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A Criatividade como Propriedade Emergente na Composição

Algorítmica
Rodolfo Coelho de Souza1, Regis Rossi Alves Faria1
1
Departamento de Música – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto
– Universidade de São Paulo
Av. Bandeirantes, 3900 – 14040-030 – Ribeirão Preto – SP – Brasil
rcoelho@usp.br, regis@usp.br
Resumo. Este artigo propõe que a criatividade na composição algorítmica é
uma propriedade emergente resultante de um processo simbiótico entre a mente
humana e um algoritmo computacional por ela inventado. A criatividade, como
propriedade emergente, é fruto de uma combinação inesperada (sob algum
ponto de vista) de elementos distintos, que, para ser percebida como um ato
criativo, deve passar por um processo de interpretação semiótica que permite o
reconhecimento de seu valor significante. Postula-se uma taxonomia de três
classes de algoritmos: os que usam regras de formação e Ars Combinatoria, os
que usam modelos evolutivos, e os que rejeitam as abstrações tradicionais da
música instrumental e trabalham o processo gerativo transformando a própria
forma da onda sonora. Dois exemplos são estudados para constatar a
emergência de propriedades criativas de um algoritmo.
Palavras-chave: composição algorítmica, criatividade musical, taxonomia de
algoritmos
Abstract. This paper proposes that creativity in algorithmic composition is an
emergent property that results from a symbiotic process between the human mind
and a computational algorithm invented by it. Creativity, as an emerging
property, is the product of a (somehow) unexpected combination of distinct
elements, that, to be perceived as a creative act, needs to go through a semiotic
process of interpretation which allows the recognition of its significant value.
This article postulates the taxonomy of three classes of algorithms: the first class
uses formative rules and Ars Combinatoria, the second employs evolutionary
models, and the third substitute generative processes that transform directly the
sound waveform for the traditional abstractions of instrumental music. Two
examples are analyzed to verify the creativity properties that emerge from an
algorithm.
Key-words: algorithmic composition, musical creativity, taxonomy of algorithms.

Introdução
“Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro.
Computadores avançam, artistas pegam carona.
Cientistas criam o novo, artistas levam a fama.”
(letra de canção de Chico Science e Nação Zumbi)

A área da composição musical algorítmica, tanto no que se refere a composições


auxiliadas por computadores – CA-art – como a composições geradas por computadores –
CG-art – (Boden, 2010, p.13), mantém-se como um campo fértil que continua oferecendo
muitos desafios à comunidade da pesquisa musical, mesmo que sua penetração fora do
âmbito especializado tenha um alcance limitado. Diversas publicações recentes
comprovam a vitalidade da área, entre as quais podemos citar Nierhaus (2010), Dean
(2009), Cope (2005, 2000) e Miranda (2001).

Além dos aspectos objetivos envolvidos na análise da criatividade resta observar


que o reconhecimento da criatividade passa também pelo computador ser reconhecido
como um par e respeitado como tal. Em algumas áreas onde o resultado supostamente
criativo é analisado por preceitos objetivos e lógicos, sem encargos emocionais maiores, o
computador pode ser respeitado e mesmo temido. O computador que joga xadrez e derrota
desafiantes humanos é assim considerado, pela sua potência de cálculo. Entretanto, quando
o resultado criativo é apreciado por uma rede intrincada de valores subjetivos, como os
emotivos no caso da música, o reconhecimento da criatividade algorítmica é menor.

O problema que buscamos responder deve ser equacionado num plano mais
conceitual do que pragmático: um programa de computador pode ser criativo? Ele pode
compor uma música de fato original1?

Para prosseguir é preciso definir primeiro o que seja criatividade e como medi-la.
Mas não precisamos enveredar por essa senda porque há um amplo corpus de literatura
sobre o tema que estabelece fundações sólidas sobre as quais podemos construir nosso
argumento. Boden resume suas influentes pesquisas na área da criatividade com a seguinte
definição: “criatividade é a habilidade de gerar idéias ou artefatos que sejam novos,
surpreendentes e valiosos” (Boden, 2010, p.29; itálicos da autora). Tomamos esta
afirmação de Boden como ponto de partida de nosso estudo.

Quanto à avaliação da criatividade na composição algorítmica, buscamos


demonstrar que ela está vinculada ao aparecimento de certas propriedades emergentes que
podem ser tanto uma faculdade do criador quanto atributo da criação. Considera-se que o
fenômeno da emergência ocorre quando “através da cooperação de uma coletividade de
agentes, o resultado alcançado é mais significante do que a contribuição de cada agente
individual” (Nierhaus, 2010, p.252). Trata-se, em última instância, de uma reedição da
antiga lei da psicologia da Gestalt que afirma que o todo é maior do que a soma das partes.

1
A distinção é necessária uma vez que, segundo Boden (2010, p.30), a criatividade psicológica não implica
em originalidade, mas a criatividade histórica, sim.
O objetivo deste artigo é refletir sobre a natureza, a nosso ver ainda
insuficientemente estudada, das propriedades criativas que podem eventualmente emergir
durante um processo de composição algorítmica. De início será necessário fazer uma
revisão de alguns aspectos teóricos da questão, antes que possamos relatar e analisar as
experiências sobre as quais baseamos nossas conclusões.

Ressalve-se, finalmente, que deixaremos de fora do escopo deste estudo a música


interativa que representa a colaboração, em tempo real, entre o compositor, o programa de
computador e a performance de um instrumentista. Este último termo não será considerado
na nossa equação porque abriria um leque complexo de problemas que demandam
tratamento em separado.

O reconhecimento da criatividade

A criatividade pode ser vista sob a forma de uma propriedade emergente que é observada
a partir da combinação imprevista de elementos distintos. A atribuição de alguma
qualidade criativa ao novo elemento é, entretanto, um processo que ocorre nos domínios da
mente humana, estando correlacionado à interpretação da significação do novo elemento.
A figura 1 abaixo sugere que a combinação de dois ou mais elementos distintos produz um
novo elemento que é diferente da mera soma dos componentes que lhe deram origem. É
nesse novo elemento que a criatividade é observada.

Entretanto a criatividade contida neste novo elemento é fruto da sua observação e


interpretação pela mente humana, isto é, a combinação de elementos diversos é necessária
(e quanto mais imprevisível melhor), mas não suficiente para a atribuição de algum grau
de criatividade ao novo elemento combinado. Sabemos que a criatividade está altamente
correlacionada ao fator novidade e surpresa. Este processo intrincado de interpretação está
inevitavelmente ligado a um conjunto de valores, conhecimentos e experiências pessoais
do indivíduo que observa. Assim a verificação da criatividade passa por dois processos:
um de síntese (objetivo) e um de análise/interpretação (subjetivo).

propriedade
emergente
observação
criatividade interpretação
valoração

novidade
surpresa
Figura 1: A emergência da criatividade num processo de síntese (à esquerda) e de
análise/interpretação (à direita). Enquanto o primeiro se processa de forma independente,
como resultado da ação da máquina, o segundo se processa dentro dos domínios da mente
humana.

Em resumo, a criatividade, como propriedade emergente, é fruto de uma


combinação (inesperada sob algum ponto de vista) de elementos distintos, mas para ser
percebida pelo homem como um ato criativo deve passar por um processo de interpretação
semiótica que permite o reconhecimento de seu valor significante.

