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UNIrevista - Vol.

1, n° 2: (abril 2006) ISSN 1809-4651

Refletindo sobre a constituição do ser


professor

Silvania Regina Pellenz Irgang


Acadêmica do Curso de Pedagogia Pré-escola
reginapellens@yahoo.com.br
Universidade Federal de Santa Maria, RS

Alexandra Botega Ceron


Acadêmica do Curso de Pedagogia Pré-escola
abceron@yahoo.com.br
Universidade Federal de Santa Maria, RS

Neoclesia Chenet
Pedagoga, Mestranda em Educação
neoclesia@yahoo.com.br
Universidade Federal de Santa Maria, RS

Valeska Fortes de Oliveira


Doutora em Educação
guiza@terra.com.br
Universidade Federal de Santa Maria, RS
______________________________________________________________________
Resumo

Dentre os temas desenvolvidos pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e


Imaginário Social (GEPEIS) está o processo de investigação/formação com professores da
rede municipal de Santa Maria, RS, através da reflexão de suas trajetórias docentes. Os
objetivos com este projeto são consolidar um processo de formação continuada, construindo
com as professoras um espaço de formação onde questões cotidianas das escolas e das salas
de aula, possam estar sendo estudadas e debatidas. Pretende-se, ainda, conhecer os
significados construídos sobre sua formação no espaço da universidade, como têm
mobilizado os saberes acadêmicos no trabalho cotidiano das escolas e como o professor vem
se produzindo como sujeito ou ator social que escolhe a docência como trabalho ou
profissão. Nas entrevistas semi-estruturadas, escritas e relatos autobiográficos as
professoras podem reconstruir imagens que marcaram a vida escolar e pessoal, a escolha
profissional e os saberes docentes. Essas imagens trazem experiências e constituem-se em
materiais de formação e autoformação de professores, colocando o professor como
”pesquisador de si” e de suas práticas docentes.
Palavras-chave: Educação // Construção // Professores

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Refletindo sobre a constituição do ser professor
Silvana Regina Pellenz Irgang et al.

Refletindo sobre a constituição do ser professor

A pesquisa com professores da rede municipal de ensino de Santa Maria, busca através de
processos de formação e autoformação compreender como foram e são construídos os
saberes do ser professor e que articulações essas docentes, professoras de séries iniciais e
educação infantil, há mais de dez anos com prática escolar, (re)construíram em relação ao
cotidiano escolar e as aprendizagens ocorridas no curso de formação desenvolvido no espaço
da Universidade.

O estudo do ambiente escolar e do próprio trabalho dos professores permite conhecer além
da cultura, os conhecimentos que os docentes utilizam no desenvolvimento de seu fazer
pedagógico. Nesta perspectiva nos aproximamos dos saberes que estão relacionados ao ser
e ao fazer docentes. Para Queiroz esses saberes são “exibidos pelos professores em ação na
sala de aula, na escola ou na comunidade educacional mais ampla e estão reunidos em uma
espécie de “reservatório” no qual se abastecem para responder a exigências específicas das
situações concretas do seu cotidiano profissional. Esse reservatório é aberto e dinâmico,
passando por constantes mudanças em função de experiências novas”. (2001, p.2).

O debate sobre os saberes docentes que professores acionam no seu trabalho cotidiano
permite também que se fale na docência como uma profissão, como um trabalho que exige
um repertório de conhecimentos que precisam ser debatidos e trabalhados nos cursos de
formação de professores. O campo de estudos conhecido como epistemologia da prática
docente tem produzido uma série de reflexões significativas para que possamos pensar no
trabalho docente e suas exigências na sociedade atual.

As significações sobre a docência e sobre o professor são construídas desde o momento que
entramos numa sala de aula e mesmo antes de entrar nela. Temos uma representação do
que seja um professor, uma aula, uma avaliação, uma escola, enfim, essas imagens se
configuram em saberes construídos ao longo de nossas histórias de vida, trazendo
experiências que refletem comportamentos, valores, posturas profissionais e pessoais, que
são os nossos primeiros saberes construídos sobre a docência.

Esses saberes, de acordo com Pimenta, fazem parte de nossa trajetória, “Quando os alunos
chegam ao curso de formação inicial, já tem saberes sobre o que é ser professor. Os saberes
de sua experiência de alunos que foram de diferentes professores em toda sua vida escolar.
Experiência que lhes possibilita dizer quais foram os bons professores, quais eram bons em
conteúdos mas não em didática, isto é, não sabiam ensinar. Quais professores foram
significativos em suas vidas, isto é, contribuíram para sua formação humana. Também
sabem sobre o ser professor por meio da experiência socialmente acumulada, as mudanças
históricas da profissão, o exercício profissional em diferentes escolas, a não valorização
social e financeira dos professores, as dificuldades de estar diante de turmas de crianças e
jovens turbulentos, em escolas precárias; sabem um pouco sobre as representações e os
estereótipos que a sociedade tem dos professores, através dos meios de comunicação.
Outros alunos já tem atividade docente. Alguns, porque fizeram magistério no ensino médio;
outros, a maioria, porque são professores a título precário. (1999, p. 20)

