificados como “pautas
diretivas de formação jurídica que, em virtude da sua própria convicção, podem justificar
resoluções jurídicas”. E, enquanto ideias jurídicas materiais são manifestações especiais da
ideia de direito, tal como esta se apresenta no seu grau de evolução histórica. (1981, p. 78)
A garantia de acesso igual e efetivo à justiça implica a engenharia sensível ao
gênero de toda a cadeia de justiça, garantindo não apenas igualdade formal, mas também
substantiva. A cadeia de justiça abrange tribunais e tribunais internacionais, comitês de
protocolo opcional, procedimentos especiais, mecanismos regionais, tribunais estaduais e
outros sistemas de justiça formais e informais no estado.
O elo da cadeia de justiça que discutirei em minha apresentação é a constituição.
Uma garantia constitucional de igualdade, inerentes aos padrões regionais, é essencial para
estabelecer um imperativo universal de igualdade, no qual toda a cadeia de acesso à justiça
dentro do Estado ficará. As garantias constitucionais de igualdade são a fonte de autoridade
para uma revisão judicial efetiva da ação legislativa e governamental, além dos tribunais
estaduais, a possibilidade de recorrer a mecanismos internacionais e regionais abre o acesso a
uma interpretação das disposições constitucionais que está de acordo com a obrigação estatal
internacional e regional de respeitar, proteger e cumprir o direito à igualdade. A inclusão de
qualquer cláusula na constituição que derrogue a garantia da igualdade de gênero, ao adiar
para outra ordem de justiça, como os princípios religiosos, mina claramente os padrões de
igualdade do direito internacional dos direitos humanos. Muitos dos países que têm cláusulas
de derrogação ou exclusão em suas constituições entraram em reservas para os tratados de
direitos humanos, e essas reservas foram abordadas nos comentários conclusivos dos órgãos
do tratado.
Para DWORKIN (2004, p. 43), “os princípios na sua aplicabilidade em caso
concreto, não se mostra de forma obrigatória, pois, nem mesmo os princípios que mais se
aproximam de uma regra estipulam consequências jurídicas que se devam seguir
automaticamente quando presentes as condições previstas em seu conteúdo”.
As penalidades por crimes relacionados ao uso, posse e distribuição de drogas são
muitas vezes a critério legisladores e agências de aplicação da lei em uma determinada área, o
que pode tornar a raça fator. Além disso, a raça é freqüentemente usada como um qualificador
em determinações sobre probation e liberdade condicional. Disparidades raciais continuam a
existir em quem se qualifica para a libertação antecipada da prisão.
Além disso, os policiais podem, sem querer, tomar decisões com base no viés
racial. A exemplo disso ocorreu no sistema de justiça juvenil do Brasil.
Quando os praticantes acrescentou informações descritivas que sugerem se uma
criança deve ou não ser processada por crime, a maioria de suas declarações de presença para
crianças brancas sugeriu que seus problemas resultou de fatores ambientais, como problemas
com a família e grupos de pares.
Contudo, caracteriza HEINRICH HENKEL na sua ideia de justiça, “o que é
devido a cada um como seu permanece assim em aberto, tal como a questão de quais as
situações de facto que são essencialmente idênticas e quais as que são essencialmente
distintas, e qual o tratamento que é em cada caso apropriado”.
No século XIX, apesar de todos os direitos serem ou deverem ser (por coerência)
direitos de todos, são recusados aos cidadãos que não possuam determinados requisitos
económicos, as pessoas de certa classe lhes é atribuídos, e outros ainda, o direito de
associação e sindical, são alcançados com dificuldades. Em contrapartida os direitos de
liberdade são, sobretudo reivindicados no século XX, e sucessivamente obtidos, direitos
económicos, sociais e culturais. A transição para o Estado social irá diminuir ou eliminar o
cunho classista que, por razões diferentes, possuíam antes uma e outra categoria de direitos.
De acordo com as regras dos seus princípios destacam-se, aquilo que não posso
pensar senão como verdade, é verdade; aquilo que consigo pensar como não existente, por sua
vez não existiu; bem como toda e qualquer coisa tem de estar em qualquer parte e em
qualquer altura (Carlos Morujão, 2006, p. 49).
A passagem do governo representativo clássico para a democracia representativa
irá reforçar ou introduzir uma componente democrática, com tendência a liberdade-autonomia
como uma liberdade-participação. Com isso, os direitos políticos são paulatinamente
entendidos até ao sufrágio universal com os direitos económicos, sociais e culturais, ou a
maior parte deles, vêm a interessar sectores crescentes da sociedade, a partir daí mostra-se que
os direitos de liberdade não se esgotam no mero jogo de classes dominantes.
É nos princípios que se traduzem uma nova ideia de Direito, eles admitem ou
postulam concretizações, densificações, realizações variáveis. Mas nem por isso o operador
jurídico pode deixar de tê-los em conta, de tomá-los como pontos firmes de referência, de
interpretá-los segundo os critérios próprios da hermenêutica e de, em consequência, lhes dar o
devido cumprimento.

