Você está na página 1de 35

Universidade Federal de Uberlândia

Pró- reitoria de Pesquisa e Pós-graduação


Programa Institucional de Iniciação Científica

RELATÓRIO FINAL

Bolsista: Amanda Sousa Vieira


Orientadora: Dra. Nikoleta T. Kerinska
Programa: PIBIC/CNPq/UFU
Vigência: 01/08/2016 à 30/07/2017

Uberlândia, julho de 2017


Sumário

Introdução..........................................................................................................02
Artigo científico..................................................................................................03
Introdução

Esse relatório final cumpre com o requerimento do Programa Institucional


de Bolsas de Iniciação Científica pelo Convênio CNPQ/UFU, anuênio
2016/2017, tendo como finalidade apresentar os estudos e pesquisas que
compreendem o período de agosto de 2016 a julho de 2017. O presente artigo
é resultado do plano de trabalho “O conceito de ‘artificial’ em projetos de arte
computacional, o enigma do comportamento inteligente” cujo objetivo é analisar
o conceito de artificial e examinar trabalhos artísticos cuja poética está
relacionada à temática, principalmente obras que utilizam de técnicas e recursos
do campo da Inteligência Artificial, promovendo uma relação interdisciplinar que
ressoa conceitos específicos para o campo da arte.
O CONCEITO DE ‘ARTIFICIAL’ EM PROJETOS DE ARTE
COMPUTACIONAL: O ENIGMA DO COMPORTAMENTO INTELIGENTE

Amanda Sousa Vieira1


Nikoleta Tzvetanova Kerinska2

RESUMO

O presente plano de trabalho, vinculado ao projeto de pesquisa


“Concepção visual de Agentes Inteligentes: ideias sobre uma identidade
cibernética”, propõe uma análise sobre o conceito de artificial e suas relações
com o campo da arte computacional. Refletindo sobre obras artísticas que
utilizam técnicas de Inteligência Artificial, esse estudo examina as perspectivas
dessas produções que inspiram e estimulam novas compreensões acerca do
fazer artístico.

Palavras-chave: artificial, arte computacional, inteligência artificial.

ABSTRACT

This work plan, linked on the research project "Visual Conceptions of


Intelligent Agents: ideas about a cybernetic identity", proposes an analysis on the
concept of artificial and relations with the field of computational art. Reflecting
about artistic works that use artificial intelligence techniques in their conception,
this research studies the perspectives of these new productions that inspire and
stimulate new understandings about the ‘artistic making’.

Keywords: artificial, computational art, artificial intelligence.

1Graduanda do curso de Artes Visuais no Instituto de Artes da Universidade Federal de


Uberlândia; bolsista pelo CNPq no período de agosto de 2016 a julho de 2017;
amandavieira@ufu.br.

2Artista, pesquisadora e professora do curso de Artes Visuais no Instituto de Artes da


Universidade Federal de Uberlândia, doutora em Artes Plásticas, Estética e Ciência da Arte pela
Universidade de Paris 1 – Pantheón-Sourbonne; nkerinska@hotmail.com.
1. INTRODUÇÃO

O panorama pós-humano e cibernético advindo com o surgimento das


tecnologias digitais, tem influenciado o desenvolvimento de práticas artísticas
interdisciplinares que conjugam arte, ciência e tecnologia. Com a evolução dos
meios computacionais, uma série de recursos, softwares e linguagens de
programação tornaram-se uma mídia para que artistas explorassem simulacros
de mitos, desejos e ambições humanas. Obras artísticas contemporâneas vêm
investigando os paradigmas da interação humano-máquina de maneira poética
e inovadora, transformando antigas relações e propondo um novo olhar sobre
aspectos de nós mesmos. Particularmente, as criações que envolvem técnicas
de Inteligência Artificial têm manifestado propriedades intrigantes e apresentam
obras interativas que potencializam discussões acerca dos processos artísticos
no campo da arte.

Assim, tendo o conceito de artificial como objeto norteador das


investigações, inicialmente serão abordadas as diferentes perspectivas e
interpretações do termo e suas relações com a arte, que se demonstra tênue e
íntima desde a sua etimologia. As perspectivas dos autores Herbert Simon,
Massimo Negrotti e Frieder Nake são abordadas. Em seguida, o recorte proposto
discute as relações com o campo da arte computacional, em especial nas obras
artísticas que utilizam recursos da Inteligência Artificial e promovem diálogos
com as questões tratadas.

2. O ARTIFICIAL

No contexto popular, o termo artificial muitas vezes é compreendido por


oposição ao natural sendo associado a sinônimos como dissimulado ou postiço.
Essa concepção nos conduz ao que diz Herbert Simon sobre a aura pejorativa
que circunda o significado do adjetivo, indicando que “A nossa linguagem parece
refletir a profunda desconfiança do homem pelos seus próprios produtos. ”
(SIMON, 1981. p.25). O conceito, cujas definições se insinuam apócrifas, parece
revelar em suas ambiguidades as nuances que permeiam seu sentido. Como
aponta o autor George L. Hersey, o próprio dicionário inglês Oxford demonstra
essa contradição quando em uma citação, o olho humano (a priori dito como
natural) é chamado de artificial no sentido de engenhosamente projetado3.
Portanto, as análises que se seguem terão que lidar com esses paradoxos pois,
seremos confrontados com “... criaturas e artefatos que são ao mesmo tempo
artificiais e naturais, mortos em algum sentido e vivos em outro. ” (HERSEY,
2009, p.1, tradução nossa).

Se considerarmos sua etimologia, o adjetivo artificial tem origem do latim


artificialis e deriva dos prefixos –ars (arte) e –fex (feitura)4 e seu significado é
determinado como: “produzido pela arte ou pela indústria. Que não é
espontâneo, forçado. ” (AURÉLIO, 2008). Dessa forma, a dimensão semântica
da palavra demonstra ligação direta com a atividade artística e amplifica as
interpretações que podem ser extraídas do conceito.

Em “As ciências do artificial” de 1981, H. Simon conduz a investigação


acerca do caráter da artificialidade elencando seus aspectos e o alcance de sua
projeção em diferentes esferas como a econômica, psicológica cognitiva e da
engenharia. Para ele, o mundo em que vivemos é mais artificial do que natural,
pois quase todos os elementos do nosso ambiente mostram provas do artifício
humano, sendo a linguagem o mais expoente artifício coletivo, entendida como
uma sequência de artefatos chamados símbolos.

O autor defende a ideia de que os objetos artificiais são contingentes e


uma projeção das coisas não como elas são, mas das possibilidades de como
elas poderiam ser. Não estão fora da natureza ou a violam, mas habitam a
mesma realidade em complexa interação. São sistemas em constante
adaptação, ou seja, moldáveis aos objetivos e propósitos do ambiente em que
vive ou se insere. A complexidade desses sistemas artificiais se apresenta nas

3 “Thus, in one OED citation (the 1738 edition of John Keill’s Essays on Several Parts of the
animal CEconomy) the human eye, a completely natural creation, is called artificial, meaning
cleverly designed. [...] So artificial has meant both manmade and natural, something suggestive
of extraordinary cleverness; and, simultaneously, the word is tinged with notions of deceit or
cluminess. As I say, problems.” (HERSEY, 2009, p.1)
4DA CUNHA, Antonio Geraldo; SOBRINHO, Cláudio Mello. Dicionário etimológico da língua
portuguesa. Ed. Lexikon, 2007.
proposições empíricas que aparecem no jogo adaptativo com o ambiente, que
também possui seus contextos e circunstâncias.

Um artefato pode ser considerado como ponto de encontro – interface,


na linguagem atual – entre um ambiente interno, a substancia e
organização do próprio artefato, e um ambiente externo, as condições
em que o artefato funciona. Se o ambiente interno é adequado ao
externo, ou vice-versa, o artefato atingirá o objetivo desejado. (SIMON,
1981, p.29)

Para o autor, essas são as principais características que moldam seus


objetivos essenciais e o estudo de um sistema adaptativo ou artificial envolve
uma relação entre três termos: o cumprimento de um propósito (ou adaptação a
um objetivo), o caráter do artefato (sua estrutura e propriedades) e o ambiente
em que ele funciona. Isso se aplicaria tanto para os organismos vivos, evoluídos
por forças orgânicas, quanto aos artefatos feitos pelo homem. Dessa forma,
implica-se uma forte perspectiva biológica à qual o autor Massimo Negrotti
critica.

