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Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas -‐ UNICAMP, Brasil. betinabarth@hotmail.com
Resumo.
Considerando-‐se
o
contexto
brasileiro
em
que
muitas
crianças
têm
suas
dificuldades
escolares
associadas
a
sintomas
de
patologias,
este
artigo
trata
da
importância
da
interlocução
como
um
espaço
privilegiado
de
produção
de
linguagem
para
o
processo
de
constituição
do
sujeito
e
para
a
aprendizagem
da
leitura
e
da
escrita
como
desdobramento
da
relação
entre
a
fala
e
o
pensamento
(Vygotsky,
1934).
Será
apresentado
um
recorte
do
trabalho
realizado
a
partir
do
acompanhamento
longitudinal
de
uma
dessas
crianças
com
o
objetivo
de
evidenciar
a
importância
e
contribuir
para
a
reflexão
de
práticas
escolares
que
se
mantém
pautadas
pela
concepção
tradicional
de
linguagem.
Palavras-‐chave:
Interlocução,
Fala,
Leitura,
Escrita,
Patologização
da
Educação.
The
importance
of
interlocution
for
learning
reading
and
writing
Abstract.
Considering
the
Brazilian
context
in
which
many
children
have
their
school
difficulties
associated
with
symptoms
of
diseases
,
this
article
deals
with
the
importance
of
dialogue
as
a
privileged
space
language
production
to
the
subject
of
the
constitution
process
and
to
learning
to
read
and
written
as
a
development
of
the
relationship
between
speech
and
thought
(Vygotsky
,
1934)
.
A
cut
of
the
work
from
the
longitudinal
follow-‐up
of
these
children
which
aims
to
highlight
the
importance
and
contribute
to
the
reflection
of
school
practices
that
remain
guided
by
the
traditional
design
language
will
be
displayed.Keywords:
Interlocution,
Speech,
Reading,
Writing,
Pathologizing
of
Education.
1 Introdução
São
diversos
os
problemas
enfrentados
no
atual
contexto
educacional
brasileiro,
marcado
por
uma
grave
crise
que
requer
a
adequação
das
políticas
públicas
nos
mais
diversos
setores,
dentre
eles,
a
formação
de
professores
e
as
condições
de
trabalho
com
os
alunos
nas
escolas.
Diante
deste
cenário,
a
escola
não
tem
mostrado
saber
como
intervir
nas
dificuldades
apresentadas
pelas
crianças
que
não
respondem
ao
padrão
de
aprendizagem
esperado
por
ela.
Este
artigo
tem
por
objetivo
apresentar
a
reflexão
sobre
as
dificuldades
escolares
vividas
pelas
crianças
relativas
ao
início
do
processo
de
aprendizagem
da
leitura
e
da
escrita,
a
alfabetização.
A
partir
da
abordagem
da
Neurolinguística
Discursiva1
(1986),
doravante
ND,
essa
discussão
norteia-‐se
pelo
conceito
de
interlocução
como
um
lugar
privilegiado
de
produção
de
linguagem,
pois
consiste
em
um
espaço
de
socialização
de
memórias
e
vivências
que
constituem
os
sujeitos.
Nesse
sentido,
as
questões
relativas
à
entrada
da
criança
na
leitura
e
na
escrita
foram
tratadas
através
do
papel
privilegiado
atribuído
à
fala
na
sua
relação
com
a
leitura
e
com
a
escrita.
1
A
ND,
desenvolvida
no
Instituto
de
Estudos
da
Linguagem
da
Unicamp,
teve
início
com
a
tese
de
doutorado
Diário
de
Narciso:
discurso
e
afasia,
defendida
por
Coudry
em
1986
e
publicada
em
livro
em
1988.
Essa
abordagem
propõe
o
estudo
da
relação
mente/cérebro
e
linguagem
em
contextos
patológicos
ou
não
patológicos,
a
partir
de
uma
concepção
de
linguagem,
de
sujeito
e
dos
demais
processos
cognitivos
como
construtos
produzidos
pela
história
humana.
653
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Educação//Investigación
Cualitativa
en
Educación//Volume
1
Os
estudos
realizados
no
âmbito
da
ND
tem
mostrado
que
grande
parte
das
atividades
de
leitura
e
escrita
trabalhadas
nas
escolas
brasileiras
são
embasadas
na
abordagem
tradicional
de
linguagem.