3.2 O etiquetamento no sistema de justiça criminal

O sistema penal é constituído pelos aparelhos policial, judicial e prisional e se limita


pelas leis, tutelando os bens jurídicos previstos no Código Penal e combatendo a
criminalidade, o mau em defesa da sociedade, o bem. Para isso se utiliza de um sistema
retributivo, através da prevenção geral e especial, pelo qual garante uma aplicação igualitária
da lei penal. Acaba por criar a garantia de que a diminuição da violência passa pelo aparelho
jurídico penal.2 Tem como pressuposto a criminologia tradicional que enquanto base de uma
política criminal do tipo reformista - opera, na verdade, como uma instância do sistema,
contribuindo para a sua legitimação.
Utiliza-se do paradigma etiológico, o qual supõe uma noção ontológica da
criminalidade, entendida como uma premissa pré-constituída às definições e, portanto,
também à reação social, institucional ou não institucional, que põe em marcha essas
definições. Dessa maneira, ficam fora do objeto da reflexão criminológica tradicional as
normas jurídicas ou sociais, a ação das instâncias oficiais, a reação social respectiva e, mais
em geral, os mecanismos institucionais e sociais, através dos quais se realiza a definição de
certos comportamentos, qualificados como criminosos.
Esta criminologia, cuja função é legitimar e auxiliar o sistema penal e a política
criminal oficial, tem como pressuposto a existência de uma qualidade natural de
comportamentos e de sujeitos que têm uma característica que os distingue de todos os outros
comportamentos e de todos os outros sujeitos: essa qualidade natural seria a criminalidade.
Sendo a criminalidade uma entidade ontológica, seria possível investigar suas causas e
colocar a ciência das causas a serviço da prática que deve combatê-la (BARATA, 2000, p.
42).
A criminologia crítica analisa os mecanismos e as reais funções do sistema
capitalista. Ao contrário da criminologia tradicional, a Criminologia Crítica estuda as
condutas criminosas, em conjunto com as relações e os valores sociais, ou seja, inter-relaciona
as condutas desviantes com os mecanismos de controle social. Tal fato permitiu que
premissas que garantem a igualdade que permeia o Direito Penal, tidas como verdadeiras,
viessem por terra.
Muito embora o Direito Penal fosse considerado elemento de efetiva proteção a
todos os cidadãos, de forma igualitária bem como a norma penal era aplicada de maneira igual
a todos os que se comportassem da maneira considerada anti-social, a realidade demonstrou-
se bem distinta. Revelou-se, assim, a base discriminatória do sistema penal, pois a proteção
não se dá a todos de forma igual, antes, fragmenta a sua aplicação em intensidade e interesses
diversos, interesses esses que ocultam, na verdade, uma ideologia que privilegia e tutela os
interesses da classe dominante - a qual se encontra imune ao processo de criminalização -
acabando por condenar efetivamente aqueles que pertencem às classes subalternas.
Para Becker (1973) nos ajuda a entender como o desvio primário pode levar a
desvio secundário através de sua discussão sobre o significado do desvio para social status.
Como consequência de ser capturado e definido como desviante, um pessoa sofre uma
mudança na "identidade pública". A coisa que a pessoa é acusada de o ser é freqüentemente
representado com um termo, como "criminoso", e a pessoa pega e condenado por um crime
adquire o status social de "criminoso".
E, partindo desse conceito dialético de racionalidade, é possível perceber que,