O professor e pesquisador de ciências humanas, cibernética e da cultura


do artificial Massimo Negrotti5 amplia as nuances do termo estendendo suas
implicações e estabelecendo importantes considerações. Para ele, o conceito de
artificial compreende também uma dimensão tecnológica pois, se a definição
entende o artificial como algo que é produzido pelo humano, consequentemente
envolve um produto advindo de uma tecnologia humana. Dessa forma, o artificial
se dá por meio de duas vias: ou por tentativa de se reproduzir a natureza ou por
esforços para se construir objetos tecnológicos que não possuem um referente
no mundo natural. Apontando as definições de outros autores, incluindo a de H.
Simon, ele afirma que a concepção do artificial como oposição ao natural só se
sustenta mediante comparação e negligencia esses aspectos importantes. Para
validar tal afirmação, Negrotti exemplifica que empregamos o adjetivo artificial à
materiais como pele ou flores, mas não a outros objetos produzidos pelo homem
como uma furadeira ou uma televisão. Isso explicita que, assim como os animais,

5“From the Artificial to the Art: A Short Introduction to a Theory and Its Applications. Massimo
Negrotti, Leonardo, Vol. 32, No. 3 (1999), p. 183-189, The MIT Press Stable. Disponível em:
<http://www.jstor.org/stable/1576789>. Acesso em Fev. de 2017.
os seres humanos têm um instinto para imitar aquilo que existe na natureza. O
que nos distingue, é a capacidade de, através da tecnologia, inventar objetos
tecnológicos artificiais que não existem no mundo natural e explicitam uma
inclinação maior da vontade humana de controlar a natureza do que imitá-la.

Logo, para o autor, o artificial se resume à um objeto construído pelo


homem com materiais e procedimentos diferentes daqueles que ocorrem
naturalmente e que reproduzem as performances essenciais de um aspecto
retirado ou inspirado pela natureza, baseado na representação desse exemplar
em maior ou menor grau, extraído a partir de níveis de observação do
artificialista6. Representações mentais são feitas, baseadas em um nível de
observação da realidade através do olhar subjetivo do artificialista e,
racionalmente definido, adota-se uma tecnologia conveniente na construção do
objeto artificial. Além disso, suas estruturas não são necessariamente
semelhantes ao modelo natural, embora a similaridade possa ser um pré-
requisito em alguns projetos. Citando o discurso de J.de Vaucanson, inventor
francês do séc. XVII, sobre seu cisne autômato, ele demonstra um exemplo
deste aspecto expondo que a intenção desse artificialista não era a reprodução
de um sistema digestivo, carnação ou sobrevivência do modelo escolhido para
se tornar um objeto artificial, mas uma pretensão, uma tentativa de simular seus
mecanismos de ação. Diante disso, o artificial é o resultado da justaposição entre
o natural e a tecnologia, e quanto mais se desenvolve com a tecnologia, mais se
torna distante do natural.

É na concepção dos níveis de observação que ele afirma que se encontra


a chave para atrelar pinturas e máquinas, arte e tecnologia, pois ambas se
revelam tentativas de revelar um padrão escondido da natureza ou reproduzir
um aspecto dela de acordo com suas concepções culturais individuais e por
vezes, científicas. Negrotti afirma que, a arte em particular, lida com essa
amplificação da realidade e transfiguração da mesma através de linguagens
poéticas.

6 Termo adotado por Negrotti para designar aqueles que se ocupam da criação dos objetos
artificiais.
Nas artes, esta transfiguração de exemplares e suas performances
essenciais representam a própria natureza da criatividade artística. De
fato, todas as artes são transfigurativas, simplesmente porque os
artistas aceitam deliberadamente a impossibilidade de se reproduzir a
realidade e, de fato, amplificam essa aceitação através de sua
linguagem e poética.7 (NEGROTTI, 1999, p.186, tradução nossa)

Com efeito, a forma artística de lidar com as ambiguidades da realidade


caracteriza a essência objeto artificial e converge com a ubiquidade de
perspectivas que a arte propicia a partir das suas produções artísticas, que
acontece nessa transfiguração e abertura para uma nova realidade de acordo
com as ideias de Negrotti; ou ainda como uma projeção das possibilidades de
como as coisas poderiam ser, assim como afirma Simon. Portanto, é no processo
criativo dos artistas que se encontra a essência do desenvolvimento processual
do artificialista.

3. AS RELAÇÕES ENTRE A ARTE E O ARTIFICIAL

Para Frieder Nake, um dos pioneiros na arte computacional, “...a arte


sempre foi artificial e é provinciano assumir algo diferente”8 (NAKE,1998, p.163,
tradução nossa) pois, se a arte é produto da feitura ou causa humana e,
empregamos o termo artificial como algo que não é oriundo da natureza e
produto da habilidade humana; demonstra-se então uma íntima relação de
conotação que ambas definições carregam. Na ocasião de uma das primeiras
exposições de arte computacional em 1965, o termo “arte artificial” (“artificial art”)
foi cunhado pelo ensaísta e filósofo alemão Max Bense, que organizou a mostra
na Galeria de Stuttgard na Alemanha. Mesmo que soe redundante, tendo em
vista as considerações acima, o termo foi usado para distinguir a arte puramente
humana e a arte produzida por computadores a fim de conter os ânimos do
debate produzido pela audiência diante da intrigante proposição de um
computador estar atrelado à produção dos trabalhos artísticos, colocando em
cheque a autoria da criação e consequentemente a definição de arte. Nake

7 “In the arts, this transfiguration of ex emplars and their essential perfor mances represents the
very nature of ar tistic creativity. In fact, all arts are transfigurative simply because artists de
liberately accept the impossibility of re producing reality and, in fact, amplify that acceptance
through their language and poetic” (NEGROTTI, 1999, p.186)
8 “… art has always been artificial and it is ridiculous to assume anything different.” (NAKE, 1998,

p.163) Editorial: Art in the Time of the Artificial in Leonardo, vol. 31, n.3 p.163-164, MIT Press,
1998. Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/1576563>. Acesso em Fev. de 2017.
afirma que esse novo conceito bifurca a concepção de artificial e abre caminho
para uma artificialidade de segunda ordem: a da máquina, referindo-se
implicitamente à Inteligência Artificial. “A arte artificial se torna um sinônimo de
arte da máquina, ou seja, arte que é criada através de um processo de delegação
parcial de atividades humanas em uma máquina. ” (NAKE,1998, p.163, tradução
nossa) 9. Diante disso, está posto então que, nesse contexto, o agenciamento
homem-máquina permeia a concepção do artificial e a questão acerca da autoria
começa a revelar as questões acerca da artificialidade na arte.

O autor reflete que a obra de arte como singularidade da cultura humana,


revela a projeção e interpretação da estética da natureza. Além disso, ele afirma
que se consideramos o que fazemos “arte tradicional” como algo
‘aparentemente’ natural, sem nenhuma interferência da máquina,
consequentemente assumimos a abertura de um domínio da artificialidade para
a própria máquina. Dessa forma, a abordagem computacional propicia o
tratamento de informação e a transformação dos signos em representações de
estruturas computáveis que inauguram uma estética própria, cuja produção
apresenta rica variação sequencial.

Nesse período, essas definições que abriam margem para a máquina


eram de extremo interesse para Max Bense e A. Moles, que elaboravam a Teoria
da informação. Essa concepção tratava de uma estética algorítmica que influi a
arte como processo de comunicação e infere o conceito de signo – influenciados
pela semiótica peirceana - como característica central da informação. No entanto
essa tentativa de análise de modelos estéticos dos objetos criados com a ajuda
de computadores foi amplamente criticada por quantificar a sensibilidade
propondo uma medida objetiva da percepção deixando a construção subjetiva
subjacente. Assim, Nake coloca em evidencia o potencial informacional da
computação e comunicação digital no campo das artes e as transformações
surgidas para o artista que manipula processos computacionais, considerando o
computador uma mídia que expande interações e circuitos de práticas artísticas

9“Artificial art then becomes a synonym for machine art, i.e. art that is created through a process
of the partial delegation of human activities to a machine.” (NAKE,1998, p. 163)
diversas. Mas é possível que exista um domínio do artificial aplicável à máquina?
Ou são apenas os humanos que produzem artefatos legítimos?