Nessa
abordagem,
é
priorizada
a
aprendizagem
da
escrita
concebida
como
códigos
cujos
elementos
têm
somente
um
valor
definido,
que
precisam
ser
repetidos
para
serem
fixados
(Coudry
&
Morato,
1990).
Assim,
nos
cadernos
escolares
das
crianças
que
se
encontram
nos
anos
iniciais
do
Ensino
Fundamental,
verifica-‐se
um
grande
número
de
atividades
como
as
de
completar
palavras
com
sílabas
e
de
exercícios
baseados
em
cópias,
em
que
a
repetição
e
a
fixação
da
escrita
como
código
é
priorizada
em
detrimento
de
propostas
envolvendo
a
elaboração
e
a
reflexão
sobre
a
leitura
e
a
escrita,
através
de
textos
que
se
aproximem
de
assuntos
de
interesse
da
criança.
COMPLETE
COM
BA-‐BE-‐BI-‐BO-‐BU
DA-‐DE-‐DI-‐DO-‐DU
CA-‐CO-‐CU
FA-‐FE-‐FI-‐FO-‐FU
BORBOLETA
BODE
CAJU
FOLHA
CACHORRO
FUNIL
CAMELO
REDE
FERRO
ESPADA
CAMISA
SACOLA
Figura
1:
(Dado
1)
Atividade
escolar
de
completar
palavras
por
sílabas.
Diante
da
heterogeneidade
das
práticas
sociais
de
leitura,
escrita
e
uso
da
língua/linguagem
vivenciadas
pelas
crianças
inseridas
nas
sociedades
letradas
(Rojo,
2009),
desconsiderar
a
relação
com
a
escrita
construída
anteriormente
a
sua
ida
à
escola
(Cagliari,
1989),
afasta
o
entusiasmo
das
crianças
pelo
aprendizado
e
destitui
as
práticas
escolares
de
sentido.
Esse
é
o
contexto
em
que
os
profissionais
da
escola
–
professores,
orientadores
e
coordenadores
pedagógicos
-‐,
por
não
saberem
como
intervir
nas
dificuldades
apresentadas
pelas
crianças
que
não
conseguem
se
alfabetizar,
as
encaminham
para
avaliação
por
profissionais
da
área
da
saúde,
como
psicólogos,
psicopedagogos,
fonoaudiólogos
e
médicos.
Nessas
avaliações,
as
crianças
são
submetidas
a
testes
psicométricos
padronizados,
fundamentados
em
uma
concepção
biologizante
e
organicista
de
aprendizagem,
que
desconsideram
o
contexto
histórico
e
social
em
que
estão
inseridas.
A
avaliação
da
linguagem
por
meio
desses
testes
não
levam
em
conta
quais
tipos
de
erros
são
cometidos
pela
criança,
se
são
recorrentes
ou
se
assemelham-‐se
às
dificuldades
apresentadas
por
outras
crianças
que
também
não
conseguem
se
alfabetizar,
mas,
importa
a
quantidade
de
erros
e
acertos
que
apontam
para
a
presença
ou
não
de
uma
patologia.
Sob
a
perspectiva
da
abordagem
discursiva,
o
erro
ou
desvio
linguístico
são
episódios
esperados
no
processo
de
aquisição
da
linguagem
escrita
(Coudry
&
Scarpa,
1991)
e,
portanto,
parte
integrante
do
trabalho
do
sujeito
com
e
sobre
a
língua
(Franchi,
1977).
Sendo
assim,
dados
de
escrita
como
groria
(por
glória),
rezouvel
(por
resolveu),
considerados
erros
na
abordagem
tradicional
de
linguagem
porque
fogem
da
variedade
padrão
que
se
espera
encontrar
na
escrita,
deixam
de
ser
retomados
na
clínica
e
na
escola
porque
são
associados
a
sintomas
de
alguma
patologia,
resultando
no
grande
número
de
diagnósticos
hoje
encontrados,
como
Transtorno
do
Déficit
de
Atenção,
Transtorno
de
Aprendizagem,
Déficit
de
Aprendizagem,
Dislexia,
Alteração
de
Processamento
Auditivo,
entre
outros.