embora os princípios estruturais e funcionais, declarados como necessários para a organização
científica do sistema penal, sejam opostos aos por ele declarados, ou seja, opostos aos
utilizados no funcionamento real do sistema, tal contradição não constitui um erro cometido
pelo operadores, mas sim uma ideologia, que é parte integrante do sistema penal. Tem-se com
isso, que a contradição constitui um elemento importante aliado a outros elementos do
sistema, cujo funcionamento se dá exatamente através desta contradição, com o fim de
assegurar a realização das funções que exerce no interior do conjunto da estrutura social.
(BARATA, 2000, p. 43)
Características de status mestre são usado para distinguir principalmente entre aqueles
que pertencem a uma categoria de status e aqueles quem não. No caso do criminoso, algum
tipo de "registro" da pessoa comportamento condenado serve como o traço de status principal
que garante o status da pessoa de "criminoso" e nega-lhe o status de "não-criminal". Isso é
importante lembrando que a rotulagem é um processo de diferenciação social pelo qual
algumas pessoas são classificados como desviantes e outros são classificados como
conformes. Além disso, certas "traços auxiliares" também estão associados a determinados
status.
Algumas diferenças, além das já expostas anteriormente, podem ser detectadas entre
as duas criminologias. Tomando como referência cada criminologia e o tipo de relação com o
sistema penal e sua prática oficial, constata-se que, para a criminologia tradicional ambos são
destinatários e beneficiários de seu saber. Já para a crítica, eles são, antes de mais nada, o
objeto de seu saber, mantendo com ambos uma relação crítica, de análise e verificação
(cientificamente), da própria gênese do sistema, sua estrutura, função, seus mecanismos de
seleção bem como também de uma avaliação dos tipos de resposta que oferece efetivamente e
dos que teria condições de oferecer, frente aos problemas sociais reais.
Outra diferença diz respeito à ausência de um caráter imediatista da criminologia
crítica, ao contrário da criminologia tradicional. Por outro lado, a possibilidade de oferecer
respostas, mais brevemente, estaria submetida a duas condições: a) que a transformação das
relações de hegemonia possibilite que se efetive uma reforma do sistema penal, em que o
interesse das classes subalternas se elevasse a uma condição de determinação dentro da
estrutura penal; b) que o atraso da cultura de esquerda e do movimento operário, em relação à
ideologia da classe burguesa quanto à resolução dos problemas sociais, ligados à
criminalidade, se transforme em avanço através do processo de conscientização junto às
classes subalternas, e da instauração de uma política dotada de autonomia pelo setor operário,
(controle social).
O processo de seletividade do sistema penal ocorre devido a duas variáveis
estruturais. I) incapacidade estrutural que possui o seu aparelho, em operacionalizar toda a
programação da Lei penal, dada a magnitude da sua abrangência; 2) tal processo seletivo
ocorre devido ao fato de se dar uma especificidade da infração e das conotações sociais dos
autores, ou seja, há um direcionamento do sistema penal para determinadas pessoas
preferencialmente, em detrimento do tipo de conduta cometida, isto porque, a classe
dominante tem poder suficiente para impor que o sistema penal seja ineficaz, ao punir as suas
condutas delituosas (ANDRADE, p. 2006, p. 73).

