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EPISTEMOLOGIA

NO SÉCULO XX

2 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 3
Carlos Algusto Monguilhot Remor
Francisco Antonio Pereira Fialho
Richard Perassi Luiz de Sousa

EPISTEMOLOGIA
NO SÉCULO XX

São Paulo

2014

4 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


EDITORA LABORCIENCIA

CONSELHO EDITORIAL
Carlos Algusto Monguilhot Remor (UFSC)
Francisco Antonio Pereira Fialho (UFSC)
Richard Perassi Luiz de Sousa (UFSC)

EDITOR
Cassiano Zeferino de Carvalho Neto

PROJETO GRÁFICO, DIAGRAMAÇÃO E CAPA


Taís Leite Ramos

REVISÃO
Francisco Antonio Pereira Fialho

Remor, Carlos Augusto Monguilhot

Epistemologia e Ciência no Século XX [livro eletrônico] / Carlos Augusto


Monguilhot Remor; Francisco Antonio Pereira Fialho; Richard Perassi Luiz de
Sousa — Coleção Epistemologia, Ciência e Interdisciplinaridade. V. 1. São Paulo:
Laborciência, 2014.

3,9 Mb ; PDF

ISBN 978-85-86159-10-7

1. Epistemologia. 2. Interdisciplinaridade. 3. Engenharia do conhecimento.


4. Gestão do conhecimento. 4. I. Fialho, Francisco Antonio Pereira. II. Sousa,
Richard Perassi Luiz de. III. Título.

CDD 658.4038

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 5


Epígrafe

“Escrevo tudo o que meu inconsciente


grita. Depois penso: Não só para
corrigir, mas para justificar o que
escrevi.” (Mário de Andrade)

“A função da arte não é a de passar


por portas abertas, mas a de abrir
portas fechadas.” (Ernerst Fischer)

“Eu só acreditaria num Deus que


soubesse dançar.” (Nietzsche)

“Se alguém varre as ruas para viver,


deve varrê-las como Michelângelo
pintava, como Beethoven compunha,
como Shakespeare escrevia.”
(Martin Lutter King Jr.)

6 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


APRESENTAÇÃO ...................................................................................9
PARTE 1 Epistemologia Conceitos .............................................. 13
1. Introdução à Epistemologia ............................................ 14
2. Epistemologia e os trabalhos científicos ...................... 23
3. Epistemologia e os métodos científicos. ...................... 37
3.1. Sujeito e objeto ............................................................. 39
3.2. Númeno e Fenômeno .................................................. 42
3.3. Método e Metodologia ................................................. 43
3.4. Ciência ............................................................................. 48
3.5. Arte e Técnica ................................................................ 53
4. Tipos de conhecimento e classificação das ciências. 55
4.1. Tipos de conhecimento. .............................................. 55
4.2. Classificação das ciências. .......................................... 60
5. Epistemologia das ciências aplicadas ........................... 62
PARTE 2 – Fenomenologias e Hermenêuticas ......................... 74
6. As Abordagens Fenomenológicas .................................. 75
7. As hermenêuticas ............................................................ 112
PARTE 3 – Epistemologias Contemporâneas ........................ 124
8. Epistemologias do século XX ......................................... 125
8.1. Em busca de uma taxonomia................................... 127
8.2. A matriz diacrônica até 1970 .................................... 131
8.3. A matriz epistemológica de 1970 a 1990................ 141
9. Tendências epistemológicas para o século XXI......... 152
9.1. Epistemologias subjetivistas (racional idealista e
empirismo idealista) ....................................................................... 153

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9.2. Epistemologias empiristas realistas....................... 162
9.3. Epistemologias racionalistas realistas .................. 168
10. As epistemologias das ciências naturais e sociais ... 174
10.1. O problema da justificação ................................. 175
10.2. O problema das ciências sociais ........................ 178
11. Epistemologias da Interdisciplinaridade ................... 181
CONCLUSÕES .................................................................................. 198
REFERÊNCIAS .................................................................................. 201

8 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


APRESENTAÇÃO

Essa série de livros nasceu de uma provocação. Falar de


Epistemologia em um curso de Pós-Graduação inscrito como
interdisciplinar na CAPES, agência que, no Brasil, regula o
funcionamento dos programas de mestrado e doutorado.

A Metafísica, estudo fundamental nas primeiras universidades,


seria o estudo da natureza das coisas, abrangendo três aspectos:

 Ontologia, que se pergunta sobre a natureza dos seres;


 Cosmologia, que estuda o universo habitado por essas
entidades;
 Epistemologia.

A Epistemologia é geralmente entendida como o estudo da


natureza e da validade dos conhecimentos.

Até meados do século XX, a epistemologia e a psicologia


seriam consideradas como pertencentes a braços próximos da
filosofia. Se considerarmos a filosofia reduzida à indagação sobre o
“como da Gênese do Conhecimento”, não haveria, de fato, uma
distinção. Piaget, por exemplo, fala de uma “Epistemologia
Genética” capaz de responder exatamente a esta indagação.

A Inteligência Artificial nasceu na década de 50 com o objetivo


de, a partir de estudos sobre comportamento humano, modelar
inteligência em sistemas computacionais. Primeiro os engenheiros
faziam programas de computador. Após veio a Engenharia de
Software para lidar com milhares de programas atuando como
sistemas, às vezes, em tempo real. A Engenharia do Conhecimento é
o próximo passo. Resolvida à questão, no início da era industrial, de
copiar gestos e movimentos dos humanos vistos como robôs;
tenta-se, agora, clonar o comportamento humano em atividades
envolvendo o uso intensivo de conhecimento.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 9


Castoriadis (1985) sustenta que:
O ser humano é antes de tudo um homem
‘imaginante’ que realiza um ‘imaginário radical’
não causal e criador de um universo sempre
renascente de significações que escapam à
elaboração estritamente racional dos dados.

Incluir a subjetividade humana aos fazeres da ciência é aceitar


que a irracionalidade não é mera consequência, mas fator relevante
na compreensão da fenomenologia humana.

Usando a Metodologia CommonKads1, engenheiros do


programa perceberam que, antes de propor artefatos de
engenharia, seria conveniente saber o contexto (quem, fazendo o
quê, aonde) em que esses artefatos atuariam, além dos
conhecimentos e transações entre os agentes envolvidos.

Na base dessas metodologias temos uma visão de mundo


(uma cosmologia?). Com base nessa visão teorias são escolhidas
(epistemologia, no sentido de “episteme”, olhares...) que vão
implicar nos métodos que sustentarão as ferramentas a serem
utilizadas.

Uso

Ferramentas
Métodos

Teorias
Visão de Mundo

Figura A Pirâmide Metodológica do CommonKads.


Fonte: adaptado de Schreiber et al (2000)

1
SCHEIBER et al. Schreiber, Guus et. al. Knowledge Engineering and Management:
The CommonKADS Methodology. MIT Press, 2000. Chapter 2 – Knowledge
Engineering Principles. Schreiber, Guus et. al. Knowledge Engineering and
Management: The CommonKADS Methodology. MIT Press, 2000. Chapter 4 –
Knowledge Management.

10 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Os conhecimentos passaram a ser vistos como matéria prima
que, engenhados, se transformam nos produtos da Sociedade do
Conhecimento em que vivemos.

O estudo da forma pela qual se dava a gestão desses


conhecimentos, assim como toda subjetividade inerente a sua
disseminação, seria a base sobre a qual artefatos de sucesso
poderiam ser concebidos na resolução de problemas. Daí a
interdisciplinaridade e a necessidade de equipes capazes de
dialogar, de se comunicar.

Que epistemologias seriam as mais adequadas para fazer


frente a este desafio?

Ao nível de construção de artefatos de engenharia usualmente


se aplicam técnicas quantitativas. Já em termos de Gestão, as
qualitativas sempre se mostraram as mais adequadas.
Fenomenologia e estatística?

Para responder a este desafio, uma primeira decisão implicou


em que todas as disciplinas do programa deveriam,
preferencialmente, serem ministradas por dois professores de áreas
distintas, para garantir o debate necessário a busca de uma
interdisciplinaridade.

Para lecionar a disciplina Epistemologia e Ciência, três


professores se reuniram: Carlos Augusto Monguilhot Remor,
psicanalista (mais ortodoxo que rótulo de Maizena, como costuma
afirmar), com mestrado em Educação e doutorado em Engenharia;
Francisco Antonio Pereira Fialho, engenheiro eletrônico e psicólogo,
mestre e doutor em Engenharia de Produção, trabalhando com
Piaget (dissertação e tese) e, mais recentemente, apaixonado por
Jung e Richard Perassi Luiz de Souza, bacharel em artes e doutor
em Comunicação e Semiótica.

Para os disciplinares a epistemologia é questão fechada. Além


do nenhum diálogo entre “comedores de números” (quantitativos)
e “poetas” (qualitativos), observamos uma intransigência no
considerar a possibilidade de outras epistemologias.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 11


Nossos colegas de diferentes áreas insistem em afirmar que
tais e tais conhecimentos são pertinentes a tais e tais domínios e
que não seria científico se apropriar dos mesmos para outros
campos de conhecimento.

Morin chama os interdisciplinares de contrabandistas de


saberes.

Geralmente o esforço interdisciplinar naufraga ou se apresenta


superficial demais, abrangente demais. A qualidade das
dissertações e teses permanece muito aquém do esforço
despendido por professores, orientadores e alunos. Às vezes algo
acontece, um trabalho nos surpreende, mas, por enquanto, trata-
se, ainda, de um fenômeno raro.

Não se põe remendo novo em roupa velha, reza a sabedoria


popular, mãe de toda a ciência. A pergunta que se tornou guia para
a disciplina é. Que velhas, novas, epistemologias, seriam as mais
adequadas para tratar com problemas relativos ao projeto
interdisciplinar?

Uma primeira tentativa de avançar em direção a estas


respostas levou a essa série de quatro livros, a saber:

LIVRO 1 LIVRO 2
PRINCIPAIS EPISTEMOLOGIAS
EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA
PARA A INTERDISCIPLINARIDADE
NO SÉCULO XX
NO SÉCULO XXI

EPISTEMOLOGIA, CIÊNCIA E
INTERDISCIPLINARIDADE

LIVRO 4 LIVRO 3
COLETÂNEA DE ARTIGOS NOVAS PROPOSTAS PARA
SOBRE EPISTEMOLOGIA AS EPISTEMOLOGIAS DA
E INTERDISCIPLINARIDADE INTERDISCIPLINARIDADE

Figura B Proposta para a coleção Epistemologia, Ciência e


Interdisciplinaridade.
Fonte: autoria própria.

12 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


PART E 1 Epistem ol og ia C onceit os

2.
Epistemologia
e os trabalhos
acadêmicos

1. 3.
Epistemologia
Introdução à e os métodos
Epistemologia científicos
Parte I
Epistemologia
Conceitos

4.
5.
Epistemologia Tipos de
das ciências conhecimento
aplicadas e classificação
das ciências

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 13


1. Introdução à Epistemologia

O termo “Epistemologia”, como estudo geral do conhecimento


ou das possibilidades de conhecimento, foi apresentado,
primeiramente, como sinônimo de “Gnosiologia”2.

A partir dos anos 1930, Gaston


Bachelar (1884-1962) propôs, em
suas publicações, que o conceito de
“Epistemologia” ficasse restrito ao
conhecimento científico.

Figura 1.1 Livro nº 1 da coleção: O saber da Filosofia


Fonte: imagem capa escaneada.

Na visão da ciência contemporânea positiva, “Epistemologia”


é o campo que estuda a possibilidade do conhecimento científico e
suas implicações no trabalho de pesquisa acadêmica.

A possibilidade de se obter o conhecimento verdadeiro,


indicado atualmente como científico, e seus parâmetros de
validação são questões históricas, formuladas ainda na
Antiguidade, muito antes, portanto, da adoção do termo
“Epistemologia”. Essas antigas questões, entretanto, permanecem
provocativas até a atualidade, porque as respostas ainda estão
distantes de serem conclusivas, como bem ilustra o livro
“Introdução à Teoria da Ciência.” (DUTRA, 2003).

2
A gnosiologia, enquanto filosofia se preocupa com a validade do conhecimento
(daquele que conhece o objeto).

14 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Em seu livro, Dutra (2003) relata as desventuras de Rudolf
Carnap (1891-1970) e de outros pensadores ligados ao “Círculo de
Viena” 3 na busca por criar uma ciência epistemológica capaz de
estabelecer procedimentos perfeitamente lógicos para verificar e
validar positivamente o conhecimento científico.

Kurt Godel4 apontou que, em última instância, há uma


impossibilidade lógica de se abordar qualquer sistema de coisas
com os recursos internos do mesmo sistema. Essa afirmação
desconsidera a viabilidade integral do Positivismo Lógico do Círculo
de Viena, na sua proposição de que a língua escrita é um sistema
capaz de descrever e justificar a própria linguagem escrita. O
exemplo clássico apresentado é a dificuldade de se validar a
proposição “eu sempre minto”, porque a frase estabelece um
paradoxo lógico intransponível. Para solucionar o impasse seria
necessário alterar a proposição da seguinte forma “até agora, eu
sempre menti”.

Padrón Guíllen (2007) defende que todos nós utilizamos filtros


pré-teóricos, como crenças, e pré-cognitivos, como sentimentos e
intuições, que condicionam o modo pelo qual conhecemos,
implicando também em certos preconceitos sobre o que é
conhecimento e suas vias legítimas de produção e validação. De
maneira semelhante, David Hume (1711-1776) já indicara seu
ceticismo, com relação ao conhecimento positivo, denunciando a
crença sobre fenômenos considerados constantes, cuja
previsibilidade não era logicamente comprovada.

3
“Associação fundada na década de 20 por um grupo de lógicos e filósofos da ciência,
tendo por objetivo fundamental chegar a uma unificação do saber científico pela
eliminação dos conceitos vazios de sentido e dos pseudoproblemas da metafísica”
(JAPIASSU e MARCONDES, 2001, p. 37).
4
Veja, por exemplo, em Hofstadter, D. R. “Goedel, Escher, and Bach. An Eternal
Golden Braid”. New York. Basic Books, 1979.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 15


Uma das obrigações metodológicas básicas no
desenvolvimento de processos de pesquisa científico-acadêmica é,
todavia, responder à necessidade de coerência teórica ou
epistêmica. Isso determina que, dentro de recortes ou limites
configurados pela ordenação epistemológica, os processos de
pesquisa sejam cientificamente estruturados.

A ordenação epistemológica evidencia a legitimidade dos


procedimentos metodológicos e valida logicamente os resultados
das pesquisas.

A definição de recortes e o estabelecimento de limites teórico-


metodológicos são decorrência da necessidade de preenchimento
lógico da fratura existente entre as possibilidades da percepção
humana, que configura o mundo percebido, e a realidade ampliada
que é pressentida pela mente ou pelo espírito humano.

Essa fratura está na origem da divisão dualista na filosofia


antiga, que foi proposta por Platão (427-348 ou 347 a.C.), separando
o mundo sensível das entidades e o mundo inteligível do “Ser”. Essa
divisão foi ratificada por René Descartes (1596-1650), com a
separação entre o corpo (res extensa) e a mente (res cogitans) e,
também, por Immanuel Kant (1724-1804) que ao tratar da realidade
extra-humana, da “coisa em si”, propôs a separação entre
“número” e “fenômeno”.

16 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Segunda Realidade
Mundo Pensado

Primeira Realidade
Mundo Experienciado

Figura 1.2 As duas realidades: a realidade experienciada e a


realidade pensada.
Fonte: Richard Perassi.

Essa distância ou fratura existente entre a percepção, o


registro e a representação da realidade percebida e a complexidade
da realidade inferida pela mente obrigou os pesquisadores ao
desenvolvimento de teorias e métodos que relacionam de maneira
logicamente coerente essas duas realidades (Figura 1.2).

Sem desconsiderar a plena identidade entre o ser humano e o


mundo ou entre sujeito e objeto, dado que são partes de uma
mesma natureza, as possibilidades do sujeito perceber a realidade
são parciais ou precárias.

A potencialidade de sua percepção sensorial é ainda limitada,


mesmo depois de ter sido ampliada por instrumentos excepcionais,
que foram sendo criados para ampliar o acesso à mesma.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 17


Ainda persiste a distinção entre os termos “Ser” e “Ente”,
proposta pela filosofia grega na Antiguidade, e entre os conceitos
de “númeno”5 e “fenômeno”, feita por Immanuel Kant (1724-1804),
fornecendo sentido às teorias idealistas ou empiristas, nominalistas
ou materialistas, transcendentes ou imanentes, relativistas ou
realistas.

Temos duas realidades vivenciadas pelo sujeito: a realidade da


experiência e a realidade das ideias, ambas induziram o
pensamento a conceber a existência de dois conjuntos, que
abrigam todas as coisas conhecidas. (1) O primeiro conjunto é
composto pelas coisas materiais, expressivas e tangíveis, que René
Descartes denominou como res extensa. (2) O segundo é composto
pelas coisas mentais ou conceituais que são imateriais,
inexpressivas e intangíveis, tendo sido denominada por Descartes
como res cogitans. Todavia, a incompletude de qualquer um dos
conjuntos e a falta de plena correspondência entre esses
promovem a intuição da terceira realidade ou da realidade
ontológica, que é apenas intuída e não vivenciada pelo sujeito.
Porém, há quem considere a realidade ontológica identificada com
o “mundo das ideias” e outros que percebem essa terceira
realidade como diretamente relacionada ao mundo material.

No processo de entendimento ou conhecimento humano, os


dois conjuntos são plenamente interdependentes. Pois, as coisas
materiais expressam as coisas mentais e as coisas mentais
qualificam, conceituam e nomeiam as coisas materiais. Isso
estabelece um círculo virtuoso, quando fechado em si mesmo, de
modo que um conjunto de coisas é justificado pelo outro.

5
Nem toda realidade está ao alcance da razão sensível. Kant chama de “númeno” a
essas realidades. O fenómeno, por outro lado, é algo que é dado pela intuição
sensível. A noção de “númeno” prova-se pelo fato de que o conhecimento não tem
limites e que se fenômeno “é a coisa tal como é para mim”, deve existir algo mais.
Veremos isso melhor um pouco adiante.

18 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Há estudiosos que defendem que as coisas mentais são
decorrência das coisas materiais, evidenciando a primazia da
matéria, da experiência, da indução e da imanência. Porém, outros
estudiosos defendem que as experiências são ilusórias e devem ser
conferidas e retificadas pelas ideias, atribuindo a verdade ao
pensamento, à dedução e à transcendência (Figura 1.3).

Apesar de geralmente indicarem o predomínio de um conjunto


de coisas sobre o outro, seja esse idealista ou materialista, todas as
doutrinas filosóficas consideraram a necessidade de interação
entre essas duas realidades.

Figura 1.3 Idealismo e Materialismo


Fonte: Richard Perassi.

Na ciência do século XX, a restrição recaiu sobre o objeto de


estudo. Os positivistas aceitaram a necessidade e a validade da
teoria, especialmente da teoria matemática, no processo de
mensuração e interpretação científica da realidade. Porém,
determinaram como objetos da ciência apenas as coisas
observáveis ou objetivas, desconsiderando os fenômenos
subjetivos. Assim, por exemplo, Max Weber (1864-1920) propôs o
conceito de “desencantamento do mundo”, que considera o
mundo fenomênico como um “mecanismo causal” (PIERUCCI,
2003).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 19


Por outro lado, os fenômenos subjetivos continuaram a se
manifestar e a interferir na realidade.

Assim, estudiosos desses fenômenos reuniram-se em grupos


como, por exemplo, o “Círculo de Eranos”6. A partir de 1933,
passaram a se reunir anualmente em território suíço. Ao contrário
dos positivistas, o grupo propôs a realidade como um mundo
encantado pelo inconsciente, pelos sonhos e pelos mitos, cujos
enredos representavam a realidade em sua amplitude objetiva e
subjetiva.

Um exemplo que ilustra a relação entre as coisas ideais, como


os conceitos, e as coisas materiais, como os seres vivos, é a
estrutura (Figura 1.4) proposta por Porfírio (232- 304), na qual o
filósofo apresenta o ser humano como ponto final de uma evolução
cujo início é a substância.

Figura 1.4 A árvore de Porfírio


Fonte: Richard Perassi.

6
As reuniões do Círculo de Eranos aconteciam às margens do Lago Maggiore, Suíça,
congregando estudiosos como: Carl Gustav Jung, Ernst Cassirer, Gaston Bachelard e
outros.

20 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


O conceito “substância” indica a porção de matéria ou energia
que ainda não se individualizou como “coisa”. Assim, por exemplo,
o barro é uma substância e o tijolo é uma coisa. Todavia, quando se
diz “tijolo”, indica-se que há uma coisa individualizada e, também,
que essa coisa foi informada para expressar a ideia de
paralelepípedo. Pois, quando observado, um tijolo é percebido
como um objeto de barro em forma de paralelepípedo.

Assim, um tijolo é um “objeto” quando está sendo observado e


uma “informação” quando é lido ou interpretado como expressão
da ideia de paralelepípedo ou símbolo de construção, entre outros
significados possíveis.

A teoria é um conjunto articulado de conceitos ou ideias que


serve como instrumento para a interpretação explícita dos
fenômenos ou entes materiais, como ilustra a “árvore de Porfírio”
(Figura 1.4). Não há uma teoria geral para todos os fenômenos.
Também, não há como descrever e estudar todos os fenômenos ao
mesmo tempo.

Os fatos objetivos são previamente observados como


fenômenos culturais, porque a própria observação depende e é
determinada por alguma conceituação. Diante disso, torna-se
necessário o trabalho de definição conceitual do objeto de estudo,
cujo escopo deve ser configurado por um recorte teórico preciso.
Para tanto, é necessário adotar previamente uma abordagem
teórica para determinar a coerência do escopo adotado no estudo
proposto.

Definir conceitualmente e operacionalmente. Qual o critério


para bom e ruim? Como decidir entre alto e baixo?

A legitimação auferida pela Epistemologia, ao delimitar o


objeto de estudo sob a prévia determinação da abordagem teórica
adotada, deve contemplar questões lógico-conceituais e também
questões éticas, as quais dizem respeito a todas as áreas de estudo.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 21


Saussure7 já defendia que a linguagem é social enquanto a fala
é individual. Na fala cada um escolhe seus significados. Ciência
enquanto discurso é a fala hegemônica dos cientistas, aceita dentro
da cultura definida por cada disciplina. A língua tem linearidade, o
pensamento não. O pensamento funciona como força estruturante
da língua. Um paradigma para Saussure é um modelo de uma
língua com todas as relações possíveis entre os signos.

Um paradigma científico é formado pelas falas hegemônicas. O


sintagma é a regra que hierarquiza os elementos na cadeia
sintagmática. Temos regras para formar frases que sejam aceitas
dentro de uma disciplina. A linguagem da ciência não admite
adjetivos e nem superlativos.

Como é pobre diante da poesia, pobreza evidenciada no


poema de William Butler Yeats (1865-1939) : “He wishes for the cloths
of heaven”8
Had I the heavens' embroidered cloths,
Inwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly, because you tread on my dreams.

A fala dos autores são fios que se entrelaçam na construção


desta obra. Trata-se, infelizmente, de uma pobre obra científica,
obrigada a se curvar diante de regras impiedosas. Quantitativos,
comedores de números e qualitativos, que tentam suavizar a triste
prosa acadêmica. Saudades dos gregos antigos que escreviam suas
teses em rimas bem construídas.

7
Ver em SAUSSURE, Ferdinand de; Curso de Linguística Geral. São Paulo, Editora
Cultrix, 2000.
8
Desejos sobre o tecido dos céus: Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,/
Envolvidos com luz dourada e de prata,/ O azul, o dégradé e os tecidos escuros/ Da
noite, da luz e da meia-luz, / Eu espalharia estes tecidos sob os seus pés: / Mas eu,
sendo pobre, tenho apenas sonhos; / Espalho, pois, meus sonhos sob seus pés; / Pise
suavemente, porque você pisa em meus sonhos.

22 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Como Debussy, que é visto como um compositor interessado
na cor e no timbre se interessava por modelos matemáticos, assim
ciência e arte não precisam ser vistas como excludentes (ainda mais
quando se busca uma interdisciplinaridade). O primeiro movimento
de La Mer tem 55 compassos, que é um número da sequência de
Fibonacci (desenvolvida em 1202 por Leonardo de Pisa). Einstein
dizia ter sonhado em criança em viajar num raiozinho de luz.

2. Epistemologia e os trabalhos científicos

Fazemos a ciência com fatos, como fazemos uma casa


com pedras; mas a acumulação de fatos não é ciência,
assim como um monte de pedras não é uma casa
(Poincaré).

A palavra “Epistemologia” descende do termo grego episteme


que "significa ciência por oposição a doxa (opinião) e a thechné
(arte ou habilidade)”. A terminação logia descende de logus que,
em grego, significa teoria, conceito, ou mesmo, ideia e palavra
(JAPIASSU e MARCONDES, 1990, p. 82).

Epistemologia, portanto, é uma área de estudo cujo objeto é o


próprio conhecimento científico. Pois, abriga o estudo crítico dos
princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, que
se destina a determinar a sua origem lógica, o seu valor científico e
a sua necessidade (BACHELARD, 1983).

Para alguns, entretanto, Epistemologia estuda o conhecimento


em geral de um ponto de vista filosófico, sendo considerada, no
mundo Anglo-Saxônico, sinônimo de “Gnosiologia” (Quadro 2.1).
Para outros, em países como Itália, França e na América Latina,
Epistemologia se restringe ao estudo do conhecimento científico,
sendo considerada Filosofia da Ciência, Teoria da Ciência ou Teoria
da Investigação Científica.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 23


A área de Epistemologia, portanto, deve se ocupar dos
fundamentos que validam o conhecimento científico como um todo
ou com aspectos que servem à validação de um determinado
campo de estudos ou mesmo de um único trabalho científico. Uma
teoria sobre “teorias científicas” oferece uma metalinguagem ou
meta-teoria, que permite descrever adequadamente a linguagem
objeto ou a teoria-objeto.

É necessário um sistema externo ou um meta-conhecimento,


para que se possa lidar com as distintas perspectivas que
condicionam o próprio processo do conhecimento científico.

Os “Enfoques Epistemológicos de Padrón” (2007), com base


nas categorias Idealismo/Realismo e Empirismo/Racionalismo
(Quadro 2.1), consideram que as variações observadas nos
processos de produção científica obedecem a determinados
sistemas de convicções acerca do que é conhecimento e de suas
vias de produção e validação. Esses sistemas assumem caráter
universal, porque são pré-teóricos e não se alteram no percurso
histórico, sendo que em certos momentos ou lugares um prevalece
porque é mais valorizado que o outro.