654
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Educação//Investigación
Cualitativa
en
Educación//Volume
1
Desde
a
década
de
80,
a
ND
(Coudry,
1987;
Coudry
&
Scarpa,
1991)
propõe
reflexões,
discussões
e
análises
em
relação
ao
excesso
de
diagnósticos
atribuídos,
sobretudo,
a
crianças
que
apresentam
dificuldades
no
eixo
fala,
leitura
e
escrita.
Essa
crítica
se
consolidou
com
a
criação
do
Centro
de
Convivência
de
Linguagens
–
CCazinho2,
vinculado
ao
Instituto
de
Estudos
de
Linguagem
–
IEL/Unicamp,
pela
Profa.
Dra.
Maria
Irma
Hadler
Coudry.
Norteado
por
uma
perspectiva
teórico-‐
prática,
o
CCazinho
tem
como
um
dos
objetivos
analisar
o
recorrente
processo
de
patologização
de
sujeitos,
crianças
em
sua
maioria
portadoras
de
um
diagnóstico/laudo
médico,
que
são
acompanhadas
longitudinalmente3
por
pesquisadores4,
com
o
intuito
de
ajuda-‐las
e
de
compreender
quais
seriam
as
explicações
para
tais
dificuldades
escolares,
uma
vez
que
a
criança
se
encontra
barrada
(Coudry,
2010;
Coudry
&
Bordin,
2012)
no
processo
de
aquisição
da
leitura
e
da
escrita.
A
ND
consolida-‐se
como
um
arcabouço
teórico
e
metodológico
de
reflexão
e
de
crítica
frente
à
banalização
de
sintomas,
ao
excesso
de
diagnósticos
médicos
atribuídos
a
crianças
e
jovens,
e
a
inadequação
das
formas
de
avaliação
e
acompanhamento,
–
escolar
e
clínico
–
que
estão
disponíveis
hoje.
Para
tanto,
incorporou
em
seu
aporte
teórico
o
conceito
de
dispositivo
formulado
por
Foucault
(1969)
e
ampliado
pelo
filósofo
Agamben
(2010),
que
o
define
como:
2
As
pesquisas
realizadas
na
perspectiva
da
ND
englobaram,
primeiramente,
o
acompanhamento
de
sujeitos
afásicos
no
Centro
de
Convivência
de
Afásicos
–
CCA,
criado
em
1989
com
o
principal
objetivo
de
possibilitar
a
convivência
entre
pessoas
afásicas
e
não-‐afásicas
(familiares
e
amigos
do
sujeito
afásico
ou
pesquisadores
e
terapeutas).
A
partir
de
2004,
fundamentado
nos
pressupostos
teóricos-‐metodológicos
da
ND,
há
a
ampliação
dessas
pesquisas
com
a
criação
do
CCazinho.
3
Os
acompanhamentos
longitudinais
são
realizados
uma
vez
por
semana,
de
forma
individual,
com
duração
de
uma
hora,
e
também
coletivamente,
com
duração
de
duas
horas.
4
Alunos
de
graduação,
de
mestrado,
de
doutorado
e
de
pós-‐doutorado,
orientados
e
coorientados
pela
Profa.
Dra.
Maria
Irma
Hadler
Coudry.
655
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Educação//Investigación
Cualitativa
en
Educación//Volume
1
parte
dos
sujeitos
que
procuram
por
ajuda
no
CCazinho,
não
conseguia
se
alfabetizar,
o
que
era
justificado
por
um
laudo/diagnóstico
médico
que
associava
essa
dificuldade
a
uma
patologia5.
Ao
procurar
ajuda
no
CCazinho,
MT
tinha
12
anos
de
idade,
já
havia
refeito
o
5º
ano
do
Ensino
Fundamental
uma
vez
e
era
portador
do
diagnóstico
de
Retardo
Mental
Moderado
(CID
F71.9).
Ele
frequentava
o
6º
ano
do
Ensino
Fundamental
embora
ainda
não
fosse
alfabetizado.
Na
escola,
MT
apresentava
atitudes
como
desatenção
e
indisciplina
que
podem
ser
associadas
à
sua
desmotivação
em
aprender.