3.3 A seletividade nas etapas de criminalização primária e secundária do sistema de justiça


criminal.

A inclusão de preceitos dessa ordem, por parte do constituinte originário, demonstra,


a decisão política em estabelecer, criteriosamente, os caminhos a serem galgados pela
sociedade brasileira em prol de avanços na esfera econômica, como instrumento de
concretização de outros direitos e garantias fundamentais inseridos no contexto de
normatização democrática. Tais prescrições se consubstanciam, dessa maneira, em vetor
compromissório, limitador e interpretativo de todo o arcabouço infraconstitucional a respeito
de temas correlacionados.
O sistema penal que estabelece o controle de ações socialmente desviantes (delitos)
também pode (e deve) ser analisado sob o vetor da ordem econômica, mormente a construção
de um contexto democrático que enxerga o homem como sujeito inserto na realidade
econômica e, para tanto, influenciado pela mesma.
Mas essa influência, se analisada pela Criminologia Crítica, deixa evidente a
seletividade ilegítima operacionalizada pela Legislação Penal e pelos sistemas formais de
controle, que reflete a própria relação social de poder, e que condiciona a população
marginalizada ao papel de “clientela” do próprio sistema penal, responsável pela
‘higienização’ da sociedade. Assim, etiquetam-se sujeitos tipificados através de interações
sociais complexas como sendo ‘delinquentes’ e se imunizam da aplicação, supostamente
igualitária, da Lei Penal, os detentores do poder econômico e/ou político.
Argüello (2005, p. 9) proclama que:
A criminologia positivista tradicional caracteriza-se por um paradigma etiológico,
pelo qual a criminalidade se torna um atributo de determinados indivíduos
(‘anormais’), cuja propensão a delinqüir pode ser determinada pelas suas
características biológicas e psicológicas (diferenciando-os dos indivíduos
‘normais’), ou pelos fatores socioambientais a que estão submetidos. Essa
criminologia etiológica (individual ou socioestrutural) parte das seguintes questões,
entre outras: quem é o criminoso? Por que pratica o crime? Quais fatores
socioambientais influenciam nas taxas de criminalidade? Enfim, busca as causas ou
os fatores da criminalidade com o objetivo de individualizar as medidas adequadas
para eliminá-los, intervindo sobre o comportamento do autor. A ideologia da defesa
social ainda predomina na criminologia contemporânea, embora tenha sido
questionada e praticamente substituída por um outro paradigma, o do labeling
approach (paradigma da reação social).

