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Escola Superior de Artes Aplicadas

Mestrado em Ensino de Música- 1.º Ano

A criatividade e o Pensamento Divergente.


Adaptação ao Ensino do Violoncelo.

Professora: Cristina Pereira


Aluna: Maria Inês Vaz Torres

janeiro de 2024
Resumo

Este trabalho, numa primeira fase, tem como principal objetivo expor os
conceitos de criatividade e pensamento divergente relacionando-os, recorrendo a
material científico do estudo da psicologia da criatividade. Na fase final pretende-se
enquadrar os termos ao ensino tradicional e do violoncelo, podendo refletir e interligar
todos os conceitos assinalados.

PALAVRAS-CHAVE: psicologia; criatividade; pensamento divergente; ensino;


instrumento.

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Índice:

1. Introdução ……………4
2. Criatividade: Abordagem Histórica……………………….……….5
3. Criatividade. Atualmente………………………………………… 7
4. Pensamento Divergente 9
4)a.Definições… …………………………………………………….………….9
4)b. Estudo do pensamento divergente e convergente e a sua relação com a inteligência
……………………………………………………………………….…………10
5. Pensamento Divergente e o Ensino 13
6. Criatividade e Pensamento Divergente no Ensino do
Violoncelo……………………………………………………… .……
15
7. Conclusão………………………………………………………….17
8. Bibliografia……………….…… ……………………………20

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1. Introdução

Inteligência não é conhecimento, mas sim imaginação


(Einstein)

A importância desta citação, de um dos maiores nomes da ciência mundial,


reside no estereótipo da escola, e no que é considerado útil para o desenvolvimento de
um aluno. Foi neste pensamento base, que me suscitou o interesse pela área da
criatividade, e como ela se desenvolve. Parece existir um preconceito da criatividade
como residindo apenas na inspiração, associada ao talento e metafísica, no entanto já
agora, considero errado definir o potencial e etiquetar com base no talento,
desenrolando nesta ordem de ideias há que explicitar a diferença entre inspiração e
criatividade. É importar salientar que, dentro do desenlace da criatividade predomina o
pensamento divergente, encontrado como um processo cognitivo de resolução de várias
ideias em simultâneo.

Este trabalho será uma primeira abordagem científica à criatividade e


pensamento divergente, e um enquadramento na área do ensino artístico, mais
concretamente nas abordagens que um professor de violoncelo deverá utilizar para fazer
o ensino do instrumento, a utilização do pensamento divergente face às complexidades
técnicas musicais.

No 1.º capítulo haverá uma introdução histórica sobre o termo criatividade onde
se exporá a diferença entre inspiração e criatividade. No seguido capítulo, será sobre a
criatividade atualmente, que visará explicitar uma definição consensual, o seu valor e
fator social, incluindo outras questões impactantes para o seu desenvolvimento bem
como o famoso processo criativo. No 3.º capítulo constará material científico sobre o
pensamento divergente, numa subdivisão a mais dois capítulos. Primeiro: sobre diversas
definições, e segundo: um estudo sobre o pensamento divergente e convergente e a sua
relação com a inteligência. O 4.º e 5.º capítulo serão direcionados ao ensino, refletindo
os problemas do sistema educativo tradicional na fomentação da criatividade (4.º), e
explorando técnicas, e uso do pensamento divergente para uma abordagem mais eficaz
o ensino do violoncelo (5.º).

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Como bibliografia recorri a dois livros e um artigo referentes à criatividade, dois
livros a propósito da criatividade e pensamento divergente no ensino, e um livro sobre
técnica do violoncelo adaptada ao ensino, que nomearei na bibliografia.

Desta forma, aliado ao conhecimento científico pretendo responder, em forma de


conclusão, às seguintes questões:

1. O que é a criatividade, de que forma se relaciona com o pensamento


divergente e qual a relação com a inteligência?
2. Como se gere a criatividade no ensino e de que forma pode ser
interligada ao ensino do violoncelo?
3. Quais resoluções este trabalho poderá entregar, não só para o percurso
profissional, mas também pessoal?