Por outro lado é senso comum que o computador ultrapassa as capacidades


humanas no que diz respeito a sua capacidade de processar grandes volumes de dados e em
velocidades superiores ao cérebro humano, superando nossas limitações nestes quesitos.
Com estas características, o computador se mostra uma ferramenta especial que estende as
capacidades humanas e é capaz de auxiliar nos processos criativos, na geração de matéria
nova. Este trabalho, todavia, é fruto legítimo da programação, concepção e operação
humanas, em que o computador é mero auxiliar. Em suma, o computador ajuda a resolver
problemas, mas não os formula sozinho, ainda que em certas instâncias possa colaborar de
modo decisivo para a formulação correta de um problema.

A criatividade, segundo Boden, se manifesta por meio de três processos:


combinatório, exploratório e transformativo (Boden, 2004, p.3). A criatividade
combinatória envolve combinar idéias familiares de uma maneira incomum. Entretanto
não é qualquer combinação inesperada que é iluminada por um sentido novo. O produto de
uma combinação aleatória pode ser interpretado simplesmente como sem sentido algum.
Por isso o sucesso da criatividade combinatória de um algoritmo depende da cuidadosa
inclusão de regras de seleção. Este é um campo em que as pesquisas de inteligência
artificial (IA) fizeram notáveis progressos (Russel e Norvig, 2004). No campo de aplicação
da composição algorítmica manifesta-se, por exemplo, na criação de melodias e
progressões harmônicas, isto é, na combinação vertical e horizontal de eventos musicais
discretos, que podem ser gerados por combinações estocásticas, porém só são assimilados
à composição quando passam por um teste de conformidade a certas regras de seleção
determinísticas previamente incorporadas ao algoritmo pelo programador.
Na criatividade exploratória o artista trabalha dentro de um campo estilístico
previamente determinado pela cultura. Mesmo sem fugir às regras predeterminadas do
estilo, ele é capaz de gerar novas obras que parecem originais e inesperadas. Por exemplo,
toda a obra de Mozart se conforma ao estilo do classicismo vienense – a ponto de ser
reconhecido como o próprio paradigma desse estilo – mas, ainda assim, está repleta de
exemplos que comprovam sua capacidade criativa incomum.

A criatividade exploratória está presente nos sistemas gerativos e evolucionários


em que a avaliação (revisão ou julgamento) do que foi criado está embutida, baseada nas
regras pré-definidas. O refinamento ou grau de completeza destas regras limita-se a um
conjunto de valores estéticos que o programador passa ao programa. As conhecidas
pesquisas de composição algorítmica de Cope (2005) tentam dar conta desse modelo. Se
eventualmente elas não parecem ser bem sucedidas, a causa poderia estar em uma
insuficiência dos critérios para análise e para síntese. Esse modelo naturalmente requer
acesso a uma rica diversidade de conhecimentos e experiências, ou seja, acesso a extensos
volumes de dados codificados digitalmente. Além disso, desafiam o programador a realizar
uma missão quase impossível, que é conhecer em profundidade e transformar em código
de programa todas as regras sutis de um estilo (e das pequenas rupturas que seriam
toleradas sem o infringir, mas que na verdade o enriquecem) que geralmente não podem
ser tratadas adequadamente por critérios meramente estatísticos, como usualmente é
abordado o problema por falta de uma alternativa viável.

Por outro lado, se até há pouco tempo as limitações em capacidade de


processamento e de armazenamento de dados poderiam ser consideradas obstruções
impeditivas para se engendrar processos eficientes de criatividade algorítmica exploratória,
o advento dos processadores multi-núcleos e a computação em nuvem (cloud computing)
parecem abrir um futuro promissor para este campo.

Um terceiro tipo de criatividade, que Boden chama de transformativa, envolve a


modificação ou rejeição de regras anteriormente aceitas para um determinado estilo.
Pensemos, por exemplo, na proposta da “emancipação da dissonância” de Schoenberg, um
daqueles momentos de mudança radical nos paradigmas composicionais que ocorrem
raramente na história da música. Ele é conceitualmente exemplar, mas saltos radicais como
esse talvez não sirvam como modelos promissores para o estágio atual da pesquisa em
composição algorítmica.
Felizmente a criatividade transformativa não precisa se manifestar com rupturas de
tal magnitude. Por exemplo, o próprio Schoenberg, em um estágio anterior da carreira,
defendeu, em seu Harmonielehre, o uso de acordes de nona invertidos, rompendo com
uma prática consolidada no ensino da harmonia que permitia acordes de nona somente em
posição fundamental (Schoenberg 1999, p.483). Ora, ainda que isso não tenha acontecido
assim, podemos imaginar um cenário em que Schoenberg estivesse escrevendo um
algoritmo de harmonização automática de melodias e esqueceu (distração também vale,
pois a criatividade tira partido do acaso) de colocar uma regra restritiva para os acordes de
nona, que foram então tratados como todos os outros, para os quais quaisquer inversões
são permitidas. Ora, a saída do programa poderia ter gerado uma progressão harmônica
com acordes de nona invertidos intrigantemente satisfatória que convenceu o compositor
da viabilidade de mudar as regras do jogo. Nesse caso, ainda que de modo pouco
dramático, o computador teria colaborado criativamente de modo transformacional. Mas
saliente-se que, também neste caso, a validação da mudança criativa teria sido feita por
uma mente humana.

Retornando ao caso das experiências de Cope, o entendimento do valor que nossa


cultura atribui às criatividades transformacionais e exploratórias explica uma parte dos
motivos da rejeição com que seus programas foram às vezes acolhidos. A cultura exige
que a criatividade exploratória aconteça em relação a estilos vigentes, atuais, significativos
para o presente. E valoriza ainda mais avanços e rupturas significantes em relação ao
estado atual da arte, isto é, prestigia a criatividade transformacional. Nem uma, nem outra,
parecem estar no foco das pesquisas de Cope.

Boden propõe ainda quatro questões importantes para a reflexão sobre a natureza
da criatividade artificial, as quais ela batiza de Questões de Lovelace, numa referência às
argumentações precursoras de Ada Lovelace acerca da inerente limitação do computador
em fazer somente o que seu programa permite. A primeira questão é se idéias
computacionais podem nos ajudar a entender como a criatividade humana funciona. A
segunda questão é se os computadores (agora ou no futuro) podem fazer coisas que pelo
menos pareçam ser criativas. Boden considera que as respostas para estas duas primeiras
questões são “sim”. Primeiro porque as idéias computacionais podem realmente nos ajudar
a compreender como a criatividade humana é possível, a despeito de ela ser previsível ou
não. Quanto à segunda questão, há exemplos documentados de programas que, mesmo
sujeitos a questionamentos e contestações, parecem ser – e para esta questão isto basta –
criativos em suas produções. Não se pode esquecer que a avaliação da criatividade em
qualquer caso pressupõe uma teoria ou modelo de referência para o pensamento criativo
em que se basear. A lista de exemplos de programas que muitos consideram ser criativos
ou capazes de produzir alguma novidade (embora limitações possam ser identificadas sem
muitas dificuldades) inclui programas que desenham (ex: AARON, de Harold Cohen), que
criam músicas novas seguindo (ou imitando) estilos musicais reconhecidos (ex: EMMY,
de David Cope), que criam piadas (ex: JAPE, Joke Analysis and Production Engine, de
Kim Binsted), que improvisam em tempo real tocando com um instrumentista (ex:
IMPROVISOR de Paul Hodgson), somente para mencionar alguns dos exemplos
analisados por Boden (Boden, 2004).