Assim, a legitimidade do sistema penal que seleciona as atitudes encartadas como


criminosas e parte do pressuposto da reação social eivada pela influência dos detentores de
poder político e econômico pode ser debatida sob o âmbito criminológico, a fim de constatar
o caráter desigual de Sistema Penal, que condiciona e opta por gerir a criminalidade
etiquetando e selecionando aqueles indivíduos que majoritariamente pertencem aos estratos
sociais menos favorecidos – “possíveis” tendenciosos à prática de ações desviantes.
No entanto, há uma falta de ferramentas conceituais compartilhadas para estruturar
esse debate. Primeiro, não há claro ou ferramenta teórica abrangente para descrever,
categorizar ou analisar a desigualdade de classe e racial durante todo o processo de justiça
criminal. Em vez disso, as ferramentas atuais enfocam, separadamente, a promulgação de leis,
sobre o desempenho de policiais, sobre as ações dos juízes, júris e promotores, ou sobre a
administração de punição. Isso significa que existem noções para descrever a desigualdade
durante o promulgação de leis cometidas por legisladores e pelo poder executivo (por
exemplo, desigualdade segundo a lei); ou desigualdade durante a execução da lei cometida
por policiais (por exemplo, perfis raciais); ou a desigualdade durante o processo judicial
cometido pelos promotores (por exemplo, discrição parcial do Ministério Público); ou
desigualdade durante a administração de punição por oficiais correcionais ou conselhos de
liberdade condicional (por exemplo, disparidades no tratamento da prisão, ou disparidades na
concessão de liberdade condicional).
No entanto, não há ferramenta para analisar o padrão sistemático de injustiça ao
longo de todas as fases da justiça criminal processo como um todo. É então possível definir a
criminalização primária como o processo de filtragem para o qual apenas tipos de
comportamentos considerados negativos em termos sociais são estabelecidos como infracções
penais estatutos.
Do universo de condutas prejudiciais, apenas certas infrações são submetidas a
crimes sanção. Por exemplo, recusar um assento a uma senhora idosa no metrô pode ser
considerado prejudicial o comportamento, embora os legisladores não considerem tal
comportamento criminoso. As ofensas que passam o filtro de “criminalização primária” são as
mais grosseiras, comprometidas com recursos simples, exigindo coleta de evidências,
produzindo um baixo conflito político-social e tipicamente perpetrado por classes e raciais.
Em contraste, comportamentos mais complexos que exigem níveis mais elevados de
meios para conduzir a investigação, que não produz agitação social, e que geralmente são
cometidos por indivíduos de estratos raciais e de classe privilegiados, não são o núcleo do
processo de codificação, apesar de proporcionando altos níveis de dano social. Isso significa
que, embora a maioria das leis pareça neutros, eles segmentam desproporcionalmente
comportamentos associados às classes mais baixas e minoritários.
Para Dias e Andrade (1997, p. 366):

Esta atitude, relativamente à primeira das instâncias formais de controle a estudar, é


paradigmática do propósito que preside a uma perspectivação interacionista de toda
esta matéria: o conhecimento dos modelos de racionalidade e de resposta
subjacentes à mortalidade dos casos criminais operada ao longo do corredor da
delinquência. Seria já ocioso insistir, nesta altura, no enorme desfasamento que
medeia entre a seleção abstrata, potencial e provisória, operada pela lei criminal, e a
seleção efetiva e definitiva, feita pelas instâncias de criminalização secundária.

Em suma, a criminalização primária refere-se ao processo de filtragem primária,


certos tipos de comportamentos socialmente considerados negativos são superdimensionados
como crimes por causa do status dos indivíduos que geralmente os cometem, e não por causa
do dano que eles produzem. O resultado do processo de criminalização primária é o
tratamento desigual em o nível legislativo e de common law de diferentes comportamentos
sociais negativos, que podem ser nomeados desigualdade sob a lei.
A criminalização secundária aparece como resultado da impossibilidade prática de
processar cada e toda ofensa perpetrada todos os dias em uma determinada jurisdição. Então,
criminalização secundária consiste em um processo de filtragem responsável por selecionar
quais dos principais comportamentos criminalizados vão ser efetivamente criminalizados.
Esse processo secundário de filtragem é influenciado pela classe e características raciais dos
infratores, e também por sua idade e gênero.
Os indivíduos visados são aqueles que respondem à “imagem pública estética do
ofensor, com classista, racista, idade e gênero componentes. ” Por outro lado, no extremo
oposto do processo seletivo, os perpetradores de crimes, crimes organizados ou violações dos
direitos humanos, e qualquer outro infrator que não responda o estereótipo ameaçador dos
alvos habituais raramente são criminalizados. Esse segundo filtro também foi conceituado
como "aplicação seletiva".Em suma, a criminalização secundária refere-se à processo de
filtragem secundária, em que apenas determinados tipos de comportamento criminalizado são
processo tendencioso que particularmente responde às características de classe e raça do
ofensor.
Outros autores descreveram o desempenho tendencioso da aplicação da lei como “lei
seletiva aplicação ”, que usa a noção de “seletividade” de maneira ampla, e não consegue
abordar ação de perfilação realizada pela aplicação da lei. Esse fenômeno também foi
chamado de “assédio policiamento ”, que destaca um aspecto do desempenho da aplicação da
lei, ou seja, o assédio contra indivíduos vulneráveis, mas não o funcionamento mais amplo
desta agência. “Execução discriminatória” inclui não apenas a raça, mas também a afiliação
política e de classe, mas carece de uma definição clara.
A noção de “aplicação seletiva” descreve a “aplicação desigual da lei neutra que
exige provar discriminação intencional com base na classificação ilegítima ”, não incluindo a
aplicação equitativa de estatutos tendenciosos pela aplicação da lei, o viés implícito da
aplicação da lei e o desempenho tendencioso não relacionado a corrida.

