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Essa caracterização feita pelo autor citado, coloca o Positivismo, como uma ciência
neutra com leis imutáveis, o que passa uma ideia de que a sociedade pode ser estudada como
a natureza, apenas pelo método da observação, negando dessa forma análises que levem em
consideração outros fatores da sociedade. Sabe-se nas que as ciências sociais existem fatores
que são sempre variáveis e que não dar para prever sempre como e quando acontecerão. O
positivismo negaria todas as variáveis possíveis na sociedade, escondendo dessa forma todas
os preconceitos da sociedade.
O positivismo se mostra como única caminha verdadeiro para o conhecimento ao
passo que utiliza um método segura e objetivo baseado nas leis da natureza. “O Positivismo
representou, portanto, uma mudança radical na forma de produção do conhecimento tomado
como verdadeiro. É sob o signo da noção de ciência formulada pelo Positivismo que a
Criminologia nascente se apoiará.” (Evandro Piza, 1998)
O nascimento da Criminologia como ciência é marcado fortemente pelo Positivismo.
De acordo com Evandro Piza:
O conhecimento criminológico despontava com o discurso
disciplinário, mas será, sobretudo com as condições criadas pelo
fenômeno do encarceramento que terá possibilidade para desenvolver-
se. Trata-se da transformação não apenas no discurso sobre a condição
humana de igualdade presente na primeira matriz iluminista para
outra, na qual se afirma a existência de diferenças humanas a partir de
uma concepção orgânica do homem. Tal transição operada no discurso
reflete em primeiro lugar a situação de inferioridade humana, mas
também a situação de inferioridade do prisioneiro, provocada pelo
desvalor social que o delito possuía e a categoria de encarcerado
reafirmava.
É a partir dessa discursão que se deve partir para a relação entre a criminologia
positivista e o racismo, como fica explicito nas afirmações de Lambroso, quando ele coloca
que existe raças superiores e raças inferiores. Essa teoria que naturalizava essa diferença de
raças será transplantada para a criminologia, estigmatizando os grupos tidos como inferiores e
selvagens.
Agora é necessário esclarecer que a Criminologia encontrou nessa teoria raciais a
possibilidade do controle social dos grupos não europeus, principalmente as populações
negras da África, apesar de que não eram os únicos grupos a serem objetos de controle, mas
os principais.
2.2 Criminologia positivista no Brasil
BRASILEIRO
O caso Rafael Braga tem grande relevância em alguns movimentos sociais por se
tratar de um dos episódios de maior incoerência jurídica brasileira da atualidade. Esses
movimentos sociais sugerem que tais incoerências teriam como motivação o fato de Rafael
ser pobre, negro, catador de recicláveis e morador de favela na cidade do Rio de Janeiro. Para
compreender o contexto, o Movimento Pela Liberdade de Rafael Braga (2017) disponibiliza
em seu site os fatos e datas que concatenam o caso.
Segundo o material disponibilizado nesse site, apesar de não ter participado, Rafael
Braga foi o único condenado em relação às manifestações populares de junho de 2013,
acusado de portar material para a confecção de líquido inflamável – desinfetante e água
sanitária – que posteriormente comprovou-se que o composto não é capaz de criar o tipo de
líquido que o acusaram de portar. Ainda segundo o site Movimento Pela Liberdade de Rafael
Braga (2017), os recursos solicitados por sua defesa são negados e ele é condenado a cumprir
pena. Em outubro de 2014 Rafael Braga cumpre a pena em regime fechado, ganha progressão
de regime e é obrigado a trabalhar com tornozeleira. Em 12 de janeiro de 2016 Rafael Braga é
abordado por policiais militares nas proximidades de sua casa, na favela de Vila Cruzeiro na
cidade do Rio de Janeiro e é preso com um flagrante forjado, segundo testemunhas conta o
Movimento Pela Liberdade de Rafael Braga (2017) por meio de seu site. Em 20 de abril de
2017, com mais de um ano de prisão provisória, Rafael Braga é condenado a 11 anos de
detenção, levando em consideração somente depoimentos dos policiais que o abordaram,
sendo negado o direito à ampla defesa que concedia a análise da câmera da viatura e as
informações do GPS da tornozeleira. Seus advogados vão recorrer e é nesse ponto em que se
concentram os atuais esforços da campanha dos movimentos sociais pela liberdade de Rafael
Braga (Movimento Pela Liberdade de Rafael Braga, 2017).
É consenso que o desenvolvimento tecnológico e comunicacional possibilitou grande
transformação na maneira como transitam as informações, as interações e os comportamentos
sociais.