A terceira questão é se o computador de alguma forma pareceria reconhecer a


criatividade (por exemplo, em poemas ou em outras formas de arte humanas). Esta questão
suscita um requisito fundamental para se apreciar a originalidade, que é ser dotado de
habilidades para a criatividade propriamente. A resposta para esta questão encontra um
dissenso maior que as duas primeiras: um programa pode ser crítico de arte? Para isso ele
necessitaria ser um apreciador da criatividade artística. Engendrar esta capacidade numa
linguagem computacional representa um desafio multidimensional. A quarta questão é se
os computadores por si mesmos poderiam ser realmente criativos (em oposição a
meramente desempenhar uma criatividade aparente cuja originalidade é na verdade devida
ao programador humano). Esta questão, segundo Boden, envolve uma controvérsia muito
maior e um debate que envolve questões morais e mesmo metafísicas.

Uma prospecção dos limites da criatividade algorítmica

A quarta questão de Lovelace engendra uma busca dos limites da criatividade


algorítmica. Ela parece nos obrigar a aceitar a evidência de que nenhum programa feito
para os computadores hoje existentes provou exibir de fato criatividade intrínseca. Toda
criatividade que eventualmente parece surgir dos processamentos de um programa para
composição musical automática decorreria em última instância da criatividade da mente do
programador.

Um dos mais destacados defensores da criatividade intrínseca dos programas de


composição musical é o americano David Cope. Ele nos provoca argumentando que “se os
humanos não forem capazes de criar programas de máquina que sejam criativos, então os
humanos não seriam de fato muito criativos” (Cope, 2005, p.6). Podemos responder a este
sofisma questionando: se somos capazes de conferir criatividade a programas de
computador por que não estamos usando essa capacidade para resolver os inúmeros
problemas que afligem a humanidade que ninguém foi ainda capaz de solucionar por falta
de uma “idéia luminosa”?

Por outro lado, ainda que não se veja um computador propor uma teoria, eles são
fenomenais quando se trata de validar uma hipótese ou implementar uma solução. Porém
nem a própria validação ou refutação de uma teoria os computadores são capazes de fazer.
A interpretação dos dados, confirmando ou negando uma hipótese, depende sempre de
decisões humanas ex-machina, ainda que os critérios decisórios possam ser inseridos no
algoritmo.

Outra dificuldade da simulação computacional da criação musical, pouco


mencionada, é que o pensamento criativo não é inteiramente lógico no sentido aristotélico.
O pensamento criativo tira partido tanto do acerto quanto do erro. O pensamento criativo
frequentemente é analógico, ou seja, opera no mesmo âmbito dos processamentos
cerebrais com os quais inventamos nossas metáforas e fazemos comparações. Pinker
(2008, p.293) observa que “o poder da analogia não vem da observação de uma mera
semelhança nos componentes. Ela vem da observação de relações entre as partes, mesmo
que as partes em si sejam bem diferentes”. Os computadores atuais são capazes de cotejar
eficientemente as características de dois componentes, entretanto são incapazes de abstrair
a relação de similaridade entre eles. Entretanto a partir de um modelo de comparação
definido a priori é possível determinar algoritmicamente o grau de similaridade entre dois
eventos musicais (Wiggins e Allan, 2007). Fazendo a engenharia reversa podemos
produzir eventos semelhantes a um evento dado, porém construir um algoritmo que possa
definir o próprio modelo de similaridade a ser adotado na comparação parece ser um
problema complexo demais para a tecnologia disponível. Entretanto é exatamente isso que
a mente humana faz quando é considerada criativa.

Por exemplo, sabemos que é possível programar um computador para identificar


semelhanças entre duas impressões digitais. Porém é preciso informar ao computador o
critério de semelhança necessário e suficiente para se identificar uma pessoa através da
comparação de digitais. Em outras palavras, o computador não resolve o problema da
identificação. Ele apenas repete, com maior velocidade e manipulando bancos de dados
maiores, o mesmo algoritmo de busca que no passado era processado manualmente. A
solução do problema depende da fixação do critério que determina qual a semelhança
suficiente para que a identificação seja correta e, num nível mais alto ainda, da própria
formulação da hipótese de que uma mera impressão digital seja suficiente para identificar
uma pessoa inteira. Nessa sinédoque da parte pelo todo é que reside a parte criativa da
solução do problema da identificação de indivíduos através de suas digitais.

Turner destaca outro ponto do nosso problema: “todos reconhecemos que soluções
criativas devam ser originais [...] mas as diferenças também devem ser significativas. [...]
A novidade significante distingue uma solução criativa de outras que são apenas
adaptações de soluções antigas” (Turner apud Cope, 2005, p.9).

Essa colocação de Turner projeta um questionamento importante sobre o nível


operacional dos signos na linguagem computacional. Sabemos que as linguagens de
computador operam sobre apenas duas das classes de signos, segundo a classificação de C.
S. Peirce: o ícone e o índice. Um programa de computador é capaz de comparar duas
cadeias de dígitos binários, e assim simular uma operação cognitiva que reflita aspectos de
iconicidade de uma linguagem, ou seja, questões de semelhança. A comparação de
imagens de impressões digitais, como mencionado acima, é um exemplo disso. Mais
idiomático ainda para o computador é associar um índice a uma cadeia de dígitos,
permitindo assim simular operações cognitivas de natureza indicial. A localização da
pessoa portadora da impressão digital num banco de dados é um exemplo disso.

Todavia o computador não é capaz de realizar operações genuinamente simbólicas


no sentido peirceano, porque manipular símbolos, nesta acepção, requer capacidade não só
de associação, mas também de generalização. Uma pessoa poderia olhar um arquivo de
impressões digitais e formular uma hipótese qualquer sobre como diferenciar as
impressões de homens e mulheres. Talvez a busca se concentrasse na diferença de
tamanho das impressões ou numa alteração peculiar no formato da impressão. As
diferenças que apontamos podem se tornar (intuitivamente) significativas para a mente
humana, mas um computador não saberia o que fazer com elas se não tiver sido
programado para isso. Devemos lembrar, com humildade, que a evolução levou muito
tempo refinando nossos hardware e software para conseguir dar conta desse tipo de tarefa.