VARIÁVEL VARIÁVEL GNOSEOLÓGICA


ONTOLÓGICA EMPIRISMO RACIONALISMO
 Etnografia  Interpretações livres
 Indução reflexiva  Argumentação reflexiva
IDEALISMO
 Estudos participantes

 Medições  Abstrações
 Experimentações  Sistemas lógicos matemáticos
REALISMO
 Indução controlada  Dedução controlada

Quadro 2.1 Perspectivas Epistemológicas


Fonte: Padrón Guíllen, 2007

24 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A variável ontológica se refere às convicções acerca da relação
do sujeito com a realidade. Os idealistas acreditam nas coisas
mentais, sendo que os mais radicais duvidam até de que exista
qualquer coisa fora da mente humana. Por exemplo, os psicólogos
cognitivistas enfatizam a importância das “representações”, como
base do comportamento humano.

Idealismo9 é uma corrente filosófica de base platônica, mas


emergiu de maneira metódica com o advento da modernidade.
Pois, a centralidade do pensamento ou da subjetividade foi
fundamental para Descartes anunciar a síntese de sua descoberta:
cogito ergo sum (penso logo existo).

A realidade do mundo conhecido como produto da mente foi


também defendida por Immanuel Kant (1724-1804) e por Friedrich
Hegel (1770-1831), entre outros pensadores.

Por Realismo10, entende-se a família das doutrinas


(ontológicas, éticas, estéticas e outras), que asseveram a existência
das coisas materiais e dos valores no mundo exterior, fora das
subjetividades ou dos psiquismos humanos. Por outro lado, na
perspectiva antirrealista, as coisas e os valores estão imersos nas
mentes humanas, sendo que não existe um mundo exterior
acessível ao ser humano.

9
Do ponto de vista da problemática do conhecimento, o termo Idealismo engloba
diferentes correntes de pensamento que têm em comum a interpretação da
realidade do mundo exterior ou material em termos do mundo interior, subjetivo ou
espiritual. Idealismo implica na redução do objeto do conhecimento ao sujeito
conhecedor; e, em um sentido ontológico, equivale à redução da matéria ao
pensamento ou ao espírito. O idealismo radical acaba por levar ao solipsismo
(JUPPIASSU e MARCONDES, 1990, p. 98).
10
Como concepção filosófica, Realismo considera a existência de uma realidade
exterior, determinada, autônoma e independente do conhecimento que se pode ter
sobre ela. Na perspectiva realista, o conhecimento verdadeiro seria a coincidência ou
correspondência entre nossos juízos e essa realidade. As principais dificuldades
relacionadas ao realismo dizem respeito precisamente à possibilidade de acesso a
essa realidade autônoma e predeterminada e à justificação dessa correspondência
entre mente e real (JUPPIASSU e MARCONDES, 1990, p. 164).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 25


A variável gnosiológica se refere às convicções acerca da
“fonte” do conhecimento. O pensamento com base no Empirismo
acredita que o conhecimento é possível pela via dos sentidos. O
pensamento com base no Racionalismo, entretanto, considera que
os sentidos são imprecisos e enganosos e que somente pela razão é
possível atingir o conhecimento verdadeiro.

O termo Empirismo11 tem sua origem no grego empeiria,


significando “experiência sensorial”. De modo geral, o pensamento
empirista, de base aristotélica, defende que as ideias são
provenientes das percepções sensoriais ou sensações decorrentes
da visão, da audição, do tato, do paladar e do olfato.

Reafirmando o pensamento de Aristóteles (384-322 a.C.), o


filósofo inglês John Locke (1632-1704), fundador do Empirismo
moderno, assinala que “nada vem à mente sem ter passado pelos
sentidos”.

O termo Racionalismo12 deriva do latim ratio, significando a


razão que, nos seres humanos, é determinante da capacidade de
raciocinar e de julgar.

11
O termo Empirismo (fr. empirisme) denomina a doutrina ou teoria do
conhecimento segundo a qual todo conhecimento humano deriva, direta ou
indiretamente, da experiência sensível externa ou interna. O empirismo,
notadamente de Locke e de Hume, demonstra que não há outra fonte do
conhecimento senão a experiência e a sensação (JUPIASSU e MARCONDES, 1990, p.
61).
12
Doutrina que privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas,
considerando-a como fundamento de todo conhecimento possível. O racionalismo
considera que o real é em última análise racional e que a razão é, portanto capaz de
conhecer o real e de chegar à verdade sobre a natureza das coisas. Segundo Hegel:
“Aquilo que é racional é real, e o que é real é racional”. Contrariamente ao empirismo
o racionalismo designa doutrinas bastante variadas suscetíveis de submeter à razão
todas as formas de conhecimento (JUPIASSU e MARCONDES, 1990, p.162).

26 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


O estudo sobre o pensamento sistemático propõe o
desenvolvimento da área de Lógica, cujos conhecimentos são
usados para a compreensão do pensamento e para promover
aqueles que sejam lógicos. O pensamento racionalista prioriza a
razão como fonte do conhecimento. Entretanto, mesmo a doutrina
positivista, que indica a realidade objetiva ou material como objeto
da ciência, considera a necessidade da razão e dos artifícios lógicos
para a organização e a interpretação sistemática do mundo
sensível.

A ciência utiliza-se de estudos teóricos e da prática para


produzir novas teorias científicas. Isso determina sua finalidade. Os
processos de pesquisa científica são registrados em documentos
escritos que, de maneira sistemática e coerente, relatam os estudos
e pensamentos desenvolvidos; os procedimentos realizados, e os
resultados alcançados.

Por exemplo, o estudo ou a pesquisa desenvolvida por


estudantes nos cursos de mestrado ou doutorado são propostos no
documento conhecido como “projeto de pesquisa” e relatados no
documento denominado como “relatório de pesquisa”.

O projeto é o documento inicial que (1) apresenta; (2) justifica;


(3) prevê, e (4) propõe de modo organizado os procedimentos de
pesquisa.

O relatório (1) retoma os dados do projeto; (2) desenvolve a


teoria que justifica e explica a pesquisa; (3) relata os procedimentos
desenvolvidos durante a pesquisa; (4) relaciona o que foi proposto
no projeto com o que foi realizado e encontrado na pesquisa; (5)
apresenta os resultados alcançados na pesquisa.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 27


Um relatório de pesquisa pode ser apresentado em diferentes
formatos, de acordo com sua natureza e finalidade. Nos cursos de
mestrado, os relatórios são apresentados em formato de
dissertação e nos cursos de doutorado em formato de tese. Para
cada formato, há especificações sobre a organização dos itens do
conteúdo e da forma, de acordo com as normatizações adotadas ou
propostas pela instituição de ensino. Porém, de maneira geral, um
relatório pode ser feito no formato de monografia, de relatório
técnico-científico ou de relatório descritivo-analítico.

A monografia é o formato comumente utilizado para relatar


estudos teóricos. O relatório técnico-científico é adotado no relato
de experimentos, de desenvolvimento tecnológico ou de pesquisas
aplicadas. O relatório descritivo-analítico é usado para relatar
diagnósticos, como pesquisas de campo ou outros estudos de
caráter descritivo.

Para o registro e a descrição objetiva dos estudos e das


pesquisas, ao longo da história, foram desenvolvidas diversas
linguagens, como escrituras alfanuméricas, representações
pictográficas, e outras, para expressar conceitos, descrever
procedimentos e resultados. Como todas as ideias e teorias, as
informações e os conhecimentos científicos dependem da mídia e
de formas expressivas ou perceptíveis, para serem transferidos ou
comunicados de uma consciência ou de uma mente para outra.

Todo trabalho científico, entretanto, requer primeiramente o


planejamento epistemológico, para embasar os pensamentos e os
procedimentos metodológicos. Pois, esse tipo de planejamento
considera: (1) o tema da pesquisa; (2) o objeto da pesquisa; (3) o
escopo da pesquisa; (4) o problema da pesquisa. A partir disso,
compõe-se o campo epistemológico, com a organização
cooperativa das áreas do conhecimento e das teorias, que devem
ser coerentemente envolvidas e interagentes no desenvolvimento
da pesquisa. Isso configura a abordagem teórica necessária para a
validação lógica ou factual de uma hipótese ou para a realização de
um diagnóstico, de maneira teórica e metodologicamente
consistente.

28 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Aristóteles (384-322 a. C.) escreveu seus estudos de Lógica,
para tratar das formulações e da expressão dos pensamentos
verdadeiros. Mas, escreveu também seus estudos de Retórica, como
a arte das expressões sedutoras e convincentes, que não são
necessariamente comprometidas com a verdade.

A atividade científica toma por base o discurso lógico, que é


caracterizado (1) por sistematização do contexto; (2) por coleta e
organização dos dados empíricos e teóricos; (3) por ordenação
sistematicamente ordenada e crítica dos dados, de acordo com sua
ocorrência e com suas relações; (4) por análise dos dados em
particular e em conjunto, estabelecendo um processo de
interpretação e representação coerente dos dados com os
parâmetros teóricos previamente indicados.

Os fenômenos observados e designados como dados da


realidade pesquisada configuram o “corpus de pesquisa”. Porém, os
fenômenos pesquisados devem ser conceitualmente ordenados e
interpretados. Os conceitos ou dados teóricos escolhidos
configuram o “corpus teórico” da pesquisa. Assim, os dados
observados somente produzem sentidos ou ganham significados
quando são interpretados de acordo com pressupostos teóricos
coerentes.

A interpretação é mais eficaz, na medida em que o recorte


teórico seja mais coerente. Por isso, é necessário evitar o “ecletismo
teórico”, ou seja, a mistura de conceitos ou teorias contraditórias,
porque isso provoca perturbações e descontrole no processo
interpretativo. Este é um dos desafios maiores da práxis
interdisciplinar, causa maior de conflito entre os defensores e
opositores a esta corrente.

Morin13, repetimos para efeito de ênfase, chama os


interdisciplinares de contrabandistas de saberes, ao se apropriarem
de conhecimentos pertencentes a diferentes disciplinas, muitas
com predileções metodológicas diversas e mesmo conflitantes.

13
MORIN, Edgar. O método 4: as ideias. Porto Alegre: Sulina, 1998 e O método 1: a
natureza da natureza. Porto Alegre: Sulina, 2ª edição, 2003

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 29


No projeto e no relatório de pesquisa, os dados observáveis ou
empíricos e, também, os dados conceituais devem ser descritos de
modo coerente com os objetivos da pesquisa. No caso de trabalhos
hipotético-dedutivos, a coerência dos dados é necessária para
confirmar ou refutar a hipótese anteriormente proposta (DUTRA,
1998, p. 57-69).

A base do trabalho científico é a “sistematização”, ou seja, a


organização lógica, sistemática e coerente dos dados apresentados
na descrição e na interpretação do processo de pesquisa. Isso
evidencia a assertividade das conclusões apresentadas, de acordo
com o sistema proposto na estruturação da pesquisa.

No contexto teórico do “empirismo lógico”, como doutrina


proposta no Círculo de Viena, Dutra (2003) considera a relação entre
os conceitos proposta por Carnap (1891-1970), no processo de
sistematização dos dados da pesquisa. Assim, é indicado que os
conceitos mais básicos são diretamente referentes aos dados
observados. A partir dessa base, são propostos conceitos ainda
mais abstratos, os quais são considerados de “segundo nível”.
Porém, esses últimos são legitimados se puderem ser reduzidos a
conceitos do nível básico.

Por exemplo, o conceito de “dilatação dos metais” é


embasado nos conceitos de ampliação ou redução de medida de
comprimento, sendo que isso é empiricamente confirmado todas
as vezes que se aquece ou resfria um fio de metal.

Nessa perspectiva, a falta de coerência factual com dados da


realidade, torna evidente o sofisma, como falsa lógica, mesmo sob
uma relativa ordenação sistemática das relações teóricas. O
exemplo proposto por Carnap que é reapresentado por Dutra (2003)
considera o conceito-verbo “nadificar”, recuperando o argumento
filosófico de Martim Heidegger (1889-1976), de que “o nada
nadifica”. Apesar da função filosófica do argumento no conjunto
das reflexões heideggarianas, o conceito proposto não pode ser
confirmado por redução aos dados empiricamente observados.

30 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


O conceito de realidade pode ser diretamente relacionado aos
fenômenos observados. Porém, essa relação depende do contexto
teórico-doutrinário que define o campo ontológico-epistemológico
no qual o termo é utilizado. O termo “realidade” implica
conceituações complexas, diversificadas e especialmente relativas
ao contexto teórico-ontológico que, por sua vez, é adotado como
modelo de interpretação do mundo. Além disso, as doutrinas
modernas consideram que a relação entre ciência e realidade é
progressivamente aproximativa. Contudo, estima-se também que
nunca haverá a plena coincidência ou identidade entre o
conhecimento e a realidade.

Na visão de Charles Sanders Peirce (1839-1914), que é


demarcada pelo Pragmatismo14, a realidade é determinada por
aquilo que resiste e persiste à vontade da mente, diferindo dos
efeitos ou produtos da imaginação. Pois, esses podem ser excluídos
ou alterados em decorrência da ação mental, sem requerer esforços
físicos.

As produções mentais, como as alucinações, que resistem à


vontade de uma mente específica, não determinam a realidade
porque não são confirmadas pelo coletivo social.

O percurso de desenvolvimento dos sistemas teóricos de


representação e interpretação da realidade compõe a “Teoria do
Conhecimento”, sendo que essa apresenta dois momentos
fundamentais: (1) o primeiro foi dominado pela Filosofia e (2) o
segundo foi determinado pela Ciência.

14
Concepção filosófica, mantida em diferentes versões por, entre outros, Charles
Sanders Peirce, William James e John Dewey, defendendo o empirismo no campo da
teoria do conhecimento e o utilitarismo no campo da moral (...). A teoria pragmática
da verdade mantém que o critério de verdade deve ser encontrado nos efeitos e
consequências de uma ideia, em sua eficácia, em seu sucesso. A validade de uma
ideia está na concretização dos resultados que se propõe obter (JAPIASSU e
MARCONDES, 1990, p. 154).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 31


Atualmente, a reflexão e a validação dos sistemas teóricos de
representação e interpretação da realidade são atividades da área
de Epistemologia que é relacionada e, às vezes, indicada como
Teoria do Conhecimento.

Não há consenso sobre um único sistema teórico, como


também não há um único método de pesquisa. Isso determina
diversas epistemologias ou diferentes sistemas teóricos que, em
parte, são contraditórios entre si. Às vezes, isso provoca diferenças
intransponíveis, como já foi exemplificado por Isócrates, por volta
de 354 a. C., no texto “Uma definição de Filosofia” (in: Funari, 1995,
p. 81):
Aconselharia, pois, os jovens a dedicar algum
tempo a esses estudos sem, no entanto, deixarem
seus espíritos fenecer, e sem se afundar nas teorias
dos antigos sofistas. Dentre esses, um queria fazer
crer que o número de elementos é infinito,
Empédocles admitia apenas quatro combatentes
entre si, Íon apenas três, Alcmeon, dois,
Parmênides e Mêlissos tão-somente um. Gorgias
não admitia nenhum! Tais elucubrações parecem,
creio, estes malabarismos fúteis que apenas
servem para juntar, em torno de si, alguns
ignorantes. Pelo momento, contento-me com
estas palavras e conselhos, mas convém definir e
explicitar, a vocês, a sabedoria e a filosofia que
poderiam ser, lidimamente, reconhecidas como
tais. Minha opinião sobre elas é muitíssimo
simples: já que não é da natureza dos homens
adquirir uma ciência que nos daria, se nós a
possuíssemos, o conhecimento daquilo que se
deve dizer ou fazer; sendo isso impossível,
considero como sábios aqueles cujas opiniões são
capazes de encontrar, com maior frequência, o
melhor, e como filósofos todos aqueles que se
entregam aos estudos que lhe darão, o mais
rapidamente possível, um tal juízo.

32 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Na parte do texto que foi apresentada acima, Isócrates propõe
a busca de uma filosofia coerente para orientar pensamentos e atos
na direção do melhor possível. Para ele, a realidade decorre da
consciência adquirida de que os sinais do mundo, quando
apreendidos de maneira inocente, não informam com clareza a
respeito do que deve ser dito ou feito. Cabe aos filósofos criar ou
buscar, junto a Religião, a Filosofia, a Ciência ou outras fontes de
conhecimento, os conceitos para interpretar (como acreditam
alguns) ou representar (como defendem outros) o que é a realidade
e o que se deve dizer ou fazer diante dos fatos.

Quanto mais o conhecimento e a tecnologia avançam, mais a


realidade se mostra ampla e complexa, como no caso do estudioso
que passou toda sua vida observando e descrevendo uma folha que
caíra de uma árvore.

Ele começou descrevendo o contorno minuciosamente. Em


seguida, passou a descrever a superfície da folha sem deixar
escapar qualquer detalhe. Gastou semanas, meses e anos, numa
tarefa cada vez maior. A folha transformava-se todos os dias. Por
isso, ele passou a descrever o processo de decomposição de seu
objeto de estudo. Já bem velho, o estudioso sentia-se orgulhoso
junto a uma pilha de papéis em que estavam descritas todas as
suas observações. Agora, ele conhecia todo o processo de
decomposição da folha, mesmo desconhecendo toda a sua
existência como parte viva da árvore. No recipiente a sua frente,
estava o pó que representava os restos da folha. Porém, no
momento de seu triunfo, alguém ofereceu ao velho estudioso um
microscópio.

A ciência do século XIX era uma ciência de coisas (tudo era


matéria).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 33


O século XX começa com a descoberta de que tudo é energia,
afinal e = mc2 reza a famosa equação de Einstein, e como h = c15,
então, tudo é vibração e matéria não passa de energia aprisionada.
É como se a Retórica, a bela, tantas vezes criticada pela Lógica,
pretendesse se libertar. O século XXI vai além. Afirma que tudo é
informação.

A árdua tarefa de quantificar e descrever os fenômenos


observáveis retira da literatura de ficção os contadores de estrelas,
transformando-os em astrônomos. Do mesmo modo, pode-se
lembrar do coletor de palavras para compor um dicionário, no
contexto da narrativa “Pequeno Príncipe” de Saint Exupèrry (1973).

Os sentidos percebem as coisas que se expressam em


consonância com as possibilidades perceptivas, estabelecendo
parâmetros circunstanciais de realidade relacionados a coisas,
fatos e eventos. Esses fenômenos persistem em existir diante da
eventual disposição da mente de ignorá-los. Mas, também, além de
complexos e inconstantes, os fenômenos ainda resistem em se
revelar integralmente. Parte dos seus aspectos expressivos escapa à
percepção natural.

Isso é verificado todas as vezes que uma nova invenção, como


o telescópio ou o microscópio, amplia a percepção natural,
ampliando também o que é percebido como realidade fenomênica.

Porém, de maneira recorrente, a observação e a razão


sistemática encontram princípios estruturadores coincidentes ou
isomórficos com a suposta ordem fenomênica. Isso possibilita que
filósofos e cientistas prevejam a existência de fenômenos que ainda
não foram observados. Por exemplo, a existência dos átomos e das
células foi considerada muito antes que esses elementos pudessem
observados.

15
Onde m é massa, c é a velocidade da luz, h é a constante de Planck e  é
frequência.

34 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Os fenômenos percebidos ou previstos recebem nomes e
significados, que compreendem a previsão de funções e de outras
propriedades ou relações, que são determinadas pela consciência
observadora sobre as coisas observadas. Desde os primórdios da
filosofia clássica, isso priorizou a razão conhecedora como
determinação da verdade das coisas conhecidas, compondo o
modelo dualista proposto por Platão (427-348 ou 347 a.C.). No
modelo, há um “sujeito cognoscente”, como consciência pensante,
capaz de conhecer ou produzir o conhecimento. Há, também, o
objeto cognoscível ou objeto de estudo, que é a coisa posta sob a
atenção ou a curiosidade do sujeito. O modelo dualista foi,
posteriormente, desenvolvido e sedimentado por Descartes e Kant.

Em síntese, o dualismo16 propõe a distinção entre o sujeito e o


objeto. A condição do sujeito prioriza a existência e a ação da
consciência ou da mente. Já a situação do objeto evidencia sua
condição de coisa, que é capaz de mobilizar a atenção e a
curiosidade da consciência ou do sujeito. Isso direcionou a contínua
separação entre corpo-objeto, como a coisa física e extensa, e o
espírito-sujeito, como a coisa mental, o pensamento.

16
Na filosofia, o termo “dualismo” é frequentemente empregado em referência a
Descartes, cujo sistema filosófico repousa no dualismo do pensamento e da
extensão: portanto, doutrina segundo a qual a realidade é composta de duas
substâncias independentes e incompatíveis (JAPIASSU e MARCONDES, 1990, p.57).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 35


As diferenças estabelecidas entre o sujeito e o objeto na Teoria
Dualista são contestadas na Teoria Monista. Pois, o monismo17
defende a identidade entre essas duas instâncias, devido à
existência de uma única substância e de uma única natureza, tanto
no espírito-sujeito quanto na matéria-objeto. Porém, de um ponto
de vista positivo-racionalista, a distinção entre o sujeito e o objeto,
tradicionalmente, favoreceu a sistematização da pesquisa
científica. Pois, na perspectiva positiva, o objeto científico é
composto pelas expressões prático-objetivas das vivências
espirituais ou mentais, que são materialmente ou fisicamente
manifestas. Portanto, podem ser experienciadas, observadas,
mensuradas e objetivamente descritas.

Figura 2.1 A dicotomia entre sujeito objeto.


Fonte: autoria própria

Especialmente nas pesquisas aplicadas, em que os resultados


práticos aparecem de maneira muito eloquente, é importante
considerar a questão epistemológica como um problema de
enunciação.

17
Diz-se de toda doutrina que considera o mundo sendo regido por um princípio
fundamental único. Em outras palavras, doutrina segundo a qual o ser, que só
apresenta uma multiplicidade aparente, procede de um único principio e se reduz a
uma única realidade constitutiva: a matéria ou o espírito (JAPIASSU e MARCONDES,
1990, p.133).

36 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A validação científica é uma questão teórica que ocorre no
âmbito da expressão conceitual, por meio da elaboração e registro
do discurso lógico-científico, que compõe o relatório de pesquisa.
Desde os filósofos clássicos da Antiguidade até os filósofos
neopositivistas da Modernidade a natureza teórica da ciência
instaura a questão que é recorrente na área de Epistemologia, ou
seja, a necessidade de coerência conceitual. Pois, em primeira e
última instância, a prova científica é aferida ao nível da
representação teórica.

3. Epistemologia e os métodos científicos.

Vamos respirar fundo, fazer uma pausa. Muitas palavras foram


usadas e, como se sabe, palavras são seres traiçoeiros que se
apresentam de diferentes maneiras tanto no tempo como no
espaço. Filósofos escreveram livros inteiros para contar a história
destas malandrinhas, como diria a Emília de Lobato.

Lembrei aqui de Martin Heidegger e sua “arete”. Palavras têm


vida e, dentro da polissemia de todas as épocas, navegam a deriva
em busca de significados sempre novos.

Heidegger18 apresenta uma primeira divisão da aletheuein (a


fala que se quer verdadeira honesta, sincera) em: (1) epistemonikon,
que se subdivide em episteme e sophia; e (2) logistikon, que se
subdivide em techne e phronesis. A fala dos cientistas pretende ser
uma aletheuein.

O epistemonikon diz respeito àquilo que é invariável, enquanto


o logistikon, àquilo que poderia ser de outro modo. O primeiro fala
de leis gerais, dos tão procurados universais da filosofia. O segundo
é relativista. Piaget já fala que o erro nada mais é do que a lógica do
outro, não hegemônica.

18
Ver em WU, Roberto. A ontologia da phronesis: a leitura heideggeriana da ética de
Aristóteles. Revista Veritas, v. 56, n. 1, jan./abr. 2011, p. 95-110 e em HEIDEGGER, M.
Plato’s Sophist. Bloomington & Indianopolis: Indiana Univ. Press, 2003.Heidegger,
2003.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 37


A phronesis (inteligência prática, um saber fazer)19 está situada
no campo do logistikon, visto que remete ao mundo da ação
humana, que não é de forma alguma invariável. Deliberar sobre o
que se supõe variável implica sempre uma relação entre aquele que
delibera e a ação que realiza.

Na interpretação de Heidegger, a phronesis não pode ter uma


“arete” (excelência, adaptação perfeita) visto que ela mesma é, em
si, uma “arete”.

Enquanto que na techne o indivíduo pode alcançar uma


determinada excelência a respeito daquilo que ele produz e, nesse
sentido, pode-se dizer que o indivíduo tem a “arete” a esse respeito,
na phronesis o ergon (algo feito ou construído) da ação é o próprio
agente.

Ao diferenciar a phronesis da episteme, Heidegger aponta para


o critério do esquecimento. O que se aprende pela episteme pode
ser esquecido, pois remete ao que é invariável. Mas, a phronesis é
“em cada caso novo” (Heidegger, 2003, p. 39). Uma falha de
phronesis não é uma falha de esquecimento. A fenomenologia fala
da phronesis, da subjetividade humana em ação.

19
Sophia seria uma inteligência teórica (um saber).

38 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Heidegger relaciona explicitamente a phronesis com a noção
de consciência:
[...] não estamos indo longe demais em nossa
interpretação ao dizer que Aristóteles chegou aqui
ao fenômeno da consciência. Phronesis não é nada
mais que consciência em movimento, tornando
uma ação transparente. Consciência não pode ser
esquecida. Mas é bem possível que o que é
desvelado pela consciência possa ser distorcido e
tornado ineficaz por hedone e lype, por meio das
paixões. Consciência sempre anuncia a si mesmo.
Justamente porque phronesis não possui a
possibilidade da leth20, não é um modo de
aletheuen que possa ser chamado conhecimento
teórico. (HEIDEGGER ,2003, p. 39)

Precisamos conceituar para diminuir a distância entre o


pensamento de quem escreve e a compreensão daquele que lê.
Essa é a intenção deste capítulo (uma phronesis), submetida à regra
maior da hermenêutica de que toda compreensão é uma
autocompreensão.

3.1. Sujeito e objeto

O primeiro filósofo a defender que as ideias antecediam às


vivências empíricas foi Platão (427-348 ou 347 a.C.), retomando e
renovando a teoria de seu professor, Sócrates (469-399 a.C.). De
acordo com o pensamento platônico, a “ideia” é mais que um
conhecimento verdadeiro, porque é em si mesma a própria
verdade.

Em sua doutrina, propõe a distinção entre o mundo das ideias,


que é inteligível e invisível, e o mundo dos reflexos, referindo-se aos
estímulos visuais, auditivos, táteis, odoríficos e gustativos, que são
oferecidos à percepção.

20
Esquecimento

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 39


O “Ser” é oriundo do mundo das ideias.