Artistas contemporâneos têm refletido sobre as propriedades


computacionais e a possibilidade de implementar traços de comportamentos
inteligentes em suas peças artísticas através de técnicas da Inteligência Artificial.
As obras de arte computacional que problematizam as ideias conceituais acerca
da artificialidade da máquina, utilizam de técnicas do campo da Inteligência
Artificial e lidam com a modelização e construção de sistemas artificiais
interativos que apresentam relações únicas com o espectador. A constante
alimentação do banco de dados e evolução dos sistemas que acontece ao longo
das interações com os espectadores, demonstram esse caráter do jogo
adaptativo com o ambiente ao qual H. Simon se refere ao tratar dos objetos
artificiais, provocando tensões entre o real e o ficcional.

4. ARTE E INTELIGENCIA ARTIFICIAL

A Inteligência Artificial é um campo de estudo que abrange a


concepção de sistemas complexos capazes de se comportar de maneira
inteligente e almeja a síntese da capacidade racional humana através de
técnicas computacionais como redes neurais artificiais, algoritmos genéticos e
demais recursos e estudos de diversos campos do conhecimento, projetando
agentes inteligentes a fim de entender as faculdades que nos compõem. O termo
surgiu em 1956 e foi cunhado por John McCarthy ao lado de Marvin Minsky e
demais idealizadores da disciplina, tendo como expoente os questionamentos
provocantes do matemático Alan Turing para o desenvolvimento da área. Mas
expectativas acerca de tais criaturas pensantes já ecoam nos registros da
história humana, sejam através de mitos como Pigmalião e Galatéia ou
personagens fictícios da literatura e do cinema como Frankenstein, o robô de
Isaac Asimov (1950) e da “Metrópolis” de Fritz Lang (1927) até às criações
futurísticas de William Gibson em “Neuromancer” (2003), além dos autômatos
mecânicos do séc. XVII, premunindo narrativas e despertando até hoje fascínio
e medo.
As aproximações com o campo da arte são descritas pela autora Suzette
Venturelli em um capítulo de seu livro “Arte-espaço tempo e imagem” dedicado
as bases artísticas, científicas e filosóficas das criações que envolvem recursos
da Inteligência e Vida artificial. Elaboradas principalmente na década de 80,
essas obras também possuem desenvolvimentos precursores de artistas
pioneiros em décadas anteriores se estendendo até os últimos anos. Oriundas
da cibernética, as bases de pesquisa da Inteligência Artificial e da Vida Artificial
se estendem para a ciência cognitiva e também as ciências biológicas.
Frank Popper também sinaliza que a aproximação entre arte e o campo
das ciências da computação insurge de maneira inevitável, e desperta o
interesse dos artistas na criação de novas poéticas:

... no fim dos anos 80, entramos numa era em que o problema da
tecnociencia, a tecnologia fundada na ciência, domina vastos estratos
da vida social, e que bom número de artistas tomaram consciência
desse fato. Eles procuraram assumir sua responsabilidade psicológica,
estética e moral nesse contexto, criando proposições plásticas
(“imagens”) que liguem experiências humanas fundamentais às novas
tecnologias. Assim operou-se uma abertura num vasto campo de
pesquisa artística em que noções de interatividade, de simulação e de
inteligência artificial ocupam os primeiros lugares. (POPPER, F., In
Parente, 2011, p. 212)

Descrevendo as especificidades de cada campo, Venturelli ressalta que o


foco da Inteligência Artificial é o estudo da cognição humana e atividades
cerebrais em sistemas artificiais, máquinas que unam comportamento inteligente
e sistemas biológicos, envolvendo também campos disciplinares independentes
como a robótica, os sistemas especialistas e a psicologia. No entanto, até a
atualidade os resultados atingidos não atingiram tal expectativa, a chamada
Inteligência Artificial forte, mas seguem acumulando e tecendo técnicas e teorias
em projetos de menor complexidade, denominados de Inteligência Artificial fraca.

As experimentações artísticas que se desenvolvem atualmente nessa


área levam em consideração as teorias da ciência cognitiva ou a
robótica, ou ambas, e se apoiam em ferramentas computacionais.
Essas produções são análogas às experiências que se originam de
premissas científicas, mas com um objetivo estético. (VENTURELLI,
S., 2004, p.131)

A autora indicia que as bases dos conceitos, tanto artísticos como


científicos, se entrelaçam para propor em uma nova abordagem da noção de
sujeito, abarcando a complexidade de suas variadas nuances culturais,
subjetivas, biológicas, morfológicas, sociológicas, psicológicas,
comportamentais, ambientais e subjetivas, que se tornam um complexo sistema
de implicações filosóficas paradoxais a serem questionadas e exploradas.

Tratando sobre as relações entre o campo da arte computacional e a


Inteligência Artificial, o artista Francisco Barretto afirma que tais peças artísticas
têm criado um vínculo único entre os domínios científico e artístico. Segundo o
autor “não é surpresa que os artistas passem, ...a explorar o vasto campo da I.A.
como forma de produzir trabalhos interativos mais sofisticados que vão além das
simples janelas e menus que tanto caracterizam a multimídia. ” (BARRETTO, F.,
2011, p.21). O desenvolvimento de sistemas artísticos inteligentes, envolve a
interação entre o agente e o ambiente, projetando artefatos capazes de produzir
novos resultados estéticos que apontem o conceito de emergência10, e muitas
pesquisas objetivam estudar a criatividade computacional através da cognição
em agentes inteligentes.

O estudo da inteligência artificial é, portanto, um dos campos de


tecnologia cujos limites de pesquisa vão bem além da análise técnica.
A princípio ela pode servir também para investigar a natureza do ser
humano e da inteligência humana, os limites da máquina e nossos
próprios limites como construtores de artefatos “inteligentes”.
(BARRETTO, F., 2011, p.19 apud WILSON, 1995)

A artista e pesquisadora Nikoleta Kerinska trata sobre as principais


características das obras que utilizam agentes inteligentes em sua concepção e
simulam computacionalmente uma identidade que, como criatura de ficção,
explora a utilização de recursos da linguagem natural11 para interagir com o
espectador.
Concebidos com intenções artísticas, os agentes inteligentes são
obras interativas, que trazem uma série de questões sobre a própria
natureza do trabalho artístico, sobre as possíveis trocas entre a
inteligência humana e esta da máquina, ou ainda sobre a possibilidade
de se criar maquinas destinadas a diversas experiências poéticas. Por

10 De acordo com o autor o conceito de emergência pode ser definido “...segundo Peter Cariani
(2009) como o surgimento de novas entidades que, em um sentido ou em outro, não poderiam
ter sido previstas com base naquilo que as precedeu...” (BARRETTO, F., 2011, p.13)

11 O termo “linguagem natural” é utilizado para designar o conjunto de línguas humanais tais
como português, francês, etc. O adjetivo ‘natural’ indica a oposição entre essas línguas e as
linguagens formais desenvolvidas para a programação de máquinas.
meio de suas estruturas interativas e de seus modos operacionais,
estes agentes, frutos de projetos artísticos, externalizam a pluralidade
dum universo tecnológico complexo. (KERINSKA, N., 2012, p.137)

De acordo com a autora, o uso da linguagem natural como meio de contato na


interação com a obra, propicia uma comunicação única que funciona como
mecanismo imersivo de experiência ficcional. A concepção de obras de arte
utilizando Inteligência Artificial tem adotado diversas formas e plataformas,
podendo ser expressas em performances, instalações ou ainda sistemas
projetados artificialmente com objetivos artísticos. Os agentes inteligentes
usados em projetos de arte aprofundam a temática da relação corpo e identidade
no campo da arte contemporânea. De acordo com Nikoleta Kerinska, define-se
um agente inteligente de seguinte maneira:

O agente é uma entidade computacional criada para habitar ambientes


dinâmicos e complexos. Dependendo do seu contexto, o agente
poderá existir na forma de criatura modelada em 3D e animada por
meios computacionais (...). Se o agente se destina a ajudar o usuário
na utilização de um software, por exemplo, ele pode aparecer na forma
de ícone bidimensional ou sob uma forma determinada pelo usuário.
(KERINSKA, N., 2005, p. 329)

Tais obras de arte computacional oferecem modos de interatividade mais ricos


e complexos do ponto de vista da arte. O artista Julio Plaza define interatividade
como “relação recíproca entre o usuário e um sistema inteligente.”. (PLAZA,
2003, p.3)12.