Ora, a música, como qualquer outra linguagem humana, tem todos os três níveis
operacionais acima mencionados. Por isso um computador consegue auxiliar o compositor
nos níveis icônicos e indiciais da linguagem musical, mas não no nível do simbolismo
peirceano. Entretanto a organização formal do discurso musical – motivos, fraseologia,
morfologia – pertence ao campo simbólico, assim como os processos de significação
musical – referências, intertextualidade, tópicas, etc. Sem eles a música não alcança sua
completude como linguagem. Mas isso, é claro, depende de estarmos adotando uma
concepção quiçá conservadora sobre o que é música. Se aceitarmos uma definição aberta,
ao estilo de John Cage, de que qualquer fenômeno sonoro pode ser entendido como
música, então o computador seria sim capaz de realizar composições acabadas e nossos
programas já são plenamente criativos. Mas essa abordagem também esgarça todos os
critérios de valoração das obras musicais e nosso problema se dissolve no ar: compor
algoritmicamente porquê e para quê, se qualquer sucessão de sons for considerada
musicalmente interessante? Nesse caso seria suficiente abrir a janela e ouvir os sons da
natureza em vez de perder tempo na frente de uma tela de computador.

Encontra-se em Gareth Loy uma reflexão acurada sobre esse problema. Diz ele:

Os argumentos expostos sugerem que é uma qualidade reflexiva baseada na significação


que distingue um ato criativo de outro meramente gerativo. O significado comunicado por um
sistema formal é, essencialmente, ele mesmo. O significado comunicado por um ato criativo situa-se
para além do produto criado. Seu significado é uma “amarração” de idéias e experiências não
relacionadas previamente na mente do ouvinte que se conectam com as idéias e experiências da
mente do compositor que o levaram à criação (Loy, 1991, p.34).

Taxonomia dos algoritmos de composição musical e a questão da criatividade

É possível reconhecer pelo menos três classes de algoritmos de composição


musical, com diferentes abordagens do problema.

O primeiro grupo encara o problema pelo viés da escrita instrumental tradicional,


gerando de notas a partituras. Baseia-se, para isso, numa mistura de postulações sobre as
regras de formação do discurso musical, com princípios de Ars Combinatoria associados a
processos de seleção aleatória. As “brincadeiras musicais” propostas por Mozart e outros
autores do século XVIII, que prometiam ao leigo gerar, ele mesmo, infinitas e
diversificadas composições, usando um jogo de dados, são precursoras desse modelo.
Esses algoritmos prescreviam regras estilísticas de danças (a métrica, o tamanho das
frases, a forma, etc.) e ofereciam um banco de dados de combinações possíveis a partir do
qual o autor-usuário devia selecionar aleatoriamente, pelo jogo de dados, os eventos que
preencheriam o modelo formal. No século XX, a peça que é considerada o marco fundador
da composição algorítmica moderna, a Suite Illiac de Lejaren Hiller, constitui outro
exemplo clássico dessa categoria (Nierhaus, 2010, p.4).
Uma grande parte dos algoritmos de composição que utilizamos ainda hoje
depende dessas mesmas categorias de procedimentos: possibilidades combinatórias, acaso,
regras de formação generalizadas a partir da análise de peças-modelo, formalizadas através
de redes de transição e gramáticas gerativas (Nierhaus, 2010, p.83). Lembremos que, já
adentrando o século XX, Poincaré ainda defendia que a criatividade era apenas um efeito
de superfície da Ars Combinatoria (apud Boden 2004, p.29 a 36).

O segundo grupo de algoritmos amplia o âmbito do primeiro grupo postulando


algum tipo de modelo evolutivo. Nesse paradigma a configuração musical parte de um
estado inicial dado (ou gerado estocasticamente) e os estados seguintes são calculados a
partir do anterior. A geração transformacional recursiva é o elemento diferencial desse
modelo. A novidade aparente desse paradigma pode nos levar a crer que se trata de uma
invenção da música algorítmica, entretanto a idéia fundamental sobre a qual ele se baseia é
tão clássica quanto os princípios da primeira classe de algoritmos. Schoenberg identifica já
no Quarteto de Cordas K.465 “Dissonâncias” de Mozart (Dudeque, 2005, p.174), o modelo
da “variação em desenvolvimento” (developing variation) ou “variação progressiva”, que é
estruturado por um procedimento musical recursivo: o material subseqüente é derivado do
material anterior por algum procedimento de variação.

A música do século XIX encontrou novas maneiras estilísticas de empregar esse


princípio, que aparece, por exemplo, em obras de Beethoven, Brahms e Liszt. Na música
século XX, Schoenberg não só teorizou esse modelo, como deu novo sentido a ele,
utilizando a variação em desenvolvimento como motor fundamental de seu processo
criativo no período do chamado atonalismo livre (Antokoletz, 1992, p.11).

Não é de se estranhar, portanto, que a composição algorítmica tenha encontrado, na


segunda metade do século vinte, seus próprios e férteis caminhos seguindo esse segundo
paradigma que induziu a pesquisa de uma dezena de diversos novos sub-tipos de
algoritmos composicionais. As cadeias de Markov, os autômatos celulares baseados em
von Neumann, os modelos que usam a teoria do caos e da auto-similaridade (Nierhaus,
2010, p.131), e ainda os algoritmos genéticos em geral, tais como as redes neurais (Cope,
2005, p.69) e os modelos de vida artificial (Todd e Miranda, 2006, p.376) representam
modelagens algorítmicas que expandem para a música gerada por computador variantes
cada vez mais elaboradas do princípio composicional da developing variation. Afinal
Schoenberg nunca definiu os procedimentos passo a passo que caracterizariam essas
transformações do material original. Portanto qualquer método que realize esse princípio
encaixa-se na definição em aberto que ele nos legou.

Considerando que o processamento da criatividade por meio de algoritmos


computacionais é realizado em sucessivos ciclos de máquinas, não é de se estranhar
também que a emergência de alguma originalidade relevante seja inversamente
proporcional às limitações na quantidade de processos executados pela máquina na
unidade de tempo e sobre o volume de dados disponíveis. Providencie mais conhecimento
e experiência, e o computador provavelmente fará mais conexões novas do que um ser
humano poderia fazer, essencialmente porque ele pode processar um volume maior de
informação na unidade de tempo do que um cérebro humano. Estas possibilidades se
tornam ainda mais relevantes quando o computador explora os limites naturais humanos,
por exemplo, quando excede a capacidade mecânica do ser humano em produzir um
número de gestos musicais por segundo, ou controla certa quantidade de aspectos musicais
ao mesmo tempo, ou mesmo realiza gestos que musicistas não poderiam articular em
instrumentos acústicos.

Isso levou nossa pesquisa a postular uma terceira categoria de algoritmos gerativos.
Ela se diferencia das duas categorias anteriores pelo tipo de objeto que se propõe a
manipular e não necessariamente pelo método de manipulação. Em suma, ela decorre da
distinção clássica entre matéria e forma, tomando a perspectiva da matéria. Os algoritmos
gerativos dessa terceira categoria prescindem do conceito de nota como noção abstrata
estruturante e se dedicam a gerar diretamente a forma da onda sonora em representação
digital. Qual o ganho que esses algoritmos representam? Em primeiro lugar consideremos
que uma condição necessária à atribuição de algum grau de criatividade inovadora ao
trabalho executado pela máquina é que as contribuições desta estejam além do que o
homem consegue fazer. É plausível imaginar que a máquina exiba criatividade onde e
quando ela faz coisas que o homem não pode fazer, a despeito de que o reconhecimento de
qualquer criatividade ainda estará sujeita à interpretação e aceitação pelo homem. Ora, a
manipulação digital das qualidades intrínsecas do som musical é uma tarefa que demanda
controle de uma quantidade de informações tão grande e de tal complexidade que este
paradigma surge como uma oportunidade ideal para o desenvolvimento de novos
algoritmos gerativos.