Esse
contexto
se
agravava
pelo
seu
comportamento
agressivo
e
impulsivo
e
pelas
dificuldades
em
interagir
socialmente,
tanto
na
escola
–
com
colegas
e
professores
-‐
quanto
em
sua
família.
Ademais,
em
seu
acompanhamento
longitudinal
por
mim
realizado6,
que
aconteceu
de
setembro
de
2010
a
julho
de
2013,
foram
observadas
significativas
dificuldades
desse
sujeito
de
construir
e
de
compartilhar
sentidos
com
seu
interlocutor
e
com
o
mundo.
MT,
além
de
não
estar
alfabetizado7,
falava
muito
pouco,
de
forma
“truncada”,
com
frases
incompletas
marcadas
pelo
uso
de
palavras
como
negócio,
troço,
coiso
e
de
dêiticos
como
isso,
aqui,
lá,
usados
pela
falta
de
outros
recursos
expressivos
da
língua.
Assim,
ao
dizer
uma
ou
duas
palavras,
demonstrava
acreditar
que
havia
sido
compreendido
pelo
outro
naquilo
que
queria
dizer,
quando,
na
verdade,
era
preciso
grande
esforço
de
seu
interlocutor
para
a
construção
de
um
sentido
comum
no
diálogo
com
ele.
Nessa
direção,
para
que
MT
se
alfabetizasse,
juntamente
às
atividades
de
leitura
e
escrita,
seria
preciso
um
trabalho
em
relação
à
ampliação
de
seu
repertório
linguístico,
à
seleção
lexical
e
à
organização
sintática
de
sua
fala.
Foi
usada
uma
metodologia
heurística
e
de
procedimentos
de
descoberta
para
o
qual
o
conceito
de
dado-‐achado
(Coudry,
1996)
inter-‐relaciona
teoria
e
dado.
Ele
ilumina
as
hipóteses
sobre
a
relação
do
sujeito
com
a
linguagem,
e
permite
que
se
olhe
para
os
dados
de
fala,
de
leitura,
de
escrita
e
demais
comportamentos
que
revelam
o
trabalho
linguístico
do
sujeito.
Este
dado
se
torna
fonte
de
reflexão
sobre
o
aprendizado
para
um
refinamento/movimento
teórico
do
investigador
que
se
volta
para
o
sujeito
na
intenção
de
reorientá-‐lo
em
seu
aprendizado.
O
conceito
de
dado-‐achado
afina-‐se
ao
paradigma
indiciário
proposto
por
Carlo
Ginzburg
(1989)
como
um
modelo
epistemológico
que
foi
descrito
pela
primeira
vez
a
partir
do
“método
morelliano”
usado
para
legitimar
a
autoria
de
obras
de
arte.
Segundo
Morelli,
era
preciso
dar
relevância
aos
detalhes
e
às
características
menos
influenciadas
pela
escola
à
qual
o
pintor
pertencia
para
se
conferir
uma
autoria
a
obras
não
assinadas
ou
reconhecidas
de
modo
incorreto.
O
papel
de
detetive
exercido
pelo
investigador
proposto
pelo
paradigma
indiciário
de
Ginzburg
contribui
para
o
conceito
de
dado-‐achado,
que
inter-‐relaciona
teoria
e
dado,
a
partir
de
um
quadro
teórico
que
orienta
o
olhar
do
investigador
(Coudry,
2013).
5
O
critério
de
seleção
das
crianças
/jovens
que
serão
acompanhadas
longitudinalmente
no
CCazinho
por
um
pesquisador
fundamenta-‐se
na
queixa
escolar
de
uma
dificuldade
que
compreenda
o
eixo
fala,
leitura
e
escrita,
não
havendo
a
necessidade
de
tal
criança
ser
portadora
de
um
diagnóstico/laudo
médico.
6
O
acompanhamento
longitudinal
de
MT
aconteceu
sob
a
orientação
da
Profa.
Dra.
Maria
Irma
Hadler
Coudry.
7
A
partir
de
Coudry
(2010),
a
alfabetização
pode
ser
tratada
como
esse
estado
de
desconhecimento
das
letras
(e
de
suas
possibilidades
de
combinação),
de
seus
nomes
e
de
sua
representação
fonográfica
vinculada
ao
sistema
alfabético.