2. Criatividade: Abordagem Histórica

Pela análise etimológica da palavra criatividade, há uma origem no verbo latim


creare. Pelas raízes da própria língua portuguesa, é possível facilmente relacionar o
significado. No entanto, nos primórdios da humanidade, esta criação não será referente
a mãos humanas, mas sim ao divino e aos poderes regenerativos da natureza (Kaufman
& Sternberg, 2019). Conforme certos textos gregos e judaico-cristãos antigos, o espírito
era constituído por duas câmaras: uma câmara representava um receptáculo, que uma
divindade preenchia de inspiração, e outra câmara, era dedicada à expressão desta
inspiração. Platão dizia que um poeta não pode criar sem que a musa lhe inspire e deseje
(Lubart, 2009, p.1). Mesmo artistas mais “contemporâneos”, como Beethoven (1770-
1827), e o escritor inglês Rudyard Kipling (1937-1985), afirmavam estar sob influência
de espíritos e demónios, que lhes ditavam a sua arte (Lubart, 2009). Nesta abordagem
mística, a inspiração é frequentemente associada ao estado irracional de euforia, quase
mania (Lubart, 2009, p.1). Portanto, a noção de criatividade (segundo Kaufman &
Sternberg, 2019, uma palavra recente que data de 1875), estava interligada à inspiração
metafísica e realização divina correspondente, desde os tempos primitivos até à idade
média e renascimento (Kaufman & Sternberg, 2019). Há que destacar, no entanto, que
atualmente, criatividade e inspiração são termos diferentes, no qual o segundo pode
estar relacionado com fatores pessoais únicos ao indivíduo enquanto o primeiro se
constitui, como todo o processo cognitivo de realização de ideias, como mais tarde
poderemos desenvolver.

No renascimento, sugere-se uma mudança gradual na mentalidade, uma


transição das “mãos” de Deus para a humanidade e no romantismo podemos assistir à

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culminação da identidade de: “génio criativo” (Kaufman & Sternberg, 2019). Aliado a
isto, surgiram perguntas relativas à criatividade: o que é a criatividade? Quem é
criativo? Quais são as características das pessoas criativas? Como trabalham? (Lubart,
2009, p.12). O psicólogo Francis Galton (1879-1883) tenta responder às questões
anteriores com alguns esboços de estudos, afirmando que capacidades mentais e
caraterísticas psíquicas têm origem genética, para rematar esta ideia, Galton recorreu a
eminentes figuras da sociedade, com extensa obra e consideradas geniais, pode-se
considerar isto como o início do estudo empírico da criatividade (Lubart, 2009, p.12).

No século XX, o estudo da psicologia tornou-se mais estruturado e científico.


Vejamos alguns psicólogos notáveis, para o desenvolvimento e estudo da criatividade
(Lubart, 2019):

3. Édouard Toulouse (1865–1947): explorou aspetos do funcionamento


psicológico (percepção, memória, razão e personalidade) de alguns artistas, a
ver se, estaria interligada de alguma forma, a fragilidade psicológica e
criatividade (Lubart, 2009);
4. Alfred Binet (1857-1911): introduziu a criatividade, como comum à
inteligência e apresentou a primeira hipótese de testagem (Lubart, 2009);
5. Freud (1856-1939): referiu-se à ideia da criatividade como uma corelação
entre a realidade consciente, e os impulsos inconscientes. Impulsos
inconscientes podem ser considerados como desejos sexuais, poder, ódio,
etc., que seriam expressos através de meios culturalmente aceites como a
literatura, música, etc. (Lubart, 2009);
6. Ribot (1839-1916): definiu o papel do inconsciente, inteligência e emoção
no pensamento criativo (Lubart, 2009)
7. Guildford (1897-1987): psicólogo que marcou o estudo da psicologia, numa
primeira fase criou a hipótese de que a criatividade exige várias capacidades
intelectuais (irei referir-me a estas mais adiante no trabalho). Segundamente,
elaborou uma teoria fatorial da inteligência (Structure of Intellect), segundo
a qual existem cinco operações intelectuais (cognição, memória,
pensamento convergente, pensamento divergente e avaliação) que,
aplicadas aos diferentes tipos de informações (figurativa, simbólica, etc.),
resultam em diferentes tipos de produções (Lubart, 2009, p.13). É de
destacar dentro destas operações intelectuais essenciais à criatividade
destaca-se o pensamento divergente como ato de produção de várias ideias
em simultâneo, para um estímulo único. Por último elaborou um modelo
(Structure of Intellect Problem Solving), que enquadra as operações
intelectuais dentro duma estrutura de resolução de problemas. As respostas
relativas aos problemas exigem domínio das tais operações, que, por
conseguinte, levarão à criatividade (Lubart, 2009).
8. Torrence (1915-2003): irá interessar-se pelas teorias de Guildford, e
produzir como consequência, testes psicométricos do pensamento
divergente, e consequentemente da criatividade (Lubart, 2009).

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9. Amabile (1950) com os seus colaboradores estudou o papel da motivação
intrínseca na criatividade (Lubart, 2009, p.13).
10. Simonton (1948) constatou que certas características das sociedades, como a
diversidade política, influenciam a criatividade de seus membros ao longo da
história (Lubart, 2009, p.13).