O pensamento representado por esta classe de algoritmos é geralmente


acompanhado por uma crítica à pretensão de que os algoritmos possam gerar, por si só,
composições inteiras. Reconhecendo a tendência do pós-modernismo de optar por uma
fragmentação do discurso musical, que abdica do ideal de organicidade preconizado pela
estética da música absoluta alemã, os algoritmos dessa classe tendem a ser aplicados a
seções mais ou menos curtas de uma música e encadeados a outros algoritmos que podem
estar focados em problemas muito diferentes, todos eles ligados entre si por princípios
formais de ordem mais elevada. A conexão entre os fragmentos pode ou não ser
gerenciada algoritmicamente. Esta tendência rejeita uma das ilusões freqüentes nos
projetos de composição algorítmica que é pleitear a auto-suficiência da estruturação
formal, esquecendo-se das condicionantes perceptuais da linguagem musical. Afinal a
música é para ser ouvida e entendida antes pelo homem que pela máquina.

A composição algorítmica encontra aqui um limite em que ela se torna quase que
indistinta da técnica da síntese sonora, por ambas operarem no nível da forma de onda. Um
bom exemplo disso é o trabalho de Roads sobre micro-sons (Roads, 2001) que detalha
alguns algoritmos em que a geração do som tem o potencial de se tornar a própria geração
de parte de uma música acabada. Continuaremos a elaborar este tópico quando analisarmos
um fragmento do Concerto para Computador e Orquestra de Coelho de Souza.

Criatividade Algorítmica em Metrópolis

Escolhemos Metrópolis, música de Coelho de Souza composta em 19902,


pertencente ao ciclo de peças Tristes Trópicos, como um primeiro objeto de estudo para se
verificar a existência de propriedades criativas emergentes na composição algorítmica.
Trata-se da primeira composição de Coelho de Souza inteiramente baseada em uma
concepção computacional. A tecnologia disponível no Brasil naquele momento permitia a
elaboração do pensamento composicional através de algoritmos em C tão complexos
quanto se fosse capaz de projetar, mas a geração sonora estava limitada à tecnologia MIDI,
ou seja, a sintetizadores controlados por programas sequenciadores. A composição, por
isso, foi baseada em propriedades musicais representadas por eventos MIDI através da
manipulação de ritmos proporcionais dados pelos pontos de acionamento e de interrupção
das notas de um teclado, e dinâmicas representadas por velocidades (velocities). O
sintetizador Korg usado para gerar a versão sonora original era monofônico, mas sensível a

2
A gravação desta peça encontra-se disponível no primeiro volume da coleção Música Eletroacústica
Brasileira editada pela Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica (CD SBME 001, 1996).
velocidades, de modo que, não só respondia a dinâmicas, como permitia certo grau de
variação do timbre, em função da característica do ataque e da não-linearidade
psicoacústica na percepção das oitavas, variações certamente de amplitude limitada, mas
que conferiam alguma diversidade de timbre ao resultado final.
Naquela época a pesquisa sobre fractais estava na moda. Um encontro em Nova
York com o pesquisador e compositor Charles Dodge e o subsequente convite para que ele
participasse da Bienal de Artes de São Paulo de 1989, despertou o interesse de Coelho de
Souza pelo tema da música fractal, a partir de um artigo escrito por Dodge (1988).
Metrópolis de fato não leva às últimas conseqüências as implicações da matemática fractal,
apenas se inspira em algumas de suas características formais. As experiências iniciais logo
comprovaram que as dificuldades de implementação de uma peça integralmente fractal
eram insuperáveis com a tecnologia disponível na época. Optou, por isso, por um
compromisso parcial com o pensamento fractal no que ele sugere a possibilidade de
relações entre números irracionais, projetados sobre as proporções rítmicas, e quanto ao
uso do princípio da auto-similaridade, que poderia evocar as técnicas clássicas da imitação
e da transformação motívica. O princípio da auto-similaridade fractal utilizado baseava-se
na formulação de Stevens (1989, p.26) que postula: “a maioria dos fractais é auto-similar,
de modo que a forma que identificamos no desenho de uma curva fractal repete a si
mesmo em uma escala cada vez menor à medida que alargamos a imagem mais e mais.”
Na Figura 2 ilustramos a simulação de um princípio fractal no nível rítmico de
Metrópolis. Esta figura apresenta a transcrição, em notação musical, da lista de dados
MIDI de quatro passagens produzidas pelo algoritmo de geração da peça. Esses momentos
aparecem em seções sucessivas da peça, representando um mergulho progressivo em
texturas cada vez mais densas. O projeto da peça propõe que ela se auto-recicle em
sucessivas variações progressivas dos mesmos materiais. A cada novo ciclo, o algoritmo
gerativo calcula a inserção de uma imagem proporcional da cadeia original, ritmicamente
diminuída, que é aplicada sobre a nota, ou notas, de maior duração. Note-se que, embora
as classes de alturas das notas inseridas permaneçam as mesmas, sua ordem, suas
dinâmicas e seus registros são alterados por cálculos de permutação. As dinâmicas,
escalonada em cinco gradações (p, mp, mf, f, ff), aparecem convertidas em números de 60
a 100 que indicam velocidades de ataque.
Figura 2. Progressão da diminuição fractal em quatro seções sucessivas de Metrópolis

O algoritmo de geração da peça, escrito em C, beneficiou-se de modelos


desenvolvidos por Schildt (1987). A necessidade de um cálculo algorítmico para a
composição dessa peça deveu-se principalmente ao grande volume de dados que
necessitava ser gerado para a produção do efeito musical almejado. A Figura 2 dá conta de
apenas um pequeno fragmento de uma das vozes da polifonia da peça. O acúmulo
sucessivo de eventos da polifonia resultava em uma massa de dados que só podia ser
manipulada computacionalmente, decorrendo daí a característica idiomática da peça que
justificava o emprego tanto do algoritmo composicional quanto da execução controlada
por computador através de um programa sequenciador.

O efeito poético projetado era uma metáfora do adensamento progressivo e


incontrolável das grandes cidades modernas, sugeridas no título. A técnica empregada
pode ser considerada uma atualização computacional do princípio barroco da diminuição.
Esta técnica barroca foi exemplarmente utilizada em peças como as Variações do Ferreiro
Harmonioso de G. F. Handel e as Variações Goldberg de J. S. Bach. Concebida como um
dispositivo para a exibição da virtuosidade instrumental, sua transposição para um meio
computacional destrói a aura de excepcionalidade performática, que neste caso é re-
significada como uma representação da complexidade do mundo contemporâneo.

O procedimento pseudo-fractal ilustrado na Figura 2 enquadra-se na categoria de


algoritmos que utilizam o princípio da recursividade transformacional. Por outro lado a
geração de notas e dinâmicas remete à categoria de algoritmos que utiliza regras de
formação baseadas no princípio de permutação, neste caso de intervalos que geram as
alturas, combinado a processos aleatórios que decidem qual permutação é utilizada num
ponto específico da composição. Como predomina na obra a percepção de texturas em
mutação permanente, de fato é pouco relevante qual a permutação escolhida, desde que a
textura pareça estar sempre em transformação para conferir variedade ao resultado global.