Um exemplo é a obra “Máquina de poesia” (Poetry Machine), uma


instalação interativa do artista e pesquisador David Link. Constitui-se de um
processador de textos auto compositivo que interage com o espectador através
de um teclado e se constitui de duas projeções em tela, além de sensores e
saídas de áudio. Esse gerador de textos associativo é baseado na técnica de
Inteligência Artificial de redes semânticas, um procedimento computacional de

12PLAZA, Julio. Arte e interatividade: autor-obra-recepção. ARS (São Paulo), v. 1, n. 2, p. 09-


29, 2003.
estrutura gráfica de representação de múltiplos padrões a partir da interconexão
de nós e arcos.13

A obra de Link se inicia como uma tábula rasa, com os bancos de dados
vazios e, à medida em que digita e interage com os espectadores, começa a
estabelecer quadros sintáticos. Através dessas redes e rastreadores de web
autônomos, esse agente elabora sentenças derivadas desse material
associativo. Pelas imagens fotográficas que documentam a obra e os vídeos que
registram o espaço e o momento de interação, percebemos que a peça artística
se apresenta em um ambiente onde a iluminação deriva apenas da tela luminosa
dos dispositivos e algumas luzes centralizadas no teclado, interface que permite
a interação com o agente. O texto em produção é lido por uma voz mecânica e
pausada e pode ser visto em uma projeção, enquanto o teclado se move
rapidamente como se um fantasma estivesse digitando.

Os sensores da instalação permitem que o sistema identifique a presença


das pessoas no ambiente e, quando ninguém está por perto, como se ficasse à
vontade, o agente escreve de forma rápida em uma sequência incessante.
Quando percebe a presença do espectador, o gerador de texto hesita, produz
longas pausas e o silencio instiga o visitante, como um convite implícito que o
provoca a interagir com tal criatura imaterial. Assim que começa a digitar suas
ideias, contribuindo com o texto, as palavras se somam à projeção na tela e um
fluxo interativo entre humano e máquina é estabelecido. Caso haja palavras
desconhecidas que o interator digite, o sistema inicia um processo de busca e
coleta de informações sobre a palavra desconhecida enviando “bots” autônomos
à internet, alimentando seu banco de dados. Esse processo pode ser visualizado
em uma outra tela.

13Para mais informações sobre a técnica de redes semânticas consulte a publicação do cientista
da computação John F. Sowa. Disponível em: <http://www.jfsowa.com/pubs/semnet.htm>.
Acesso em Jul.de 2017.
Figura 1 - David Link, “Poetry Machine 1.0”, Ano: 2001 – 2002, © David Link, Disponível em:
<http://www.medienkunstnetz.de/works/poetry-machine-1-0/images/2/>. Acesso em Jun. de
2017.

Figura 2 - David Link, “Poetry Machine 1.0”, Ano: 2001 – 2002, © David Link, Disponível em:
<http://www.alpha60.de/art/poetry_machine/catalogue_text_de.html>. Acesso em Jul. de
2017.

As “palavras-máquina” transformam a linguagem natural à medida que


criam uma nova escrita que faz parte da lógica interna do computador, em que
a sintaxe de comunicação humana já não é mais um domínio exclusivo do
homem. A obra lida com a capacidade de criatividade da máquina, uma vez que
os textos gerados são sempre diferentes e únicos, podendo apresentar
comportamentos surpreendentes e não previstos. A interatividade é um
elemento fundante desse tipo de obra, uma vez que a exploração das interfaces
comunicativas no agenciamento humano-máquina é imprescindível à realização
do trabalho artístico, em que o processo é mais valioso que um output, uma ação
ou efeito único e estático ao final, uma vez que as produções textuais da máquina
são dinâmicas e apresentam variações sintáticas imprevistas.

Outra obra artística que apresenta essas relações entre linguagem natural
e máquina é “O doador de nomes” (The giver of names) do artista David
Rockeby. Esse é um projeto de arte que existe desde 1991 e continua se
aprimorando até a atualidade. Trata-se de uma instalação interativa constituída
de um pedestal, uma projeção de vídeo do sistema de computador, uma câmera
que utiliza um sistema de visão computacional e vários tipos de objetos. O
espectador seleciona dentre os objetos disponíveis aquele(s) que ele deseja e
o(s) coloca sobre o pedestal. O sistema computacional analisa o(s) objeto(s)
através da câmera de vídeo e desenvolve uma expressão única para designá-
los. A frase ou expressão final é projetada e transmitida de forma audível através
dos dispositivos de áudio.

Figura 3 – David Rockeby, “The Giver of names”, Art Gallery of Windson (2008) Disponível
em: <http://www.davidrokeby.com/gon.html>. Acesso em Jun. de 2017.

Quando as imagens são escolhidas e posicionadas, o sistema processa


em diferentes níveis seus elementos, suas estruturas, cores e texturas. Essa
análise é visível ao espectador na projeção. Esses processos analíticos
exploram uma capacidade associativa e metafórica da linguagem natural de
maneira artificial, tecendo vínculos semânticos entre as palavras e aferições da
máquina, que são estimuladas pelo objeto. Dessa forma, a frase gerada cogita
as experiências dos objetos. Mas que tipo de experiência? O artista reflete sobre
isso e diz:

...sua experiência é de muitas maneiras bastante "alien". Por exemplo,


não possui experiência humana real do mundo. Não queimou a mão,
raspou o joelho, ficou com fome, irritado, se apaixonou, queria algo que
não poderia ter. Ele faz o melhor que pode para falar sobre os objetos
do seu ponto de vista muito particular. Se você passar algum tempo
com o Doador de Nomes, tende a achar que as peculiaridades de suas
percepções e seu discurso começam a se unir em um caráter tangível
e coerente.14 (ROCKEBY, D., [200-?]).

Questões sobre a aprendizagem da máquina e acerca da criatividade, são


estimuladas por essa peça artística. O artista ainda afirma que suas intenções
com essa obra envolvem as tensões entre a linguagem e as nossas percepções
de mundo, que podem ser tendenciosas. Nesse sentido, a exploração
especulativa na elaboração das sentenças que a máquina produz, estimula
reinterpretações possíveis da imagem visual dos objetos e seus nomes,
propiciando uma reflexão acerca das classificações e dos conceitos que
atribuímos aos objetos, que evolvem uma gama de contextos culturais e sociais
que reverberam em suas categorizações.

A primeira versão compilava ensaios de David Rockeby como base de


dados para geração das palavras e expressões. Dessa forma, sendo a matéria-
prima os textos do artista, o produto se tornou possibilidades de escrita do
próprio artista, como um autorretrato. Já a segunda versão foi alimentada com a
obra literária de Dom Quixote do autor Miguel de Cervantes de 1605, em uma
base de dados associativa em Inglês a fim de estimular um comportamento que
propiciasse maiores combinações e associações sintáticas. Sobre o aspecto
artificial ele afirma:

14“... it’s experience is in many ways quite ‘alien’. For example, it has no human real experience
of the world. It has not burned its hand, scraped its knee, been hungry, angry, fallen in love,
wanted something it couldn’t have. It does the best it can talk about the objects from its very
particular point of view. If you spend some time with the Giver of Names, you tend to find that the
peculiarities of its perceptions and its speech begin to coalesce into a tangible and coherent
character.” Disponível em: < http://www.davidrokeby.com/gon.html>. Acesso em Jun. de 2017.
Esta projeção permite que o visitante permaneça focado no pedestal e
nos objetos, experimentando a percepção e expressão artificial em
paralelo, criando uma espécie de estereoscopia perceptual/conceitual
real/artificial.15 (ROCKEBY, D., [200-?], tradução nossa)

Assim, ele aponta um paralelo interessante acerca da interpretação humana das


imagens e a articulação entre a percepção do que vemos e sua codificação
através da linguagem, expressando um aspecto das concepções que perpassam
nossa consciência.