3. Criatividade. Atualmente
Após a contextualização do termo criatividade, bem como a nomeação de
autores importantes para o seu estudo, podemos atualmente encontrar uma definição
consensual: a criatividade, é a capacidade de realizar uma produção que seja ao mesmo
tempo nova e adaptada ao contexto na qual ela se manifesta (Amabile, 1996; Barron,
1988; Lubart, 1994; MacKinnon, 1962; Ochse, 1990; Sternberg e Lubart, 1995, citado
por Lubart, 2009, p.13). Essa produção pode ser, por exemplo, uma ideia, uma
composição musical, uma história ou ainda uma mensagem publicitária (Lubart, 2009,
p.13).

Como já tinha sido referido, Guildford deu um enorme contributo ao identificar


que a criatividade é apoiada por diferentes tipos de processos referidos na sua teoria da
estrutura da inteligência sendo estes: cognição, memória, pensamento convergente,
pensamento divergente e avaliação, estes enquadrados numa estrutura de resolução de
problemas levarão à criatividade (Lubart, 2009)

Existe um fator duplo de valor nos produtos criativos: a novidade e a adaptação.


Uma produção nova é original e imprevista quando se distingue pelo assunto ou pelo
facto de outras pessoas não a terem realizado; uma produção criativa não pode ser
simplesmente uma resposta nova. Ela deve igualmente ser adaptada, ou seja, deve
satisfazer diferentes dificuldades ligadas às situações nas quais se encontram as pessoas
(Lubart, 2009, p.14). Este factor duplo, no entanto, não é norma para o processo
criativo.

As considerações sobre a criatividade de um produto dependem de juízos


sociais, o que acentua o factor social da criatividade, e uma certa subjetividade naquilo
que toca aos graus de valorização entre a novidade ou adaptação, por exemplo, o critério
de adaptação é mais fortemente valorizado dentro das produções criativas dos
engenheiros do que nas dos artistas (Lubart 2009, p.15).

Para além das caraterísticas de adaptação e inovação também se pode constatar a


qualidade técnica de uma obra, ou ainda a importância da produção a respeito das
necessidades da sociedade (Lubart, 2009). Há uma subjetividade subjacente, naquilo
que envolve a noção de criatividade, uma vez que esta pode variar consoante época e
padrões culturais, mesmo apesar dos estudos na área, bem como, uma certa
“universalização” dos padrões ocidentais. (Lubart, 2009).

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Há que realçar que para além de aspetos cognitivos a criatividade é igualmente
dependente de aspetos conativos, que se entendem como comportamentos e intenções.
Nestes aspetos conativos podemos observar a personalidade (certos traços de
personalidade existem como caraterística à criatividade podendo ser: perseverança;
tolerância à ambiguidade; abertura a novas experiências; individualismo; tomada de
risco; psicoticismo, entenda-se não como transtorno de psicose, mas como níveis que
poderão se verificar em personalidades criativas); estilos cognitivos, ou seja, a forma de
processamento da informação; motivação (Lubart, 2009).

Podemos também evidenciar mais dois fatores interligados à criatividade:


emoção e ambiente. Desde os primeiros trabalhos teóricos e introspeções narrativas de
pessoas criativas que se constatou a ligação da emoção à criatividade (Lubart, 2009).
Em primeiro lugar, a expressão das emoções, relativas às experiências pessoais poderão
ser o motor de uma produção criativa: conforme a hipótese de Freud (1908-1959), as
obras artísticas e literárias permitiriam, portanto, os seus autores expressarem as
emoções, como o amor, a cólera ou a tristeza (Lubart, 2009, p.44), desta forma a
emoção poderia ser potenciadora de criatividade. Portanto um produto criativo poderá
ser facilmente interligado a uma emoção, e com reflexões próprias (Lubart, 2009). No
que toca à influência do ambiente na criatividade, este exerce um papel-chave tanto no
desenvolvimento das capacidades criativas como nas diversas formas que pode tomar
uma expressão criativa (Lubart, 2009, p. 59). Desta forma, e do ponto de vista
macroscópico, temos a cultura e sociedade, e do ponto de vista microscópico todo o
ambiente familiar, e relações indiretas, tudo isto aliado aos progressos tecnológicos
constantes (Lubart, 2009).