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Há representações construídas pelos professores ao longo de suas trajetórias de vida que


interferem e produzem um tipo de professor. Narrar suas histórias como estudantes, revelam
as imagens de professor que permeiam as nossas representações imaginárias acerca da
docência e de um ideal de professor. Esses materiais podem constituir-se em processos de
formação e autoformação, inicial e continuada, de professores. Podemos perceber esse
imaginário na fala da professora M: “(...) os alunos eles são um pouco de nós, a gente é um
pouco do professor, a gente chega ao cargo de professor, de diretor, em alguém a gente se
espelhou um dia, isso é uma construção, é uma caminhada”.

Para compreender essas significações imaginárias que permeiam a constituição do ser


professor utilizamos o método biográfico, histórias de vida, a fim de que os professores
possam relatar suas experiências escolares enquanto alunos e sujeitos de sua
professoralidade compreendendo como ocorreu sua escolha profissional pela docência. A
Professora J.L descreve, “Embora eu não tive o sonho de ser professora, eu cai quase de
pára-quedas. Na época fui cursar magistério, porque ser professora era um status, era tu ter
um nível. Então fui porque os meus pais pediram, depois comecei a trabalhar e comecei a
gostar, e tu te realiza vendo o crescimento deles (alunos)”.

Nesse sentido, Dominicé afirma que, “ O estudo biográfico, porque apela à reflexão e resulta
de uma tomada de consciência, dá origem a um material de investigação que é já o
resultado de uma análise. A diversidade dos dados deve assim ser recebida como uma
pluralidade de compreensão biográfica. O objetivo teórico da investigação ou a busca de uma
teoria da formação, torna-se então indissociável de um aprofundamento da análise que cada
um pode fazer sobre a sua formação”. (1988, p.55)

É possível que a própria narrativa sobre a trajetória profissional auxilie na tematização da


atuação presente do professor construindo um arquivo de memórias das vidas de
professores. Conhecer os saberes que os professores, que estão no espaço de formação
acadêmica, constroem a partir de suas trajetórias pessoais e profissionais. A importância do
trabalho com as histórias de vida, é ressaltado por Oliveira (2001, p.20), ao colocar que “A
história de vida permite dar a palavra àqueles que vivenciam os processos sociais. É um
método que permite a aproximação entre as perspectivas teóricas e os fatos empíricos. (...)
Este método revela a história não como episódio desempenhado por personagens
importantes, senão como processo cotidianamente vivido por pessoas comuns. Não se trata
de fazer um uso positivista da história, ou seja, “restaurar no discurso o fato social””.

Conhecer o fazer pedagógico e a relação que o professor faz desse com a teoria, suas
concepções, crenças, valores e saberes sobre processo de ensino, evidencia o ser professor,
pois para Guarnieri “é no exercício da profissão que se consolida o processo de tornar-se
professor, ou seja, o aprendizado da profissão a partir de seu exercício possibilita configurar
como vai sendo constituído o processo de aprender a ensinar”. (2000, p.5)

O saber e o fazer pedagógico, as atitudes em sala de aula refletem a formação escolar a que
fomos submetidos e o processo histórico-cultural em que esta ocorreu, pois para Codo
(1999, p.49) o professor que “tiver em torno dos quarenta anos terá na memória a figura de

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uma professora aplicando castigos físicos tal e qual aqueles que só a mãe tinha direito
perante as travessuras do/a garoto/a”.

Podemos perceber na fala das professoras a importância da formação inicial e continuada de


professores e da valorização do seu fazer pedagógico. “Para mim já foi diferente, embora
com muita dificuldade, tendo quarenta horas, eu tinha uma quarta série pela manhã e uma
primeira série a tarde, era sobrecarregado, mas eu fui realmente fazer aquilo que eu queria
fazer porque eu tentei vestibular para pedagogia umas três vezes, na Federal e na Unifra, e
eu nunca consegui passar. Então, quando eu já estava perdendo a esperança surgiu a
oportunidade. Gostei do curso, gostei da turma, gostei da relação professor e aluno, tanto
que eu não parei, terminei a pedagogia em fevereiro , depois em outubro já iniciou a
especialização e o ano que vem pretendo fazer gestão. (Professora M)”.

A construção da identidade do professor pressupõe o conhecer-se a si próprio e reconhecer-


se como produtor de conhecimentos. Ao se referir a formação inicial, a professora J afirma
que “a gente quando fala com as meninas que estão fazendo pedagogia e não tem prática,
elas saem com uma visão de que tudo ali vai dar certo, mas não é bem assim não, nem tudo
dá certo, mas é gostoso a gente ir experimentando, é muito bom”.