Na verdade seria possível representar a forma da peça através de uma gigantesca


rede transformacional de Lewin (2007), uma vez que não só todas as notas, mas todos os
parâmetros são gerados por transformações da idéia inicial, sintetizada na progressão
numérica crescente 1-2-3-4 que se projeta sobre os intervalos de alturas, ritmos e
dinâmicas. Ao longo do processo gerativo, esses números inteiros são transformados em
proporções irracionais. Isto seria razão suficiente para se pleitear a necessidade do
tratamento algorítmico da peça. Ainda assim tal necessidade de cunho pragmático não
basta como argumento quando se trata de defender que o algoritmo apresenta uma
criatividade intrínseca. Todas as decisões fundamentais para a poética da peça parecem ter
sido tomadas antecipadamente pelo programador. O programa apenas teria cumprido um
protocolo que lhe fora pré-determinado. Pois então, que propriedade emergente no
processo de interação homem-máquina se revela nesta composição?

Não é simples responder a esta pergunta. Lembremos, inicialmente, que aquele


algoritmo permitiria infinitos outros outputs que, a rigor, constituiriam peças diferentes.
Mas apenas nos detalhes, pois todas as versões seriam essencialmente equivalentes na sua
significação musical. Para verificar se existiu alguma propriedade criativa que emergiu do
algoritmo computacional, é necessário rever as etapas do processo composicional de
Metrópolis que descortinam a evolução do design do programa.

Uma primeira versão do algoritmo produziu resultados que soavam muito


insatisfatórios do ponto de vista musical, não importando quantos outputs diferentes
fossem gerados. Mesmo não havendo uma aparente falha lógica na estrutura algorítmica da
composição, o algoritmo produzia sucessões vertiginosas de notas que soavam como um
fluxo caótico desconexo. A solução para o impasse foi sugerida por um artigo de Eimert
(1961) em que ele explica como Debussy resolveu um problema semelhante na música do
balé Jeux. O discurso não-tonal elaborado por Debussy naquela peça prescinde, em média
e larga escala, de qualquer repetição do que foi ouvido antes, tal como acontece em
Metrópolis. Para superar o excessivo esforço exigido da audição devido à falta quase
absoluta de redundância, Debussy impôs que cada evento fosse repetido duas vezes em
seguida. A reiteração imediata, que provoca um efeito de simetria perceptual, tornou-se
assim condição sine qua non para a viabilidade musical daquela nova linguagem que não
contava com um vocabulário de significações codificadas a priori ou com um senso de
direção harmônica em larga escala, como a linguagem tonal. O algoritmo de Metrópolis foi
então modificado, incorporando o artifício das repetições imediatas proposto por Debussy,
o que reduziu drasticamente a sensação de arbitrariedade percebida nos outputs da
primeira versão do algoritmo.

Outro passo fundamental do projeto foi decidir quantos níveis pseudo-fractais


seriam de fato implementados, uma vez que a recursividade do programa permitia
continuar ad infinitum a geração e inserção de fragmentos auto-similares. Quando se trata
de artes visuais, os desenhos fractais digitalizados apresentam uma limitação de
visualização que está no pixel indivisível. Todavia o recurso do zoom permite aumentar a
resolução de uma parte da imagem, prosseguindo com a geração e visualização de tantos
outros níveis fractais quanto nosso interesse, capacidade computacional e tempo disponível
permitirem. No caso do objeto sonoro não existe essa possibilidade, pois o discurso
musical, realizado no tempo, não permite um equivalente sonoro do zoom visual. Em
outras palavras, o processo de inserção de notas de durações cada vez menores só pode ser
percebido até certo ponto: não há como reduzir a escala do tempo para permitir uma
melhor resolução da nossa percepção auditiva.

Podemos postular então que a constatação de que existe um limite perceptivo para
o processo de diminuição rítmica pseudo-fractal, qual é esse limite, e como atingi-lo com
um propósito musical, constituem a propriedade emergente criativa propiciada pelo uso de
um algoritmo. Na música do passado os processos de diminuição estavam limitados pela
capacidade de coordenação motora do executante. Experiências com instrumentos
mecânicos, como os Estudos para pianola de Conlon Nancarrow, expandiram esses
limites, mas também prenunciaram a existência de barreiras intransponíveis. O algoritmo
de Metrópolis concretiza esse limite, que depende apenas da percepção humana e não da
técnica de geração de novos eventos de duração cada vez mais curta. A tentativa de um
quinto nível fractal, para além dos quatro implementados na peça, demonstrou-se inviável
para a capacidade de decodificação do ouvido humano.

De acordo com Boden (2010, p.1) “os três caminhos para a surpresa são as três
formas de criatividade: combinatória, exploratória e transformacional”. Pode-se
reconhecer que o programa de computador que gerou Metrópolis atuou nesses três níveis.
As operações algorítmicas de permutação na ordem e no registro das notas, assim como de
suas dinâmicas, inseridas nas sucessivas variações incrementaram a qualidade das texturas
sonoras da peça, o que pode ser considerado um ganho criativo combinatório. Entretanto
há que se reconhecer que isso poderia ter sido feito pelo compositor, bastando que
dedicasse tempo suficiente à tarefa. Não fosse pelo volume de dados gerados, essa tarefa
seria quase trivial. Nesse caso o computador realizou aquilo que, como se sabe, ele faz
melhor que o homem: lidar com grande quantidade de dados, em tarefas repetitivas,
viabilizando a obtenção de resultados em curto tempo.

Quanto à geração dos sub-níveis pseudo-fractais da Figura 2, reconhece-se que o


computador colaborou numa tarefa que talvez envolva componentes de criatividade
exploratória, que emergem quando o ouvinte reconhece o modelo clássico das variações
barrocas ao se surpreender com a similaridade intrínseca das sucessivas seções da peça, ao
mesmo tempo em que mergulha no crescente adensamento das texturas. Porém as mesmas
restrições feitas acima à criatividade combinatória poderiam ser estendidas a esta outra
classe.

Quanto à criatividade transformacional, podemos reconhecer uma participação


mais decisiva do algoritmo. Não haveria como testar e alcançar o limite perceptivo do
adensamento textural – a idéia fundamental da peça – sem a participação do computador.
A exploração desse limite envolve uma estratégia criativa da qual participa ativamente o
algoritmo. Se não foi ele (e talvez nunca possa vir a ser) o propositor da idéia-problema,
foi ele, sem dúvida, o agente fundamental da sua solução.

Esta análise demonstra que a criatividade algorítmica não está localizada apenas no
programa, mas nos resultados de “uma simbiose entre o cérebro humano e o algoritmo
computacional por ele criado, interagindo em processos que buscam uma autonomia de
expressão” (McCormack, et al. 2009, p.354). Enfim, o que se reconhece é uma extensão
das habilidades criativas humanas que não existiria sem a participação do processamento
algorítmico de um computador.