O processo criativo constitui a sucessão de pensamentos e ações que


desembocam nas criações originais e adaptadas (Lubart, 2009, p. 72). O modelo clássico
sobre o processo criativo remete para o final do séxulo XIX (Lubart, 2009) e apresenta
quatro etapas:

1. Preparação: análise preliminar a fim de definir e de colocar o problema.


Requer um trabalho consciente e demanda educação, capacidade analítica e
conhecimentos sobre o problema (Lubart, 2009, p. 73);
2. Incubação: descanso sobre o trabalho consciente, no entanto cérebro
continuará a refletir inconscientemente sobre o problema, numerosas
associações de ideias nascem da fase de incubação, num enriquecimento dos
detalhes (Lubart, 2009);
3. Iluminação: ideia interessante assimilada de forma consciente, quase como
numa experiência de “eureka” (Lubart, 2009);
4. Verificação: fase de trabalho consciente, requer avaliar, redefinir e
desenvolver, ao longo deste processo poderá ocorrer a volta às outras fases,
se, por exemplo, uma ideia mostrou as imperfeições no momento da
verificação, uma outra ideia poderia incubar para resolver essa dificuldade
(Lubart, 2009, p. 73).

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Apesar deste modelo apresentar conjeturas e ter evoluído conforme o decorrer
dos séculos, o fator de imprevisibilidade é constante e acima de tudo apresenta também
elasticidade no processo criativo, recorrendo à retardação de fases para encontrar outras
soluções ao problema ou situação.

4. Pensamento Divergente
No primeiro capítulo, dedicado a uma abordagem histórica à criatividade, a
importância do psicólogo Guilford, no estudo do pensamento divergente associado à
criatividade foi notória. Associou-a (criatividade) aos processos intelectuais nos quais
destaca o pensamento divergente. A pessoa criativa deveria ser um “pensador
divergente” (Lubart, 2009), como traço inerente à criatividade. O pensamento
divergente constitui-se como uma capacidade intelectual associada ao desenvolvimento
cognitivo, e a exerção desta capacidade numa estrutura de resolução de problemas
levará à criatividade (Lubart, 2009), mas para uma definição mais profunda e
abrangente analisaremos as definições de diferentes autores no subcapítulo seguinte.

4)a. Definições

O que é o pensamento divergente?

1. Processo que permite pesquisar de maneira multidirecional, as numerosas ideias


ou respostas, a partir de um simples ponto de partida. (Lubart, 2009, p.13)

2. Capacidade de pensar de forma criativa, fora dos parâmetros expectáveis (Hollet


& Cassalia, 2023, p. 5)

3. Processo para expandir a perceção de um problema. Envolve pensar em


maneiras diferentes acerca do problema como um todo sem querer
necessariamente resolvê-lo. No pensamento divergente. uma pessoa tenta
conectar ideias cujas conexões não são aparentes; as combinações resultantes
podem levar a uma resolução do problema não previsível. (Carnevale et Al, 1990
citado por Marianne Saccardi, p. 15)

Os termos que suscitaram mais curiosidade: “multidirecional, fora dos


parâmetros expectáveis; simples ponto de partida; conexões não aparentes; resolução do

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problema não previsível”, permitem-nos chegar à conclusão, de que os três autores
consideram o pensamento divergente como um processo fora do ordinário e que,
certamente, envolve a originalidade (irei expor este termo mais à frente dentro do
funcionamento do pensamento divergente), no que toca às respostas, nas respetivas
questões ou situações e dificuldades ao ser humano. Também é de realçar que na última
definição, o propósito do problema não será puramente resolvê-lo, mas sim
compreendê-lo, perceber a sua origem e as questões subjacentes, isto confere ao
pensamento divergente um grau de análise mais profunda e de subjetividade às questões
associadas.

Guildford (1971) citado por Ramzem&Perveen (2011) organizou o pensamento


divergente em várias dimensões. Entre elas consta:

 Fluência: capacidade de fluência em palavras, ideias, expressões associações.

 Flexibilidade: capacidade de adaptação de ideias a diferentes categorias.


Alternância de ideias a outros padrões. O pensamento divergente rege-se por
flexibilidade em vez de rigidez;

 Originalidade: capacidade de produção de ideias inusuais. Segundo Scott David


Williams (2004), citado por Ramzen & Perveen (2011), é o elemento mais
importante da criatividade, interligado à flexibilidade.

 Elaboração: capacidade de detalhar ideias, “embelezando-as”, adicionando


caraterísticas originais.

4)b. Estudo do Pensamento Divergente e Convergente e a sua


Relação com a Inteligência

Pelas de palavras de Lubart (2009), o pensamento divergente distingue-se sendo


uma capacidade intelectual, associada à inteligência e conhecimento, sendo duplamente
sintética e analítica.