4 O CASO RAFAEL BRAGA

O caso Rafael Braga tem grande relevância em alguns movimentos sociais por se
tratar de um dos episódios de maior incoerência jurídica brasileira da atualidade. Esses
movimentos sociais sugerem que tais incoerências teriam como motivação o fato de Rafael
ser pobre, negro, catador de recicláveis e morador de favela na cidade do Rio de Janeiro. Para
compreender o contexto, o Movimento Pela Liberdade de Rafael Braga (2017) disponibiliza
em seu site os fatos e datas que concatenam o caso.
Segundo o material disponibilizado nesse site, apesar de não ter participado, Rafael
Braga foi o único condenado em relação às manifestações populares de junho de 2013,
acusado de portar material para a confecção de líquido inflamável – desinfetante e água
sanitária – que posteriormente comprovou-se que o composto não é capaz de criar o tipo de
líquido que o acusaram de portar. Ainda segundo o site Movimento Pela Liberdade de Rafael
Braga (2017), os recursos solicitados por sua defesa são negados e ele é condenado a cumprir
pena. Em outubro de 2014 Rafael Braga cumpre a pena em regime fechado, ganha progressão
de regime e é obrigado a trabalhar com tornozeleira. Em 12 de janeiro de 2016 Rafael Braga é
abordado por policiais militares nas proximidades de sua casa, na favela de Vila Cruzeiro na
cidade do Rio de Janeiro e é preso com um flagrante forjado, segundo testemunhas conta o
Movimento Pela Liberdade de Rafael Braga (2017) por meio de seu site. Em 20 de abril de
2017, com mais de um ano de prisão provisória, Rafael Braga é condenado a 11 anos de
detenção, levando em consideração somente depoimentos dos policiais que o abordaram,
sendo negado o direito à ampla defesa que concedia a análise da câmera da viatura e as
informações do GPS da tornozeleira. Seus advogados vão recorrer e é nesse ponto em que se
concentram os atuais esforços da campanha dos movimentos sociais pela liberdade de Rafael
Braga (Movimento Pela Liberdade de Rafael Braga, 2017).
É consenso que o desenvolvimento tecnológico e comunicacional possibilitou grande
transformação na maneira como transitam as informações, as interações e os comportamentos
sociais.
Para Castells (2009) as principais características desse desenvolvimento são as
mudanças tecnológicas, relacionadas sobretudo ao acesso à internet; a estrutura institucional
da comunicação, que diz respeito aos grupos comunicacionais hegemônicos, comercialização
e parcerias entre conglomerados econômicos; e a transformação nas relações de poder,
principalmente sobre as disparidades no acesso à tecnologia entre países. O autor afirma ainda
que comunicar é compartilhar significados que só farão sentido no contexto das relações e que
“atores sociais e cidadãos estão usando esta nova capacidade das redes de comunicação para
fazer avançar seus projetos, defender seus interesses e reafirmar seus valores” (2009, p. 91,
tradução nossa).
Com essa percepção de risco vinculada às pessoas negras é que a culpabilização
constantemente reiterada a elas faz com que a guerra empreendida nas periferias se
movimente usando sentimentos de vingança que se perenizam. Farias (2015), recorrendo as
falas de um policial entrevistado no documentário “Notícias de uma Guerra Particular” (Lund
e Salles, 2000), pensará como isso se efetiva, pois esse agente da segurança pública relata que
os assassinatos cometidos pela polícia são revanches contra as mortes de policiais feitas por
criminosos.
A autora problematiza esse dado mostrando a desproporcionalidade de tal investida e
evidencia como tal modus operandi se realiza como uma “prática de governamentalidade”
(Foucault, 2008) articulada com outras instâncias de funcionamento do Estado, por exemplo,