Criatividade Algorítmica em fragmento do Concerto para Computador e Orquestra

Embora a composição algorítmica já tenha uma história de mais de cinquenta anos,


constata-se que muitas pesquisas na área ainda permanecem atreladas a princípios
tradicionais da música instrumental. Tais pesquisas tratam a composição algorítmica como
uma mera questão de ordenação de notas musicais segundo regras estilísticas, sejam essas
regras antigas ou supostamente novas, como os modelos evolucionistas ou eco-
sistemáticos (McCormack, et al. 2009).

O conceito de nota foi de fato importante no passado porque realizou uma


abstração das propriedades sonoras que permitia isolar características do som as quais
podiam ser manipuladas isoladamente, principalmente altura e duração. Todavia o século
XX viu desabrochar novas tendências que encontraram maneiras criativas de manipular o
som para além da idéia de nota musical, bastando mencionar as diversas manifestações
agrupadas usualmente sob o rótulo de “música eletroacústica”. Tanto a composição
algorítmica quanto a eletroacústica utilizam o computador, mas geralmente se fala de uma
ou de outra como se fossem campos independentes.

Há que haver uma razão necessária para se utilizar um algoritmo. Se um cérebro


humano é capaz de realizar com eficiência uma tarefa de composição, por que perder
tempo escrevendo um programa para fazer a mesma coisa, com resultados provavelmente
menos interessantes do ponto de vista artístico? Ora, ao longo do século XX expandiu-se
cada vez mais a possibilidade de utilizar a composição algorítmica para manipular
diretamente a onda sonora. A composição instrumental do passado estava limitada a fazer
isso por aproximação, mediante reduções conceituais, tal como a combinação de timbres
na orquestra sinfônica que enquadrava os instrumentos em famílias e naipes. Com os
atuais recursos computacionais, a composição com sons – uma expressão forjada por Leigh
Landy (2007) que busca enfatizar uma oposição ao conceito de composição com notas –
está aberta a infinitas possibilidades. Se a utilização idiomática do computador está ligada
à manipulação de grandes quantidades de dados, a representação numérica digitalizada da
forma da onda, gerada diretamente ou transformada através de programas, oferece as
condições ideais para tornar necessário o tratamento algorítmico de composições que
levem simultaneamente em consideração todos os parâmetros do som.

Um compositor com esse tipo de interesse, afirma Wishart (2009, p.155), “se
compraz com a possibilidade de descobrir novas maneiras (algorítmicas) de produzir e
transformar materiais sonoros, uma vez que isto cria novas possibilidades formais para a
composição musical”. Cremos que isso não é essencialmente diferente do que terá sido
para Beethoven exercitar sua competência instrumental com as primeiras gerações de
pianos, desenvolvendo, na interação com eles, uma nova linguagem composicional.
Selecionamos um fragmento do Concerto para Computador e Orquestra3 (2000)
de Coelho de Souza como um segundo caso de estudo para se verificar a emergência de
propriedades criativas de um algoritmo. Em sua composição foram utilizados os chamados
instrumentos complexos de Csound que viabilizam uma abordagem probabilística da
composição algorítmica através da ferramenta Csound4. Apesar de Pinkston (2000, p.352)
considerar que tais “instrumentos de música aleatória controlada provavelmente não sejam
a melhor maneira para se gerar composições algoritmicamente”, entendemos, pelo
contrário, que eles oferecem um paradigma bastante eficiente para a integração do
pensamento composicional algorítmico com a manipulação integral das características do
som. Pinkston certamente tinha em mente apenas o modelo da composição com notas.

Por outro lado, estes instrumentos, ainda segundo Pinskton, apresentariam sérias
limitações para a geração de eventos múltiplos porque seus mecanismos de controle de
disparo “timout/reinit” não permitem sobreposições. Efeitos de síntese granular ou
composições polifônicas estariam, portanto, fora do alcance desses instrumentos, embora
fossem rotineiramente sintetizáveis com outros recursos de Csound. Na observação final
de seu texto, Pinkston sugere, porém, que o uso de múltiplas cópias desses instrumentos
possivelmente permitiria superar esse obstáculo. Essa sugestão certamente baseou-se nas
experiências para o Concerto para Computador e Orquestra, que se realizavam, naquele
momento, sob sua supervisão. De fato diversas passagens de composição utilizam uma
variedade de soluções algorítmicas que comprovam a viabilidade da hipótese de se realizar
polifonias de instrumentos complexos.

3
A gravação desta peça encontra-se disponível no CD Rodolfo Coelho de Souza (1952) – Obras para
Instrumentos e Sons Eletrônicos da Série Música na Universidade Federal do Paraná (CDGA001, 2002).
4
O programa de acesso livre Csound é usado para gerar sons através da manipulação digital direta da forma
da onda. Para mais informações consultar Boulanger (2000) em que está o capítulo de Pinkston citado.
Figura 3. Espectrograma (acima) e Sonograma (abaixo) do output do instrumento Csound
“Bellchimes” do anexo 1. Em seus 18s de duração, podemos ver no sonograma a evolução da
densidade textural e as características morfológicas dos grãos, em que predominam os
ataques. No espectrograma pode-se constatar a ampla distribuição de frequências das
fundamentais aparentes e a predominância de componentes inarmônicos. A propriedade
criativa emergente é a complexidade espectro-morfológica desta amostra que só poderia ter
sido concebida através de recursos algorítmicos.
O anexo 1 traz um programa em Csound, do tipo “instrumento complexo”,
utilizado para aquela obra, que sintetiza uma textura de densidade variável em que os
eventos individuais que a compõem, gerados algoritmicamente, apresentam significativas
variações de todos os parâmetros do som, não só os convencionais – como alturas,
durações e dinâmicas – mas também outros relacionados a qualidades do timbre. Este
fragmento eletroacústico sobrepõe-se, na audição da obra acabada, a eventos instrumentais
ao vivo.

A questão que se coloca no nosso contexto é se deste algoritmo emergiu alguma


propriedade criativa. Como em todos os outros casos, nosso entendimento é que as
propriedades criativas emergentes não dependem apenas do programa, mas da interação
simbiótica entre o cérebro humano e o algoritmo.

A criatividade que buscamos é uma interpretação significante que só pode existir


na mente humana. Se neste caso, a criação de uma amostra, com características complexas
em sua espectro-morfologia, é resultado de um processo intrinsecamente dependente do
algoritmo de geração, nos parece justo atribuir uma parte relevante da responsabilidade
pelas qualidades estéticas que se possa encontrar nesse fragmento musical, a uma
colaboração criativa do algoritmo. A propriedade emergente estaria, então, no fator de
imprevisibilidade do aumento de complexidade espectro-morfológica da textura sonora,
em suas várias escalas, e que não foi produzida pelos métodos clássicos de síntese, mas por
geração algorítmica complexa de eventos com timbre variável.