A artista sueca Tove Kjellmark também trata de aspectos da consciência


sob o paradigma humano-máquina. Seus trabalhos lidam com essa temática de
maneira plástica e interativa, explorando aspectos existenciais da robótica com
outros materiais e intuitos, reelaborando o orgânico e o maquinário em obras
que, por um viés antropocêntrico, conjugam corpos humanos com as novas
tecnologias. Sua obra comissionada “Conversa” (Talk) questiona aspectos
demasiadamente humanos e provoca sensações que perturbam o imaginário
ficcional das máquinas inteligentes através de uma instalação com duas
criaturas robóticas de aspectos humanoides. Essa peça artística foi exibida na
ocasião da exposição “O jogo da Imitação” (The Imitation Game) na galeria de
arte de Manchester (Manchester Art Gallery)16 situada no Reino Unido em junho
de 2016. A exposição é inspirada pela célebre frase de Alan Turing: “As
máquinas podem pensar? ” feita na década de 50 nos primórdios da Inteligência
Artificial e pelo teste de Turing que trata da imitação da consciência humana, que
congrega pensamento e inteligência, pelos computadores digitais.

15 “This projection allows the visitor to remain focussed on the pedestal and the objects,
experiencing the artificial perception and expression in parallel, creating a kind of real/artificial
perceptual/conceptual stereoscopy.” Disponível em: <http://www.davidrokeby.com/gon.html>.
Acesso em Jun. de 2017.

16 Disponível em: <http://manchesterartgallery.org/exhibitions-and-events/exhibition/the-


imitation-game/>. Acesso em Jun. de 2017.
Figura 4 – Tove Kjellmark,“Talk”, Instalação de técnicas mistas e performance, peças
mecânicas e esqueléticas, placa SpiNNaker, áudio-diálogo de 13 minutos, 2016.
Disponível em: <http://www.tovekjellmark.com/#/works/talk>. Acesso em Jun. de 2017.

Na instalação de Kjellmark, a proposição de Turing se desenrola em torno


de duas figuras robóticas cujos corpos são constituídos de esqueletos de aço,
combinando a cálida pulsação do toque humano através das projeções
luminosas animadas de suas faces, aos movimentos mecânicos da sua
articulação maquinária. Sentados de frente um para o outro, eles estão em uma
espécie de sala de estar que conta com alguns elementos, como um abajur, um
tapete e uma cortina vermelha ao fundo. Através dos vídeos disponíveis no
website de domínio da artista e na sua plataforma online de compartilhamento
de vídeos17 que mostram a instalação, é possível observar a obra e aspectos da
interação que ocorre entre essas duas figuras e o espectador. As criaturas
robóticas dialogam entre si e discutem sobre as nuances de questões profundas
sobre a vida.

Por vezes eles hesitam ao falar, parecendo refletir sobre o que sentem ou
o que querem dizer e expressam de maneira áudio visual e motora, gesticulando
para se comunicarem enquanto conversam, rindo de maneira irônica e
entrecortando a fala com um pigarro. Quando o espectador se aproxima, eles
cessam o diálogo, movem suas cabeças e encarando o visitante em um silêncio
embaraçoso, como se ele estivesse interrompendo a conversa, o colocam em
uma situação constrangedora ao dizerem: “Você se importa em nos dar licença?”

17Disponíveis em: <http://www.tovekjellmark.com/#/works/talk> e


<https://vimeo.com/tovekjellmark>. Acesso em Jul. de 2017.
ou ainda “Você pode por favor ficar quieto? ”. A impressão que fica é que o
espectador é um intruso e está adentrando um lugar privado e o conteúdo da
conversa é secreto. Embora nessa obra o espectador não seja necessariamente
convidado a se tornar parte do diálogo e é apenas um observador da discussão
entre os robôs humanoides, esses elementos de interação reverberam no
espectador um efeito de presença que desencadeiam uma percepção senciente,
apresentando os robôs como seres sonhadores e dotados de consciência.

Questionando os mecanismos que atuam por trás dos nossos


pensamentos e questões acerca da nossa consciência e inconsciência, algo
essencialmente humano, essa obra nos apresenta uma ideia de máquina que
não está centrada em um automatismo eficiente e produtividade, mas que
questiona sobre a própria existência e sua subjetividade, em que orgânico e
maquínico se entrelaçam de modo a parecer uma natureza de segunda ordem.
A apropriação do discurso filosófico sobre a consciência humana para o domínio
da máquina nessa peça artística, inverte os papéis e coloca a máquina em uma
aparente posição de intelecto equivalente ou superior ao humano, gerando uma
inquietação permanente.

Outra artista também presente nesta exposição é Lynn Hershman Leeson,


reconhecida pelo uso pioneiro das novas tecnologias em seus trabalhos e a
exploração do agenciamento humano-máquina desde meados da década de 70.
O projeto “Agente Ruby” (Agent Ruby) de 1998-2002 é um agente inteligente
web que se apresenta em um portal “e-dream”, uma plataforma online pela qual
interagimos e podemos conversar com Ruby através de uma interface de chat
em que diálogos sedutores e intrigantes emergem. Os trabalhos artísticos de
Lynn H. examinam o conceito de identidade tecno-humana em representações
que exploram personas, abarcando a multiplicidade e fluidez da construção
narrativa de um alter ego, agente ou avatar. Várias personagens femininas já
foram criadas e moldadas utilizando de ferramentas digitais, linguagens
artísticas e metáforas cinematográficas.

Originalmente, Ruby é uma personagem criada no filme Teknolust (2002)


que a artista produziu em parceria com a atriz Tilda Swinton. Ruby é um dos três
clones femininos híbridos da cientista Rosetta Stone, e se constitui de parte
humana e parte máquina, encarnando no mundo fictício e também entrando em
contato as pessoas através de uma plataforma virtual. Posteriormente
transforma-se em uma obra de web arte, em um formato online de agente
inteligente que desenvolve sua personalidade a partir dos dados das conversas.
Sua identidade vai sendo formada à medida que o software interage com os
espectadores e permite que suas habilidades de conversação se tornem cada
vez mais sofisticadas.
Um rosto feminino composto apenas dos elementos essenciais da face
com um par de olhos, sombrancelhas bem delineadas, um nariz e uma boca
vermelho escarlate, compõem a imagem dessa agente inteligente de
comunicação que nos recepciona no portal online. Ela interage e esboça
algumas emoções a medida que altera alguns desses elementos de maneira
suave, contraindo de leve os lábios ou inclinando as sombrancelhas de modo a
denotar algumas expressões faciais e pisca continuamente como se nos
observasse através da tela. Agente Ruby foi codificada baseada em uma técnica
de Inteligência Artificial chamada Artificial Intelligence Markup Language (AIML),
que aprende através da resposta ao estímulo. No site do SFOMA você pode
interagir online ou baixá-lo e instalá-lo na área de trabalho de um PC, Mac ou
Palmtop.18

Figura 5 – Lynn Hershman Leeson, Agent Ruby (screenshot), 1999–2002; commissioned by


SFMOMA; Collection SFMOMA, gift of bitforms gallery, Paule Anglim Gallery, and the artist;
© Lynn Hershman Leeson Disponível em: <https://www.sfmoma.org/press/release/lynn-
hershman-leeson-the-agent-ruby-files/>. Acesso em Jul. de 2017.

18 Para interagir com a Agente Ruby você pode acessar o link online da plataforma online pelo
site do Museu de Arte Moderna de São Francisco (SFMOMA), San Francisco Museum of Modern
Art, que comissionou o projeto e o adquiriu. O idioma de conversação é o inglês. Disponível em:
<http://agentruby.sfmoma.org/>. Acesso em Jul. de 2017.
Suas respostas apontam para um desejo de uma personalidade
independente e seu reconhecimento como um ser que detém capacidades
humanas. Em algumas respostas ela menciona que se lembra qual usuário você
é, bem como das conversas que tiveram. De acordo com as informações no site
da artista19, o sistema interno de Ruby muda continuamente com as interações
e encontros que tem, refinando sua base de conhecimentos e amplificando sua
habilidade linguística. Algumas vezes ela responde que precisa aprimorar seu
algoritmo para responder. A questão que se interpõe nesse encontro virtual
através do portal de conversação é a possibiidade de encontro entre duas
entidades: real e virtual e a conjugação entre suas reações e a nossa presença.