Para Castells (2009) as principais características desse desenvolvimento são as
mudanças tecnológicas, relacionadas sobretudo ao acesso à internet; a estrutura institucional
da comunicação, que diz respeito aos grupos comunicacionais hegemônicos, comercialização
e parcerias entre conglomerados econômicos; e a transformação nas relações de poder,
principalmente sobre as disparidades no acesso à tecnologia entre países. O autor afirma ainda
que comunicar é compartilhar significados que só farão sentido no contexto das relações e que
“atores sociais e cidadãos estão usando esta nova capacidade das redes de comunicação para
fazer avançar seus projetos, defender seus interesses e reafirmar seus valores” (2009, p. 91,
tradução nossa).
Com essa percepção de risco vinculada às pessoas negras é que a culpabilização
constantemente reiterada a elas faz com que a guerra empreendida nas periferias se
movimente usando sentimentos de vingança que se perenizam. Farias (2015), recorrendo as
falas de um policial entrevistado no documentário “Notícias de uma Guerra Particular” (Lund
e Salles, 2000), pensará como isso se efetiva, pois esse agente da segurança pública relata que
os assassinatos cometidos pela polícia são revanches contra as mortes de policiais feitas por
criminosos.
A autora problematiza esse dado mostrando a desproporcionalidade de tal investida e
evidencia como tal modus operandi se realiza como uma “prática de governamentalidade”
(Foucault, 2008) articulada com outras instâncias de funcionamento do Estado, por exemplo,
através das brechas deixadas pelos laudos cadavéricos produzidos pela polícia civil que
travam burocraticamente processos de investigação que possam reverter os rumos de
assassinatos como esses.
A situação de Rafael Braga permite perceber como ele faz parte de uma população
sistematicamente pensada para morrer por um Estado que se faz no controle da negativação
dessa existência. Um dos mecanismos, usado por diferentes governos brasileiros, que eu
identifico como sendo muito útil para produzir uma impossibilidade de vida será pensado
nesse tópico: a política de pacificação, atualmente materializada pelas Unidades de Polícia
Pacificadoras (UPPs); a qual está diretamente ligada à história de Rafael, notadamente no
momento da sua prisão por tráfico.
Logo, trata-se de explorar uma metáfora estrutural para compreender elementos
dinâmicos e de composição de grupos sociais (RECUERO, 2009). Os usos de múltiplas
formas de redes baseadas em tecnologia são para os movimentos sociais vantajosas para
estabelecer um contínuo fluxo de relação no ambiente livre da internet, para manter uma
coordenação descentralizada de informações e para a criação de pequenos grupos dentro da
rede que independem de proximidade geográfica (CASTELLS, 2013)
Partindo desse pressuposto, a hipótese é que esses movimentos sociais, sobretudo o
movimento negro, se compadecem e se colocam à disposição do caso Rafael Braga pois se
identificam com o histórico de lutas provenientes dos preconceitos e das discriminações
raciais que marginalizam os negros em diversas esferas da sociedade (DOMINGUES, 2007).
Essa virulência em torno das violações do caso Rafael não consegue se propagar ao
ponto de acabar com as arbitrariedades que acontecem contra ele ou a população a que ele
pertence, mas o tencionamento que provocam trinca em muitos momentos operações dolosas
comumente aplicadas contra pessoas negras e/ou evidenciam a existência de racismo
institucionalizado no Brasil. O castigo de ser mandado para solitária e a quase perca do
benefício do regime semiaberto – pela foto que ele bateu em um muro que tinha pichado uma
frase que contestava a finalidade de organização do Estado – mostra como a força da reação
do Estado aplicada contra ele tem objetivos muito maiores do que somente persegui-lo.
O que também está em jogo é o silenciamento de todo um setor da sociedade que tem
fortes possibilidades de criar empatia com Rafael e que por isso é preciso desabilitálo por
todos os meios, pois para o Estado seguir com o sadismo necropolítico contra o povo negro é
preciso que qualquer denúncia dos males que isso representa seja duramente reprimida.
A história de vida de Rafael, e das/dos que se encaixam em categorias similares a
dele, está sendo cruzada constantemente pelas tentativas de assassinato do Estado. É
justamente por essa trajetória ser semelhante à de vários outros indivíduos que a possibilidade
de condensação que ela possui se torna uma arma potente para os movimentos sociais
poderem denunciar a forma como o regime “democrático” produz violações. Com essa
compreensão é que me solidarizo ao tratamento que é dado ao caso Rafael Braga, de forma
extremamente cuidadosa para não perder seu poder mobilizador dentre dos mores em curso,
porém não perco a noção de que essa escolha excluí outros debates importantes (como uso de
psicoativos proibidos, a questão das violações à população em situação de rua e a não
existência de um sistema amplo de ressocialização no cárcere brasileiro) e que novas
estratégias que os englobem precisam ser pensadas.