No caso do ser humano, sua passagem neste mundo sensível é


guiada por lembranças que seu espírito guarda do mundo das
ideias, o qual antecede ao mundo das experiências ou dos entes.
Séculos depois, no contexto da filosofia moderna, Descartes
consolida a separação entre corpo e mente e a consciência ativa do
ser humano assume a função precípua de “sujeito cognoscente” ou
“sujeito do conhecimento”, como instância capaz de conhecer. O
“objeto”, seja esse natural ou cultural, é uma entidade que se deixa
conhecer. Todavia, sob essa entidade objetiva, há o “Ser do objeto”,
que não é totalmente apreendido pelos sentidos, mas de maneira
mais assertiva é descrito pela mente ou consciência cognoscente.

Em Japiassu e Marcondes (1990, p. 142), o termo “objeto” é


indicado como descendente da palavra latina objectus, que é um
substantivo derivado do verbo objicere, indicando lançar algo ou
jogar para fora. O termo se refere ao que pode ser apreendido pela
percepção e pelo pensamento. Em geral, objeto é o que pode ser
percebido e pensado de modo distinto do próprio processo
pensante. Mas, de maneira específica, no processo de comunicação
entre o mundo e o ser humano ou entre seres humanos, o objeto é
externo à mente e pode ser apreendido pelos sentidos.

Assim, o que é externo à mente é objetivo e o que é interno,


como sentimentos e pensamentos, é subjetivo.

A condição de objeto é atribuída a qualquer coisa que está sob


a atenção do sujeito. Por exemplo, uma pedra ao ser observada
deixa de ser uma “coisa” no mundo e passa a ser “objeto” do sujeito
observador. Diante do espelho, o corpo físico do observador é
observado como objeto de sua mente.

Em Japiassu e Marcondes (1990, p. 38), o termo “coisa”


descende da palavra latina causa, como tudo que dispõe de
existência individual e concreta, podendo ser sinônimo de objeto.
Assim, quando destacada dos acervos do mundo material, a coisa é
algo objetivo e diferente da ideia, que é subjetiva. Para Descartes,
entretanto, coisa é sinônimo de substância, como aquilo que é por
si mesma, podendo ser de natureza material ou mental.

40 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Descartes indica a própria mente como coisa pensante
(res cogitans) e o corpo como coisa extensa ou mensurável
(res extensa). O termo “coisa” é aplicado singularmente a todas as
entidades individuais. Assim, apesar de ser por si mesma, como
também é a substância, a coisa se distingue como porção de
substância percebida individualmente.

O barro é uma substância material, enquanto um pote de


barro é uma porção individual dessa substância, sendo
primeiramente percebida como uma coisa. Considerando o
exemplo anterior, antes de ser observado, o pote de barro é uma
“coisa” no mundo. Mas, ao ser observado, o pote assume a
condição de “objeto”. Quando o observador considera a ordenação
formal ou inteligível do objeto, o pote é considerado “forma”
expressa, ideia objetivada ou informação. De acordo com a
informação percebida no objeto, o observador associa a
informação observada ao nome “pote”, promovendo o objeto à
condição de “signo” ou “símbolo”.

Após adotar e desenvolver a relação dualística entre sujeito e


objeto, a partir dessa relação, o percurso filosófico-científico
concebeu diferentes escopos investigativos. Entretanto, há três
modelos básicos que sustentam essas diferentes concepções
epistemológicas: (1) objetivismo; (2) subjetivismo, e (3)
interacionismo. Atualmente, a concepção interacionista prevalece
amplamente. Contudo, há diferentes modelos de interacionismo
que, mesmo propondo a interação, privilegia o objetivismo ou o
subjetivismo.

No objetivismo, é estabelecida a supremacia do objeto (ou do


mundo) sobre o sujeito, que é percebido como o elemento passivo
da relação ou como produto do mundo objetivo.

Assim, o sujeito assume uma atitude contemplativa frente ao


objeto e o conhecimento corresponde à transposição mental e à
descrição do mundo observado.

No subjetivismo, é estabelecida a supremacia do sujeito (ou da


mente) sobre o mundo-objeto.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 41


O conhecimento é determinado pela capacidade de
representação do sujeito que, necessariamente, não precisa
corresponder à realidade autêntica do mundo observado. Pois,
alguns consideram que a realidade é enganosa e outros acreditam
que é impossível conhecer a realidade extra-humana.

No interacionismo, é estabelecida a relação interativa,


dialética ou dialógica, entre o sujeito e o objeto, procurando
associar de maneira equivalente e interativa a teoria e a prática ou
o mundo pensado e o mundo observado.

3.2. Númeno e Fenômeno

Para Kant, a “coisa em si” é algo semelhante ao “Ser”


platônico, porque sua natureza e existência não podem ser
totalmente apreendidas, apesar de, em última instância, ser aquilo
que se busca conhecer. Portanto, Kant também propõem algo para
além das aparências, ou seja, das entidades perceptíveis. Para a
filosofia kantiana, a coisa em si é sinônima de noumeno ou
“númeno”, sendo aquilo que é incognoscível em sua totalidade. As
entidades perceptíveis são manifestações parciais da coisa em si
que, segundo Kant, não pode ser integralmente conhecida. Um ente
ou entidade perceptível é denominado por Kant como “fenômeno”.

Em Japiassu e Marcondes (1990, p. 75), o termo “fenômeno” é


apresentado como termo que descende da palavra grega
phainomenon, que é um substantivo decorrente do verbo
phainesthai ou aparecer. Desde sua origem o termo carrega
ambiguidade daquilo que aparece, mas, necessariamente, não
revela sua verdadeira condição.

Em sentido geral, indica tudo o que é percebido, aparecendo


aos sentidos e à consciência. De modo geral, fenômeno pode ser
tomado como sinônimo de objeto.

Segundo Vieira (in: SANTAELLA e VIEIRA, 1998, p. 154):

42 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


“no caso de um sistema humano (sujeito), os
processos são percebidos e codificados em alguma
estrutura cognitiva (cérebro ou consciência) e o
processo que passa a ser visto por essa interface
(estrutura cognitiva, cérebro ou consciência),
constitui o fenômeno”.

Assim, como no conceito de objeto, Vieira considera que o


fenômeno é a coisa percebida pelo sujeito, porém, utiliza a palavra
“processo”, indicando que o termo fenômeno considera as
modificações de estado do que é percebido durante um percurso
de tempo.

3.3. Método e Metodologia

Em Japiassu e Marcondes (1990, p. 130), o termo “método”


decorre do termo latino methodus e do grego. methodos, sendo
composto por meta, como “através de” e hodos, que designa
“caminho”, representando a expressão “ao longo do caminho”. No
campo científico denota o percurso de investigação, configurando
uma estrutura racional para a formulação e a verificação de
hipóteses.

Ciência Moderna é a área do conhecimento que, a partir do


século XV, distinguiu-se das áreas de Filosofia e Teologia que,
respectivamente, foram expressões dominantes do pensamento na
Antiguidade e na Idade Média. A razão científica é metódica,
tomando por base o experimentalismo de Galileu (1564-1642), a
generalização indutiva de Francis Bacon (1561-1626) e o
racionalismo de Descartes (1596-1650). Esse último foi o propositor
do método cartesiano, como o primeiro método moderno. A partir
de então, o conhecimento científico é caracterizado pelo uso do
“método”.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 43


Galileu, que ficou reconhecido como o primeiro filósofo do
método científico, utilizou-se amplamente dos sentidos, na sua
atividade experimental, mas não deu primazia às sensações. Pois,
pressupunha que a observação depende da razão e da teoria na
condução e na interpretação das experiências. Isso fez Galileu
adotar a Teoria Matemática, identificando-a com a estrutura de
ordenação do universo.

Assim, as ideias de Galileu, Bacon e Descartes fundaram o


modelo do método científico, com base em um empirismo lógico-
matemático, que perdurou hegemônico nas ciências naturais até
meados do século XX.

Considerou-se o experimentalismo de Galileu, o empirismo


indutivo de Bacon e o racionalismo matemático de Descartes,
assinalando-se que a mensuração de quantidades e distâncias
oferece dados mais estáveis e lógicos do que a descrição das
qualidades dos fenômenos observados.

Atualmente, há três tipos básicos de métodos científicos,


sendo que dois são considerados clássicos, sendo um desses (1) o
método dedutivo (subjetivista) e o outro (2) o método indutivo
(objetivista). Porém, ambos podem ser compostos de maneira
integrada. Entre as possibilidades de integração, há o (3) terceiro
método básico (interacionista), que é denominado como método
interpretativo.

O primeiro, o método dedutivo, é composto e ordenado para


evidenciar uma hipótese a partir de silogismos ou procedimentos
lógicos, como no exemplo clássico, cuja hipótese propõe que
“Sócrates é mortal” e a dedução se desenvolve da seguinte
maneira: “todo homem é mortal, Sócrates é homem, portanto,
Sócrates é mortal”.

A crítica clássica ao dedutivismo, com base no mesmo


exemplo proposto anteriormente, assevera que não há como
considerar “todo homem mortal”, porque ainda não morreram
todos os homens.

44 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Assim, a base do dedutivismo é uma generalização indutivista.
Trata-se, pois de uma falácia lógica, conhecida como
“generalização apressada”. Pois, tendo em vista que morreu cada
um dos homens que viveram, por exemplo, até cerca de 120 anos
antes dos homens que estão vivos neste momento, generaliza-se
prospectivamente que, individualmente, todos os homens
morrerão. Basta, no entanto, um contra exemplo para que milhares
de anos de evidências se tornem em nada.

Atualmente, questões como essa são tratadas através de


processos estatísticos e probabilísticos. Assim, é possível considerar
a probabilidade estatística e indicar uma porcentagem de chance
que, individualmente, todos os homens irão morrer e, também,
uma porcentagem de chance para que ocorra a morte coletiva e
simultânea de todos os homens, entre outras possibilidades.

O método hipotético-dedutivo, via de regra, parte de uma


proposição geral, que já é aceita pela coletividade acadêmica,
como uma lei científica, uma fórmula matemática ou uma
sentença. Por exemplo, a teoria da informação de Claude
Shannon (1916-2001) declara que “quanto maior o repertório de
uma mensagem, menor é sua audiência”. A partir dessa proposição,
pode-se propor o exemplo de uma estação de rádio que sofre
baixos índices de audiência. Sobre esse exemplo, é possível
formular a seguinte hipótese: “o número de ouvintes da rádio é
pequeno, porque o público não dispõe de repertório suficiente para
aderir à sua programação”. A hipótese permite uma proposição
específica, sugerindo que a programação da rádio deve ser mais
redundante e acessível. Pois, se a audiência da rádio é pequena.
Logo, o repertório veiculado pela rádio é muito grande ou
complexo, diante do repertório do público potencial. Para
comprovar a hipótese é necessário confirmar a causa do problema
e testar a solução prevista, a partir de diferentes tipos de pesquisa
científica.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 45


O segundo, método indutivo, serve especialmente para se
realizar um diagnóstico a partir da observação direta de uma
situação. O exemplo clássico considera que se “um corvo é preto, o
segundo corvo é preto, o terceiro corvo também é preto e assim por
diante. Logo, todos os corvos são pretos” ou a cor preta é um dos
aspectos que caracteriza os corvos como um tipo específico de
pássaro. O método indutivo parte da observação do fenômeno em
busca de recorrências que identifiquem os problemas e as causas
dos problemas encontrados na pesquisa. O exemplo da estação de
rádio que sofre baixos índices de audiência, percebido sob o
método indutivo propõe-se a observação dos elementos
perceptivos relacionados aos índices de audiência, observando as
recorrências e estabelecendo relações de causa e consequência,
apresentando um diagnóstico da situação da rádio; da situação do
público, da situação do público com relação à rádio e vice- versa.

A dificuldade do método indutivo é a determinação da


amostra que permita a generalização. Pois, é necessário evitar a
falácia lógica, conhecida como “generalização apressada”.
Atualmente, recorre-se também à estatística para a determinação
da amostra.21

O terceiro, método interpretativo, considera aspectos


subjetivos e intersubjetivos que interferem na percepção da
realidade, sendo consolidado a partir da revolução fenomenológica
iniciada por Franz Clemens Brentano (1838–1917), que se
desenvolveu desde o final do século XIX, estendendo-se por todo o
século XX.

21
De fato, a amostra deveria ser infinita. Da mesma forma que seria impossível
aguardar a morte de todos os homens, bastaria um corvo branco para demonstrar a
falsidade da minha generalização de que todos os corvos são pretos.

46 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


O método dialético-interpretativo parte da observação do
fenômeno, mas considera que a observação se estabelece a partir
de vivências ou conhecimentos anteriores, fazendo interagir
aspectos objetivos e subjetivos. Além disso, os objetos ou
fenômenos estudados, especialmente no campo das ciências
humanas e sociais, mostram-se também sob a influência de fatores
subjetivos, fatores simbólicos e outros fatores contextuais.

Podíamos falar, ainda, de um quarto método, o abdutivo. Se a


teoria “X” fosse verdadeira, então poderíamos explicar tais e tais
eventos.

Denomina-se como “metodologia” a área de estudo do


método, que trata dos métodos em geral, dos métodos científicos
ou de um método específico para uma determinada pesquisa. Um
método científico propõe e organiza o conjunto de procedimentos,
que viabiliza o processo de pesquisa em busca deste tipo de
conhecimento. O uso do termo “procedimento” indica que o
método organiza as ações mentais e factuais, envolvendo as
atitudes intelectuais e as ações práticas.

O método propõe, primeiramente, formalizar logicamente as


ações do pensamento. Para tanto compõe um “corpus teórico”,
reunindo um conjunto de conceitos retirado de teorias coerentes
entre si, integrando-os por meio de relações pré-determinadas.

Por exemplo, a teoria Dialética clássica propõe a adoção dos


seguintes conceitos: “tese”, “antítese” e “síntese” e certos
procedimentos, como a confrontação e a interação das
proposições, que representam esses conceitos. As ideias da tese
devem ser confrontadas com as ideias da antítese de modo
interativo, para que sejam compostas as ideias síntese.

As ações práticas para a determinação, o reconhecimento e a


exploração do campo de observação do fenômeno e para a coleta,
a ordenação e a interpretação dos dados também são previstas no
método, compondo o “corpus de pesquisa”, como “objeto
empírico” da pesquisa.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 47


Essa separação e configuração das partes da pesquisa, como
corpus teórico e corpus de pesquisa, organizam o trabalho e o
relatório de pesquisa. Assim, independente de quantos capítulos
irão compor o texto do relatório descritivo-analítico, esse
documento é estruturalmente dividido em quatro partes:
(1) descrição do corpus teórico; (2) descrição do corpus de pesquisa;
(3) apresentação, justificativa e descrição do método, e
(4) interpretação do corpus de pesquisa, de acordo com os
pressupostos teóricos adotados.

A metodologia indica os procedimentos gerais para o


desenvolvimento da pesquisa, estabelecendo o “como fazer”.
A epistemologia justifica teoricamente a pesquisa, indicando sua
validação ao estabelecer o “por que do fazer”. As pesquisas são
respaldadas por uma fundamentação histórico-filosófica, ou seja,
por um conjunto de ideias para explicar as causas, justificar os
objetivos propostos e os procedimentos desenvolvidos.

O caráter epistemológico ou sistemático do método científico


é garantido pela possibilidade de outro sujeito, seguindo os
mesmos passos de um primeiro, confirmar ou refutar a evidência
científica.

Assim, o processo de pesquisa deve ser composto e descrito de


modo que outro pesquisador possa percorrer as mesmas etapas
lógicas e experimentais, conferindo de modo crítico os
procedimentos desenvolvidos e as conclusões decorrentes.

3.4. Ciência

Segundo Morin e Moigne (2000), com base em Aristóteles, a


ciência moderna fundamentou sua lógica sobre quatro pilares:
(1) o primeiro é o princípio de ordem; (2) o segundo e o princípio de
separação; (3) o terceiro é o princípio de redução, e (4) o quarto é o
caráter absoluto da lógica indutiva-dedutiva-identitária.
(MORIN, 2001)

48 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Demócrito (460- 370 a.C), discípulo de Leucipo, dizia que:
“sensações correspondem a passagem de átomos de objetos
através dos órgãos dos sentidos em direção a alma, que, como tudo
o mais, também seria constituída por átomos”22. Já vemos aí uma
tentativa de integrar a visão fenomenalista com aquela que fala da
percepção sensorial. Sextus Empiricus, um cético, atribuía a
Demócrito a afirmação: “Doce e amargo, frio e quente, existem
somente por convenção; na realidade só o que existem são os
átomos e o vazio”. A crítica aristotélica sustentava que nenhum
conhecimento sobre os objetos adviria de uma filosofia totalmente
materialista.

De modo geral, a ciência estuda os fenômenos físicos ou


mentais, com o objetivo de conhecê-los. Em princípio, o objetivo da
ciência é o conhecimento, cujo valor está em si mesmo. Os
produtos específicos da ciência são teorias, como conjuntos de
conceitos ou ideias, que explicam e justificam os fenômenos
estudados.

Em Japiassu e Marcondes (1990, p. 35), o termo “ciência” é


indicado como decorrente da palavra latina scientia, que significa
saber ou conhecimento. A ciência é uma modalidade do
conhecimento, que busca explicar de modo objetivo e sistemático a
realidade. Faz isso ao estabelecer relações universais, passíveis de
controle lógico ou experimental, entre os fenômenos observados.

O conhecimento científico é distinto do saber do senso comum


devido à sua natureza teórica e genérica, partindo da experiência
para a teoria e do particular para o geral.

22
Encyclopaedia Britannica. Macropedia. Livro 6, p. 937

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 49


O conhecimento de senso comum permanece restrito ao caso
particular. Assim, um homem que há muito trabalha esticando
cercas de arame, em decorrência de seu bom senso, sabe que o
trabalho deve ser feito em dias quentes para, posteriormente, o
arame permanecer firme e esticado. Ao estudar o fenômeno, a
ciência constatou que, nos dias quentes, o arame está dilatado e,
sendo bem esticado nesses dias, tende a ficar ainda mais esticado
nos dias frios. O estudo de outros casos particulares, como o deste
exemplo, permitiu a generalização indutiva que, posteriormente,
propôs a teoria geral da dilatação dos metais, composta por
fórmulas matemáticas e outros elementos teóricos ou abstratos.

As teorias do conhecimento, quando sistematizadas, formam o


conjunto das lógicas epistêmicas, cuja forma canônica é dada pelo
diálogo Teeteto23 de Platão (427-348 ou 347 a.C.), indicando a ideia
tradicional de conhecimento como “crença verdadeira justificada”.
( )↔ ( ) ( )

Equação 3.1. Fórmula do conhecimento


Fonte: Teeteto de Platão

A fórmula do conhecimento (Equação 3.1) propõe que um


agente “A” conhece (K) uma proposição “p”, se e somente se, a
proposição exista, o agente “A” acredita nesta proposição “p” e a
justifica (J), utilizando uma metodologia aceita.

23
No diálogo aparece pela primeira vez de forma explícita o confronto entre verdade
e relativismo. Platão procura desmentir os sofistas que afirmavam os sentidos como
determinantes do conhecimento. Do diálogo provém a definição tradicional do
conhecimento como “crença verdadeira justificada”.

50 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Figura 3.1 Conhecimento como crença verdadeira e justificada.
Fonte: autoria própria

A ideia de “crença” é proposta porque, há muito tempo, sabe-


se da impossibilidade da plena comprovação definitiva de qualquer
“verdade”. Porém, quem professa sua crença científica deve
“verdadeiramente” acreditar, sendo convicto daquilo que defende.
Por isso, a crença é verdadeira, sem necessariamente haver plena
verdade naquilo em que se acredita. Porém, o acreditar
verdadeiramente deve ser logicamente justificado, sem decorrer de
um ato de fé. Assim, quem professa uma crença científica deve
justificá-la de maneira lógica, com coerência teórica e consideração
pelos dados empíricos.

Houve inúmeras tentativas frustradas de descoberta ou


criação de parâmetros objetivos e definitivos, para validar o
conhecimento científico. Houve também muitos progressos nesta
direção. Porém, não se chegou à solução plenamente eficiente ou
ao consenso universal, havendo inclusive consensos parciais sobre
conjuntos de parâmetros diferentes e contraditórios entre si. Por
isso, a validação dos estudos, das pesquisas e do conhecimento
produzido, depende de justificativas e aceitação.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 51


As justificativas são coerentemente apresentadas por um
estudioso-pesquisador ou por uma equipe de pesquisa e devem ser
aceitas como válidas por um grupo maior de pesquisadores, entre
esses, há cientistas, filósofos e outras personalidades ou
instituições influentes no processo de validação.

Como foi dito anteriormente, há uma ampla linhagem positiva


que construiu o processo de aceitação ou validação do
conhecimento científico, com base nos estudos dos objetos
observáveis e nas convenções lógico-matemáticas.

Na ciência moderna, isso estabeleceu um longo percurso, cujo


início é o trabalho de Galileu, atingindo sua versão mais avançada,
com base nas concepções do grupo de epistemólogos do “Círculo
de Viena”. Assim, são propostos recortes teóricos como empirismo-
realista, neopositivismo e neocondutivismo, entre outros.

Paralelamente à abordagem empirista, inclusive, subsidiando-


a com seus conhecimentos, ocorreu o processo de aceitação ou
validação do conhecimento científico, com base nos objetos
calculáveis ou pensáveis.

O início dessa abordagem na ciência moderna foi demarcado


pelo pensamento de Descartes, que evoluiu propondo o recorte
teórico do racionalismo-realista, que foi contemplado no
pensamento de Einstein, Popper e Chomsky, entre outros.

Os estudos da subjetividade, entre outros, demandaram a


aceitação e a validação do conhecimento científico com base nos
estudos dos objetos que podem ser intuídos. Isso plantou as raízes
da ciência pós-modernista ou contemporânea no contexto cultural
do conhecimento modernista, já que esse último foi determinante
na quase totalidade do século XX. Os recortes teóricos resultantes
foram: racionalismo-idealista, hermenêutica, criticismo
frankfurtiano, entre outros.

52 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


3.5. Arte e Técnica

Em Japiassu e Marcondes (1990, p. 18), a “arte” é indicada


como o campo do fazer complementando a ciência que é o campo
do pensar ou da teoria. Em princípio, a palavra “arte” foi sinônima
da palavra “técnica” e, posteriormente, serviu para nomear um tipo
de fazer mais amplo e complexo, apesar de utilizar-se da técnica
como instrumento de atuação. A palavra “arte” descende da
palavra latina ars, que significa talento, ação ou saber fazer. Assim,
atualmente, a arte é compreendida como um “fazer criativo”, que
organiza e utiliza técnicas e procedimentos na proposição de
atividades, processos ou produtos poéticos.

De acordo com Aristóteles (384-322 a.C.), como campo do


saber prático, a arte se difere conceitualmente da ciência e também
da natureza. “A natureza é princípio da coisa mesma e a arte é
princípio em outra coisa” (JAPIASSU e MARCONDES, 1990, p. 18).
Assim, a natureza produz, por exemplo, as bananas (a coisa
mesma), a arte produz o doce de bananas (a outra coisa).

O recorte inicial e geral, que diferencia a arte da ciência, indica


que cabe à arte as atividades e os produtos da prática cultural,
enquanto à ciência cabe a parte teórica da cultura.

A praxis diz respeito a cultura, que não pode ser concebida


nem como um universal, nem como algo destacado de sua relação
com a totalidade. Aristóteles afirma na Ética a Nicômaco que:
[...] julga-se que é cunho característico de um
homem dotado de phronesis o poder de deliberar
bem sobre o que é bom e conveniente para ele,
não sob um aspecto particular, como, por
exemplo, sobre as espécies de coisas que
contribuem para a saúde e o vigor, mas sobre
aquelas que contribuem para a vida boa em geral
(eu zen holos).

A ação não é apenas parte ou todo, mas uma relação entre os


dois.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 53


Outro recorte mais específico separa a arte da técnica,
diferenciando as artes poéticas das artes mecânicas e, portanto,
separando a técnica da poética. Essa última, manifesta o traço
intuitivo-criativo ou poético, diferenciando o artista do técnico. Por
fim, um recorte muito específico distingue as belas artes, cuja
finalidade é puramente estética, separando-a de outras
manifestações poéticas, que caracterizam as artes aplicadas no
cumprimento de outras funções.

Em Japiassu e Marcondes (1990, p. 212), o termo “técnica”


descende da palavra latina technicus e da palavra grega techinikós,
representando o conjunto de regras e procedimentos adotados
como instrumento de produção, significando também habilidade
ou desenvoltura prática. A técnica se estabelece a partir do
conhecimento empírico, sendo que a prática e a experimentação
continuada permitem a sistematização lógica dos procedimentos.

A “tecnologia” é a área que estuda, organiza e sistematiza


logicamente a técnica. Por meio da observação sistemática, a
tecnologia teoriza sobre o conjunto de práticas para se agir sobre as
coisas. Assim, compõe um conhecimento teórico-aplicado, cuja
origem e campo de aplicação são a prática. A ciência aplicada à
produção técnica ou o estudo científico da produção técnica
constitui o campo de atuação da área tecnológica, promovendo a
invenção e a evolução dos processos produtivos e da produção.
Assim, com relação à ciência, como busca metódica da verdade
para ampliação do conhecimento, a tecnologia caracteriza-se como
a aplicação do conhecimento para a produção de bens e serviços.

54 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


4. Tipos de conhecimento e classificação das
ciências.

O conhecimento é a navegação em um oceano de


incertezas, entre arquipélagos de certezas. (Edgar Morin)

4.1. Tipos de conhecimento.

Para Lakatos e Marconi (1986), os conhecimentos são


diversificados de acordo com sua origem, havendo
(1) o conhecimento popular, (2) o conhecimento filosófico,
(3) o conhecimento científico, (4) o conhecimento religioso e
(5) o conhecimento poético ou estético. Entretanto, indica-se aqui
mais um tipo: (6) o conhecimento político.

O “conhecimento popular” é produto das experiências


cotidianas e não sistemáticas, compondo o “senso comum”.
Quando propõe conhecimentos pertinentes ou úteis é ainda
designado como “bom senso”. Além da parte assertiva, o
conhecimento popular também é impregnado de crendices e falsas
impressões. Porém, deve-se assinalar que, mesmo estando
equivocadas do ponto de vista objetivo, as crenças e impressões
podem cumprir função necessária aos aspectos subjetivos dos
indivíduos e aos aspectos intersubjetivos das comunidades ou da
sociedade.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 55


O “conhecimento filosófico” é sistemático e baseado na
observação, porém, não pressupõe a verificação experimental,
diferenciando-se do conhecimento moderno. O princípio filosófico
é baseado na dedução lógica sobre fenômenos e conceitos. Por
exemplo, um filósofo pode deduzir que dentro da membrana de um
organismo unicelular contém elementos químicos idênticos aos já
existentes no ambiente externo. Para tanto, deduziu que a célula é
composta por elementos de seu ambiente imediato, o qual lhe
aparece como única fonte possível desse material. Mas, essa não é
uma afirmação de base experimental nos moldes da ciência
moderna.