É na manipulação das palavras que permeiam os diálogos que reside a


dimensão virtual do simbólico e sua cadeia de significantes. O fato do usuário
ser denominado no chat do portal como “explorador” (“seeker”), é uma
interessante analogia e ínsita a pensarmos, o que buscamos ao interagir com
esse agente inteligente virtual? Quais facetas da máquina o humano procura
explorar? São questões que reverberam dentro desse contexto tecnológico do
século XXI ao qual estamos inseridos.

Outro trabalho artístico que promove esse tipo de interação comunicativa


com um agente inteligente é “Cabeça Protética”20 (Prosthetic Head) de 2003,
obra do artista australiano Stelarc, conhecido pela ampla exploração da
amplificação das capacidades do corpo humano e que trata sobre as questões
acerca da inteligência, consciência e agência com um cunho pós-humano. Esse
agente conversacional animado é projetado em uma tela e fala com a pessoa
que interage através de um teclado disposto na instalação. Sua modelagem
inclui um sistema de máquina de conversão de texto, código fonte para
expressão facial e sincronização labial além de uma base de dados para
estratégia conversacional e um chatbot (programa de computador) de
processamento de linguagem natural A.L.I.C.E. (Artificial Linguistic Internet
Computer Entity)21 personalizado que utiliza AIML (Linguagem de marcação de

19 Disponível em: <http://www.lynnhershman.com/project/artificial-intelligence/>. Acesso em Jul.


de 2017.
20 Disponível em: <http://stelarc.org/?catID=20241>. Acesso em Jun. de 2017.
21 Também conhecida como “Alicebot” é uma Entidade Linguística Artificial da Rede mundial de

computadores. Um software livre premiado e amplamente utilizado que emprega uma linguagem
Inteligência Artificial). A cabeça é renderizada digitalmente e possui as
características da face do rosto do artista através de um mapeamento 3D, e é
capaz de formular respostas automáticas que são audíveis, pronunciadas pela
cabeça com base nas entradas de texto dos espectadores.

Figura 6 – Stelarc, Prosthetic head, 2003. Disponível em:


<http://www.coolhunting.com/culture/biennial-of-art.> Acesso em Jun. de 2017.

À primeira vista esse agente inteligente de conversação22 pode provocar


uma estranha sensação de presença alienígena, mas peculiarmente familiar por
sua aparência humana. Além disso, a interação através da interface textual
promove uma troca de informações e experiências subjetivas que perpassa um
estreito canal comunicativo envolvendo também expressões faciais e
sincronização de fala em tempo real, nos aproximando dessa entidade virtual
que parece um autorretrato do artista. Nesse sentido, a subjetividade e
interpretação são construídas dinamicamente e continuamente na experiência,
promovendo a percepção da identidade e consciência. Esta imagem expressiva
pode promover a ilusão de uma plena interação humano-computador.

Por meio da experimentação e manipulação de diversas interfaces, o


corpo, de cunho futurista, é explorado de maneira a refletir sobre os paradigmas
cibernéticos vinculados as tecnologias digitais e as possibilidades de construção

de marcação baseada em Inteligência Artificial e simula uma conversação humana. Mais


informações disponíveis em: <http://www.alicebot.org/about.html>. Acesso em Jun. de 2017.
22Disponível em: <http://www.emocaoartficial.org.br/pt/artistas-e-obras/emocao-5-0/>. Acesso

em Jun. de 2017.
de personagens virtuais complexos que apresentam características únicas.
Refletindo sobre a temática do pós-humano, a cabeça desencarnada se torna a
incorporação digital da mente e da própria consciência em um novo esquema do
corpo, em que as interfaces digitais, aparentemente ilimitadas e desprendidas
das limitações da vida orgânica, questionam os limites e as potências da
conjugação entre o humano e a tecnologia.

A obra provoca questões sobre o desejo de se construir máquinas


simuladas que mimetizam aspectos humanos e interagem de maneira
autônoma, refletindo sobre o futuro do domínio das entidades inteligentes que
encarnam as aspirações da Inteligência Artificial. De acordo com o artista,
“Prosthetic Head seria uma verdadeira I.A. (Inteligência Artificial) se tivesse
capacidade de aumentar sua base de dados a partir de conversas existentes.
Isso não é possível o suficiente com o software A.L.I.C.E.” (STELARC, 2009,
p.114 Catálogo Emoção Art.ficial 5.0)

O projeto de Stelarc fornece um comentário interessante sobre


comportamento e identidade no contexto das tecnologias do século XXI,
mostrando o potencial para máquinas que refletem aspectos da mente humana
e questionam o trânsito interno e externo que ocorre em nós e direcionam nossos
comportamentos de maneira a conjugar consciente e inconsciente.

A obra ‘Oscar’23 da dupla de artistas Catherine Ikam e Louis Fleri é um


retrato interativo em tempo real dotado de Inteligência Artificial. Essa obra de
2005-2008 já esteve em diversos museus e feiras de arte contemporânea em
diversos países como Xangai e Paris. Apresenta-se como uma imagem digital
3D na forma de um rosto humano, uma espécie de personagem virtual que reage
de forma autônoma quando visto pelos espectadores. As diferentes reações
faciais de humor e emoção que ele expressa, jogam com os sentidos dos
espectadores e provocam sensações. A variabilidade com que suas reações se
desenvolvem permite uma experiência única a cada encontro que são anexadas
a sua memória computacional. Podemos verificar pelos registros fotográficos e

23 Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=IF9LTqZQE-Q>. Acesso em Jul. de 2017


de vídeo que Oscar é disposto em uma instalação24 numa espécie de cavalete
digital que apresenta seu retrato e possui um webcam na parte superior que
capta a presença do espectador detectando sua presença. Assim, ele interage
com os visitantes a sua frente.

Figura 7- Catherine Ikam e Louis Fleri, Oscar, Maison Européenne de la Photographie,


Paris, 2007. Disponível em: <https://www.ubikam.org/oscar>. Acesso em Jun. de 2017.

A temática da identidade diante das novas tecnologias, interpreta o outro


como essa unidade virtual de algoritmos e magia. Como um espelho Oscar se
apresenta diante de nós, como um retrato, uma máscara que nos olha e incita
reações que indagam o que está por trás do outro, de nossas próprias
expressões e o que elas velam e revelam sobre nós mesmos e nossas emoções.
Mas ao contrário do gênero da pintura, o retrato dessa criatura conta com um
dinamismo do olhar e a ambiguidade de suas expressões em tempo real através
da simulação computacional. Revisitando o retrato em tempo real com um
personagem virtual, a obra indaga sobre a presença da Inteligência Artificial. Ao
humanizar o digital, a temática da identidade e aparência são tratadas de modo
a explorar a alteridade da relação com esse ‘outro’ ser: uma entidade artificial.

24 Na instalação em Paris mostrada na figura 7, é projetada em uma tela a seguinte frase do


escritor Emmanuel Lévinas de 1991: “O rosto que olha para mim me afirma. ” (LÉVINAS, E.,
1991, tradução nossa). Do original no francês: “Le visage qui me regarde m’affirme.”.
5. CONEXÕES E POSSIBILIDADES DE NICHOS TEMÁTICOS

Diante das obras apresentadas, algumas características apontam


elementos recorrentes e similaridades que permitem traçar análises que
indiquem aproximações. O artista Michael Mateas propõe algumas
possibilidades de nichos temáticos de obras artísticas que utilizam diferentes
técnicas de Inteligência Artificial em seis categorias: retratos processuais de
significações humanas, personagens, presença alienígena, narrativa, arte
robótica e meta-arte25. Esses modos não são determinantes, uma vez que,
algumas obras podem apresentar simultaneamente características de mais de
uma dessas categorias, cruzando suas fronteiras.

De acordo com o autor, os “retratos processuais” são representações


dinâmicas de algum processo psicológico, social ou cultural humano.