656
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Educação//Investigación
Cualitativa
en
Educación//Volume
1
O
significado
das
palavras
é
um
fenômeno
do
pensamento
apenas
na
medida
em
que
o
pensamento
ganha
corpo
por
meio
da
fala,
e
só
é
um
fenômeno
da
fala
na
medida
em
que
esta
é
ligada
ao
pensamento,
sendo
iluminada
por
ele.
É
um
fenômeno
do
pensamento
verbal,
ou
da
fala
significativa
–
uma
união
da
palavra
e
do
pensamento
(Vygotsky,
1934,
p.
151).
MT
sempre
teve
muito
interesse
por
carros,
motos
e
já
esperava
pelo
momento
em
que
poderia
dirigir.
Assim,
conseguir
a
carteira
de
habilitação,
futuramente,
era
um
estímulo
para
a
superação
das
suas
dificuldades
no
aprendizado
da
leitura
e
da
escrita.
Tendo
em
vista
que
a
inscrição
do
657
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Educação//Investigación
Cualitativa
en
Educación//Volume
1
sujeito
no
mundo
tem
um
papel
fundamental
no
seu
processo
de
aprendizagem,
como
trocar
pneu
de
carro
foi
o
assunto
escolhido
para
as
intervenções
no
seu
acompanhamento
longitudinal.
A
seguir,
apresento
um
diálogo
entre
mim
e
MT,
que
aconteceu
enquanto
simulávamos
uma
troca
de
pneu
usando
os
equipamentos
do
meu
carro,
que
habitualmente
fica
estacionado
próximo
ao
CCazinho.
658
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Educação//Investigación
Cualitativa
en
Educación//Volume
1
A
lista
dos
equipamentos
para
trocar
um
pneu
foi
realizada
em
um
momento
do
processo
de
aprendizagem
de
MT
em
que
ele
já
apresentava
mais
autonomia
para
estabelecer
a
relação
entre
a
percepção
do
som
da
letra
na
palavra
e
a
letra
que
deveria
usar.
Dessa
forma,
ao
escrever
a
primeira
sílaba
da
palavra
macaco,
MT
já
associava
as
letras
m
e
a8.
No
entanto,
ainda
era
preciso
orientá-‐lo
na
escrita
da
palavra
quanto
à
ordenação
das
sílabas
e
também
ajudá-‐lo
a
perceber
quando
deixava
de
colocar
uma
letra
na
palavra.
A
concepção
de
escrita
que
norteou
o
acompanhamento
de
MT,
diferentemente
de
um
sistema
de
codificação
e
decodificação,
assume
a
escrita
como
uma
atividade
cultural
complexa
que
precisa
da
mediação
da
linguagem
através
do
outro
para
ser
aprendida.
Para
Vygotsky
(1934),
a
aprendizagem
acontece
ao
passar
primeiramente
pelo
plano
social,
(interpsíquico),
para
posteriormente
ser
internalizada,
(intrapsíquico),
quando
se
torna
possível
a
realização
de
uma
atividade
de
forma
autônoma
pelo
sujeito.
Nessa
perspectiva,
a
escrita
pode
ser
aprendida,
por
exemplo,
através
da
elaboração
de
textos
com
função
social
e
com
sentido
para
a
criança,
a
partir
da
ajuda/intervenção
do
outro,
em
oposição
aos
exercícios
padronizados,
repetitivos
e
sem
sentido
encontrados
nas
escolas,
no
contexto
brasileiro.
Alinhada
a
essa
concepção
de
escrita,
a
abordagem
de
linguagem
que
sustenta
as
reflexões
trazidas
nesse
artigo
considera
que:
A
partir
de
Franchi
e
da
reflexão
sobre
o
papel
constitutivo
da
linguagem
realizada
por
Coudry
(1986)
a
linguagem,
compreendida
em
sua
indeterminação,
possibilita
um
espaço
para
a
atividade
do
sujeito,
atividade
que
deixa
marcas
dos
papéis
que
representa
na
linguagem,
na
relação
com
o
interlocutor
e
que
são
reveladas
pelo
discurso
(Franchi,
1977;
Coudry,
1986).