O estudo do pensamento divergente é dos mais antigos e extensos na pesquisa


científica, sobre a criatividade (Guilford&Weisberg,1950; 2006, citado por Silvia et al.,
2008, p.68). Guildford (1897-1987), indica a criatividade como uma capacidade

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orgânica aos indivíduos, distinguindo pensamento divergente e convergente
(Kaufman&Sternberg, 2019, p.224). Kaufman & Sternberg (2019) apresentam uma
comparação entre o pensamento divergente (PD) e convergente (PC), tentando
responder à seguinte questão:

1. Dos principais debates relacionados com o PD e a inteligência, trata-se do


englobamento do primeiro, e se sim haverá necessidade de dar atenção ao PD
nos processos de aprendizagem? Se afinal de contas, a criatividade é apenas
inteligência, ela concretizar-se-ia com o desenvolvimento cognitivo (Kaufman &
Sternberg, 2019, p.225).

Para responder a esta questão, a teoria de Guildford forneceu um método: o PD


trata-se de uma estimativa do potencial criativo e o PC está envolvido nas
manifestações gerais de inteligência (Kaufman & Sternberg, 2019, p.225). Pelas
definições de Guildford, temos o PD com respostas amplas e múltiplas e PC uma
resposta única ou algumas que se refiram à mesma solução, desta forma o PC será útil
em respostas óbvias e de “medição” de conhecimento (Kaufman & Sternberg, 2019).

As teorias cognitivas não concordam com a separação de PD e PC, desta forma


constatam que não são exclusivos na sua complementaridade (Cropley, 2006, citado por
Kaufman & Sternberg, 2019). Aliás, novos modelos de processo criativo referem-se ao
PC E PD em simultâneo (Kaufman & Sternberg, 2019, p.225). Eysenck (2003) citado
por Kaufman & Sternberg (2019), observa o PC e PD como polaridades, no entanto
ocorrendo sequencialmente. Este argumento advém do método de desenvolvimento de
ideias: brainstorming, e de uma tentativa de melhoramento constante de ideias (Puccio
et al., 2018 citado por Kaufman & Sternberg, 2019, p. 225).

Nas tentativas de separação de PD e PC, Van de Kamp e colegas (2015) citado


por Kaufman & Sternberg, (2019) notaram que em campos de instrução ao PD
associados às metacompetências, verificaram-se mudanças na flexibilidade e fluência
(ao nível de pontuação em testes avaliativos), isto pode comprovar que o PD é algo que
pode ser incutido e melhorado. Contudo, apesar da possibilidade de distanciamento
experiencialmente e psicometricamente, o PD e PC estão biologicamente interligados
(Kaufman & Sternberg, 2019).

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Para responder a esta última afirmação, a forma mais comum de visualizar a
relação entre PD e PC, incide sobre a necessidade de haver, de alguma forma, um pouco
do último (PC) no anterior (PD), (Kaufman & Sternberg, 2019, p.226).

Duas teorias relevantes de complementaridade de PD e PC são:

1. Teoria Triangular, por Guildford (1968), citada por Kaufman & Sternberg
(2019). As impressões visuais dos gráficos mostram na relação entre PD e PC
uma dispersão triangular.

2. Threshold Theory, teoria do “umbral”, em português, desenvolvida por Runco


& Albert, (1986), citada por Kaufman & Sternberg (2019), que assume a ideia de
que há uma necessidade de inteligência, mais direcionada ao PC, em qualquer
tipo de criatividade.

A propósito desta última teoria, Jauk and colleagues (2013) citados por Kaufman
& Sternberg (2019), comprovaram-na em tarefas que envolviam PD, mas não na
conquista da criatividade.

As variações gráficas entre o PD e PC, encontram justificação em diversos


fatores (Kaufman & Sternberg, 2019). Segundo Preckel, Wermer, and Spinath (2011)
citados por Kaufman & Sternberg (2019) a relação entre PD e PC é diminuída, ao impor
controle da rapidez de raciocínio, que diz respeito à fluidez cognitiva. Esta fluidez
cognitiva está associada ao à eficácia do sistema nervoso do indivíduo (Kaufman &
Sternberg, 2019, p.226).

Num estudo por An, Song, and Carr (2016), citado por Kaufman & Sternberg
(2019), compararam os traços preditores de criatividade e de resultados criativos de
profissionais e comprovaram o seguinte:

 PC e PD interligados à criatividade;

 PD associado à personalidade;

 Motivação e conhecimento compreendiam os resultados criativos de


profissionais.