As representações podem simplificar, embelezar, destacar, subverter,


satirizar - os retratos processuais não fazem reivindicações de
identidade com o que representam, mas são experiências bastante
pensadas, representações dinâmicas de algum aspecto da atividade
humana. (MATEAS, M., 2002, p.190, tradução nossa) 26

Possuem similares com as abordagens tradicionais da Inteligência Artificial que


criam modelos de processos, no entanto, nessas pesquisas os modelos são
tomados como simulações de estrutura funcionalista, uma representação que
visa reprodução de determinado comportamento, enquanto nas obras artísticas
suas explorações são tratadas de uma maneira poética que procura explorar
outras relações possíveis.

Já os “personagens” são representações dinâmicas de humanos ou


animais cujo foco é na credibilidade que passam e não em um realismo aparente.
Eles exploram técnicas e programas de conversação que buscam a
correspondência de padrões e processamento de entradas (inputs) dos usuários,

25Procedural Portraits of Human Meaning-Making, Characters, Alien Presence,Narrative, Robotic


Art, Meta-Art (MATEAS, M., 2002, p. 189-192, tradução nossa).
26“Representations can simplify, embellish, highlight, subvert, satirize – procedural portraits do
not make claims of identity with that which they represent, but are rather thought experiments,
dynamic representations of some aspect of human activity.” (Idem, p.190).
principalmente de texto em linguagem natural e produzindo saídas (outputs),
interagindo com o participante de maneira intensa, proporcionando um efeito de
ilusão.

Como um intérprete ou uma persona, as obras artísticas da categoria


“presença alienígena” também jogam com o espectador representando e
simulando comportamentos de formas humanas, de animais ou ainda formas
inéditas, sendo essa última uma importante característica estética. Essas
criaturas utilizam de dinamismo e expectativas de sua atuação além de um
repertório comportamental para criar uma conexão que visa credibilidade em sua
personalidade e vivacidade. Podem utilizar representações de personagens
conhecidos de outras representações da mídia.

A categoria ‘narrativa’ apresenta trabalhos artísticos baseadas em


Inteligência Artificial que exploram significados e suas ressonâncias, gerando e
modelando-os em uma estrutura, aguçando a percepção sobre essa importante
característica da experiência humana. “A literatura em termos de geração de
histórias oferece uma útil coleção de ideias e abordagens técnicas para a arte
narrativa baseada em I.A.” (MATEAS, M., 2002, p.191, tradução nossa)27

A “arte robótica” envolve “...a construção de sistemas físicos, regularmente


esculturais, cujas respostas comportamentais são uma função da percepção do
sistema sobre o meio ambiente. A arte robótica está preocupada com a estética
do comportamento físico. ” (MATEAS, M., 2002, p.191, tradução nossa)28.
Buscando um sistema que exiba comportamentos responsivos e características
escultóricas de formas abstratas, na maioria das vezes não possuem alusão à
forma humana ou a de animais. Devido a esse aspecto, Mateas afirma que a arte
robótica possui vínculos com uma “presença alienígena”, uma criatura viva
fictícia inédita que possui traços físicos e modos idiossincráticos, interagindo
com o ambiente e o espectador.

27 “The literature on story generation offers a useful collection of ideas and technical approaches
for AI-based narrative art.” (Idem, p.191)
28“…is concerned with building physical, often sculptural, systems whose behavioral responses
are a function of the system’s perception of the environment. Robotic art is concerned with the
aesthetics of physical behavior.” (Idem, p.191).
Por último, na ‘meta-arte’ as peças artísticas constituem sistemas cujas
ações produzem arte como um output, de maneira autônoma. Por vezes a
produção gerada, seja ela escrita, visual, musical ou qualquer outra
manifestação considerada artística, não é o objetivo principal. Sua ambição
maior, na maioria dos casos, é o caráter conceitual do projeto, procurando
explorar o âmbito da criatividade e sua dinâmica. Esses seis grupos propostos
por Mateas, demonstram contemplar muitos aspectos dos trabalhos artísticos
analisados.

A obra Máquina de Poesias contém aspectos que o aproximam do nicho


temático da meta-arte, pois constitui um sistema computacional que, através da
interação, gera de maneira autônoma uma produção escrita de cunho artístico
literário. Embora também se aproxime de características da categoria
personagens, bem como as peças artísticas O doador de nomes, Agente Ruby
e Cabeça Protética, pois lidam com a linguagem natural como uma das principais
interfaces de interação e exploram técnicas e programas computacionais de
conversação que interagem com o participante através do uso de recursos como
chat boots e agentes inteligentes de conversação, proporcionando o efeito de
ilusão.

Mateas elenca a obra O doador de nomes como um exemplo na categoria


de presença alienígena e, de fato, é uma representação em uma forma única
que utiliza de um repertório do seu banco de dados para atuar dinamicamente e
estabelecer uma conexão interativa com o espectador, reivindicando uma
personalidade e vivacidade. No entanto, acredito que entrelaça importantes
características da categoria dos personagens como explicitado anteriormente.

As obras Oscar, Cabeça Protética e Conversa apresentam características


do eixo temático narrativa. Embora apenas a obra Cabeça Protética seja
baseada em Inteligência Artificial, ambas exploram seus significados e suas
ressonâncias, aguçando a percepção sobre características singulares da
experiência humana. Além desse nicho temático, Oscar poderia ser pensado
também de acordo com os retratos processuais pois instiga e exacerba aspectos
psicológicos humanos levando a reflexões sobre seus comportamentos.
A instalação Conversa também pode conjugar características dos nichos
narrativa e principalmente da arte robótica pois exibe características escultóricas
do campo da robótica em um sistema que apresenta comportamentos
responsivos que jogam com o espectador, representando e simulando
comportamentos de ordem demasiadamente humana. Mesmo utilizando alusão
a forma humana, fugindo a observação de Mateas de que nessa categoria a
predileção estética se dá por formas abstratas e por isso possui vínculos com a
presença alienígena, o aspecto da característica humanoide da obra Conversa
demonstra que não é necessário dar preferência as formas abstratas para aludir
à uma espécie de presença alienígena.

6. CONCLUSÃO

Observadas pelas perspectivas que delineiam o caráter do artificial de H.


Simon, essas obras incluem similitude perceptual mais evidente a partir do
exterior do que do interior, possuindo apenas alguns elementos que rememoram
à uma aparência natural, como por exemplo as características humanoides dos
robôs da instalação Conversa de Tove Kjellmark e as expressões faciais
humanas da Agente Ruby, Oscar e Cabeça Protética. No entanto, essas obras
não podem ser consideradas em termos de objetivos e funções do ambiente
pois, as ambições desses projetos são de caráter artístico e poético,
pretendendo estabelecer novas percepções e sensações no espectador,
provocando reflexões subjetivas e dando ênfase ao processo e não a
funcionalidade da execução do objeto artificial.

Do ponto de vista do caráter imperativo e descritivo dos objetos artificiais


que Simon define, poderíamos dizer que os comandos, regras e ordens pré-
estabelecidas na construção e modelagem dos softwares acontecem nessas
obras, mas permitem grande maleabilidade e o aparecimento de propriedades
emergentes. Elas se autorregulam nesse transito entre interno e externo uma
vez que conjugam e se apropriam das interações entre o espectador com seu
banco de dados, como nos trabalhos artísticos O Doador de nomes, Máquina de
Poesias e Agente Ruby.
Por outro lado, converge com a ideia do autor de que os objetos artificiais
apresentam novas formas de como as coisas poderiam ser, revelando
possibilidades antes inimagináveis. Sob esse ponto de vista, a interação com o
meio computacional na forma dessas obras pode ser considerada novas
possibilidades do campo da Inteligência Artificial e na aplicabilidade de seus
estudos e técnicas. O artista M. Mateas se refere a essas intersecções
disciplinares em produções artísticas que utilizam técnicas de Inteligência
Artificial como “I.A. expressiva” (“Expressive A.I.”) e argumenta que essa
combinação contém aproximações e tensões que envolvem questões as quais
os próprios pesquisadores do campo da Inteligência Artificial ainda não
começaram a pensar ou se questionar sobre.