O
Dado
4
apresentado
em
seguida
é
a
finalização
da
proposta
da
escrita
do
texto
instrucional
sobre
a
troca
de
um
pneu.
Tal
proposta
representa
uma
dentre
as
várias
propostas
de
atividades
que
possibilitaram
o
desdobramento
da
fala
de
MT
em
enunciados,
favorecendo
ao
outro
compreendê-‐lo.
Tais
propostas
permitiram
também
avanços
no
que
se
refere
à
leitura
e
à
escrita
de
MT.
Trata-‐se
de
uma
nova
configuração
dos
papéis
representados
na
linguagem
e
revelados
pelo
discurso,
que
passou
a
se
despontar
no
acompanhamento
longitudinal
e
nas
relações
sociais
de
MT.
8
A partir de Freud (1891), em seus estudos pré-psicanalíticos sobre as afasias, a entrada da criança na leitura e na escrita
remete aos significados presentes na sua fala e envolve uma concomitância entre o som/acústico (significante), o visual
(significado) e o motor (execução dos movimentos na fala e do traçado na escrita), o que se dá de forma hierárquica: se
tratando da fala, há o predomínio do acústico e do motor sobre o visual; no caso da escrita, há o predomínio do motor e do
visual sobre o acústico; e, no caso da leitura, há o predomínio do visual e do acústico sobre o motor (Coudry, 2009).
659
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Educação//Investigación
Cualitativa
en
Educación//Volume
1
3-‐
COLOQUE
O
TRIÂNGULO
A
MAIS
OU
MENOS
5
METROS
DE
DISTÂNCIA
DO
CARRO
4-‐
SEPARE
O
ESTEPE,
A
CHAVE
DE
RODA
E
O
MACACO
E
DEIXE
AO
LADO
DO
CARRO
5-‐
SOLTE
OS
PARAFUSOS
E
LEVANTE
O
CARRO
COM
O
MACACO.
TIRE
OS
PARAFUSOS,
TIRE
O
PNEU
E
COLOQUE
O
ESTEPE
6-‐
COLOQUE
OS
PARAFUSOS
7-‐
ABAIXE
O
CARRO
E
APERTE
BEM
OS
PARAFUSOS
8-‐GUARDE
O
MACACO,
A
CHAVE
DE
RODA
E
O
PNEU
9-‐POR
ÚLTIMO
GUARDE
O
TRIÂNGULO
Figura
4:
(Dado
4)
Escrita
do
texto
Como
trocar
pneu
Nesse
sentido,
o
trabalho
com
a
leitura
e
a
escrita
orientado
pela
fala
realizado
mobilizou
modificações
na
constituição
de
sua
subjetividade
que,
até
então,
se
fundava
na
convicção
de
um
“menino
que
não
tinha
jeito”9.
Através
das
novas
relações
estabelecidas
em
seu
contexto
social,
agora
como
um
sujeito
com
possibilidades
de
aprendizagem,
MT
teve
oportunidades
de
vivenciar
ações
diferentes
das
habituais
e
representar
novos
papéis,
se
apropriando
do
espaço
para
a
atividade
do
sujeito
na
linguagem.
5 Conclusão
Referências
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Últimas
aulas
no
Collège
de
France:
1969
e
1969.
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Paulo:
Editora
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9
MT,
um
menino
que
não
tinha
jeito,
foi
uma
expressão
usada
por
sua
mãe
em
uma
conversa
com
o
investigador.
A
discussão
em
torno
do
incômodo
causado
por
aqueles
que
não
seguem
um
padrão
de
conduta
como
esperado
sempre
foi
um
tema
presente
nas
discussões
realizadas
pela
filosofia
e
pela
sociologia.
Foucault,
em
sua
obra
“Os
Anormais”
(1975),
discute
sobre
a
relação
entre
o
sujeito
incorrigível
do
século
XVII-‐XVIII
e
o
indivíduo
anormal
do
século
XIX.
A
partir
de
Foucault
e
possível
relacionar
a
constituição
de
MT
como
um
sujeito
sem
possiblidades
de
aprender
(um
sujeito
incorrigível?)
e
a
expressão
usada
por
sua
mãe:
um
menino
que
não
tinha
jeito.
660
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
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