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Uma consideração muito importante a propósito do PD é que, este torna-se mais
favorável num estado de bom humor. O PD tende a provocar um humor positivo
enquanto o PC um humor negativo (Chermahini and Hommel, 2012, citado por
Kaufman & Sternberg, 2019, p.226). Sendo assim a melhor forma de testagem ao PD
será num ambiente divertido e relaxado. Esta abordagem também confirma que, num
ambiente autoritário e que seja semelhante à tradicional testagem, o PD será restrito
(Wallach & Kogan, 1965; Runco, 1999; citado por Kaufman & Sternberg, 2019, p.226).
É facto que, num ambiente escolar onde predominem estes factores, o PD de alguns
alunos é completamente ocultado, esta razão reside na apreensão do PD como
potenciador de uma maior amplitude de atenção (Kaufman & Sternberg, 2019). Já não
se verifica tais condições no PC (Yamada and Nagai, 2015, citado por Kaufman &
Sternberg, 2019). Verificaram-se melhoramentos tanto no humor e resultados de PD, ao
ouvir música e dançando (Campion & Levita, 2014, citado por Kaufman & Sternberg,
2019, p. 227).

5. Pensamento Divergente e o Ensino

O contexto da sala de aula torna-se fundamental para a expressão da criatividade, e


fomentação do pensamento divergente. No entanto, a incapacidade de escola responder
a factores sociopsicológicos, políticos e históricos (que influenciam a criatividade)
acarreta consequências contrárias ao estímulo da criatividade, considerando-a como
“homicida do potencial criativo dos alunos” (Kaufman & Sternberg, 2019).

Pode-se encontrar nos sistemas de ensino de tradicionais, formas de compreender


como toda a distribuição educacional interfere com a criatividade (Kaufman &
Sternberg, 2019). Observemos os seguintes parâmetros:

 Sobrelotação da sala de aula. Atualmente as salas de aula englobam um


grande número de alunos. Em Portugal, as turmas dos 5.º e 7.º anos de
escolaridade são constituídas por um número mínimo de 24 alunos e um
máximo de 28 alunos. Já as turmas dos 6.º, 8.º e 9.º anos de escolaridade são
constituídas por um número mínimo de 26 alunos e um máximo de 30

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alunos. Esta logística, requer uma máxima eficácia na preparação da sala de
aula, de modo a captar a atenção dos alunos para o processo de
aprendizagem, notando que muitas vezes estas não têm capacidades para
tantos alunos. O design da sala de aula pode ser crucial no impacto da
criatividade de alunos e professores, uma vez que tem influências nos
comportamentos e na motivação (Kaufman & Sternberg, 2019).
 Estandardização dos métodos de ensino. Também em resposta ao
crescente número de alunos a escola, historicamente, desenvolveu um
princípio que se limita na implementação dos mesmos métodos e
agrupamentos para os respetivos alunos de iguais ciclos. Ou seja, alunos da
mesma idade são agrupados na mesma sala de
aula, de forma a aprenderem as mesmas matérias, da mesma forma e ao
mesmo tempo (Glăveanu & Beghetto, 2016, citado por Kaufman &
Sternberg, 2019, p. 588). Espera-se que os alunos cumpram as mesmas
tarefas, e atinjam os objetivos educacionais da mesma maneira. Obviamente
que este processo industrial da aprendizagem, poderá restringir de alguma
forma o potencial criativo, dos intervenientes da escola (Kaufman &
Sternberg, 2019).
 Papéis e objetivos pré-determinados. No contexto escolar existem papéis e
objetivos pré-determinados respetivamente atribuídos aos professores e
alunos. De uma certa forma, estará maquinizado estruturalmente aquilo que
compete a cada um. A disrupção e experimentação de diferentes abordagens
poderá ser a chave para novos métodos criativos (Kaufman & Sternberg,
2019).
 Socio-dinâmica. Uma sala de aula é extremamente imprevisível, e o factor
social da escola está sempre presente. Os alunos nem sempre correspondem
à expectativa que têm sobre eles, relativamente aos acontecimentos na sala
de aula, podendo-se demonstrar como distrações com objetos, ou até
“sonhar” olhando para a janela. A questão social e da imprevisibilidade pode
contruir como um factor importante para o estudo da criatividade (Kaufman
& Sternberg, 2019).

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 Avaliação excessiva. Os alunos e os professores são constantemente
submetidos a avaliação de forma formal e informal. Inclusive, o discurso de
sala de aula entre professor e aluno tem uma componente avaliativa. Estudos
mostraram que o excesso de avaliação poderá “sufocar a criatividade”
(Kaufman & Sternberg, 2019 p. 613).

Estes parâmetros poderão constituir novas abordagens ao ensino criativo, dignas


de serem refletidas, uma vez que não têm levado a cabo o sucesso e prática do potencial
criativo dos alunos. Aliás relativamente à estandardização dos métodos de ensino, mais
de 2000 alunos consideraram, num estudo de um ano, que as três atividades mais
realizada no contexto de sala de aula, se limitavam a copiar do quadro, ouvir o professor
falar, e consequentemente anotar (Claxton, 2008, citado por Kaufman & Sternberg).
Onde está então a reflexão, a antecipação e a reação dentro da sala de aula, o poder da
imaginação e o pensamento divergente em prática?