O “conhecimento científico” moderno, também, é sistemático


e baseado na observação, assemelhando-se e utilizando o
conhecimento filosófico e conhecimento poético.

Porém, além de utilizar a intuição poética e a lógica filosófica


na formulação de hipóteses ou teses, esse conhecimento propõe a
experimentação científica para sua comprovação. Recuperando o
exemplo anterior, o cientista moderno assumiria a tese do filósofo,
contudo, submeteria amostras do material celular e do material do
ambiente à experimentação empírica, para verificar a
correspondência dos componentes químicos. A exceção à regra
experimental ocorre nas ciências puras, formais ou abstratas, que
são a lógica e a matemática, cuja dinâmica se identifica
integralmente com a filosofia.

O “conhecimento religioso” ou “teológico” é baseado nas


doutrinas e escrituras sagradas, cujos pressupostos dogmáticos são
revelados através da fé. O conhecimento religioso cria modelos de
representação do mundo que não admitem a verificação ou a
contestação, seja essa de origem lógica ou experimental.

O “conhecimento poético” ou “estético” é baseado nas


sensações, nos sentimentos e nas intuições, que decorrem de
associações conscientes e inconscientes, produzidas no campo
mental das relações sensível-afetivas. Esse processo estabelece um
saber vivencial em oposição ao conhecimento lógico ou intelectual.

56 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Assim, os seres humanos no seu cotidiano e, entre esses os
artistas no seu processo criativo, descobrem e decidem por
soluções expressivas, as quais não são integralmente descritas por
recursos lógicos. De maneira semelhante, os cientistas propõem
suas hipóteses ou teses, intuindo sinteticamente a motivação ou a
solução de um problema. Depois disso, eles desenvolvem suas
pesquisas, visando descrever analiticamente a assertividade de
suas ideias ou confirmá-las através de experimentações científicas.

O “conhecimento político” é fundamentado ideologicamente e


determinado empiricamente pelo interesse ou ponto de vista de
grupos ou classes. Esse conhecimento se estabelece como
“ideologia”, configurando modelos de mundo, de acordo com
valores e objetivos específicos, que são considerados e propagados
como universais.

O objetivo é fundamentar discursos para disseminar ideias e


reproduzir comportamento, os quais legitimam um sistema de
poder e domínio. Todos os tipos de conhecimento podem ser
revestidos com a função ideológica para servirem como
conhecimento político.

Martin (2009) desenvolveu um modelo de construção do


conhecimento que denominou como “Funil do Conhecimento”.
Mistérios ao serem compreendidos se tornam heurísticas que,
transformadas em algoritmos, se transformam nas verdades
compartilhadas dentro de uma cultura.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 57


Figura 4.1 O Funil do Conhecimento
Fonte: Martin (2009)

Mistérios “são coisas em nosso ambiente que excitam nossa


curiosidade, mas iludem nosso entendimento” (MARTIN, 2009, p. 9).
Um algoritmo é um procedimento explicito,
passo a passo para resolver um problema.
Um algoritmo pega uma heurística perdida
e não regimentada [...] e simplifica sua
estrutura, e codifica em um grau que
qualquer um com acesso ao algoritmo
possa implantá-lo com mais ou menos
igual eficiência (MARTIN, 2009, p.12).

Evidentemente que tudo que podemos recolher são os


algoritmos e as heurísticas. Os cientistas, no entanto, deveriam ser
capazes de mergulhar nesta floresta escura e trazer alguma luz.

Podemos postular que mistério é tudo aquilo que está além da


nossa “Zona de Desenvolvimento Proximal”, usando Vygotsky, ou
que foge a captura dos nossos esquemas de assimilação e
acomodação, como diria Piaget.

58 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Os cientistas xamãs da América Central, diante de padrões
misteriosos provocados pelas naus, nunca vistas, dos invasores
espanhóis, devem ter afirmado se tratar de formas de nuvens
anômalas. Sempre tentamos explicar com base em nossas crenças.
O mistério ri de nossa arrogância.

Figura 4.2 Tipos de Conhecimento


Fonte: adaptado de Firestone e McElroy (2003)

Segundo Firestone e McElroy (2003), os conhecimentos podem


ser subjetivos, tácitos, implícitos ou culturais, objetivos, como os
incorporados nos produtos, e explícitos. Acrescentamos, a estes, o
que denominamos por conhecimentos arquetípicos, aqueles
comuns a todos os seres vivos.

Entrevistas podem ser técnicas úteis para coletar


conhecimentos explícitos. Acessar o conhecimento objetivo só é
possível conversando com os especialistas. Conhecimento implícito
e cultural demanda observação e/ou análise de artefatos (vídeos,
filmes, arquitetura...). Para o tácito, observação e hermenêuticas
com contribuição da Psicologia.

Quanto menos codificado for o conhecimento maior a


complexidade dos métodos de explicitação e maior a chance de
erros.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 59


4.2. Classificação das ciências.

Primeiramente, a filosofia preocupou-se com a questão


ontológica, indagando-se sobre a origem e a natureza do “Ser”,
porque pretendia responder às seguintes perguntas básicas:
(1) O que somos? (2) Onde estamos ou do que é feito o universo?
(3) Para onde vamos ou qual é a causa primeira e última de todas as
coisas?

Essas questões sobre a natureza do universo foram centrais na


filosofia dos chamados pré-socráticos, como Heráclito
(535-475 a.C.) e Parmênides (530—460 a.C.) entre outros.

Como pós-socrático Aristóteles (384-322 a.C.) convergiu sua


atenção para as motivações e as causas da atividade humana,
integrando o objeto do conhecimento ao conhecimento como
objeto (epistemologia). Assim, identificou quatro tipos de causas
em todos os efeitos ou produtos observados.

Por exemplo, identifica-se em uma estátua de mármore:


(1) a “causa material”, que é o próprio mármore; (2) a “causa
formal” ou a ideia expressa pelo material, como a ideia de mulher
ou de homem, de deusa ou de guerreiro, que é determinada pela
informação esculpida no mármore; (3) a “causa eficiente”, que
decorre da habilidade e da competência aplicadas na atividade do
escultor, e (4) a “causa final” como sendo o objetivo que
determinou a produção da estátua. Todavia, a causa primeira e a
causa final dos conceitos sempre apontam para uma dimensão
transcendente.

A partir do século XV, portanto, a filosofia da ciência moderna


foi quase totalmente dedicada à reflexão sobre a possibilidade do
conhecimento em geral e, especialmente, do conhecimento
científico. Esse interesse ainda perdura nos dias atuais.

60 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Durante esse processo, a ciência foi ampliando seu campo
sobre a filosofia, incorporando e sistematizando cientificamente os
temas filosóficos. Inclusive, houve diferentes abordagens
percebendo a própria epistemologia como ciência do
conhecimento científico. A ampliação determinou a divisão da
ciência, ensejando também a classificação das ciências.

De acordo com Eva Lakatos e Marina Marconi (1986), as


ciências são classificadas em dois grandes ramos. Um deles
compreende as ciências formais ou abstratas e o outro as ciências
factuais. Os dois ramos, entretanto, são compostos de outras
subdivisões.

As “ciências formais” ou “abstratas” tomam as próprias ideias


como objeto de investigação. Ao se distanciarem dos dados da
realidade, os conceitos das ciências formais, como Matemática e
Lógica, são considerados abstrações que não se referem mais ao
real, porque sua natureza é formal ou ideal. Por exemplo, a noção
de número é uma abstração aplicada à realidade.

Percebe-se um conjunto de coisas, mas quando se diz que há


cinco coisas, o número “cinco” não é parte da realidade das coisas,
porque é puro produto da mente.

As “ciências factuais” fazem referência aos fatos componentes


da realidade e “recorrem à observação e à experimentação para
comprovar ou refutar suas fórmulas (hipóteses)” (LAKATOS e
MARCONI, 1986, p. 27). As ciências factuais são subdividas em
ciências naturais e sociais. (1) Os exemplos de “ciências naturais”
são: Física, Química, Biologia, Geologia e Astronomia, entre outras;
(2) os exemplos das ciências humanas e sociais são: Sociologia,
Antropologia, Direito, Economia, História e Psicologia Social, entre
outras.

Outra classificação foi proposta por Charles Sanders


Peirce (in: SANTAELLA, 1992), confirmando a divisão entre ciências
teóricas ou formais e práticas ou factuais. Porém, apresenta outras
três categorias gerais das ciências: (1) as ciências da descoberta;
(2) as ciência da revisão, e (3) as ciências práticas ou aplicadas.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 61


Nas “ciências da descoberta” são formulados e propostos os
novos conhecimentos científicos, desenvolvendo-se o que é
comumente conhecido como pesquisa pura, cujo objetivo é o
conhecimento desinteressado com relação a uma possível
aplicação imediata.

Nas “ciências da revisão” são realizadas as exegeses e as


sistematizações dos conhecimentos já descobertos, mas que
necessitam de decifração, explicação e divulgação para ser
percebido e apreendido por um público mais amplo.

Nas “ciências práticas” são realizadas pesquisas aplicadas à


solução de problemas ou ao desenvolvimento de técnicas ou
produtos. De modo geral, essas ciências se desenvolvem como
tecnologia.

5. Epistemologia das ciências aplicadas

Nossas vidas, quer o saibamos ou não e quer o saudemos


ou lamentemos, são obras de arte. Para viver como exige
a arte da vida, devemos, tal como qualquer outro tipo de
artista, estabelecer desafios que são difíceis de confrontar
diretamente. (Bauman)

O ambiente de estudos e atividades das “ciências aplicadas” é


composto por conhecimentos interdisciplinares. É comum que se
ouça a frase: “administrar é uma arte” e, do mesmo modo,
“comunicar é uma arte” ou “ensinar é uma arte”. Além disso, fala-se
da “arte da medicina” ou da “arte da engenharia”, entre outras.
Frases desse tipo são constantemente ditas e tacitamente aceitas,
embora, nem sempre, os elementos denotativos do traço artístico
nessas áreas sejam devidamente considerados, no contínuo
processo de composição e sistematização de seus conhecimentos.

62 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Em toda atividade, entretanto, elementos e procedimentos
característicos das atividades técnicas e artísticas sempre
participam de suas práticas específicas. Isso justifica o dizer popular
que assevera “na prática, a teoria é diferente”. A diferença é que a
prática envolve uma grande diversidade de fatores muito
dinâmicos, compondo um espectro amplo e variado de
possibilidades. A despeito de todo o avanço científico, isso
impossibilita a plena apreensão e a sistematização da vida prática
através da teoria científica.

Aristóteles (384-322 a.C.), em sua Ética a Nicômaco, afirma:


“tampouco a phronesis se ocupa apenas com universais (katolon).
Deve também reconhecer os particulares (kath’ hekasta), pois ela é
prática (praktike), e a ação (praxis) versa sobre os particulares
(kath’ hekasta)”24.

Nas atividades práticas, a sensibilidade, a fruição, a intuição e


o senso de oportunidade são requeridos de maneira intensa,
complexa e refinada. Isso porque as condições humanas e
socioambientais variam em todos os momentos, expressando
inconstâncias e sutilezas.

Por exemplo, por mais que a ciência seja aplicada aos


esportes, tornando-se cada vez mais necessária, também, mostra-
se insuficiente para garantir a conquista de um campeonato ou de
um recorde.

Há ciências administrativas, educativas, construtivas,


projetivas e de representação, mas Administração, Educação,
Engenharia e Design, como campos de atividades, desenvolvem
processos que reúnem arte, técnica e ciência, envolvendo também
percepções, conhecimentos e práticas, que estão aquém e além do
campo científico.

24
Ver em R. Wu – A ontologia da Phronesis Veritas, v. 56, n. 1, jan./abr. 2011, p. 95-110
101

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 63


As áreas aplicadas relacionam a razão pura com a razão
técnica, sob a mediação das ciências normativas: Lógica, Ética e
Estética, como foram propostas por Peirce (1839-1914). São muitas
as relações entre as atividades aqui descritas e a ciência, porque
além da prática, em função dos objetivos propostos, também, são
requeridos os conhecimentos teóricos de diferentes áreas
científicas. Como foi dito, o conjunto de conceitos adotados de
teorias científicas coerentes entre si compõe o “corpus teórico”
norteador das atividades práticas. Isso lhes fornece o caráter de
ciências aplicadas, porque tratam da aplicação de conhecimentos
sistemáticos, sobre os dados controláveis e passíveis de verificação
experimental ou lógica.

Assim, a análise de métodos e práticas particulares procura


distinguir e organizar características comuns em procedimentos
gerais, compondo a fundamentação teórica para as atividades.
Essas atividades, portanto, passam a ser percebidas como
“corpus de pesquisa” ou “objeto de investigação científica”, seja da
ciência de Engenharia, de Pedagogia, de Administração ou de
Design.

Em síntese, Engenharia, Administração, Design, Educação e


outros campos de estudos e atividades realizam processos e
técnicas e executam atividades. Porém, também promovem
estudos para desenvolver tecnologias.

Esses estudos envolvem teorias e conceitos de outras áreas,


mas também desenvolvem conceitos e teorias específicas.

A seleção e produção teórica caracterizam as áreas de


aplicação tecnológica como ciências. Portanto, como todas as
ciências, as aplicadas apresentam um “objeto formal” ou
“corpus teórico” (teoria) e um “objeto material” ou “corpus de
pesquisa” (práticas e produtos).

64 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A fundamentação teórica e sistemática orienta cientificamente
a prática, configurando o objeto dos estudos epistemológicos. A
prática reúne técnicas, ações e processos, como fenômenos
observáveis, compondo o objeto material dessas ciências. Além
disso, com base na tradição e influenciadas por outras áreas do
conhecimento científico, as ciências aplicadas também
desenvolveram práticas específicas de pesquisa, configurando o
objeto dos estudos metodológicos. Assim, a pesquisa das melhores
práticas, geralmente, é a base para a proposta de novas teorias.

Como objeto formal, a teoria propõe um conjunto de


enunciados próprios, que é baseado em princípios filosóficos e
científicos. Como objeto material, a prática é campo da tecnologia,
sendo orientada por ciência e filosofia aplicadas à arte ou às
técnicas de desenvolvimento das atividades. Por exemplo,
Engenharia e Design são reconhecidos como tecnologias ou áreas
tecnológicas. Porém, o campo das atividades não é totalmente
apreendido por estudos filosóficos ou científicos e, portanto,
permanecem parcialmente e necessariamente como campo
poético, abrindo espaço para a arte. Pois, a amplitude das
atividades não é totalmente apreendida pela redução científica.

Nas áreas aplicadas, o que é razoável e passível de verificação


é tomado como objeto dos estudos científicos, porque a produção
teórica promove compreensão e aperfeiçoamento eficiente das
atividades. Isso ocorre através de pesquisas e estudos
interpretativos, que ampliam o acervo dos conhecimentos
científicos sobre as atividades dessas áreas, de acordo com os
valores histórico-sociais.

Para Ortega y Gasset (1965), o homem não se limita a adequar-


se à natureza, mas adapta a natureza a suas necessidades ou
propósitos, criando o supérfluo.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 65


Técnica seria a capacidade humana de modificar
deliberadamente materiais, objetos e eventos, chegando a produzir
elementos novos, não existentes na natureza. Bunge25 entende por
técnica o controle ou a transformação da natureza pelo homem, o
qual faz uso de conhecimentos pré-científicos. A tecnologia, por sua
vez, consiste na técnica de base científica. Quer se trate de técnica
quer de tecnologia, o que está em jogo é uma atividade consistente
na “produção de algo artificial”, de um “artefato”.

Um artefato pode ser tangível (uma nave espacial), ou


intangível: “toda coisa, estado ou processo controlado ou feito
deliberadamente com ajuda de algum conhecimento aprendido, e
utilizável por outros” (Bunge, 1985a, p. 33-4).

Bunge define tecnologia como:


O campo de conhecimento relativo ao desenho de
artefatos e à planificação da sua realização,
operação, ajuste, manutenção e monitoramento à
luz do conhecimento científico. Resumidamente: o
estudo científico do artificial. (BUNGE, 1985b,
p. 231).

Alberto Cupani26 discute a tecnologia, enquanto questão


filosófica, a partir de três enfoques: o analítico, de Mario Bunge; o
fenomenológico, de Albert Borgmann e o inspirado na Escola de
Frankfurt, de Andrew Feenberg. Vale a pena antecipar aqui alguns
conceitos que veremos melhor mais adiante.

25
Bunge é reconhecido como filósofo da ciência. Dentre sua produção bastante
vasta, destaca-se o Treatise on basic philosophy em 8 volumes.
26
CUPANI, A. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques. Revista Scientiæ
Studia, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 493-518, 2004.

66 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Além da noção de artefato, a técnica e a tecnologia
caracterizam-se pela existência de uma
planificação, ainda que mínima. Técnica e
tecnologia supõem um objetivo preciso. O artefato
é concebido (antecipado), e se procura
sistematicamente os meios de produzi-lo. Para
tanto, a técnica, como a tecnologia, supõem
conhecimentos, já disponíveis ou novos. A técnica
serve-se do saber vulgar tradicional,
eventualmente impregnado de saber científico que
não é reconhecido como tal. A tecnologia recorre
explicitamente ao saber científico (dados, leis,
teorias), de um modo que ainda iremos especificar.
Para a produção técnica ou tecnológica os
elementos são vistos como recursos, não sendo
apreciados apenas pelas suas qualidades
inerentes.” (CUPANI, 2004).

A ação técnica é, essencialmente, ação racional orientada a


garantir, poder-se-ia dizer, seu próprio sucesso. “Se há de se
conseguir y no momento t com probabilidade p, então deve fazer-se
x no momento t.” (BUNGE, 1969, p. 703).

As teorias tecnológicas podem ser de dois tipos: substantivas


ou operativas. As teorias substantivas são aplicações de teorias
científicas a situações reais. As teorias operativas enfocam desde o
início a ação que se tem em vista.

Na Ética a Nicômaco, Aristóteles afirma que a phronesis diz


respeito à ação, ou seja, às tecnologias operativas, mas insiste que
ela deve ter ambos, aletheuein e praxis, ainda que mais a segunda.

Na phronesis, a praxis é arche e telos, enquanto princípio que


orienta a deliberação em vista de um telos, mas “phronesis requer
chronos” (Heidegger, 2003, p. 96). O modo pelo qual a phronesis
pode ser tomada num sentido mais radical é pela sua interpretação
temporal. O indivíduo que age em vista de um fim, pode fazê-lo
mediante uma compreensão adequada, isto é, mediante phronesis.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 67


Na explicitação de como phronesis implica em tempo,
Heidegger (1889-1976) ocupa-se inicialmente com a distinção entre
os saberes da phronesis e da episteme, utilizando para interpretar
esse último, o caso da Matemática.

Na Ética a Nicômaco, Aristóteles explica que os jovens podem


tornar-se matemáticos e geômetras, mas “não se acredita que
exista um jovem dotado de sabedoria prática”. Isso porque, para
esta última, é necessário que ele adquira experiência, algo que
surge unicamente a partir do tempo.

Heidegger (2003, p. 100-101) sintetiza as características da


ação em cinco pontos, seguindo a Ética a Nicômaco:

I. o “para quê” da ação;


II. a disponibilidade em vista da ação;
III. os objetos devem ser usados num modo determinado;
IV. toda ação é executada num tempo determinado (hote);
V. toda ação é determinada pelo ser com os outros.

Esses cinco pontos explicitam o caráter situacional da ação.


Na medida em que a ação envolve diversos elementos que a cada
vez podem ser outros, a ação não pode ser concebida a partir da
ideia que orientaria a sua atividade, como na techne, mas é em cada
caso algo outro.

A phronesis é a capacidade compreensiva que apreende de


forma prática, isto é, na ação, os seus diversos elementos
constituintes, ou seja, as circunstâncias, os dados, os momentos e
as pessoas envolvidas. A phronesis permite a transparência da ação,
desde o seu arche (em vista do quê), até o seu telos.

Para Borgmann, segundo Cupani (2004), “tecnologia” não


designa uma forma de técnica, mais evoluída e que se torna
potente graças à sua associação com a ciência, como no caso de
Bunge, mas um modo de vida próprio da Modernidade.

Migramos de uma abordagem analítica para outra,


fenomenológica.

68 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A tecnologia, nesta ótica, seria o modo tipicamente moderno
de o homem lidar com o mundo, um “paradigma” ou “padrão”
caraterístico e limitador da existência, intrínseco à vida quotidiana.
Tão intrínseco que ele passa, por isso mesmo, despercebido.

Borgmann acredita que outros enfoques perdem de vista (ou


não reconhecem) a especificidade da tecnologia. As teorias
instrumentais (isto é, aquelas que veem a tecnologia como um
meio ao serviço dos propósitos humanos) são, para Borgmann,
superficiais e, as teorias substancialistas (as que acreditam que a
tecnologia seja autônoma) deixam “obscuro”, em sua opinião, o
caráter da tecnologia.

Além dessas poderíamos citar as teorias “pluralistas”, que


insistem na multiplicidade de fatores a que responde a tecnologia,
porém a atenção para essa multiplicidade faria com que perdesse
de vista o esquema básico que dá sentido ao conjunto.

Esta visão pluralista é típica da abordagem interdisciplinar.

É comum observarmos em trabalhos nesta área uma


superficialidade que se diferencia da profundidade do fazer
analítico e mesmo uma ingenuidade. Este é o desafio a se ter em
mente quando se persegue a interdisciplinaridade.

Para Cupani (op. cit.), ainda discutindo o trabalho de


Borgmann, a análise da tecnologia por parte das ciências sociais
pareceria, a este, “inconclusiva”, pois a complexidade dos
fenômenos sociais, em que a tecnologia está inserida, faz que toda
teoria seja, apesar de precisa (e justamente por isso), ambígua.

O estudo fenomenológico, destinado a mostrar o seu objeto,


deve, no entanto, ser “testado e elaborado contra o trabalho
pertinente em filosofia e, especialmente, em ciências sociais”
(BORGMANN, 1984, p. 5).

Para Borgmann, a tecnologia e os seus problemas nunca serão


compreendidos enquanto forem considerados como
consequências de fatores sociais, políticos ou ecológicos.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 69


Deve-se reconhecer na tecnologia um fenômeno básico, que
tem sua chave na existência dos dispositivos (devices) que nos
fornecem produtos (commodities), ou seja, bens e serviços, quer se
trate do aquecedor elétrico, que nos dá calor, do automóvel, que
nos permite deslocamento rápido e relativamente livre, ou do
aparelho de televisão, que põe ao nosso alcance informação e
diversão (CUPANI, 2004.).

Os produtos e seu consumo constituem “a meta declarada do


empreendimento tecnológico”, assegura Borgmann. Essa meta foi
proposta pela primeira vez no início da Modernidade, como
expectativa de que o homem poderia dominar a natureza. No
entanto, essa expectativa, convertida em programa anunciado por
pensadores como Descartes (1596-1650) e Bacon (1561-1626) e
impulsionado pelo Iluminismo, não surgiu “de um prazer de poder”,
“de um mero imperialismo humano”, mas da aspiração de libertar
o homem (da fome, da insegurança, da dor, da labuta) e de
enriquecer sua vida, física e culturalmente.

Os dispositivos são ambíguos. Em correspondência com essas


propriedades dos dispositivos, a nossa relação para com eles é de
falta de compromisso (engagement). Em nenhum aspecto da nossa
vida é tudo isso mais evidente – comenta Borgmann – do que na
propaganda, ou seja, no apelo constante e sistemático ao consumo
de dispositivos.

70 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


[...] o universo da propaganda é inteiramente um
universo de produtos e consumo. Ela destila o
aspecto frontal da tecnologia em forma ideal e
assim apresenta o lado técnico e distintivo da
nossa época. Deste modo, ela superou a arte como
a apresentação arquetípica daquilo de que trata a
nossa época. Na propaganda, a promessa da
tecnologia é apresentada ao mesmo tempo em
pureza e concretamente, e, portanto, da maneira
mais atraente. Problemas e ameaças entram
apenas como pano de fundo para destacar as
benções da tecnologia. Assim, nos encontramos
definidos arquetipicamente nas propagandas. Elas
fornecem uma força estabilizadora e orientadora
na complexidade da sociedade tecnológica ainda
em desenvolvimento (BORGMANN, 1984, p. 55).

O consumo universal de produtos é a “realização da promessa


da tecnologia”. A vida dentro do “paradigma da tecnologia” resulta
sem rumo e, no entanto, impositiva.

Andrew Feenberg (2002) propõe uma interpretação da


tecnologia que rejeita tanto a visão instrumentalista quanto a
substancialista. Trata-se de um enfoque que prolonga as análises
da Escola de Frankfurt (em particular, Marcuse (1898-1979)),
aspirando a “reconstruir a ideia de socialismo com base numa
radical filosofia da tecnologia”.

A tecnologia, concorda Feenberg, é um fenômeno tipicamente


moderno. Mais ainda, ela constitui a “estrutura material” da
Modernidade. Mas a tecnologia, no argumento do autor, não é um
mero instrumento neutro, pois ela encarna valores
antidemocráticos provenientes da sua vinculação com o
capitalismo e, manifestos numa cultura de empresários que
enxergam o mundo em termos de controle, eficiência (medida pelo
proveito alcançado) e recursos.

Os valores e interesses das classes dominantes estão inscritos


no próprio desenho dos procedimentos e máquinas, bem como nas
decisões que os originam e mantêm. Por outro lado, a tecnologia
não constitui uma entidade autônoma nem um “destino”.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 71


A conquista da natureza que ela encarna não é um evento
“metafísico” - como quer Heidegger (1997) -, mas começa como
dominação social. O controle da natureza é indissociável do
controle de seres humanos por outros, o que se traduz em
fenômenos também típicos da nossa época, como a degradação do
trabalho, da educação e do meio ambiente.

Por ser a manifestação de uma “racionalidade política”, a


tecnologia não pode ser modificada mediante reformas morais ou
atitudes espirituais - como quer Borgmann, por exemplo. O que se
requer é uma modificação “cultural” proveniente de “avanços
democráticos”. Feenberg defende uma posição “não determinista”,
cujas teses básicas seriam:

I. O desenvolvimento tecnológico está sobredeterminado


tanto por critérios técnicos quanto sociais de progresso,
podendo, por conseguinte, bifurcar-se em qualquer uma
de diversas direções, conforme a hegemonia que
prevalecer.
II. Enquanto as instituições sociais se adaptam ao
desenvolvimento tecnológico, o processo de adaptação é
recíproco, e a tecnologia muda em resposta às condições
em que se encontra tanto quanto ela as influencia
(FEENBERG, 2002, p. 143).

Um elemento crucial para se empreender a modificação da


tecnologia consiste em reconhecer a distinção básica entre os que
comandam e os que obedecem nesta civilização tecnológica, em
que o poder tecnológico tornou-se a “principal forma de poder”,
substituindo as formas baseadas antigamente em outras
justificações, como o nascimento ou a religião. O poder é, por sua
vez, exercido em forma de administração e de controle estratégico
das atividades sociais e pessoais.