Nessa perspectiva, a formação docente e prática devem articular a teoria e o trabalho na


escola, aproximando os espaços acadêmicos e a instituição escolar construindo um processo
de aprendizagem autônomo e compartilhado. Essa ausência é percebida pela professora J.L,
ao afirmar que, “Um curso normal faz falta, a teoria-prática, porque a teoria é uma e a
prática é outra, embora a gente diga que teoria e prática tem que andar juntas, deveria, mas
não é bem assim não, a prática do dia a dia é diferente. Tu tens que te embasar, estudar,
saber, mas é difícil mesmo. Encontro muitos obstáculos no momento de colocar em prática a
teoria estudada. Muitas vezes, sonho com uma didática diferente que chame a atenção do
aluno para o concreto, mas esse “concreto” está distante até mesmo dos educadores. Falta
material embora se tenha boas idéias”.

Entretanto, para a professora M, o processo de formação continuada proporcionou maior


autonomia em seu trabalho escolar ao dizer que “os saberes de formação estão servindo de
suporte teórico para a prática cotidiana. A prática era feita sem um embasamento teórico e
com a formação continuada aprendemos os porquês, de onde se fundamenta esta prática”.

De acordo com Freire “Na formação permanente dos professores, o momento fundamental é
o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem
que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão
crítica, tem que ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu
“distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela
“aproximá-lo” ao máximo. Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha
da prática em análise e maior comunicabilidade exerce em torno da superação da
ingenuidade pela rigorosidade. Por outro lado, quanto mais me assumo como estou sendo e
percebo a ou as razões de ser de porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar,
de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade
epistemológica. (1996, p. 39)

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Consideramos assim, que os professores devem estar sempre em processo de formação,


buscando a ressignificação de suas práticas, conteúdos, conhecimentos e saberes que
englobam toda a ação pedagógica. E não apenas a assumam para cumprir com as exigências
políticas.

Dessa forma, o docente deixa de ser visto como um mero “distribuidor de conhecimentos”, e
passa a ser um construtor de saberes, habilidades, conhecimentos e competências que lhe
remetem o ofício de ser professor. De acordo com a concepção de Nóvoa (1995) o desafio
dos profissionais da educação é manter-se atualizado sobre as novas metodologias do ensino
e desenvolver práticas pedagógicas eficientes, já que apenas o profissional pode ser
responsável por sua formação.

A escrita de si é também produtora e formadora do professor que se propõe reconstruir


imagens, experiências, vivências. Ao escrever sobre si o sujeito opera com a memória
trabalho que seleciona, que reflete, que se emociona e reelabora seus saberes e
conhecimentos sobre o ser e o fazer docente, instaurando processos reflexivos.

Os desafios de um futuro imediato, parafraseando Imbernón (2000), apontam para os


espaços de formação, colocando a necessidade de reconstrução das nossas trajetórias a
partir de processos reflexivos que consigam apontar “novos mapas existenciais”, onde já não
conseguimos mais nos reconhecer, fazendo que nosso movimento seja pela construção de
outros referenciais. Os tempos e espaços de formação, sejam eles iniciais ou continuados,
precisam ser revisitados com propósitos de (res)significação. Precisamos dotar nossas ações,
nossas instituições, nossos comportamentos de sentidos construídos a partir da
sensibilização capaz de olhar as questões deste tempo.

Referências

CODO, W. (org.), 1999. Educacão: carinho e trabalho. Lisboa, EDUCA, p. 432.

DOMINICÉ, P. 1988. O processo de formação e alguns dos seus componentes relacionais. In:
A NÓVOA e M. FINGER (org.), O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa,
Ministério da Saúde, Departamento de Recursos Humanos da Saúde/ Centro de
Formação e Aperfeiçoamento Profissional, p. 51-61.

GUARNIERI, M. R. (org.), 2000. Aprendendo a ensinar: o caminho nada suave da docência.


Campinas, Autores Associados, p. 89.

IMBERNÓN, F. (org.), 2000. A Educação no Século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto
Alegre, Artes Médicas, p. 205.

NÓVOA, A (org.), 1995. Os professores e a sua formação. 2. ed. Lisboa, Dom Quixote. 158
p.

OLIVEIRA, V. (org.), 2001. Imagens de Professor. Ijui, Unijuí, p. 328.

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Refletindo sobre a constituição do ser professor
Silvana Regina Pellenz Irgang et al.

PIMENTA, S. G.(org.), 1999. Saberes Pedagógicos e Atividade Docente. São Paulo, Cortez,
262 p.

QUEIROZ, G.R.P.C. 2001. Processos de formação de professores artístas-reflexivos de física.


In: Revista Educação e Sociedade. Campinas, Cedes, vol. 22, n°74, p. 97-119.

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