6. Criatividade e Pensamento Divergente no Ensino do


Violoncelo

A arte sempre esteve interligada à criatividade. No entanto, há que separar o


ensino artístico, da prática e criação artística, não no sentido de restringir estes dois
parâmetros como independentes um do outro, mas de modo a refletir o ensino e criar
melhores abordagens para os alunos. A professora de violoncelo Ana Raquel Pinheiro,
afirma que tocar um instrumento é muito diferente de ensinar a tocá-lo (Pinheiro, 2016),
pode-se justificar esta afirmação defendendo que, introduzir uma criança (que muitas
vezes nem sabe escrever) a um instrumento, sem literacia musical é, um grande desafio.
Um instrumento deve-o ser apenas para expressar a música, no entanto o instrumento
também tem as suas complexidades técnicas. Para ensinar a tocar violoncelo não se
poderá usar termos meramente técnicos. O professor de instrumento tem de ser músico e
pedagogo, mas também um especialista em comportamento, um observador, um
organizador e alguém com muita imaginação e facilidade de adaptação (Pinheiro, 2016,
p. 11), é nesta linha de pensamento que a autora publica um livro intitulado: “O

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violoncelo” que consiste numa coletânea de jogos com dimensões variadas, desde
sensações físicas a métodos de estudo.

Este livro é de facto uma demonstração da versatilidade, do pensamento


divergente em prática, utilizado para responder a desafios educacionais do instrumento.
Verificamos a associação de elementos externos à música, mas que implicitamente
poderão estar interligados. Para começar, a autora equipara um professor de violoncelo
a um médico, que irá diagnosticar problemas técnicos do instrumento e prescrever
soluções (Pinheiro, 2016). Também como exemplo de pensamento divergente no
professor, temos um capítulo intitulado: “Jogos Estratégicos”, cuja função dos jogos
será a aproximação da linguagem do aluno-professor, numa primeira abordagem à
música, bem como fomentação de metodologias de estudo, a autora apresenta jogos
como:

 Jogo da estátua: adaptado ao ensino de violoncelo, tem como objetivo garantir


a atenção do aluno às sensações físicas, e memorização de conceitos práticos de
posicionamento do corpo, portanto, sempre que o professor disser: estátua, o
aluno deve parar imediatamente de modo a conferir que a postura e posição das
mãos estão corretas (Pinheiro, 2016);
 As máscaras: o aluno deverá reproduzir expressões faciais ora zangado, atento,
admirado etc. e utilizá-las consoante o caráter de cada passagem musical, a
função deste jogo será exagerar uma intenção musical (Pinheiro, 2016);
 Jogo das cores: neste jogo associa-se cada corda do violoncelo a uma cor, assim
pintar-se-á a partitura, ou a representação numérica das cordas à respetiva cor, de
forma a facilitar a leitura musical a alunos que não saibam ler notação (Pinheiro,
2016).

A importância desta abordagem, de ensinar com criatividade, reside num


desdobramento académico adaptado aos alunos, um ensino divertido que no fundo,
deverá ser essencial numa primeira abordagem à música, é importante notar que estes
não serão apenas funcionais com crianças, mas sim garante-se utilidade em todas as
faixas etárias. Ensinar música através do violoncelo deverá ser natural, fácil e muito
divertido (Pinheiro, 2016).

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Ensinar com criatividade requer conhecimento profundo sobre a matéria, saber
como desenhar e explorar ideias, promover autoconfiança e autonomia no aluno, para
aprender nas ideias inesperadas, e por fim saber reorientá-lo (Kaufman & Sternberg,
2019, p. 619).

7. Conclusão

Antes de iniciar uma reflexão mais profunda relativa à última questão proposta
na introdução do trabalho (interferência do trabalho na vida profissional e pessoal),
voltarei à frase constada na epígrafe da introdução: “Inteligência não é conhecimento,
mas sim imaginação” de Einstein, e tentarei analisá-la conforme o trabalho científico
que desenvolvi, e desta maneira, responder à pergunta:

 O que é a criatividade, de que forma se relaciona com o pensamento


divergente e qual a relação com a inteligência? Existem quatro termos
relacionados: a criatividade, pensamento divergente, inspiração e
imaginação. A criatividade é, portanto, um termo recente e para o seu
estudo, foi notória a contribuição de Guildford, que a enquadrou como
fruto das operações intelectuais relativas à inteligência nas quais destaca
o pensamento divergente. Estas operações intelectuais agrupadas numa
estrutura de resolução de problemas. Contribuirão então, para a
criatividade. O pensamento divergente está relacionado sim com a
inteligência, tal como o pensamento convergente, estes trabalham
simultaneamente numa procura constante de resolução de problemas,
mas isso não quer dizer que não poderão ser aspetos individualmente
incutidos. O pensamento divergente será mais bem estimulado num
ambiente divertido e relaxado. A criatividade implica um processo de
diferentes ações, reavaliações e flexibilidade, nisto difere dos conceitos
imaginação e inspiração como elementos interligados, mas que não

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requerem a complexidade do trabalho criativo, estes serão quase como
intuídos.
 Como se gere a criatividade no ensino e de que forma pode ser
interligada ao ensino do violoncelo? Segundo Einstein a imaginação é a
principal manifestação de inteligência, associada à criatividade, no
entanto nas escolas não parece ser a preocupação principal. A
criatividade é limitada devido a certos fatores predominantes na escola:
sobrelotação das salas de aula, estandardização dos métodos de
ensino, papéis e objetivos pré-determinados, socio-dinâmica e
avaliação excessiva, desta forma há uma necessidade mundial de refletir
estes fatores de forma a instaurar mentes criativas. No ensino do
violoncelo, certos fatores de retardação da criatividade aos alunos não
são verificados uma vez que os contextos educacionais são diferentes, no
entanto coexiste o desafio de abordagens moldáveis e na criação de
métodos inovadores e divertidos. Se a imaginação é fulcral, devem-se
mudar os objetivos, de forma a reorganizar as abordagens. A importância
da imaginação e criatividade, também reside no pensamento divergente e
na forma de observar os problemas, não como finalidade em resolvê-los
restringindo-os, como novas aberturas a caminhos diferente e
entendimento, a procura infinita.

Por fim, e numa última tentativa de responder à questão: Quais resoluções este
trabalho poderá entregar, não só para o percurso profissional, mas também
pessoal? Para começar uma questão que me elucidou, foi a dissociação que pude
aprofundar entre o bom grau de execução de tarefas, e o talento. No meu percurso
académico sempre fui enfrentada pela ansiedade e tristeza de não conseguir
corresponder às expectativas dos professores e associara frustração à falta de talento e
inteligência, ou seja, culpabilizar-me de não conseguir. No entanto se o pensamento
divergente pode ser elaborado e melhorado, se a criatividade é um processo não linear,
será que o talento realmente existe? Não será um conjunto de pressupostos associados à
inspiração e à personalidade? E ainda para mais, a criatividade está interligada a fatores
ambientais e consequentemente sociais, não será também uma manifestação das

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desigualdades sociais? Estas questões surgiram por realização deste trabalho, e só
mostram o poder da curiosidade e das experiências pessoais.

Gosto de olhar para a profissão de um professor como um médico, porque me


faz desmistificar todo o conceito existente de talento e metafísica, em atingir os
objetivos e consequentemente criar, e encaminhar os alunos, que é um papel nobre.
Como violoncelista sofri bastante com toda a pressão académica e no meu ensino não
me recordo de momentos divertidos no estudo, e reconectar-me com a minha criança
interior ao embarcar na aventura do pensamento divergente deixando-o fluir, e mais
importante que tudo sem medo de errar. Estes são os valores, aos quais quero debruçar o
meu método, alindo-o a todas as questões teóricas e técnicas. Há na música necessidade
intelectual e os alunos devem explorar a arte e a sua importância no mundo, mas acima
de tudo, devem fazê-la para se lembrarem porque são humanos e simplesmente porque
gostam de música. É responsabilidade do professor, saber fornecer as ferramentas
adequadas, ultrapassando as barreiras.

Ensinar não é apenas passar conhecimento, é adaptar, ajudar, criar etc. à


semelhança de que, a inteligência não é conhecimento, mas sim imaginação.

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8. Bibliografia

Lubart, T. (2009). Psicologia da Criatividade. Artmed.

Kaufman, J. C., & Sternberg, R. J. (Eds.). (2019). The Cambridge Handbook of


Creativity. Cambridge University Press.

Saccardi, M. (2014). Creativity and Children’s Literature: New Ways to


Encourage Divergent Thinking. Libraries Unlimited.

Hollett, E. & Cassalia, A. (Eds.). (2023). Divergent Thinking: for advanced


learners. Taylor & Francis group.

Ramzan, S. I., & Perveen, S. (2011). Divergent Thinking and Creative Ideation
of High School Students. I-manager’s Journal on Educational Psychology, 5(2), 9-14.

Pinheiro, A. R. (2016). O Violoncelo: Jogos Para Miúdos e Prescrições para


Graúdos. Gradiva.

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