Feenberg destaca, desde o início de sua análise, a “autonomia


operacional” dos administradores (capitalistas e tecnocratas), isto
é, a sua liberdade para tomar decisões independentes sem
considerar os interesses dos agentes subordinados nem da
comunidade, ignorando também as consequências ambientais.

72 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Para além dos objetivos circunstanciais, a “autonomia
operacional” tem como meta-objetivo a sua indefinida
preservação, o que é garantido pela racionalidade intrínseca à
tecnologia, uma “racionalidade” que se ampara no caráter
aparentemente absoluto da justificação pela “eficiência”.

“Os objetos técnicos são também objetos sociais” e o


desenvolvimento tecnológico “é um cenário de luta social”.
Comparando o desenvolvimento tecnológico com o uso da
linguagem, em que a gramática condiciona o significado, mas não
decide o propósito. Feenberg afirma que existe um “código social”
da tecnologia, que associa eficiência e propósito.

A riqueza e a distância entre as três abordagens sobre


tecnologia trazidas por Cupani ilustra o sentido mais primitivo da
episteme (enquanto forma de enxergar) e o grande desafio da
interdisciplinaridade em buscar um meta-olhar capaz de enxergar,
no caso o fenômeno tecnologia, de uma forma mais rica do que
seria dado por qualquer uma das abordagens individualmente.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 73


PART E 2 – Fen omeno l ogias e He rmenêuticas

6.
Fenomenologias

Parte II
Fenomenologias e
Hermenêuticas

7.
Hermenêuticas

74 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


6. As Abordagens Fenomenológicas

Figura 6.1 O Bispo


Fonte: Siron Franco (1974)

“A mais importante aquisição da Fenomenologia é sem


dúvida ter unido o extremo subjetivismo e o extremo
objetivismo em suas noções de mundo ou da
racionalidade”. (Merleau-Ponty)

Até aqui, ideias e terminologias relacionadas ao


conhecimento, à ciência e à epistemologia foram apresentadas sob
a regência do pensamento clássico, positivamente estruturado
desde a Antiguidade. Até mesmo as referências aos aspectos
subjetivistas foram propostas sob esse escopo, porque se julgou
necessário o conhecimento sobre os termos e os enfoques clássicos
para a obtenção de algum domínio da linguagem e das tradicionais
questões científicas.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 75


As abordagens positivas foram, “dentro do Modernismo”,
recuperadas, reavaliadas e parcialmente, confirmadas, na
epistemologia desenvolvida no “Círculo de Viena”. Teóricos como
Rudolf Carnap (1891-1970), Herbert Feigl (1902-1988), Kurt
Godel (1906-1978), Hans Hahn (1879-1934), Friedrich
Waisman (1896-1959) e Moritz Schlick (1882-1936), entre outros,
participaram desse grupo. A abordagem fortemente antimetafísica
definiu o escopo teórico da proposta, com base no método
dedutivo, exercendo ampla influência na ciência, até meados do
século XX.

Wittgenstein participou, até


1932, do Círculo de Viena, antes de
romper definitivamente com seu
recorte teórico, denominado de
“Positivismo Lógico”: “O objetivo da
filosofia é a clarificação lógica dos
pensamentos. A filosofia não é uma
doutrina, mas uma atividade. O
resultado da filosofia não são
“proposições filosóficas”, mas o
esclarecimento de proposições
(científicas). A filosofia deve tornar
Figura 6.2 Wittgenstein claros e delimitar com rigor os
(1889-1951) pensamentos que, doutro modo,
permaneceriam turvos e vagos”

A Fenomenologia nasce com Franz Bentrano (1838-1917), na


segunda metade do século XIX. Suas análises se centraram na
intencionalidade da consciência humana, buscando descrever,
compreender e interpretar os fenômenos que se apresentam à
percepção.

O método fenomenológico se define como uma volta às coisas


mesmas, isto é, aos fenômenos, aquilo que aparece à consciência,
que se dá como objeto intencional. Seu objetivo é chegar à intuição
das essências, isto é, ao conteúdo inteligível e ideal dos fenômenos,
captado de forma imediata.

76 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Bentrano propõe a extinção da separação entre “sujeito” e
“objeto” e examina a realidade a partir da perspectiva de primeira
pessoa.

Fenomenologia é, na atualidade, um conceito muito aberto.


Tudo pode ser chamado de fenomenologia, assim como é possível
chamar qualquer coisa de fenômeno. Edmund Husserl (1859-1938),
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), Martin Heidegger (1889-1976) e
Jean-Paul Sartre (1905-1980) estão entre os nomes mais
referenciados quando falamos do assunto.

Observe ainda que, por ter convivido com o positivismo, a


despeito do deslocamento do “nós” para o “eu” no discurso
científico, e dos avanços em direção a uma epistemologia
eraniana27, interacionista, as “fenomenologias”, em seu primórdio,
conservaram muito da rigidez racionalista dos epistemólogos
positivistas. Dentre algumas definições, enumeramos:

I. É o estudo da experiência vivida (VAN MANEN, 1990).


II. Experiência vivida é o que experimentamos de forma
pré-reflexiva (LAVERTY, 2003; VAN MANEN 1990).
III. Qualquer coisa que se apresente à consciência é
potencialmente de interesse da fenomenologia, seja
um objeto real ou imaginário, empiricamente
mensurável ou subjetivamente sentido (VAN MANEN,
1990).

Os fenômenos psíquicos se tornaram objetos preferenciais da


pesquisa de Bentrano (1838-1917). Em sua obra intitulada
“Psicologia sob o ponto de vista empírico”, este autor estabelece a
distinção entre a percepção interna e a observação ilusória,
destacando a intencionalidade dos atos como peculiaridade
essencial de todos os fenômenos empíricos. Com a descoberta da
intencionalidade dos atos, lança-se a base da fenomenologia, que
será desenvolvida por Husserl (1859-1938).

27
O Círculo de Viena, a Escola de Frankfurt e Eranos representam pensamentos
filosóficos ligados às questões epistemológicas.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 77


Diz Brentano (1989) “ninguém pode duvidar que o estado
psíquico de que, em si mesmo, tem a percepção exista tal como o
percepciona”. Com esta proposição ele devolve originalmente ao
próprio núcleo da vida subjetiva um princípio seguro para o
conhecimento.

Franz Clemens Honoratus Hermann


Brentano desenvolveu uma filosofia
considerada como um aristotelismo
moderno, nitidamente empírico em
seus métodos e princípios. Os
trabalhos mais importantes de
Brentano são no campo dos atos e
processos psíquicos. Segundo
Brentano, o fenômeno psíquico
distingue-se dos demais por sua
propriedade de referir-se a um
objeto, bem como a um conteúdo de
consciência, através de mecanismos
Figura 6.3 Bentrano puramente mentais. Brentano
(1838 – 1817)
distingue três classes de fenômenos
psíquicos fundamentais: a
representação, julgamento e
sentimento de amor (aprovação) ou
sentimento de ódio (desaprovação).

Quando pensamos em fenomenologia, no entanto, o nome


que nos vem à mente é o de seu mais importante discípulo,
Edmond Husserl, que influenciou fortemente teóricos como
Heidegger, Merleau-Ponty e Sartre. Edmund Husserl é considerado
o pai da fenomenologia ao ampliar a discussão da intencionalidade
de Beltrano para além do âmbito de uma psicologia. Husserl fez
doutorado em matemática teórica antes de iniciar seus estudos em
filosofia. Criticou a psicologia como uma ciência indo na direção
errada ao tentar aplicar os métodos das ciências naturais às
questões humanas. (LAVERTY, 2003).

78 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A análise fenomenológica de Husserl
dá ênfase ao fenômeno, ao que é
dado imediato, à coisa que aparece
diante da consciência (PADOVANI,
1990). No dado está contida a sua
essência (PADOVANI, 1990). O papel
da fenomenologia seria o de
conhecer e descrever o mundo das
essências, “a qual faz uma coisa o
que ela é, e sem a qual não seria o
que é” (VAN MANEN, 1990). As
essências seriam os objetos de
estudo da fenomenologia, enquanto
que os fatos seriam os objetos de
Figura 6.4 Husserl estudo da psicologia. (PADOVANI,
(1859-1938) 1990).

A questão da fenomenologia como método se insere a partir


da chamada intuição hermenêutica. Para tratar da pergunta sobre
a fenomenologia como método, há que se indagar sobre o princípio
metodológico que orienta a própria investigação fenomenológica.

Husserl, um primeiro Husserl - rejeitado por Merlau-Ponty, que


vai adotar o segundo Husserl como seu mestre -, nos apresenta,
assim, o início da Fenomenologia:
No princípio de todos os princípios: que toda visão
originariamente doadora é uma fonte precisa do
conhecimento; que tudo aquilo que se nos oferece
originariamente numa “intuição” (por assim dizer
em sua realidade efetiva, em concreto), há que ser
tomado simplesmente como àquilo que se mostra,
mas também só nos limites em que aí se dá –
assim, nenhuma teoria possível pode nos induzir a
erro28 (HUSSERL, 1993).

28
HUSSERL, Edmund. Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen
Philosophie. Tübingen: Max Niemeyer, 1993. p.43-44

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 79


Observe a influência positivista nesta definição. O fato de
Husserl ser matemático e estar em confronto com os positivistas de
sua época fazem com que a despeito das inovações que propõe,
traga um ranço das próprias formas de fazer ciência que pretende
combater.

Husserl apresenta a intuição hermenêutica como um misto de


investigação teórica junto a uma atitude positiva, ou melhor,
empírica para com a realidade. É enganoso, no entanto, interpretar
a fenomenologia como tendo o mesmo modo de ser das ciências
positivas.

Está em jogo alguma tratativa de caráter empírico das coisas


que se dão em nossa experiência, assim como o cuidado pelos
limites desta experiência. Não se diz, no entanto, qual a amplitude
desta experiência. Pode ser que o empirismo denotado na
afirmação de Husserl seja mais radical que o empirismo pretendido
pelas ciências positivas, tanto as da natureza quanto as humanas.

Husserl apresenta o princípio da fenomenologia como um


princípio dos princípios. Como algo que se antecipa a todos os
princípios, a toda teoria, a todo conhecimento, a toda ciência.

Figura 6.5 A intencionalidade em Husserl


Fonte: Entrevista com Maria Izabel de Aviz29

29
http://berakash.blogspot.com.br/2012/11/a-fenomenologia-como-um-
instrumento-de.html

80 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Duas técnicas são fundamentais na fenomenologia de Husserl:
a intencionalidade e a epoché.

A compreensão de um fenômeno é, de acordo com Husserl, um


processo intencional. Através da intencionalidade, a mente é
direcionada para o objeto de estudo (LAVERTY, 2003).

Praticar a epoché é colocar em suspensão todas as crenças


prévias, uma redução de quaisquer teoria e explicação apriorística
(GARNICA, 1997). Epoché, suspensão e redução fenomenológicas
são tidas como sinônimos. Husserl propôs que é necessário
“suspender” as pressuposições pessoais para ter contato com a
essência do fenômeno (LAVERTY, 2003).

Epoché

Fenomenologia

Consciência Experiência

Figura 6.6 A redução fenomenológica


Fonte: Entrevista com Maria Izabel de Aviz

A redução fenomenológica nos educa a não fixar o olhar no


casual, no factual, no ocasional, assim como se apresenta “diante”
de nossos olhos. A redução nos instrui a mirar o que se mostra na
estrutura a priori daquilo que se nos apresenta ao olhar, fazendo
ressaltar o essencial da coisa mesma.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 81


Costumamos pressupor o mundo como o campo de todas as
nossas atividades práticas ou teóricas. O mundo, porém, é uma
totalidade de sentido, validado através de nossa experiência, isto é,
através de nossas percepções, representações, valorações,
pensamentos, volições, sentimentos. O mundo que, desde nossa
posição natural (e ingênua), é pressuposto como um conjunto de
coisas diante de nós e dadas de antemão, tem sua gênese na nossa
experiência de vida e se constitui a partir dela.

Neste sentido, também o caráter de “em si” e “por si mesmo”,


de “permanência fixa”, que costumamos atribuir ao mundo não
pode ser compreensível senão como mundo de nossa lida
cotidiana, ou seja, como “mundo-da-vida”, como mundo
constituído em nosso viver. Por outro lado, o nosso viver já significa
sempre “ser-em-um-mundo”. (GARCIA, 2005).

A redução fenomenológica não implica em reduzir o mundo


físico à vida psíquica. Isto seria cair num psicologismo contra o qual
a própria fenomenologia se insurgira no início de suas
investigações. O mundo, como fenômeno é, ao contrário, o
correlato intencional do meu “eu vivenciante”, e nada mais. O
mundo se constitui a partir da vivência correlata do meu eu e só se
torna compreensível se reconduzido a ele.

A Fenomenologia não quer somente ser uma “intuição


hermenêutica” da vida, mas quer ser vida, e vida fenomenológica. A
atitude fundamental desse modo de pensar só se torna absoluta se
nós nele vivemos.

A consciência funde-se com o objeto para o qual está


intencionado, não podendo jamais ser separado daquele objeto
(LEVASSEUR, 2003). É da natureza do ser humano estar com a
consciência sempre direcionada para alguma coisa que não a si
mesma. Sendo a consciência sempre intencional e indivisível de seu
objeto, ela não pode ser uma coisa que subsiste
independentemente, como no cartesianismo. (LEVASSEUR, 2003).

O viver da atitude fenomenológica não conduz à construção de


qualquer sistema de conceitos. Também não constrói uma técnica.
Constrói essencialmente uma possibilidade do pensar.

82 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Neste sentido, seu método não é elaborado a partir de fora, ou
seja, a partir da realidade tomada como certeza absoluta, tal como
se mostra. Seu método é elaborado a partir de dentro, isto é, a
partir da dinâmica de constituição possível de cada realidade.

Por isso, nele, como método, tudo se apresenta como que


“suspenso”, “reduzido”, provisório, não definitivo, em primeira
instância (GARCIA, 2005).
Em sua universal autorreferência, a fenomenologia
reconhece sua própria função em um possível viver
transcendental da humanidade. Ela reconhece as
normas absolutas que a partir deste viver podem
ser descobertas pelo olhar; mas reconhece
também sua estrutura originária, tendencial e
teleológica, na direção de uma descoberta destas
normas e sua efetivação prática e consciente. Ela
se reconhece então, enquanto função da universal
autorreflexão da humanidade (transcendência), a
serviço de uma práxis universal da razão, ou seja, a
serviço da tendência que se torna livre pela
descoberta, na direção da ideia universal, radicada
no infinito, de uma absoluta perfeição ou, que é o
mesmo, na direção da ideia – radicada no infinito –
de uma humanidade que, de fato e inteiramente,
fosse e vivesse na verdade e na autenticidade.30

Husserl via no seu método uma forma de alcançar o


verdadeiro significado das coisas: “ver as coisas como elas são”.
Julgou ter descoberto a verdadeira natureza do conhecimento da
realidade e dos conceitos universais (PADOVANI, 1990). Sua
fenomenologia é denominada “Fenomenologia Transcendental”.

O meu eu vivenciante, a experiência de vida mesma, não é algo


como a ocorrência de uma coisa dada no mundo.

30
HUSSERL, Edmund. Phänomenologische Psychologie. Haag: Martinus Nijhoff, 1962.
p.299.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 83


Se identifico a egoidade do meu “eu vivenciante” com um eu
que ocorre dentro do mundo, como ser corpóreo, ainda que este eu
tenha caráter de personalidade, também me engano ao
transformar a representação do eu fenomenológico num sujeito
que tenha o modo de ser de um objeto. A egoidade fenomenológica
recupera o sentido originário de subjetividade enquanto se
caracteriza como o sujeito (subjectum), a base, o fundamento, a
fonte donde se origina toda constituição de sentido, toda
constituição de mundo. O processo genético de mundo, sua
constituição de sentido, é um processo intencional que surge da
vida do eu, tomado em sentido fenomenológico.

O eu, enquanto parte do mundo, é ao mesmo tempo


constituído com o mundo. Não se pode separar eu de mundo ou o
mundo do eu (GARCIA, 2005).

Não há distinção entre o físico ou o psíquico do mundo. Ambos


se acham no mesmo plano. Posso perfeitamente compreender a
mim mesmo como uma coisa corpórea animada, mas o a priori
desta condição não é ele mesmo, por sua vez, corpóreo nem
animado. Trata-se da vida transcendental. Trata-se do meu “eu
transcendental”.

A redução fenomenológica opera, como se vê, uma espécie de


neutralização de nossa posição ingênua diante do mundo. O
exercício do “ver fenomenológico” nos instrui a uma espécie de
desmaterialização do mundo. A redução opera, desse modo, uma
“descoisificação” de tudo e com isso, uma “desfixação” de todas as
coisas que se apresentam como objeto diante do olhar ingênuo.

Redução subentende uma espécie de recondução.


Recondução do objeto de sua condição de autonomia aparente à
sua dinâmica constitutiva. Recondução das coisas em geral à vida
intencional do eu fenomenológico. Recondução do mundo à
autopresença da consciência (GARCIA, 2005).

84 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Conceito de fenômeno é uma coisa e visão de fenômeno é
outra coisa. Junto aos conceitos, pensa-se; fenômenos são apenas
vistos. A visão dos fenômenos pode fundamentar o pensamento. O
contrário nunca. Se algo é visão, é, somente, enquanto tal, que deve
ser designado como fenomenologia. Só não se sabe se ele é capaz
de se fazer ver.

Husserl nos instrui que a redução transcendental se efetiva


através da epoché, ou seja, através da neutralização da tomada de
posição do mundo como sendo “em e para si”31.

A epoché é o ato de suspensão de toda crença na permanência


absoluta do mundo. Através deste ato, a consciência é reconduzida
da posição natural ingênua de mundo para a evidência da posição
fenomenológica.

Vista assim, a redução é uma tarefa mais ampla que a simples


recondução da visão permanente das coisas para à dinâmica
transcendental. É a recondução da própria vida transcendental do
ego (que se encontra à base da constituição do mundo) à sua
origem.

O método fenomenológico proposto por Husserl conduz toda


experiência ao ego transcendental, a partir de onde o mundo se
reflete como totalidade de sentido e de validade.

A redução não pode ser vista como uma mera técnica da


fenomenologia. Ela é um procedimento metódico no sentido de
uma etapa indispensável no modo de pensar fenomenológico.
Trata-se, sobretudo, de uma mudança de postura “diante” das
coisas, enquanto objetos de investigação. De uma mudança no
modo de experimentar e compreender o mundo. Trata-se da
mudança de uma vida vivida e experimentada desde a ingenuidade
de um pragmatismo imediato para uma postura transcendental
“diante” do mundo (GARCIA, 2005).

31
HUSSERL, Edmund. Cartesianische Meditationen und Pariser Vorträge. Edited by
S. Strasser. The Hague, Netherlands: Martinus Nijhoff, 1973.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 85


Pragmatismo imediato significa a experiência que temos de
nós mesmos e de nossa vida como componentes de um mundo que
já existe por si, dentro do qual nos encontramos como coisas ao
lado de outras coisas. Assim, nos identificamos imediatamente com
outros homens “coisas”, animais “coisas”, instrumentos “coisas”,
natureza “coisa”. É isso que compreendemos usualmente como
sendo a realidade. Através da redução fenomenológica, no entanto,
eu sou conduzido do imediatismo pragmático de minha
compreensão para a chamada esfera das vivências intencionais na
sua estrutura. Esta esfera de vivências, que se abre como
“intencionalidade”, se mostra como vida constituinte de uma
totalidade de sentido.

Assim, quanto mais se distancia da consideração do “objeto


em si”, mais se revela que o mundo, em seus distintos campos,
pode ser interpretado em sua dinâmica constitutiva.

Normalmente não consideramos os objetos em si mesmos,


mas apenas por fora, a partir de uma referência objetiva, de uma
relação causal, de um horizonte pressuposto. Eles se mostram “em
comparação” com algum outro objeto, ou “considerando” algum
outro objeto, ou ainda “a partir” de outro objeto. Assim, o objeto é
visto “objetivamente” – e isso é bom assim. Outro modo de mostrar
é o mostrar-se a partir de si mesmo. Talvez este seja raramente o
caso, mas é a condição daquele “tornar-se exposto e visto”, que
vem de fora (ROMBACH , 1994)32 .

A prática da fenomenologia consiste em chegar a ver o mundo


“a partir de si mesmo”.

O ponto de partida para a prática da fenomenologia, no


entanto, consiste num exercício: começar a ver o “mundo” como
algo que, de alguma forma, “acontece” junto comigo, que, de
algum modo, me pertence.

32
ROMBACH, Heinrich. Phänomenologie des sozialen Lebens. Grundzüge einer
Phänomenologischen Soziologie. Freiburg/München: Alber, 1994. p.12.

86 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Para a fenomenologia não existe nada “fora”. Só se pode “vir
de fora”, em relação a um objeto, quando, de algum modo, já se
está envolvido com ele, já se está junto a ele. Num contraponto: já
se está “dentro” da correlação entre o eu e o objeto. Podemos
trazer esta experiência da sua pré-intelectualidade para a sua
autorrealidade. Assim “vemos” fenomenologicamente. Quem vê o
objeto como mero fato não percebe que ele ainda deve ser visto
como fenômeno.

O método de reflexão filosófica de Husserl denomina-se


“redução fenomenológica”, porque pressupõe a redução de todo o
ser à categoria de “ser-fenômeno”. Tudo pode ser reconduzido ao
“ser-fenômeno”, no sentido anteriormente descrito e a esfera
fenomenológica é o domínio dos fenômenos puros dados na
imanência da consciência.

Durante o mesmo século XX, com base nas ideias anteriores de


Brentano e Husserl, a Fenomenologia foi sendo desenvolvida,
ramificando-se em diferentes vertentes. Dois dos mais importantes
seguidores foi Merleau-Ponty e Heidegger.

Influenciado por Edmund Husserl,


nega sua doutrina do conhecimento
intencional, preferindo basear sua
construção teórica na maneira de se
portar do corpo e na captação de
impressões dos sentidos. Para o
filósofo, o “Homem” é o núcleo dos
debates sobre o conhecer, que é
criado e percebido em seu corpo. No
exame minucioso da percepção
Merleau-Ponty converte o processo
Figura 6.7 Merleau-Ponty
fenomenológico em uma
(1908-1961)
modalidade existencial, resumindo
no “logos” a estrutura do mundo.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 87


O mundo fenomenológico, para Merleau-Ponty33, não é o ser
puro:
[...] mas o sentido que transparece na interseção
de minhas experiências com as do outro, pela
engrenagem de umas sobre as outras; ele é,
pois, inseparável da subjetividade e da
intersubjetividade, que faz sua unidade pela
retomada de minhas experiências passadas em
minhas experiências presentes, da experiência do
outro na minha. (Prefácio, p. XV).

A verdadeira filosofia é a de reaprender a ver o


mundo... Nós temos em mãos nossa sorte,
tornamo-nos responsáveis por nossa história por
meio da reflexão, mas também por uma decisão
em que engajamos nossa vida e 'nos dois casos
trata-se de um ato violento que se verifica ao se
exercer. (Prefácio, p. XVI)

Na filosofia fenomenológica (em particular na obra de Husserl,


Heidegger e Merleau-Ponty), “experiência” é um conceito muito
mais complexo do que geralmente utilizado diariamente.

A experiência (ou o “ser”, ou a própria “existência”) é um


fenômeno em-relação-a-algo e é definida pelas qualidades de
direcionamento, mundanismo concretização, e, que são evocados
pelo termo “ser-no-mundo”.

33
Merleau-Ponty, M. (1994). Fenomenologia da percepção (C. Moura, Trad.). São
Paulo: Martins Fontes. (Texto original publicado em 1945)

88 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A qualidade ou a natureza de uma dada experiência é muitas
vezes referida pelo termo “qualia”, cujo arquétipo exemplar é a
vermelhidão34. Por exemplo, poderíamos perguntar: “Será que
minha experiência de vermelhidão é a mesma que a sua?”
Conquanto seja difícil responder a essa pergunta de qualquer
maneira concreta, o conceito de intersubjetividade é
frequentemente utilizado como um mecanismo para entender
como é que os seres humanos são capazes de sentir empatia com
experiências uns dos outros, e de fato se engajar em comunicação
significativa sobre elas. A formulação fenomenológica do “Ser-no-
mundo”, onde a pessoa e o mundo são mutuamente constitutivos,
é central aqui.

“A certeza da ideia não fundamenta a da percepção, mas


repousa nela enquanto a experiência da percepção que nos ensina
a passagem de um momento a outro e busca a unidade do tempo.”
(MERLEAU-PONTY, p.42, 1990.)

Aqui temos um Merleau-Ponty que vai de encontro ao


Pragmatismo de William James (1842-1910) e o Pragmaticismo de
Peirce (1839-1914). As ideias só são válidas num tempo de nossa
vida ou num período da história da cultura.

Toda consciência é consciência perceptiva, mesmo a


consciência de nós mesmos. Não pretende destruir a racionalidade
nem o absoluto, mas fazê-los descer a terra.
Existe racionalidade, quer dizer: as perspectivas se
encontram, as percepções se confirmam, um
sentido aparece. Mas ele não deve ser posto à
parte, transformado em “Espírito Absoluto” ou em
mundo no sentido realista. (MERLEAU-PONTY,
1990.)

34
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fenomenologia_(psicologia)

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 89


A teoria da sensação, que compõe todo o saber
com qualidades determinadas, nos constrói
objetos limpos de todo equívoco, puros, absolutos,
que são antes os ideais do conhecimento do que
seus temas efetivos; ela só se adapta à
superestrutura tardia da consciência [...]. (op. cit.).

.O discípulo mais importante de Husserl foi Heidegger cujo


pensamento poderoso continua a nos influenciar até os dias de
hoje.

Heidegger teve sua formação


inicial em teologia católica.

Husserl o treinou nos processos


de redução fenomenológica e
intencionalidade (LAVERTY, 2003).
Contudo, Heidegger decidiu seguir
um caminho alternativo ao de
Husserl. A forma como a exploração
da experiência vivida é realizada
diferencia o trabalho de Husserl e
Heidegger (LAVERTY, 2003).

Figura 6.8 Heidegger


(1889-1976)

Heidegger35 atesta que a principal atividade docente de


Husserl
[...] consistia no progressivo exercício e na
aprendizagem do ver fenomenológico; ele exigia
tanto a renúncia a todo uso não crítico de
conhecimentos filosóficos como impunha não se
trazer, para o diálogo, a autoridade dos grandes
pensadores. (HEIDEGGER, 1979).

35
Heidegger, Martin. Meu caminho para a fenomenologia. In: Os Pensadores. São
Paulo: Abril Cultural, 1979. p.299.

90 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Heidegger rejeitava a ideia de que nós somos seres
observadores separados do mundo dos objetos que queremos
conhecer. Pelo contrário, nós somos inseparáveis de um mundo em
existência (DRAUCKER, 1999).