através das brechas deixadas pelos laudos cadavéricos produzidos pela polícia civil que
travam burocraticamente processos de investigação que possam reverter os rumos de
assassinatos como esses.
A situação de Rafael Braga permite perceber como ele faz parte de uma população
sistematicamente pensada para morrer por um Estado que se faz no controle da negativação
dessa existência. Um dos mecanismos, usado por diferentes governos brasileiros, que eu
identifico como sendo muito útil para produzir uma impossibilidade de vida será pensado
nesse tópico: a política de pacificação, atualmente materializada pelas Unidades de Polícia
Pacificadoras (UPPs); a qual está diretamente ligada à história de Rafael, notadamente no
momento da sua prisão por tráfico.
Logo, trata-se de explorar uma metáfora estrutural para compreender elementos
dinâmicos e de composição de grupos sociais (RECUERO, 2009). Os usos de múltiplas
formas de redes baseadas em tecnologia são para os movimentos sociais vantajosas para
estabelecer um contínuo fluxo de relação no ambiente livre da internet, para manter uma
coordenação descentralizada de informações e para a criação de pequenos grupos dentro da
rede que independem de proximidade geográfica (CASTELLS, 2013)
Partindo desse pressuposto, a hipótese é que esses movimentos sociais, sobretudo o
movimento negro, se compadecem e se colocam à disposição do caso Rafael Braga pois se
identificam com o histórico de lutas provenientes dos preconceitos e das discriminações
raciais que marginalizam os negros em diversas esferas da sociedade (DOMINGUES, 2007).
Essa virulência em torno das violações do caso Rafael não consegue se propagar ao
ponto de acabar com as arbitrariedades que acontecem contra ele ou a população a que ele
pertence, mas o tencionamento que provocam trinca em muitos momentos operações dolosas
comumente aplicadas contra pessoas negras e/ou evidenciam a existência de racismo
institucionalizado no Brasil. O castigo de ser mandado para solitária e a quase perca do
benefício do regime semiaberto – pela foto que ele bateu em um muro que tinha pichado uma
frase que contestava a finalidade de organização do Estado – mostra como a força da reação
do Estado aplicada contra ele tem objetivos muito maiores do que somente persegui-lo.
O que também está em jogo é o silenciamento de todo um setor da sociedade que tem
fortes possibilidades de criar empatia com Rafael e que por isso é preciso desabilitálo por
todos os meios, pois para o Estado seguir com o sadismo necropolítico contra o povo negro é
preciso que qualquer denúncia dos males que isso representa seja duramente reprimida.
A história de vida de Rafael, e das/dos que se encaixam em categorias similares a
dele, está sendo cruzada constantemente pelas tentativas de assassinato do Estado. É
justamente por essa trajetória ser semelhante à de vários outros indivíduos que a possibilidade
de condensação que ela possui se torna uma arma potente para os movimentos sociais
poderem denunciar a forma como o regime “democrático” produz violações. Com essa
compreensão é que me solidarizo ao tratamento que é dado ao caso Rafael Braga, de forma
extremamente cuidadosa para não perder seu poder mobilizador dentre dos mores em curso,
porém não perco a noção de que essa escolha excluí outros debates importantes (como uso de
psicoativos proibidos, a questão das violações à população em situação de rua e a não
existência de um sistema amplo de ressocialização no cárcere brasileiro) e que novas
estratégias que os englobem precisam ser pensadas.

4.1 Seletividade e racismo

4.2 O papel da mídia


4.3 A concretude da seletividade do sistema penal brasileiro

Você também pode gostar