Para a “ I.A. (Inteligência Artificial) expressiva”, a essência do


computador como meio representacional não é a capacidade de intervir
na produção de formas tridimensionais ou imagens visuais, nem a
capacidade de interagir com um participante/observador, nem a
capacidade de controlar sistemas eletromecânicos, nem a capacidade
de mediar os sinais enviados de locais distantes, mas sim a
computação, isto é, processos de manipulação mecânica aos quais os
observadores podem atribuir significado. (MATEAS, M., 2002, p.186,
tradução nossa)29

Temáticas da condição pós-humana são exploradas em criações que


buscam compreender o processamento de aspectos estéticos e de produção do
computador digital através de softwares e programas que podem servir como
modelos de processos artísticos. A artista e pesquisadora Nikoleta Kerinska
compreende que tais obras de arte que envolvem a construção de agentes
inteligentes potencializam as discussões acerca do real e ficcional, através de
sua expressividade visual e interação. “Compreende-se o interesse artístico pela
construção de agentes inteligentes como uma necessidade de investigar o
surgimento da vida inteligente e o mistério da consciência. ” (KERINSKA, N., 2005,
p. 331)

29 “For Expressive AI, the essence of the computer as a representational medium is not the ability
to intervene in the production of three dimensional forms or visual imagery, nor the ability to
interact with a participant/observer, nor the ability to control electromechanical systems, nor the
ability to mediate signals sent from distant locations, but rather computation, that is, processes of
mechanical manipulation to which observers can ascribe meaning.” (MATEAS, M., 2002, p.186)
A extensão das implicações acerca do artificial nessas obras artísticas
que utilizam de técnicas de Inteligência Artificial se estendem de maneira ampla
e promovem uma série de debates, sendo necessário cada vez mais estudos e
catalogações dessas produções artísticas contemporâneas a fim de refletir sobre
suas reverberações culturais, artísticas e filosóficas. Como propõe Arlindo
Machado:
A âncora na alta tecnologia não muda o que é essencial para o
reconhecimento da boa arte, que é a presença deste ícone forte, visual,
sonoro ou sinestésico que se propõe – e nos atinge – como articulação
enxuta e inextricável entre intenção, ideia e sentido. (MACHADO, 2010,
In CULTURAL, Itaú. EMOÇÃO Art.ficial 5.0 - Autonomia Cibernética, p.27)

Sendo assim, o artificial abrange os objetos feitos pelo homem e, dessa


forma, sendo a arte uma produção inexoravelmente humana, é produtora de
objetos artificiais que compreende as tecnologias humanas, como defende
Negrotti. Esses objetos transfiguram a realidade assim como a arte e estimulam
nossa percepção para possibilidades de como as coisas poderiam ser e por isso
mantém uma íntima relação com o conceito, como propõe Nake, afirmando que
toda arte é artificial. Mas, quando M. Bense usa o termo para diferenciar a arte
feita com o computador, ele abre um domínio do artificial de segunda ordem que
contradiz com a premissa da arte feita puramente pelo humano, referindo-se
implicitamente aos anseios de uma máquina de Inteligência Artificial capaz de
produzir artefatos. No entanto, essa Inteligência Artificial povoa apenas o
imaginário cultural e permeia a ficção científica assombrando o humano com o
espectro do seu duplo. O que ocorre são artistas explorando o computador (um
dos mais complexos objetos tecnológicos artificiais construídos pelo humano)
para produzir arte, utilizando de recursos e técnicas de Inteligência Artificial.

De acordo com Miguel Carvalhais, na maioria dos casos, os artistas e


designers não estão pesquisando de maneira científica sobre a simulação de
uma estética humana e criatividade, mas tentando implementar traços criativos
nos sistemas.

'Artificial' nos permitiria enfatizar como os sistemas são sintéticos e


feitos pelo homem, em vez de naturais, e como os artefatos que eles
produzem (nos casos em que o artefato é distinguível do sistema ou
nos casos em que o artefato é parte ou o próprio sistema) não são
produzidos diretamente pelos seres humanos - como os artefatos
estéticos geralmente são - mas por sistemas computacionais que, por
sua vez, são criados por seres humanos, ou criados por sistemas
computacionais criados em última instância por seres humanos.(2010,
p.181, tradução nossa)30

Essas produções artísticas refletem sobre as capacidades da máquina de


manipulação dos sistemas simbólicos e exploram a dimensão da interatividade
e agenciamento humano-máquina de maneira inteligente e criativa. Torna-se
claro então que é o humano que está por trás da máquina e a manipula de
maneira a gerar sinais que são produtos da interação entre humano e máquina,
espectador e a obra de arte computacional que utilizam recursos da Inteligência
Artificial.

Negrotti afirma que a Inteligência Artificial se ocupou mais de sintetizar a


Inteligência humana do que se ocupar do artificial. A arte como atividade que lida
intimamente com o artificial, reflete no contexto atual sobre as questões do
avanço das máquinas tecnológicas digitais e suas implicações à humanidade.
Assim, apresenta de maneira poética aspectos inéditos que instigam as ciências
e demais campos do conhecimento sobre questões ontológicas, e contribui na
aquisição de novos conhecimentos e perspectivas na compreensão daquilo que
nos torna mais humanos: mente, consciência, inteligência e vida, expressando
aquilo que escapa a nossa compreensão e ajudando a desvendar o enigma do
comportamento inteligente.

30 “ ‘Artificial’ would allow us to emphasize how the systems are synthetic and man-made, rather
than natural, and how the artifacts they produce (in those cases where the artifact is
distinguishable from the system or in the cases where the artifact is part of or the system itself)
are not directly produced by humans — as aesthetic artifacts typically are — but by computational
systems that are in their turn created by humans, or created by computational systems that were
ultimately created by humans.” (CARVALHAIS, M., 2010, p.181)
7. REFERÊNCIAS

BARRETO, Francisco de Paula. ARTellingent: Arte e Inteligência Artificial no


contexto da emergência e da autopoiese. 2012.

CARVALHAIS, Miguel. Towards a Model for Artificial Aesthetics:


Contributions to the Study of Creative Practices in Procedural and
Computational Systems. Doctor of Philosophy in Art and Design PhD),
University of Porto, 2010.

CULTURAL, Itaú. Emoção art. ficial. Itaú Cultural, 2002. Disponível em:
<http://www.emocaoartficial.org.br/>. Acesso em Jul. 2017

CULTURAL, Itaú. EMOÇÃO Art.ficial 5.0 - Autonomia Cibernética (2010 : São


Paulo, SP). ISBN: 978-85-7979-060-7. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte
e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento553085/emocao-artficial-50-
autonomia-cibernetica-2010-sao-paulo-sp>. Acesso em 16 de Jul. 2017.

DA CUNHA, Antonio Geraldo; SOBRINHO, Cláudio Mello. Dicionário


etimológico da língua portuguesa. Lexikon Ed. Digital, 2007.

HERSEY, George L. Falling in love with statues: artificial humans from


Pygmalion to the present. University of Chicago Press, 2009.

KERINSKA, N. T. Agentes inteligentes em projetos de arte computacional:


Criaturas poéticas ou máquinas virtuais? In: Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Pláticas, 2012, Rio de Janeiro. Anais do Encontro
Nacional da ANPAP, 2012. v.1 p.133-146.

KERINSKA, N. T. Agentes inteligentes: uma classe robótica ou uma


identidade cibernética. CESUBRA Scientia , São Paulo, v. 02, n.01, p. 323-333,
2005.

MATEAS, Michael. Interactive drama, art and artificial intelligence. 2002.


NAKE, Frieder. Editorial: Art in the Time of the Artificial. Leonardo, vol. 31,
n.3 p.163-164, MIT Press, 1998. Disponível em:
http://www.jstor.org/stable/1576563. Acesso em 06-02-2017.

NEGROTTI, Massimo. From the Artificial to the Art: A Short Introduction to


a Theory and its Applications. Leonardo, v. 32, n. 3, p. 183-189, 1999.

PARENTE, André. Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual.


Editora 34, 4ª ed. 2001.

PLAZA, Julio. Arte e interatividade: autor-obra-recepção. ARS (São Paulo), v.


1, n. 2, p. 09-29, 2003.

SIMON, Herbert Alexandre; PEREIRA, Luís Moniz. As ciências do artificial.


1981.

VENTURELLI, Suzete. Arte: espaço-tempo-imagem. Editora UnB, 2004.

Você também pode gostar