Aprender a ver fenomenologicamente consiste, em resumo,


entre outros exercícios, nas seguintes tarefas (GARCIA, 2005):

I. Começar a se ver como sujeito ou consciência que


olha as coisas do mundo. Praticar o exercício de “ver-
se” a si próprio enquanto “vendo” o mundo,
desenvolvendo o costume de duplicar a consciência
de si nesse processo. Este exercício, em sua
constância, nos dá a evidência de que tudo é pura
consciência vivida. Aquilo a que chamamos de
mundo, em todos os níveis, é apenas a certeza da
existência de algo que a consciência vive a cada
instante.
II. Debruçar-se sobre si mesmo e aperceber-se como
“vivendo” num mundo de coisas que se estendem
“junto” comigo, no espaço e no tempo. Perceber que
não me é possível desvencilhar desta relação primária
de um “eu” com um mundo de coisas junto a mim.
Perceber que “meu” destino é estar rodeado de coisas
e de seres situados e orientados relativamente a mim
e dotados, para mim, de significação e valores. Eu não
posso ser “eu” a não ser enquanto referido a um
mundo que reconheço “se dar” “junto” comigo e sem
o qual “eu” não sou “eu” mesmo. Eu só existo
“merecendo” “meu” mundo conjuntamente.
III. Descobrir-se a si mesmo como “ser-no-mundo”: uma
relação primária e fundamental. Romper com a
consciência usual e ingênua da existência de um
mundo objetivo “em si”, diante de mim, à espera de
minha percepção. Nossa consciência natural, não
refletida, ignora-se a si mesma criando-lhe uma
atitude ingênua que esconde para ela sua
participação ativa na “criação” ou "constituição" do
sentido de mundo.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 91


IV. Por constantemente em questão a crença ingênua
que temos na certeza de nós próprios e do mundo que
nos circunda. "Por em questão" significa, na
linguagem fenomenológica, "suspender"
provisoriamente o sentido que damos a nós mesmos
e às coisas do mundo circundante. Outro termo
fenomenológico para esta tarefa é "por entre
parênteses" a compreensão usual que temos de nós
próprios e das coisas ao nosso redor. Resumindo:
desconfiar de nossas compreensões acerca de tudo.
V. Entender que todos estes exercícios se constituem
numa modificação da atitude de alguém que
simplesmente aceita naturalmente as coisas como
são, para a atitude de alguém que pensa.
VI. Entender, outrossim, que a expressão "por o mundo
entre parênteses" não indica simplesmente deixar de
viver "no mundo", nem negar sua realidade, mas
consiste, como expressa Husserl, em "abster-me de
fazer uso das evidências e certezas que ele me
oferece". A redução fenomenológica só visa abrir
nossa consciência para uma nova dimensão da
experiência de mundo; pretende retirar a viseira que
esconde a subjetividade a si própria, possibilitando-a
a se ver verdadeiramente.

Para Heidegger, não é a “essência” que dá significado à


existência, mas o contrário (PADOVANI, 1990).

Argumenta que o humano “sendo-no-mundo” está sempre


buscando significados para suas experiências. A filosofia deve
desvendar a “existência”, determinar a essência do “estar-no-
mundo”.

92 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Heidegger declara em “Ser e Tempo” 36:
Se, nesta apreensão do conceito de fenômeno,
ficar indeterminado que ente está sendo
interpelado como fenômeno e se ficar em aberto
se o que se mostra é um ente ou um modo de ser
de um ente, então ter-se-á apenas um conceito
formal de fenômeno. Mas se, por aquilo que se
mostra, se compreende o ente, que no sentido de
Kant se torna acessível na intuição empírica, então
se logra usar devidamente o conceito formal de
fenômeno. Nesta utilização, o fenômeno satisfaz o
significado do conceito vulgar de fenômeno. O
conceito vulgar, porém, não é o conceito
fenomenológico de fenômeno (...). O que já sempre
se mostra nas manifestações, no fenômeno em
sentido vulgar, de maneira prévia e concomitante,
embora não temática, pode-se mostrar
tematicamente. E o que assim se mostra em si
mesmo (“formas da intuição”) são fenômenos da
fenomenologia (...). Perceber o sentido do conceito
formal de fenômeno e de seu uso devido na
acepção vulgar é uma pressuposição indispensável
para se compreender o conceito fenomenológico
de fenômeno. (HEIDEGGER, 1989).

Deveríamos esperar que cada ciência abordasse seu objeto


temático primeiramente a partir da visão interior (olhar
fenomenológico) e só depois construísse o conhecimento sobre seu
objeto (olhar exterior). No entanto, as ciências, do ponto de vista
metodológico, são dependentes da observação objetiva. O olhar
objetivo é, para o pensar fenomenológico, um olhar tardio. Tardio,
porque primeiro precisa fixar o objeto num horizonte de sentido
possível (distanciar-se), para, depois, abordá-lo num processo
investigativo (aproximar-se). Por isso, quem não desenvolver o
olhar interno para os fenômenos não alcança nenhuma
familiaridade com a descrição fenomenológica.

36
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante. 3.ed. Petrópolis:
Vozes, 1989. p.61

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 93


A fenomenologia pode, deste modo, se apresentar como uma
possibilidade de compreensão toda própria de vida humana. Por
isso sua cientificidade não coincide com o modo de cientificidade
das ciências positivas, muito menos o seu método. Compreender
algo (uma coisa, alguém, uma obra...), é compreendê-lo em seu
mundo e compreender seu mundo através dele.

Aquilo que vemos por primeiro nunca é apenas uma coisa, um


objeto, mas todo um conjunto de remissões, convivendo com ele ao
mesmo tempo. A fenomenologia é, neste sentido, a única ciência
que resgata o sentido de ciência humana em geral. Por se ocupar
tematicamente, em suas análises, com o conteúdo da experiência
vivida, a fenomenologia acaba se constituindo numa ciência
propedêutica para todas as ciências humanas (GARCIA, 2005).
Relativamente à sua orientação fundamental a
ciência é compreendida como um fenômeno
humano. Somente dentro desse horizonte ela é
capaz de aparecer enquanto uma tomada de
posição em meio à realidade humana como um
todo. Se, ao contrário, tomamo-la segundo seu
conceito positivo, segundo aquilo que geralmente
compreende sobre si mesma, então ela não toma
parte – de acordo com a imperfeição de toda
decisão fundamental – no processo da vida
humana.37 (ROMBACH, 1981).

O “vivido” é um objeto de investigação, cuja natureza está


aquém da natureza dos objetos temáticos da investigação das
outras ciências humanas em suas diferentes áreas de
conhecimento ou campos de objeto: história, natureza, educação,
arte. A cientificidade da fenomenologia não coincide, também, por
isso, com a cientificidade das chamadas ciências humanas.

37
ROMBACH, Heinrich. Substanz, System, Struktur. Die Ontologie des Funktionalismus
undder philosophische Hintergrund der modernen Wissenschaft. Freiburg: München,
1981. p.35. V.1. 2v

94 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Deve-se poder reconduzir a ciência ao papel de uma decisão
fundamental enquanto fenômeno humano, enquanto tarefa
humana. Nela, o sujeito que pesquisa está, ele mesmo,
constantemente “em jogo”, enquanto pesquisa.

Ele se torna parte da pesquisa, enquanto a desenvolve. Não


pode haver separação entre a dimensão do pesquisador e a
dimensão do objeto pesquisado.

A abordagem fenomenológica não é uma mera ferramenta


metodológica de pesquisa38.

 A fenomenologia não é uma ciência analítica empírica. Ela


começa sua investigação pela experiência como tal, mas
não extrai seu conhecimento a partir da experiência. Não
se estrutura, portanto, como as ciências experimentais,
cujo conceito de verdade se fundamenta em
levantamentos de casos, de dados, de estatísticas e
procedimentos quantitativos, com a finalidade de
estabelecer leis e postulados gerais. “Experiência” é, para a
fenomenologia, primeiramente “fenômeno” (como
exposto anteriormente), e não percepção empírica. E,
como tal, lhe cabe, como tarefa, desvelar as estruturas que
constituem a experiência fenomenal.
 A fenomenologia não é uma mera investigação
especulativa no sentido de uma reflexão “fora” da
realidade do mundo. Ao contrário do que possa parecer, a
fenomenologia está altamente interessada no
engajamento concreto com o mundo. A própria categoria
existencial “ser-no-mundo”, referida anteriormente, indica
o quanto “mundo”, como “bolsão” de fenômenos, se
constitui no lugar privilegiado da pesquisa
fenomenológica.

38
MANEN, Max van. Researching lived experience: Human Science for action sensitive
pedagogy. New York: State University of New York Press, 1990. p.19.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 95


 A fenomenologia nem é mera particularidade nem pura
diversidade. A antinomia entre particularidade e
universalidade se desenvolve, nessa ciência, entre seu
interesse na singularidade concreta de um fenômeno e nas
condições essenciais que possibilitam a “concretude” do
fenômeno.
 A fenomenologia não resolve problemas. O caráter
hermenêutico da fenomenologia não lhe permite propor
resultados definitivos e universalmente verdadeiros. O
próprio conceito de verdade é sempre um conceito relativo
de verdade. A verdade de um fenômeno é a evidência de
como este se “mostra” em seu “contexto”. A
fenomenologia é a ciência da pergunta (e não da resposta),
pelo sentido e pelo significado dos fenômenos.
(MANEN, 1990, p.19)

Apesar de ter tido origem na fenomenologia de Husserl, sua


filosofia caracteriza-se como um sistema filosófico distinto,
enquadrando-se no Existencialismo.

Heidegger modificou o método fenomenológico, ajustando-o


para o seu próprio sistema filosófico. A análise fenomenológica se
compõe de dois momentos essenciais: a descrição e a
interpretação39.(MANEN, 1990, p.25).

O interesse hermenêutico faz com que toda descrição se


converta numa interpretação. A interpretação, assim
compreendida, não se trata de um discurso particular e subjetivo,
mas um discurso que “traz à tona” as dimensões escondidas que
sustentam o “vivido” de uma dada experiência.

O que torna a descrição fenomenológica distinta da ação


descritiva de outras ciências é que ela volta sua atenção para a
experiência “vivida”, ao mesmo tempo em que é colhida (ou,
tomada) pela experiência “vivida”. Resumindo, ela parte do “vivido”
e volta para ele, numa ação simultaneamente passiva e proativa de
investigação.

39
MANEN, Max van. Researching lived experience:..., op cit., p.25.

96 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Este movimento dialético, característico da descrição
fenomenológica, mantém “vivo”, na pesquisa, o sentido de
consciência do ato “vivido”.

Descrição é a arte de expressar o “vivido”, sem dele se


“separar”. Os procedimentos metodológicos adotados até agora
visaram nos colocar em contato, ainda que preliminarmente, com o
a fenomenologia em sua lida na articulação do sentido de ser dos
fenômenos.

É óbvio que todo esse processo só poderá ser suficientemente


logrado, por meio da insistente prática efetiva da fenomenologia. O
sucesso da análise fenomenológica, para o propósito da pesquisa
em ciências humanas, depende da habilidade desenvolvida pelo
pesquisador para ver e, sobretudo, descrever, por escrito, os
fenômenos.

Mas, talvez o mais difícil e controverso elemento da ciência


fenomenológica seja justamente a diferenciação entre os temas
essenciais e os temas acidentais relacionados ao fenômeno que
esteja sendo estudado, concretamente. (MANEN, 1990, p. 26).

A máxima da fenomenologia então se repete: o interesse do


pesquisador, no empenho pela determinação do tema essencial de
um fenômeno, é o de descobrir as condições que fazem de um
fenômeno aquilo que ele “é”, e sem o qual o fenômeno não poderia
ser o que “é”.

Para esse propósito, o pesquisador deve manter sempre em


mente a questão mestra: “Este fenômeno é ainda o mesmo se
mudamos ou retiramos dele seu foco temático?” “Será que o
fenômeno muda seu significado fundamental sem esse foco
temático específico?40” (MANEN, 1990, p. 26).

40
MANEN, Max van. Researching lived experience:..., op cit., p.26.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 97


Husserl focou em questões epistemológicas da relação entre o
conhecedor e o objeto de estudo (LAVERTY, 2003). Fez distinção
entre o objeto que é intencionado e o ato de intencionar. Heidegger
revisou a fenomenologia para incluir a ontologia (JONES, 2001).
Apagou qualquer distinção entre o indivíduo e a experiência,
interpretando eles como coexistentes (LAVERTY, 2003). Nessa
perspectiva, a redução fenomenológica ou epoché é impossível.

Husserl parecia ter uma necessidade profunda pela certeza,


que o levava em direção de fazer da filosofia uma ciência rigorosa. A
suspensão fenomenológica ou epoché é considerada uma forma de
indicar rigor científico na abordagem fenomenológica (LEVASSEUR,
2003). Apesar de Husserl não ser visto exatamente no
enquadramento positivista da ontologia e epistemologia, sua
educação formal em matemática é visto como uma influência na
sua conceituação de filosofia (LAVERTY, 2003).

Na fenomenologia hermenêutica, o pré-julgamento pode ser


usado positivamente como parte dos dados da experiência e ajuda
a estabelecer o horizonte de significado (LEVASSEUR, 2003).

A essência do que se procura nas manifestações do fenômeno


nunca é totalmente apreendida, mas sua busca possibilita novas
compreensões (GARNICA, 1997).

Gil (1999) sustenta que o método fenomenológico não é


dedutivo nem empírico. A Fenomenologia ressalta a ideia de que o
mundo é criado pela consciência, o que implica o reconhecimento
da importância do sujeito no processo da construção do
conhecimento. Para Le Vasseur (2003), a fenomenologia como um
método está longe de ter uma abordagem única.

Qualquer coisa que se apresente à consciência é


potencialmente de interesse da Fenomenologia, seja um objeto real
ou imaginário, empiricamente mensurável ou subjetivamente
sentido (VAN MANEN, 1990). A experiência não é decomposta em
partes, mas descrita/compreendida de forma holística.

98 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


É possível fazer uma distinção entre a fenomenologia (como
uma descrição pura da experiência vivida) e a fenomenologia
hermenêutica (como uma interpretação da experiência)
(VAN MANEN, 1990).

Enquanto o foco e os resultados da pesquisa, incluindo a


coleta de dados, a seleção dos sujeitos e o entendimento da
experiência vivida, pode ser similar nas duas abordagens, a posição
do pesquisador, o processo de análise dos dados e as questões de
rigor e credibilidade podem ter um grande contraste (LAVERTY,
2003).

Os seguidores rigorosos do método transcendental de Husserl


insistem que a pesquisa fenomenológica é puramente descritiva
(VAN MANEN, 1990). A fenomenologia descritiva tem o compromisso
da redução fenomenológica (LEVASSEUR, 2003).

A pesquisa hermenêutica é interpretativa e preocupada com o


significado histórico da experiência. O entendimento é derivado do
envolvimento pessoal do pesquisador com o tema, pois o
pesquisador é um “ser-no-mundo” buscando significado de suas
experiências.

A abordagem de Van Manen (1990) é fenomenológica,


hermenêutica e semiótica ou orientada pela linguagem. A pesquisa
fenomenológica interpretativa não pode ser separada da prática
textual.

Que estrutura metódica, então, pode servir de orientação para


efeito de uma pesquisa fenomenológica? Van Manen (1990), por
exemplo, privilegia seis atividades de pesquisa, cuja interconexão,
constitui a dinâmica da pesquisa fenomenológica. São elas:

I. Voltar para o fenômeno que seriamente nos interessa


e que nos compromete com o mundo. Trata-se de
escolher o objeto fenomenal, alvo da pesquisa. Definir
o fenômeno “vivido” que nos interessa. E isto é
sempre um projeto de “alguém”, que concretamente
vive uma circunstância definida “junto ao mundo”.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 99


II. Investigar a experiência como a “vivemos”, não como
a tematizamos. Captar o fenômeno em seu nível
operativo. Fenômeno como consciência “vivida”.
III. Refletir sobre os componentes essenciais do
fenômeno. Trata-se do exercício do “ver
fenomenológico” propriamente dito: a redução, isto é,
fazer aparecer à dimensão a partir da qual o “vivido”
de uma experiência se constitui tal como “aparece”
na experiência.
IV. Efetivar a descrição fenomenológica pelo exercício da
escrita e reescrita. Corresponde à aplicação por
escrito do exercício do “ver fenomenológico”,
anteriormente mencionado.
V. Manter a firme relação pré-orientada com o fenômeno
pesquisado.
VI. Avaliar o contexto da pesquisa considerando o todo e
as partes. Trata-se de “amarrar” o fenômeno (o
“vivido”), na unidade da dimensão à qual ele pertence
fundamentalmente. Significa, com outras palavras,
manter a estrutura do fenômeno enquanto tal, sem
fragmentá-la.

Vale lembrar que os seis passos fenomenológicos elencados


não estão dispostos em ordem de preliminaridade e prerrogativa
entre eles, como se constituíssem etapas metódicas de análise. Ao
contrário, para a efetiva pesquisa, todos operam simultaneamente
(cooperam) “enquanto” se realiza a pesquisa.

100 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Escolher o objeto
fenomenal

Investigar a
Amarrar o
experiência como a
fenômeno vivido
vivemos

Manter a relação Redução


com o fenômeno fenomenológica

Descrição

Figura 6.9 Os seis passos do “fazer fenomenologia” de Van Manen


Fonte: adaptado por Van Manen (1990).

A arte da análise fenomenológica reduzir-se-á, portanto, a


tentativa de, junto aos “dados”, aceder às dimensões da “vivência”
da vida, mesmo sabendo que os significados trazidos à tona pela
investigação já não mais correspondem ao sentido originário do
“vivido” em seu velamento. Este é o significado fenomenológico de
pesquisa de “dados”. O termo “fenomenologia” nem evoca o objeto
de suas pesquisas, nem caracteriza o seu conteúdo quididativo.
Ciência dos fenômenos significa: apreender os
objetos de tal maneira que se deve tratar de tudo
que está em discussão, numa demonstração e
procedimentos diretos. Descrição não indica aqui
um procedimento nos moldes, por exemplo, da
morfologia botânica41. (HEIDEGGER, 1989, p. 65).

41
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Op cit., p.65.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 101


Para a compreensão fenomenológica de descrição não há
absolutamente nada “atrás” dos fenômenos. O que acontece é que:
[...] aquilo que deve tornar-se fenômeno pode se
velar. A fenomenologia é necessária justamente
porque, de início e na maioria das vezes, os
fenômenos não se dão. O conceito oposto de
fenômeno é o conceito de encobrimento.
(HEIDEGGER, 1989, p. 66).

Van Manen, por exemplo, irá insistir nessa dupla dimensão da


tarefa de uma pesquisa fenomenológica, qual seja a de conduzir,
por um lado, o nível operativo de nossas experiências vividas para o
nível temático do discurso descritivo-hermenêutico das mesmas.
Mas isso, por outro lado, de forma tão sutil que o efeito do discurso
descritivo mantenha, ao mesmo tempo, o reviver reflexivo e a
apropriação reflexiva da experiência vivida, convertida em
fenômeno, por aquele que lê a descrição do fenômeno:

102 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


O que será que a fenomenologia deve "deixar e
fazer ver"? O que se deve chamar de "fenômeno"
num sentido privilegiado? O que, em sua essência,
é necessariamente tema de uma demonstração
explícita? Justo o que não se mostra diretamente e
na maioria das vezes e sim se mantém velado
frente ao que se mostra diretamente e na maioria
das vezes, mas, ao mesmo tempo, pertence
essencialmente ao que se mostra diretamente e na
maioria das vezes a ponto de se constituir em seu
sentido e fundamento. (...) o que, num sentido
extraordinário, se mantém velado ou volta
novamente a encobrir-se ou ainda só se mostra
desfigurado não é este ou aquele ente, mas o ser
dos entes. O ser pode se encobrir tão
profundamente que chega a ser esquecido, e a
questão do ser e de seu sentido se ausentam. O
que, portanto, num sentido privilegiado e em seu
próprio conteúdo mais próprio, exige tornar-se
fenômeno é o que a fenomenologia tomou para
objeto de seu tema42. (MANEN, 1990, p.32-35).

O principal objetivo da fenomenologia como ciência consiste,


então, em transformar a consciência da experiência vivida, numa
descrição temática, em que possa ser demonstrada a essência do
“vivido” enquanto fenômeno.

E a essência do vivido nada mais é que o horizonte a partir do


qual o “vivido” já me está à mão deste ou daquele modo.

Outro aspecto do conceito de “experiência” é o caráter de


relação e de proporção que ele contém. Uma experiência qualquer
sempre revela ao mesmo tempo a unidade de um todo ao qual ela
pertence. Pois toda experiência se elabora a partir de nexos
estruturais, que lhe emprestam sua qualidade particular (sua marca
dominante). Assim, experiências vividas estão sempre relacionadas
umas com as outras, de modo a compor, nas palavras de
Dilthey (1833-1911), uma verdadeira sinfonia.

42
MANEN, Max van. Researching lived experience:..., op cit., p. 32 -35

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 103


A epistemologia da experiência e percepção mudou para a
epistemologia da linguagem (VAN MANEN, 1990). A mudança dessa
epistemologia é a conscientização de que a experiência vivida está
imersa na linguagem. Nós somos capazes de relembrar e refletir
sobre as experiências graças à linguagem.

Um exemplo bem simples pode nos ajudar a compreender o


caráter de relação de uma experiência (GARCIA, 2005): Vamos
imaginar a situação de um náufrago, que após dias à deriva em alto
mar, alcança a terra firme, numa ilha remota e supostamente
selvagem. Na busca de sobrevida ele se põe a explorar os cantos da
ilha em busca de alimento e abrigo. Dias depois de chegado ao local
ele se depara inesperadamente com uma velha sandália enterrada
na areia de uma praia deserta.

Essa experiência (vivida), com certeza, não se traduz, para o


náufrago, apenas como uma simples experiência de “ver” uma
sandália solta na praia. A sandália se lhe revela como um nó de
estruturas.

O “objeto” encontrado carrega em si, ao mesmo tempo, um


leque de outras significações além da remissão primária à função
de “calçar” o pé. Aliás, ele (o náufrago) nem mesmo vê primeiro a
"coisa" sandália que calça o pé. Ao olhar para a sandália ele já vê,
imediatamente, toda uma civilização com suas relações derivadas:
mundo, cultura, vida, gente, ajuda, acolhida, comunidade,
salvação, companhia. Como num caleidoscópio, o “vivido” do ver a
sandália abre diferentes “mundos”.

Viver a vida significa reiteramos, “ser no mundo”, mas já “ser”


sempre numa relação concreta com o mundo, enquanto alguém
que ama, que cuida, que busca, que odeia, que ensina, que teme,
que reza, que oprime, que redime, que nutre, etc:

104 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Na percepção, algo é percepcionado, na
imaginação, algo é imaginado, na enunciação, algo
é enunciado, no amor, algo é amado, no ódio, algo
é odiado, no desejo, algo é desejado, etc. (...) Todo
o fenômeno psíquico contém em si mesmo
qualquer coisa como objeto, ainda que cada um
contenha à sua maneira. Este modo de relação da
consciência ao seu conteúdo (como
frequentemente Brentano o exprime noutras
passagens) é precisamente, na representação, o
modo representativo, no juízo, o modo judicativo,
etc. Como se sabe, a tentativa de classificação, por
Brentano, dos fenômenos psíquicos em
representações, juízos e movimentos afetivos
(fenômenos de amor e de ódio) funda-se sobre
este modo de relação no qual Brentano distingue,
três formas fundamentalmente diferentes (que
eventualmente, se especificam de múltiplas
maneiras)43. (HUSSERL, 1993, p168-171).

Toda investigação fenomenológica traz um duplo caráter: uma


preocupação com a dimensão concreta da experiência vivida,
ôntica, e uma preocupação com a dimensão essencial da
experiência vivida, ontológica. Todo fenômeno comporta, desse
modo, para a análise, um caráter ôntico e um caráter ontológico.
Orientar-se para o fenômeno requer a acuidade do pesquisador no
sentido de observar na pesquisa, esse duplo caráter do fenômeno
em seu “mostrar-se” como tal.

Uma característica fundamental do modo fenomenológico de


questionar é que ele não consiste simplesmente da colocação de
uma questão, como se pudesse abandoná-la adiante, como uma
pergunta qualquer. A pergunta fenomenológica surge da vivência
da própria questão por parte de quem investiga. Significa que o
investigador se torna, ele mesmo, de certo modo, o próprio
interrogado da questão que levanta:

43
HUSSERL, Edmund. Logische Untersuchungen – Zweiter Band: Untersuchungen zur
Phänomenologie und Theorie der Erkenntnis, Erstes Teil. Tübingen: Max Niemeyer,
1993. p.168-171

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 105


Pode-se empreender um questionamento como
“um simples questionário” ou como o
desenvolvimento explícito de uma questão. A
característica dessa última é tornar de antemão
transparente o questionamento quanto a todos os
momentos constitutivos (...) de uma questão. (...).
Caso a questão do ser deva ser colocada
explicitamente e desdobrada em toda a
transparência de si mesma, sua elaboração exige
(...) a explicação da maneira de visualizar o ser, de
compreender e apreender conceitualmente o
sentido, a preparação da possibilidade de uma
escolha correta do ente exemplar, a elaboração do
modo genuíno de acesso a esse ente. Ora,
visualizar, compreender, escolher, aceder a, são
atitudes constitutivas do questionamento e, ao
mesmo tempo, modos de ser de um determinado
ente, daquele ente que nós mesmos, os que
questionam, sempre somos. Elaborar a questão do
ser significa, portanto, tornar transparente um
ente – o questionante – em seu ser 44. (HUSSERL,
1993, p33).

O modo fenomenológico de perguntar exige o “compromisso”


do interrogante. Enquanto coloca a pergunta, ele nunca pode
situar-se “fora” do questionamento.

Este é o sentido pelo qual se objeta àqueles que argumentam


sobre o valor não prático da fenomenologia, como modo de
investigação. Urgir uma aplicação prática e imediata da pergunta
fenomenológica é se posicionar “fora” do questionamento, ou se
distanciar da natureza da pergunta. Questionar, para a
fenomenologia, não significa aguardar uma resposta, mas abrir
possibilidades (diferentes visões sobre diferentes realidades).

A pergunta que assim abre possibilidades (caminhos) de


análise dispõe ao interrogante uma visão ampla e autônoma da
realidade. Por isso é que, parafraseando Heidegger, Van Manen
acrescenta:

44
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Op cit., p.33.

106 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A principal questão não se trata em saber se
podemos fazer algo com a fenomenologia, mas se
a fenomenologia, uma vez profundamente
interessados por ela, pode fazer alguma coisa
conosco45. (MANEN, 1990, 45).

Uma tarefa preliminar para a atitude do pesquisar


fenomenológico consiste em “suspender” provisoriamente toda
compreensão usual que trazemos sobre o objeto pesquisado.