Conclusões

Se, por um lado, ainda não temos uma resposta conclusiva à pergunta “pode um
computador realmente exibir criatividade intrínseca?”, por outro lado parece certo que já
podemos responder positivamente a uma versão mais restrita dessa questão: projetos que
realizam uma simbiose entre a mente humana e a capacidade lógica do computador de fato
permitem a geração de produtos em que podemos reconhecer qualidades criativas. Essas
qualidades estão diretamente relacionadas a propriedades que emergiram da interação
entre a mente humana e a “mente” computacional. A soma das duas é capaz de criar coisas
com características novas que não teriam existido sem essa parceria. Do ponto de vista
pragmático isso justifica o esforço empregado em pesquisas na área, ainda que a utopia da
criatividade computacional intrínseca possa nunca ser alcançada.
Entre os paradigmas que tem produzido resultados convincentes enfatizamos a
categoria que trabalha processos de composição algorítmica interligados à síntese sonora
direta. Essa concepção de composição algorítmica, que abdica de reduções formais
clássicas, como o princípio da nota musical, favorece a exploração das capacidades
idiomáticas do computador porque opera sobre quantidades de dados que requerem uma
velocidade de processamento muito acima das habilidades humanas. As experiências
analisadas neste artigo apontam que resultados mais satisfatórios de criatividade
algorítmica são obtidos quando se caminha nessa direção.

Para o futuro, os desafios de que novas dimensões de criatividade – particularmente


as mais complexas dos tipos exploratória e transformacional – aflorem em sistemas
computacionais, parecem exigir o uso de modelos multidimensionais, suportados por
hierarquias de raciocínios paralelos. É possível que as limitações estejam na incapacidade
atual de se implementar modelos cuja complexidade (e previsibilidade) se aproxime e
mesmo ultrapasse a mente humana, no limite portanto de nossa capacidade para
racionalizá-los.

Não podemos descartar também que o algoritmo de percepção da criatividade, hoje


operante dentro dos domínios humanos, se processado por uma máquina poderá indicar
uma criatividade que nós não percebemos. Por exemplo, modulações sutis, relações
intrincadas, complexas combinações paralelas e sequenciais de eventos que fogem à
capacidade de atenção e percepção dos sensores humanos, poderiam passar invisíveis ao
homem, mas não às máquinas. Desta forma os algoritmos poderiam participar da autoria
da criatividade, também como participante da própria avaliação do processo criativo.

Esta forma de apreciação algorítmica da criatividade poderia proporcionar


inclusive uma compreensão mais nítida da criatividade na atual música gerada por
sistemas evolucionários para composição algorítmica, cujas combinações e transformações
– sejam estas sutis ou complexas – são dificilmente perceptíveis e apreciadas como
criatividade genuína por ouvidos (e mentes) não treinados.

Referências

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Wishart, T., 2009. Computer Music; Some Reflections. In: R. Dean, ed. The Oxford
Handbook of Computer Music. Oxford: Oxford University Press.
ANEXO I
; Programa em Csound para geração do arquivo sonoro “Bellchimes.wav”.
; Este algoritmo utiliza o modelo dos instrumentos complexos de Csound que utilizam uma interrupção do
; processamento da onda sonora para refazer cálculos probabilísticos dos parâmetros sonoros. Note-se que
; a cada laço são processadas variações de amplitudes, alturas e de dois controladores do timbre gerado
; por modulação de frequência. Note-se ainda que no “score” se executam superpostas diversas cópias do
; mesmo instrumento. Esta superposição polifônica produz um efeito de granulação da textura, embora este
; instrumento não utilize os princípios da síntese granular.
********************************************************
sr = 44100
kr = 4410
ksmps = 10
nchnls = 2

;"BELLCHIMES.ORC"
instr 1
idurph = p3 ;duration of the phrase
iamp = p4 ;average amplitude of +-1.5*iamp
ipch = p5 ;average pitch
ipchrng = p6 ;range of variation of pitches in %octave
idens = p7 ;density factor: 0.5(denser)-->3(less dense)
ilfac = sqrt(p8) ;left panning factor
irfac = sqrt(1-p8) ;right panning factor
iatack = p9 ;envelope: attack proportion
idecay = p10 ;envelope: decay proportion
iseed1 = p11 ;seed 1 for random generation
iseed2 = p12 ;seed 2 for random generation
iseed3 = p13 ;seed 3 for random generation
iseed4 = p14 ;seed 4 for random generation
iseed5 = p15 ;seed 5 for random generation
kgateph linen iamp,iatack*idurph,idurph,idecay*idurph ;phrase envelope
idurnt init .1
kcycle randh 24.5,1,iseed1 ;kcycle=-24.5...+24.5
kcycle = kcycle+25 ;kcycle= +0.5...+49.5
kcycle = kcycle/idens
kdurnt = 4/kcycle
reset: idurnt = i(kdurnt)
timout 0,idurnt,contin
reinit reset
contin:
kgate expon 1,idurnt,0.0000001 ;note envelope
rireturn
kgatent = kgate*kgateph
;randon variation for note amplitude
kvramp randh .5,kcycle,iseed2
kgatent = kgatent*(1+kvramp)
;generating randon pitches around average pitch
kvroct randh ipchrng,kcycle,iseed3
iaveoct = octpch(ipch)
knoteoct = iaveoct+kvroct
knotecps = cpsoct(knoteoct)
;generation of randon fmod1 in the range 5...105
kfmod1 randh 1,kcycle,iseed4
kfmod1 = (((kfmod1+1)*100)+10)/2
;generation of randon deviation in the range 10...30
kdev randh 1,kcycle,iseed5
kdev = (2+kdev)*10
amod1 oscili kdev,kfmod1,1
amod2 oscili kdev,amod1,1
afreq = amod2+knotecps
aout oscili kgatent,afreq,1
outs aout*ilfac,aout*irfac
endin

;"BELLCHIMES.SCO"
f01 0 512 10 1 .25 .1 .05
f02 0 8192 10 1
f03 0 512 10 1 .5 .33333 0 .2 .16667 .14286 0
.11111 .1000 .090909 0 .07692 .071428 .06667 0 0.05882
f04 0 513 7 0 512 1
f05 0 512 10 1 0 0.1111 0 0.04 0 0.0204 0
0.01234 0 0.00826
t00 80
;instr start durphr amp pitch pchrang density ilfac iatack idecay iseed1 iseed2
iseed3 issed4 iseed5
i01 0 24 4000 8.50 1 0.9 .3 .25 .075 .129548 .234398
.344579 .453462 .015688
i01 0 24 5000 8.70 1.2 1.1 .7 .25 .075 .660944 .782485
.894622 .952341 .563547
i01 4 16 15000 8.80 1 .7 .5 .22 .23 .11111 .22222
.33333 .44444 .9999
i01 4 16 15000 8.90 2 1.2 .75 .15 .16 .563547 .660944
.782485 .894622 .952341
i01 5 14 15000 7.78 1 1.1 .5 .24 .23 .9999 .11111
.22222 .33333 .44444
i01 5 14 15000 7.92 2 .9 .7 .17 .13 .952341 .563547
.660944 .782485 .894622
i01 6 12 13000 6.83 1 .8 .55 .27 .24 .44444 .9999
.11111 .22222 .33333
i01 6 12 13000 6.61 1.5 1.2 .35 .14 .15 .344579 .453462
.015688 .129548 .234398
i01 6 12 13000 6.96 2 1.3 .65 .13 .16 .894622 .952341
.563547 .660944 .782485
i01 8 8 10000 4.79 1 .8 .65 .26 .22 .22222 .33333
.44444 .9999 .11111
i01 8 8 10000 4.87 2 1.2 .7 .16 .14 .660944 .782485
.894622 .952341 .563547
e

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