Um grande perigo para a abordagem temática de um


fenômeno é “se trazer”, para a descrição, nossas pressuposições
extraídas tanto do senso comum como do conhecimento científico.
Passamos, por assim dizer, “por cima” dos fenômenos, toda vez que
apelamos apressadamente para uma pressuposição não
questionada acerca de algo.

O desafio da fenomenologia se constitui em deixar que o


próprio fenômeno apresente seu vigor tanto no que se fala, como
no que se cala a seu respeito. Sua meta continua sendo a única e a
mesma: reconduzir o fenômeno, no nível da linguagem, à sua
experiência originária. Por isso, à diferença da linguagem técnica ou
científica, para o discurso fenomenológico muitas vezes falta
palavra.

A fenomenologia é, do ponto de vista discursivo, uma ciência


limitada. Sua descrição não quer indicar o objeto de forma
assertiva. Não quer impor um sentido fechado às coisas que
investiga. Muito menos ela busca resgatar um sentido
contemplativo ingênuo da realidade. O que ela busca é perscrutar o
objeto em si, para extraí-lo naquela chamada “visão original” a que
Husserl se refere.

45
MANEN, Max van. Researching lived experience:..., op cit., p.45

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 107


A diferença radical entre o olhar objetivo e a visão
fenomenológica consiste nisso: que a observação objetiva vê seu
objeto de fora; percebe-o pela distância de um determinado ponto
de vista. Já a visão fenomenológica recusa toda distância. Ela tenta
penetrar no objeto de tal modo que possa compreender sua
estrutura interna e descobrir sua constituição de sentido. A mesma
constituição interior de sentido que “mantém de pé” o objeto.

A tarefa essencial de toda reflexão fenomenológica é, em sua


expressão, algo de muito simples: “mostrar a dimensão na qual o
sentido de algo se dá em minha experiência, assim como ele ‘é’, em
minha experiência”. Já, em nossa linguagem: “alcançar o sentido
fundamental do ‘vivido’”.

Paradoxalmente à simplicidade da ação expressa, a tarefa a


que se propõe a reflexão fenomenológica é das mais árduas do
pensamento, como já se disse.

Trata-se de trazer para o nível da determinação teórica


(temática) o sentido (pré-teórico) que atribuímos a tudo o que
pertence à esfera de nossa experiência, no dia-a-dia. Há, pois, um
imenso abismo entre, de um lado, a compreensão “vivida” imediata
(pré-reflexiva) que temos do sentido de uma experiência nossa
qualquer, e, de outro, a compreensão teórica (reflexiva) que
elaboramos da estrutura de sentido do “vivido” da mesma
experiência.

108 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Um exemplo clássico, a experiência do tempo:
Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo
clara e brevemente? Quem poderá apreender,
mesmo só com o pensamento, para depois nos
traduzir por palavras o seu conceito? E que
assunto mais batido nas nossas conversas que o
tempo? Quando dele falamos, compreendemos o
que dizemos. Compreendemos também o que nos
dizem quando dele nos falam. O que é, por
conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar,
eu sei; se o quiser explicar a quem me fizer à
pergunta, já não sei 46. (SANTO AGOSTINHO, 1984,
p. 218)

O texto de Santo Agostinho ilustra claramente a diferença que


se estabelece entre o conhecimento imediato de uma dada
experiência humana (no caso, o tempo), e o conhecimento reflexivo
da mesma experiência. Tanto a compreensão imediata quanto a
compreensão temática do “vivido”, supõe um conhecimento do
“vivido”, mas em níveis distintos.

O conhecimento operativo e o conhecimento temático de uma


experiência vivida são, segundo a reflexão fenomenológica, dois
atos intencionais diferentes.

Assim, na grande maioria das vezes, junto a todos os


fenômenos, nos encontramos, como que, “mergulhados” em sua
compreensão comum e imediata, na medida de nossas
experiências.

Todas as nossas experiências se elaboram de antemão com


um sentido próprio e imediato a elas atribuído. Não precisamos de
nenhuma mediação antecipada para “atribuir” significado a nossas
experiências vividas.

46
Santo Agostinho. Confissões. In: _____. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1984. p.218

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 109


Sabemos imediatamente o sentido de tudo o que “vivemos”,
no imediato de nossas vivências. No ato de toda e qualquer
experiência, se dá, simultaneamente, um ato significativo.

A tarefa da reflexão fenomenológica consiste, enquanto


análise, em se distanciar provisoriamente do imediato vivido da
experiência para poder fazer dele, o “vivido”, tema explícito de sua
investigação. Ora, explicar o vivido é uma “experiência” diferente de
vivê-lo, simplesmente. Mas explicar o vivido é, por sua vez, também
uma ação “vivida”, o que torna a reflexão fenomenológica uma
espécie de “vivido especial”. Especial, porque ela instaura um
segundo vivido, ou, um vivido “temático”, diferente do vivido
“operativo” imediato de uma experiência. Para ambos, contudo,
está sempre em jogo a concepção de fenômeno ou “vivido” da
experiência.

O projeto da reflexão fenomenológica resume-se, desse modo,


em efetivar um contato mais direto com a “experiência”, enquanto
vivida.

Isto se legitima, por que, no nível da demonstração dos


fenômenos, ou, na demonstração dos “vividos”, a fenomenologia
busca capturar o sentido de todos eles: o cuidar, enquanto se cuida;
o amar, enquanto se ama; o julgar, enquanto se julga; o temer,
enquanto se teme etc. A reflexão fenomenológica consiste, dessa
forma, num exercício literal de “fazer refletir” o vivido para ele
mesmo.

A fenomenologia, ao voltar sua atenção para o vivido imediato,


inaugura nela mesma, enquanto ação, uma segunda espécie de
vivido, ou seja, um vivido mediado pela reflexão e, desse modo, um
vivido do “vivido”: uma curiosa repercussão do fenômeno.

110 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Van Manen47 ressalta a importância da elaboração escrita do
texto fenomenológico para a realidade da pesquisa. Compara a
pesquisa ao árduo trabalho do ferreiro, cuja arte consiste em forjar
o metal para confecção do instrumento. O instrumento “forjado” é
o texto escrito. Diz ele adiante:
De modo a empreender com sucesso a estrutura
de significado de um texto é imprescindível
escolher o fenômeno passível de análise no texto e
pensá-lo em termos de unidades de sentido,
estruturas de significado, ou temas. (MANEN, 1990,
p.64).

Veja-se, aqui, a importância da relação entre a escolha do


fenômeno e sua descrição aproximada.

O caráter da própria descrição,


o sentido específico do discurso, só
poderá ser estabelecido a partir da
“própria coisa” que deve ser
descrita, ou seja, só poderá ser
determinado cientificamente
segundo o modo em que os
fenômenos vêm ao encontro. Assim,
a condução da análise temática é a
Figura 6.10 Max van Manen tarefa preliminar na elaboração do
(1942) registro textual de uma pesquisa
hermenêutico fenomenológica.

47
MANEN, Max van. Researching lived experience:..., op cit., p.64

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 111


7. As hermenêuticas

"Se reflito, dando um passo para trás de meio século [...],


sobre as influências que reconheço ter sofrido, sou grato
por ter sido desde o início solicitado por forças contrárias
e fidelidades opostas: de uma parte Gabriel MarceI, ao
qual acrescento Emmanuel Mounier; de outra, Edmund
Husserl". (PAUL RICOEUR, 1991).

Ricoeur48 forma-se em contato com as ideias do


existencialismo, do personalismo e da fenomenologia. É daí que
vão nascer as hermenêuticas: da Genealogia de Nietzche
(1844-1900), da Arqueogenealogia de Cassirer (1874-1945), do
Existencialismo de Gabriel Marcel (1889-1973) e Karl Jaspers
(1883-1969) e da Fenomenologia de Husserl (1859-1938).

Ricoeur discute “O voluntário e


o involuntário” dirigindo sua
atenção sobre como esta relação se
configura na tríplice dimensão do
decidir, do agir e do consentir.

Necessidades, emoções e
hábitos pressionam o querer, e este
querer dá a sua resposta por meio
da escolha, do esforço e do
consentimento: “Eu suporto este
corpo que governo”. Ricoeur vê o
homem concreto como vontade
Figura 7.1 Paul Ricoeur falível e, portanto, capaz de mal. Um
(1913-2005) homem frágil, “desproporcionado”,
sempre sobre o abismo entre o bem
e o mal.

48
A filosofia da vontade (primeira parte: O voluntário e o involuntário, 1950; segunda
parte: Finitude e culpa, 1960, em dois volumes: O homem falível e A simbólica do
mal). O conflito das interpretações, 1969. A metáfora viva, 1975, dentre outros.

112 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A fim de entender o mal e a culpa, o filósofo deve ouvir e
interpretar os símbolos que representam a confissão que a
humanidade fez de suas culpas; ou seja, deve compreender os
mitos que veiculam símbolos como a mancha, o pecado, a
culpabilidade etc.

A figura de Adão mostra a universalidade do mal enquanto


Adão representa toda a humanidade. Se quisermos compreender o
homem é necessária à interpretação. Se para Nietzsche a
consciência é a máscara da vontade de poder, para Freud
(1856-1939) o “Eu” é um infeliz submisso aos três patrões: o “Isso”,
o “Super eu” e a “Realidade” ou “Necessidade”. Ricoeur sustenta
que é necessário pesquisar, nos símbolos, o vetor arqueológico e o
teleológico, ou seja, as razões de suas raízes no passado e as
motivações que os tornam úteis ou necessários para o futuro.
Consciência? Como se poderia ainda crer na ilusão
de transparência associada a este termo, depois de
Freud e da psicanálise? Sujeito? Como se poderia
alimentar ainda a ilusão de uma fundação última
em algum sujeito transcendental, depois da crítica
das ideologias efetuadas pela Escola de Frankfurt?
O eu? Mas quem não sente com força a impotência
do pensamento para sair do solíssimo teórico [...]?
49

Garcia (2005) usa o caso do “medo” ou do “temor” como


fenômeno exemplar. Observa como o medo pode se exprimir, por
um lado, como “experiência vivida” e, por outro lado, como tema
explícito de uma análise fenomenológica. A primeira situação indica
uma compreensão operativa ou não reflexiva do fenômeno; a
segunda, uma compreensão reflexivo-analítica do mesmo.

49
http://pt.wikipedia.org/wiki/Paul_Ric%C5%93ur

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 113


Compreensão
reflexivo-analítica
Tema
explícito

Medo

Experiência
vivida
Compreensão
Operativa

Figura 7.2 A hermenêutica do medo


Fonte: autoria própria

Uma descrição do medo feita pelo personagem Riobaldo, em


Grande Sertão: Veredas, romance de Guimarães Rosa, nos permite
uma compreensão operativa do fenômeno do temor.
Paralelamente e, em confronto com este, Garcia (2005) se serve da
magistral descrição fenomenológica do temor, feita por Martin
Heidegger, em Ser e Tempo para produzir essa hermenêutica.
Simplificada aqui:

Riobaldo ama Diadorim. Não é que


Riobaldo goste de homens, é jagunço como
Diadorim, cabra macho. Mas não teve
remédio, há coisas que não se percebem, mas
tem que se aceitar e, Riobaldo apaixonou-se
pela beleza de Diadorim, enquanto
deambulavam nas tropelias da vida e da
morte pelos “sertões das gerais”, sul da Bahia
e norte de Minas. Riobaldo gostaria de
sossegar da jagunçagem, assentar ao lado de
Diadorim, seu amor platônico. Mas este não
para enquanto não vingar a morte do pai.
Guimarães Rosa (1908-1967) escreveu um
português trabalhado palavra a palavra em
Figura 7.3 Grande Sertão: cima dos falares sertanejos. (ROSA, 1985).
Veredas

114 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Com relação à narrativa do medo “vivido” por Riobaldo, vale
ainda destacar, brevemente, o contexto diante do qual ele
desenvolve o sentimento do medo em questão. Riobaldo, após
longo tempo de atuação junto às milícias oficiais, foge para se unir
ao bando dos jagunços que antes procurara exterminar, como
soldado. Riobaldo ocupava posto de destaque no grupo dos
soldados, o que torna sua deserção algo de mais grave. O motivo
que o leva a se unir à jagunçagem é misterioso. Mas, o fato, em si,
começa a despertar nele um profundo temor pela possível morte
cruel iminente, caso fosse capturado pelos inimigos. Diz a narrativa
do romance:
Foi que Titão Passos, pensando mais, me disse: –
"Tudo temos de ter cautela... Se eles já souberam
notícia de que você fugiu, e te encontram, são
sujeitos para quererem logo te matar imediato, por
culpas de desertor..." Ouvi retardado, não pude
dar resposta. Me amargou no cabo da língua.
Medo. Medo que maneia. Em esquina que me veio.
(...) Homem? É coisa que treme50. (ROSA, 1985,
p. 130).

E o que Heidegger diz sobre o temor, no enfoque


fenomenológico? O fenômeno do temor pode ser considerado
segundo três perspectivas: analisaremos o que se teme, o temer e
pelo que se teme.

Essas perspectivas possíveis e co-pertinentes não são casuais.


Com elas, vem à luz a estrutura do temor.

50
ROSA, J. G. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p.130

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 115


O que se teme, o “temível”, é sempre um ente que vem ao
encontro dentro do mundo... Trata-se de determinar
fenomenalmente o que é temível em sua temeridade. O que
pertence ao temível como tal a ponto de vir ao encontro no temer?
O que se teme possui o caráter de ameaça. Ao se aproximar na
proximidade, o dano traz consigo a possibilidade desvelada de
ausentar-se e passar ao largo, o que não diminui nem resolve o
temor, ao contrário, o constitui51.

Como Riobaldo descreve, para si, o temor, que sente


(que vive)?
Têm diversas invenções de medo, eu sei; o senhor
sabe. Pior de todas é essa: que tonteia primeiro,
depois esvazia. Medo que já principia com um
grande cansaço. Em minhas fontes, cocei o aviso
de que um suor meu se esfriava. Medo do que pode
haver sempre e ainda não há.

Como isso é descrito na linguagem crítico reflexiva da


fenomenologia?

O próprio temer libera a ameaça que assim caracterizada se


deixa e faz tocar a si mesma. Não se constata primeiro um mau
futuro (malum futurum) para, a seguir, temer.

O temer também não constata primeiro o que se aproxima,


mas, em sua temeridade, já o descobriu previamente. É temendo
que o temor pode ter claro para si o temível, “esclarecendo-o”. A
circunvisão vê o temível por já estar na disposição do temor.

O que mais Riobaldo nos conta sobre “seu” medo?

51
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Op cit., p.195

116 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Em tanto, eu devia de pensar tantas coisas – que
de repente podia cursar ali gente zebebela
armada, me pegavam: por al, por mal, eu estava
soflagrante encostado, rendido, sem salves,
atirado para morrer com o chão na mão. Devia me
lembrar de outros apertos, e dar relembro do que
eu sabia, (...) Não pude, não pensava demarcado.
Medo não deixava. Eu estando com um vapor na
cabeça, o miolo volteado. (...) Purguei a passagem
do medo: grande vão eu atravessava. (...) Medo
agarra a gente é pelo enraizado.

Como o discurso fenomenológico traduz essa experiência?

Figura 7.4 Conceitos básicos em fenomenologia


Fonte: autoria própria

Noesis é o ato de tomar consciência. “Pensar”, “amar”, “odiar”,


“imaginar” são todos verbos aplicados ao que a mente faz. Husserl
usa a palavra “noema”, que comporta dois aspectos funcionais:
sentido imanente e o propriamente cognitivo. Não se ama uma
crença.

Empregamos um noema quando não temos palavras sobre


uma “coisa” de que temos uma ideia. Platão usou a metáfora da
caverna para fazer entender que o que vemos não é a realidade,
mas a sombra dela.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 117


Precisamos distinguir “noema” de “noesis”, porque
justamente o psicologismo os confunde como a mesma coisa, ou
seja, os meus atos e aquilo que objetivo são, em Husserl, coisas
distintas.

O próprio ente que teme, o homem, é aquilo pelo que o temor


teme. (...) O temer abre esse ente no conjunto de seus perigos, no
abandono a si mesmo. (...) Se tememos pela casa ou pela
propriedade, isso não contradiz em nada a determinação anterior
daquilo pelo que se teme. Pois o homem, enquanto “ser-no-
mundo”, é um ser em ocupações “junto a”. De início e na maior
parte das vezes, o homem “é” a partir do que se ocupa. Estar em
perigo é a ameaça do ser e estar junto a. Predominantemente, o
temor revela o homem de maneira privativa. Ele confunde e faz
“perder a cabeça”.

O temor vela, ao mesmo tempo, o estar e ser-em perigo na


medida em que deixa ver o perigo a ponto de o homem precisar se
recompor depois que ele passa.

Os momentos constitutivos de todo o fenômeno do temor


podem variar. Nessas variações, surgem diferentes possibilidades
de ser do temer. A aproximação na proximidade pertence à
estrutura de encontro daquilo que ameaça. Na medida em que uma
ameaça, em seu “na verdade ainda não, mas a qualquer momento
sim”, subitamente se abate sobre o ser-no-mundo da ocupação, o
temor se transforma em pavor.

O referente do pavor é, de início, algo conhecido e familiar. Se,


ao contrário, o que ameaça possuir o caráter de algo totalmente
não familiar, o temor transforma-se em horror. E somente quando o
que ameaça vem ao encontro com o caráter de horror, possuindo
ao mesmo tempo o caráter de pavor, a saber, o súbito, o temor se
torna então, terror.

Outras variações do temor nos são conhecidas como timidez,


acanhamento, receio e estupor.

118 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


O pretenso diálogo entre Heidegger e Guimarães Rosa
articulado por Garcia (2005) é um belo exemplo ilustrativo de
narrativa (no caso da “experiência vivida” do medo), e de descrição
(no caso da análise hermenêutica do medo), cujos discursos
determinam de forma precisa os temas essenciais que compõem a
estrutura do medo, como “vivido”, num caso, ou a estrutura do
medo como “fenômeno”, no outro.

A melancolia, como a analisa Julia Kristeva (1989)52, é “um


abismo de tristeza, dor incomunicável [...], até nos fazer perder o
gosto por qualquer palavra, qualquer ato, o próprio gosto da vida”.
Se imaginarmos uma escala, em um extremo teríamos o simbólico
(matemática) e, do outro, o semiótico (música). Kristeva sustenta
que toda a linguagem necessita tanto de elementos semióticos
como simbólicos.

Para Heiddeger, as pressuposições não podem ser suspensas,


pois são elas que possibilitam a construção de significado das
experiências. Linguagem e compreensão são aspectos estruturais
inseparáveis do humano “sendo-no-mundo”. Interpretação é vista
como crítica para o processo de entendimento da experiência
(LAVERTY, 2003). As experiências só podem ser entendidas em
termos do background e do contexto social da experiência.

Assim, lentamente, na dança entre Heidegger, Guimarães Rosa


e Garcia, vamos abandonando a modernidade e nos debruçando
sobre o pós-moderno. Descrente da razão, que deseja desencantar
o mundo para chegar ao pensamento científico, seguirá pelo
caminho inverso, o do (re)encantamento Das fenomenologias às
hermenêuticas. Prosseguiremos este caminho, iniciado com Paul
Ricoeur (1913-2005), com Gadamer (1900-2002).

52
KRISTEVA, Julia. O sol negro – depressão e melancolia. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 119


O homem já não vive num universo puramente
físico, mas num universo simbólico. A linguagem, o
mito, a arte e a religião são partes deste universo.
São os vários fios que tecem a rede simbólica, a
teia emaranhada da experiência humana. Todo o
progresso humano no pensamento e na
experiência aperfeiçoa e fortalece esta rede.
(CASSIRER, 1977)

A fenomenologia de Husserl (1859-1938) e Heidegger


(1889-1976) em confronto com a filosofia de Nietzche (1844-1900) e
Kierkgaard (1813-1855) vão gerar o Existencialismo de Jean Paul
Sartre (1905-1980). Em vez do “cogito ergo sum” de Descartes,
(1596-1650) temos o “existo porque sou percebido” sartreano. Em
vez da busca pela verdade, a náusea.

Figura 7.5 Nietzche (1844-1900) e Kierkgaard (1813-1855)

Pós-modernidade corresponde, de fato, a um movimento


teórico multidisciplinar que vai da filosofia à estética, envolvendo
as artes, a sociologia chegando ao campo dos estudos
organizacionais.

120 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


O denominador comum é a resistência à modernidade e, em
particular, a crítica à razão iluminista (HARVEY, 1993; CLEGG, 1990;
WOOD, 1999). Bauman a chama de modernidade líquida. Maffesoli
fala da transição do “Mundo Prometêico” ao “Mundo Dionisíaco”.
Lipowesky e Marc Augé falam de hipermodernidade. Debord fala da
sociedade do espetáculo.

Segundo Bauman (2001), as inúmeras esferas da sociedade


contemporânea (vida pública, vida privada, relacionamentos
humanos) passam por uma série de transformações cujas
consequências esgarçam o tecido social. Tais alterações, de acordo
com o sociólogo polonês, faz com que as instituições sociais
percam a solidez e se liquefaçam, tornando-se amorfas,
paradoxalmente, como os líquidos.

As principais características da modernidade líquida, segundo


Bauman (2005, 2001, 2000, 1998) são: desapego, provisoriedade e
acelerado processo da individualização; tempo de liberdade, ao
mesmo tempo, de insegurança. Tal contexto pode ser definido pela
palavra alemã Unsicherheit que significa: falta de segurança, de
certeza e de garantia.

A fenomenologia de Heidegger recebeu várias denominações:


Fenomenologia Existencialista; Fenomenologia Interpretativa e
Fenomenologia Hermenêutica. Gadamer deu continuidade ao
trabalho de Heidegger na Fenomenologia Hermenêutica. Avançou o
estudo sobre o papel das pressuposições na fenomenologia, que
desempenham papel importante na interpretação.

A função da consciência é não só a de reconhecer e assumir o


mundo exterior através da porta dos sentidos, mas traduzir
criativamente o mundo interior para a realidade visível. Falamos
aqui de “kardios”, um conhecimento do coração em vez de só o
conhecimento “egóico” da cabeça.

Gadamer considera que é somente através do


pré-entendimento que o entendimento é possível (Fleming et. al,
2003). A interpretação é um processo em evolução, assim uma
interpretação definitiva jamais é possível.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 121


Quando interpretamos o
significado de alguma coisa, nós
interpretamos uma interpretação.
(Gadamer apud van Manen, 1990).

Gadamer colocou uma ênfase


maior na linguagem do que fez
Heidegger. Para ele, a redução
fenomenológica não é apenas
impossível, mas um absurdo
(LAVERTY, 2003). O que é essencial
não é a “redução”, mas estarmos
consciente de nossos pré-conceitos
Figura 7.6 Gadamer e pressuposições.
(1900-2002)

Gadamer, também, está ligado ao movimento da


hermenêutica crítica. Ele afirma que a interpretação é inibida e
influenciada pelas forças sociais, políticas e econômicas. Ele
acentuou a importância da tradição, do background e da história
em nossas formas de entendimento.

Castañon (2007 lembra que:


Para Kant, o conhecimento sensível não nos revela
as coisas como são, uma vez que ele se caracteriza
por certo nível de receptividade, representando as
coisas do mundo como aparecem para o sujeito e
não como são em si (...) Assim, o que conhecemos
do mundo são “fenômenos”, não “númenos”.
Conhecemos a imagem das coisas para nossa
consciência, não a essência daquilo que
acreditamos estar fora de nós: “fenômeno”,
ordinariamente, significa “aparição”. Só
conhecemos os fenômenos do mundo, não a
essência do mundo.

122 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Sobre os corpos, os prazeres, as
sensações, estende-se uma teia,
uma rede de diversos elementos
(discursos, leis, ciências, moral,
medidas, exortações médicas,
psicológicas, filosóficas etc.) que é o
dispositivo da sexualidade. A nossa
sociedade produziu, a partir do
século XIX, a scientia sexualis que
guarda como núcleo o singular rito
da confissão53.

Figura 7.7 Foucault


(1819-1868)

A ciência parece retornar ao mito que, na Grécia antiga, era a


forma de se explicar as coisas do mundo.

53
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade humana I: A vontade de saber. 9ªed. Rio
de Janeiro:Graal, 1984.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 123


PART E 3 – Epistem ol ogi as Contemp orâneas

8. Epistemologias
do Século XX

Parte III
11. Epistemologia da 9. Tendências para
Interdisciplinaridade Epistemologias o Século XXI
Contemporâneas

10. As
Epistemologias
das Ciências
Naturais e Sociais

124 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


8. Epistemologias do século XX

Figura 8.1 – Os Retirantes (1944)


Fonte: Cândido Portinari

Tudo se metamorfoseia no seu termo inverso para


sobreviver na sua forma expurgada. Todos os poderes,
todas as instituições falam de si próprios pela negativa,
para tentar, por simulação de morte, escapar
à sua agonia real. (Jean Baudrillard)

As velhas e sérias verdades despencam diante de um mundo


surpreendentemente lindo e complexo, demandando uma nova
forma de se fazer ciência. O final do século XX presenciou mudanças
significativas que podem ser resumidas no discurso do professor
John Archibald Wheeler54 (1911-1008): “Quando comecei minha
vida de Físico tudo era matéria. Depois, tudo era Energia. Agora,
tudo é informação”.

54
WHEELER, J. Geons, Black Holes, and Quantum Foam. Em SIEGFRIED, Tom. O Bit e o
Pêndulo. Editora Campus Ltda., 2000, p.9.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 125


Não conhecemos apenas. Conhecer deixou de ser meramente
uma ação no mundo para se transformar em processo de criação.
Criamos os mundos que conhecemos. De fato, estamos grávidos de
muitos futuros. Somos os artistas-poetas, grávidos e criadores de
mundos. Trata-se de um processo retroativo, pois nos autocriamos
pela imaginação. Para cada mundo inventado, o poeta faz nascer
um sujeito que inventa. Delega seu poder de inventar ao ser
inventado. Penetramos no reino do eu cosmicizante.55 (BACHELARD,
1988).

Duas grandes correntes, como vimos, chegam ao século XX,


o positivismo para dar conta das ciências naturais e
as fenomenologias para dar conta das ciências sociais. Aí o
mundo fica plano56 e a cauda longa57. Surgem as tribos de
Maffesoli58 que se proliferam traduzindo-se por dezenas de
epistemologias, de novas formas reconhecidas de se fazer ciência,
pelo menos na opinião dos membros de um mesmo clã. São tantas
que precisamos de alguma forma de taxonomia para tentar
compreendê-las dentro de uma “meta-episteme”.

55
BACHELARD, G. A poética do devaneio. Tradução: Antônio de Pádua Danesi. São
Paulo: Martins Fontes: 1988, p. 196.
56
FRIEDMAN, T. O Mundo é Plano: uma história breve do Século XXI. Editora Objetiva,
2005.
57
ANDERSON, Cris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.
58
MAFFESOLI, Michel . O tempo das tribos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

126 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


8.1. Em busca de uma taxonomia

Morgan (1980) usa a palavra “paradigma” como metáfora para


compreensão da realidade. Burrell e Morgan (1979) propõem
quatro paradigmas para as epistemologias associadas às ciências
sociais. De um lado temos a dimensão que trata da realidade, que
pode ser vista como “coisa concreta”, objetiva, ou como
subjetividade, construto cultural. Na outra dimensão usa-se a
variável “adoção ou não de uma visão quanto à mudança radical de
uma sociedade”. Trata-se, evidentemente de uma taxonomia que
se restringe a compreensão das ciências sociais.

Sociologia da Sociologia da
Regulação Mudança Radical

Paradigma Paradigma
Estruturalista Humanista
Radical Radical

Paradigma Paradigma
Interpretativo Funcionalista

Realidade Realidade
Subjetiva Objetiva

Figura 8.2 Os quatro paradigmas para a pesquisa em Ciência Social.


Fonte: adaptado de Morgan (1979)

Figura 8.2 resume a proposta de Burrel e Morgan que


apresentamos aqui como exemplo das dezenas de taxonomias
existentes e da necessidade de se fazer escolhas.

O paradigma funcionalista tem como premissa que a


sociedade tem uma existência real, sendo um sistema bem
ordenado e regulado que pode ser explicado a partir do ponto de
vista de um observador.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 127


O paradigma interpretativo admite que a ontologia do mundo
seja subjetiva e sua interpretação não é a de um observador que
seja isento, mas de um participante.

O paradigma humanista radical admite a mesma


subjetividade, mas enfatiza que a realidade é socialmente
construída e sustentada.

O paradigma estruturalista radical entende a sociedade como


uma força dominadora e parte de uma premissa materialista e
estruturalista do mundo social.

Escolhemos, de nossa parte, a proposta de Padrón Guillén


(2007) pelo seu caráter mais universal e por sua proximidade com a
dos pensadores gregos, que sustentam, por sua vez, o pensamento
ocidental.

•Variável •Variável
Ontológica Gnosiológica

Idealismo Empirismo

Realismo Racionalismo

Figura 8.3 Os enfoques epistemológicos de Guillén


Fonte: adaptado de GUILLÉN (2007)

128 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Como critérios para análise das tendências epistemológicas
dos séculos XX e XXI adotamos a hipótese dos Enfoques
Epistemológicos de Padrón (2007) segundo a qual as variações
observadas nos processos de produção científica obedecem a
determinados sistemas de convicções acerca do que é
conhecimento e de suas vias de produção e validação, sistemas que
têm um caráter pré-teórico, a-histórico e universal.

Em comum com a taxonomia de Morgan temos na dimensão


ontológica (realismo e idealismo) a opção quanto à objetividade ou
à subjetividade da realidade.

Na dimensão gnoseológica, Padrón Guíllen fala de empirismo


(ênfase no mundo sensível e da necessidade de medir de forma
objetiva ou subjetiva as variáveis em estudo) e racionalismo (ênfase
na razão e na possibilidade da argumentação lógica).

Segundo o epistemólogo venezuelano, temos um Programa de


Investigações que é dirigido por interesses externos à ciência. As
necessidades do Mundo Real são que dirigem o movimento
científico (essas necessidades podem ser políticas como em
Feyeraband (1924-1994)).

Temos uma ciência a serviço ora do controle, ora da


transformação do mundo, como mostrado nas Figura 8.4 e Figura
8.5. De um lado a política busca o controle, enquanto as
abordagens libertárias vão insistir no aspecto transformacional do
conhecimento. Este é o paradoxo que explica os Giordano Brunos e
os Galileus.

Ao mesmo tempo em que o desenvolvimento científico é


necessário para controlar, ele abre possibilidades (nem sempre
desejadas) para transformar.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 129


Fases

Necessidades de Intervenções,
Qualidade de Vida Soluções

Mundo Real
Mundo Real Dado
Transformado

Figura 8.4 Programa de investigações científicas que guia o


desenvolvimento da ciência
Fonte: adaptado de GUILLÉN (2007)

Um modelo geral para os “métodos” perseguidos pelo


cientista é dado por Guillén em termos das fases associadas ao
processo de construção do conhecimento. Perceber “os fatos”
demanda treinamento. O diferente, aquilo que não tem nome,
desafia a argúcia do investigador.

130 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Fase Descritiva • Quais são os fatos?

• Porque os fatos ocorrem do modo


Fase Explicativa
que foram descritos?

• Avaliar as teorias elaboradas na fase


Fase Contrastiva
anterior

• Como explorar as teorias avaliadas


Fase Aplicativa
para controlar a realidade?

Figura 8.5 Detalhamento das fases sobre como evolui a ciência


Fonte: adaptado de GUILLÉN (2007)

8.2. A matriz diacrônica até 1970

A matriz diacrônica59 até 1970 propõe quatro diferentes


paradigmas, a saber: (1) o Círculo de Viena; (2) a visão de uma
hermenêutica em busca de compreensão, característica da Escola
de Frankfurt; (3) a difusão do experiencialismo vivencialista de
Alfred Schütz (1899-1959) -investigação qualitativa - e, já por volta
de 1970, a fenomenologia.

A Figura 8.6 situa cada um desses paradigmas de acordo com a


visão predominante (embora não compartilhada por todos os
participantes desses grupos). O Círculo de Eranos, criado em 1933,
que incorpora cientistas, filósofos, artistas e líderes religiosos
importantes, como Jung (1875-1961), Cassirer (1874-1945)e outros,
não é citado por Guillén em sua análise.

Enquanto Max Weber (1864-1920) propunha desencantar o


mundo para poder analisá-lo cientificamente, Eranos já propunha
um (re)encantamento do mundo, uma (re)volta do mito.

59
Tentativa de descrever as epistemologias em uma linha do tempo.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 131


•Empírico •Empírico
Idealista Realista

Fenomenologia
Círculo de Viena
e Eranos

Escola de Círculo de
Frankfurt e Viena e
Eranos Experiencialismo
vivencialista de
Schütz
•Racional •Racional
Idealista Realista

Figura 8.6 As escolas dominantes até 1970


Fonte: autoria própria

Os gregos faziam ciência, explicando os fenômenos em sua


mitologia. Os aedos gregos, como Homero (928-898 a.C.), o
contador de histórias, representavam a transição de um saber que
se transmitia de forma oral, na forma de poesia, por textos escritos.
Platão (427-348 ou 347 a.C.) criticava Homero, não por ser um
contador de histórias, mas pela razão dessas histórias não serem
“boas”, por não colaborarem na formação do homem cidadão
dentro da Paidéia. Platão já sabia que para mudar o mundo
precisamos mudar as histórias que contamos sobre ele.

Uma tendência da modernidade e da pós-modernidade é a


dificuldade de rotular determinada Escola dentro desta ou aquela
abordagem. Tomemos o Círculo de Viena como exemplo. De um
lado temos uma postura empírica realista na crença de que os
dados devem chegar ao cogito pelos sentidos. De outro lado temos
uma postura Racionalista realista que submete esses dados à
razão.

132 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Daí Dutra (2005), corretamente, classifica o Círculo de Viena
como um empirismo lógico (racionalista), o que aparenta ser uma
contradição.

De acordo com Dutra (2005) temos que o Círculo de Viena,


assim denominado em virtude de, em sua grande maioria, seus
componentes serem professores da Universidade de Viena, foi
fortemente influenciado pelas filosofias de Bertrand Russell (1872-
1970) e Ludwig Wittgenstein (1889-1951). Rudolf Carnap (1891-1970)
é seu representante mais eminente.

O empirismo lógico, defendido pelo Círculo de Viena, se


distingue do empirismo clássico, de John Locke (1632-1704) e David
Hume (1711-1776), por interpretar o conhecimento em termos
linguísticos, isto é, por falar não de pensamentos, juízos, crenças,
etc. - termos mais ligados ao jargão psicológico – mas, por falar dos
enunciados, ou sentenças, ou ainda proposições que veiculam tal
conhecimento.

Esse tratamento linguístico dado ao problema do


conhecimento levou os empiristas lógicos a investigar a linguagem
da ciência. Uma expressão linguística é significativa quando é
sintática e semanticamente correta. A sintaxe tem a ver com o uso
correto das palavras aceitas e das regras para se formar frases
válidas com essas palavras.

Dutra (2005) dá o seguinte exemplo: “O tem sapato salto” não


é uma sentença significativa do português, embora ela empregue
termos do vocabulário da língua portuguesa (“o”, “tem”, “sapato” e
“salto”), porque não esta construída segundo as regras do
português, que exigem outra disposição dos termos, para que eles
façam sentido. Ao contrário, “o sapato tem salto” é uma sentença
significativa em português. A semântica tem a ver com a lógica. Um
exemplo de Dutra: “César é um numero primo” está de acordo com
as regras gramaticais, mas é sem sentido, uma vez que o predicado
“número primo” não pode ser atribuído à pessoas.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 133


Carnap (1891-1970) distingue os termos utilizados pelos
metafísicos como, por exemplo, as palavras “nada” e “nadificar” na
filosofia de Heidegger (1889-1976) dos termos científicos. Carnap
afirma que o termo “nada” não “corresponde a alguma coisa”.

Assim, diz Carnap, os metafísicos são vitimas de um certo


enfeitiçamento pela linguagem, que os leva a tomar como existente
ou real qualquer coisa que, supostamente, corresponda a um termo
da linguagem. No mesmo rol enumera termos como “Deus”, “Ser”,
etc. que seriam termos destituídos de significado.

Em outras palavras, nega-se aos fenomenologistas o direito de


chamar o seu fazer de “ciência”. Filosofar ou teorizar sobre o
invisível é pecado imperdoável. Inaugura-se verdadeira inquisição.

Os empiristas lógicos estabeleceram como critério de


significado a verificabilidade das sentenças. É significativa - e de
valor cognitivo - aquela sentença que pode ser verificada, isto é,
aquela sentença cuja verdade pode ser demonstrada com recurso à
experiência. No caso de enunciados que empregam termos teóricos
ou não (por exemplo, “elétron”, “gene”, “ego” etc.), sua verificação
requer que eles sejam reduzidos a enunciados observacionais que,
por sua vez, podem ser verificados na forma acima descrita.

Seja, por exemplo, uma lei, como uma das muitas que são
empregadas pelos cientistas em seu trabalho cotidiano.

Uma lei pode ser expressa como um enunciado universal. Essa


lei, assim como qualquer enunciado universal, não pode ser
verificada e, portanto, não poderia ser admitida no corpo da
ciência, não poderia ser um enunciado legítimo da linguagem da
ciência. O problema é que a maior parte dos enunciados que
encontramos nas teorias cientificas se encontra nessa situação.

134 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Segundo Carnap, os enunciados metafísicos se encontram
numa situação pior que os enunciados dos mitos e crenças
populares, porque estes, em sua grande maioria, são simplesmente
falsos (os deuses gregos, por exemplo, não habitavam o Monte
Olimpo, como se acreditava). Mas os enunciados metafísicos, não
sendo verificáveis e, portanto, sendo destituídos de significado, não
são nem verdadeiros, nem falsos. Para Carnap, eles não possuem
valor de verdade, porque todo valor de verdade de um enunciado
que fale de coisas do mundo extralinguístico só pode ser atribuído
por meio da experiência (DUTRA, 2005).

Esta abordagem levou, então, Carnap a entender a ciência


como uma construção de conceitos de níveis superiores a partir de
conceitos básicos.

Os conceitos mais básicos são aqueles que se referem ao


imediatamente dado, os dados dos sentidos. A partir destes, diz
Carnap, construímos os conceitos de um segundo nível, abrigando
os objetos físicos. Os conceitos deste nível serão legítimos se
puderem ser reduzidos a conceitos do nível básico.

Objetos Culturais

Objetos Heteropsicológicos

Objetos Físicos

Dados dos sentidos

Figura 8.7 Pirâmide dos Conceitos segundo Rudolf Carnap


Fonte: autoria própria

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 135


Em um terceiro nível ainda, temos os conceitos
heteropsicológicos, conceitos que se referem aos outros sujeitos
cognitivos, aqueles empregados pela psicologia, por exemplo, que
devem poder ser reduzidos a conceitos dos níveis mais baixos. Por
fim, temos o quarto nível, dos objetos culturais, que são legítimos
se puderem também ser reduzidos aos objetos dos níveis
inferiores60.

Desta forma, para Carnap, seria possível não apenas delimitar


nitidamente o campo científico, mas também promover sua
unificação, permitindo a compatibilidade, em um sistema único, de
todas as disciplinas científicas.

Esta tese do Círculo de Viena foi logo substituída pelo


falseamento de Karl Popper (1902-1994) “se não posso provar que
algo é verdadeiro devo ser capaz de provar que é falso” e,
sobretudo, por uma visão dedutivista, teoricista, da ciência, que dá
mais valor às estruturas de pensamento e raciocínio que aos
experimentos. Várias reações surgiram aos postulantes do Círculo
de Viena:

60
CARNAP, R. The logical structure of the world. Berkeley: University of California
Press, 1969.

136 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Os conceitos físicos são criações livres da mente
humana e não são, por mais que possa parecer
exclusivamente determinado pelo mundo exterior.
Em nosso esforço para compreender a realidade,
somos como alguém a tentar descobrir o
mecanismo oculto de um relógio, que vê apenas o
movimento das mãos, ouve o tique-taque, mas
não tem como abrir a caixa para ver o que existe
dentro. Se esta for uma pessoa inteligente, você
pode imaginar ou criar um mecanismo para o que
é responsável por tudo o que é observado fora da
caixa, mas nunca pode ter certeza se sua fantasia
ou o que você imagina como a única explicação
para os efeitos observados. Nunca pode comparar
o que você imagina com o mecanismo real que
está dentro da caixa e nem sequer sabe se tal
comparação pode ser significativa. (EINSTEIN e
INFELD 1950, p. 34).

Imagine um físico que se pergunta o que acontece


dentro do sol. Agora, uma forma simples de
responder a isso seria montar um laboratório
dentro do sol e, assim, experimentar. Mas você não
pode fazer isso, porque o laboratório se
converteria em gás. Portanto, o que você pode
fazer é ver a luz do sol e imaginar o que acontece
dentro do sol que produz luz tal. Isso é muito
parecido com tentar imaginar o que acontece nos
mecanismos físicos do cérebro. (CHOMSKY 1988,
p. 187).

Hans Reichembach61 (1891-1953), nos anos de empirismo


lógico, discutia o que chamava “contexto da descoberta” e
“contexto da justificação” e da incapacidade da epistemologia
considerar o primeiro destes contextos.

61
Ao Círculo de Viena vinculava-se o grupo de Berlim, em torno de Hans Reichenbach
e Richard von Mises. Ver a revista Erkenntniss, publicada de 1930 a 1937.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 137


A introdução de aspectos sócio históricos - especialmente a
incomensurabilidade de Thomas Kuhn (1922-1996) e, a questão
política levantada por Paul Feyerabend (1924-1994) - faz uma
espécie de ponte com a Escola de Frankfurt, que representou uma
abordagem epistemológica diferente, propondo uma “ciência dos
objetos intuídos” ou “interpretáveis”.

A Escola de Frankfurt segue as relações dialéticas de


dominação, um legado do marxismo (lado racional). De um lado
idealista ou subjetivista, reflete a filosofia de Dilthey, Husserl e
Heidegger, sobretudo a separação que a ciência faz entre
“natureza” e “espírito”, “entendimento” em vez de “explicação”
(fenomenologia).

O emprego de processos intuitivos e da hermenêutica como


ferramenta interpretativa já havia sido resgatado por Friedrich
Schleiermacher (1768-1834), dentro do romantismo alemão.

A abordagem da “Teoria Crítica” de Frankfurt vem da suposta


necessidade de uma emancipação. Os seres humanos seriam
alienados e submetidos, subjugados, aos múltiplos mecanismos
socioculturais, sendo um deles a ciência, vista como uma estrutura
de poder e dominação. Há um simbolismo cultural subjacente às
relações sociais (hermenêutica, círculo hermenêutico etc.).

Santo Agostinho (354-430 d.C.), no quarto século, em suas


Confissões, escreveu: “O que é o tempo? Se ninguém me pergunta,
eu sei; se quero explicar já não sei”. Para a Escola de Frankfurt
“intuir objetos” é caracterizado pelo discurso argumentativo, que
exclui o trabalho de campo (recurso racionalista), mas que também
é marcada por uma inclinação a uma abordagem autorreferencial e
reflexiva (subjetivista, idealista).

138 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Como uma derivação do paradigma estabelecido pela Escola
de Frankfurt, a década de 60 vê o renascimento da obra de Alfred
Schütz e antropólogos americanos do início do século,
notadamente no que diz respeito às noções empíricas e
metodológicas, tais como “interação social”, “mundo da vida”,
“vida cotidiana, histórias de vida”, “triangulação” e similares. Uma
das teses básicas é a necessidade de se viver aquilo que se está
investigando, que é descrita por Helmut Seiffert (1927-2000):
[...] confiar sempre em experiências pessoais da
vida do autor no campo ao qual ele se refere.
Portanto, a verificação intersubjetiva das
declarações fenomenológicas não é um
procedimento empírico [...], mas o consentimento
de leitores competentes e experientes em uma
postura do tipo “sim, é assim”. Tal leitor
competente considera, por conseguinte, a
hermenêutica, a contundência da declaração em
sua própria experiência de vida, ele analisa o texto
do ponto de vista de se poder, com sucesso,
reproduzir a experiência. (SEIFFERT, 1977, p.241).

A verdadeira força do método fenomenológico


está no nível individual daqueles que o aplicam
(amplitude de experiência ou inteligência, ou
ambos ao mesmo tempo). (SEIFFERT, 1977,
p.243-244).

Nasce, assim, a chamada “pesquisa qualitativa” em geral e


todas as suas derivações, que vão desde a pesquisa-ação e
observação participante, através da “etnometodologia” e
“etnografia” para a pesquisa “militante” e “investigação
comprometida” etc.

Em qualquer caso, dentro deste quarto paradigma, resgata-se


uma abordagem empirista-idealista, uma “ciência de objetos
vivíveis”, “sensíveis” ou “experienciáveis”.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 139


A ciência modernista trata da objetividade. Para existir é
preciso ser observável. A ciência da pós-modernidade trata da
subjetividade. Esta transição do objetivo para o subjetivo é que vai
marcar o movimento epistemológico até os anos 70. A Figura 8.8
ilustra esta caminhada.

Fazendo um balanço geral, temos desde os anos 70, a


coexistência desses quatro paradigmas associados com as
respectivas abordagens epistemológicas.

Figura 8.8 A trajetória das epistemologias no século XX


Fonte: autoria própria

Faltou falar de Eranos. É que enquanto Viena e Frankfurt foram


varridos pelo tempo, os cientistas, artistas e religiosos de Eranos
continuam a se reunir.

Primeiro, o empirismo dos primeiros realistas e racionalistas


realistas, uma ciência dos objetos calculáveis e observáveis,
principalmente na ciência das coisas físicas e mesmo em algumas
ciências sociais (linguística, ciência cognitiva, inteligência artificial,
economia). Grande parte da sociologia, psicologia e antropologia é
então abordada dentro do paradigma subjetivista-reflexivo.

140 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


8.3. A matriz epistemológica de 1970 a 1990

Podemos localizar o fim de século XX dentro de uma


abordagem realista-racionalista (motivada pelo paradigma do
falseamento de Popper (1902-1994)) em que se segue a ideia de que
o conhecimento cresce por razões internas, para suplantar teorias
anteriores, que se mostram falsas, ou por novas teorias “falseáveis”
que, por sua vez... Para Kuhn (1922-1996) o conhecimento cresce
por razões externas, sócio históricas, através das já mencionadas
“revoluções científicas”.

No alvorecer dos anos 70, Imre


Lakatos tenta conciliar as propostas
de Popper e Kuhn, utilizando o
conceito de “Programas de
Investigação”, em que uma teoria é
na verdade um conjunto de teorias
com um “núcleo duro único”, onde,
pelo menos, a mesma ideia
essencial é, precisamente, aquela
que a comunidade acadêmica está
empenhada em defender dos
ataques dos falseadores.
Figura 8.9 Imre Lakatos
(1922-1974)

Lakatos chama isso de “cinturão protetor”, argumentando que


a capacidade de proteger um “núcleo duro”, ou de trabalhar no
“cinturão protetor”, diz muito sobre o potencial do programa “para
crescer ou, inversamente, degenerar”.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 141


Quine (1951) propõe uma ideia um pouco semelhante: o
“holismo metodológico”, segundo o qual teorias são distorcidas
como um todo e não separadamente, em resposta a algumas das
suas referências particulares. Programas de investigação seguiriam
regras metodológicas de dois tipos: (1) as que indicam por que eles
têm que continuar a trabalhar como trabalham (“heurística
positiva”) e (2) outras mostrando que estradas devem ser evitadas
(“heurística negativa”).

Entre 1970 e 1990 vemos surgir uma visão programática e


transindividual da Ciência. Temos o programa da “Sociologia do
Conhecimento”, o da “Naturalização da Epistemologia” e a
“Epistemologia Evolutiva”.

Nas universidades, no entanto, dependendo das tendências


culturais, continua uma disputa entre positivistas e
fenomenologistas. Surge mais forte o movimento interdisciplinar,
de início, criticado por ambos.

8.3.1. O programa da “Sociologia do Conhecimento”


As referências a uma “sociologia do conhecimento” datam do
início do século XX (antes mesmo do Círculo de Viena: com
Karl Marx (1818-1883), Max Scheler (1874-1928) e Karl
Mannheim (1893-1947), por exemplo), retornando em meados do
século dentro da tendência funcionalista de Thomas Merton (1915-
1968) e Talcott Parsons (1902-1979), associado ao conceito de “vida
cotidiana”, tendo seu apogeu com o trabalho de Kuhn (1922-1996) e
Feyerabend (1924-1994).

Este programa salienta a influência dos fatores socioculturais e


o desenvolvimento psicológico da ciência como fatores que
escapam ao racional ou lógico e ao metodológico.

142 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


David Bloor (1976)62, um dos seus maiores expoentes, diz que o
programa faz uma distinção entre “fraco” e “forte”. O programa
“fraco” da sociologia do conhecimento, segundo este autor, segue
uma abordagem mais geral e difusa, e se constitui em um
movimento sistemático que é distinguido pelo argumento de que
as crenças errôneas podem ser explicadas a partir de fatores sócio
históricos.

Figura 8.10 O programa fraco de sociologia do conhecimento segundo


Bloor
Fonte: adaptado de David Bloor (1976).

O “programa forte” seria um movimento organizado,


considerando os fatores sócio históricos como responsáveis por
todas as crenças: a Escola de Edimburgo, na Escócia, com Bloor,
Barry Barnes, Steve Shapin, Donald MacKenzie e John Henry e a
Escola de Bath, na Inglaterra, com o EPOR (Programa empírico
relativista), com Harry Collins e Trevor Pinch seriam exemplos desse
movimento.

62
'Knowledge and Social Imagery' (Routledge, 1976)

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 143


Figura 8.11 O programa forte de sociologia do conhecimento segundo
Bloor
Fonte: adaptado de David Bloor (1976).

As quatro teses centrais de EPOR, segundo Bloor (1976), são


“os princípios de causalidade, a imparcialidade, simetria e a
reflexividade” (BLOOR, 1976, p.7).

Um trabalho paralelo a este


“programa forte” é a chamada
“escola francesa”, liderada por
Michel Callon, Bruno Latour. Michel
Serres e John Law, com sua “Teoria
da Rede de Atores” e, mais
genericamente, com a
"etnometodologia" de Harold
Garfinkel, Steve Woolgar, Aaron
Cicourel e Karin Knorr Cetina. Cada
uma destas escolas mereceria um
tratamento mais ampliado, tarefa
Figura 8.12 Bruno Latour que escapa ao escopo do presente
(1947- francês) trabalho.

144 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A sociologia do conhecimento, dentro de sua abordagem
idealista ou subjetivista (empírica e racional), tem sido duramente
criticada, entre outros, por Mario Bunge63.
Ainda que os estilos das diferentes escolas tenham
muitas diferenças, são, no entanto, idênticos ao
compartilharem todos, uma série de dogmas. Falo
do externalismo, tese segundo a qual o conteúdo
conceitual é determinado pela estrutura social, o
construtivismo e o subjetivismo, segundo o qual o
sujeito da pesquisa não só constrói sua própria
versão dos fatos, mas os próprios fatos e
eventualmente o mundo inteiro. Um relativismo,
dentro do qual não há verdades objetivas e
universais; um pragmatismo, que destaca a ação e
interação em detrimento das ideias, e identifica a
ciência com a tecnologia, o “ordinarismo”, que
reduz a investigação científica a uma pura
transpiração sem inspiração, se recusando a
reconhecer o status especial de ciência,
distinguindo-a da ideologia da pseudociência e até
mesmo da anticiência. A adopção de doutrinas
psicológicas ultrapassadas, tais como o
behaviorismo e a psicanálise, e a substituição do
positivismo, racionalismo e outras filosofias
clássicas por outras não-científicas (...). (BUNGE,
1985b, p. 79).

63
“[...] a epistemologia contemporânea está em crise. Talvez algum psíquico, mago
ou alquimista a esteja transformando em pseudofilosofia da pseudociência e
pseudotecnologia” (BUNGE, 1985b, p. 79).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 145


“Os sociólogos deste novo tipo de ciência são
incapazes de compreender a ciência: na verdade,
nunca explicam o que distingue o cientista dos
outros homens, quais são os pressupostos
filosóficos e metodológicos tácitos que distinguem
a pesquisa científica de outras atividades
humanas, qual o seu lugar na sociedade, e porque
a ciência foi tão bem sucedida na compreensão da
realidade e como propulsora da tecnologia. E o
que é pior ainda, negam que os cientistas tenham
uma ética e desenvolvam uma atividade cultural
específica" (BUNGE, 1998, p. 15-17).

No mundo das tribos pós-modernas o que se começa a


perceber é a ameaça da especialização excessiva. Cada especialista
em sua tribo, com sua epistemologia, seus métodos, seu corpus
teórico, cada vez mais isolado. Escrevem para si mesmos,
consomem seus próprios produtos, editam suas próprias revistas.

O movimento interdisciplinar procura ligar essas tribos. Esta é


uma das pretensões deste livro, ser interdisciplinar, ser acessível às
diferentes tribos. Abrir canais para um maior diálogo entre essas
tribos.

Da mesma forma que o


mercado de massa se vê ameaçado
de nicho, que as redes sociais e as
comunidades de prática tomam o
lugar das mídias do passado, vive-se
hoje a superposição de todas as
tendências. Acreditamos com Bunge
que o exagero acontece e que a
validade de uma episteme pode até
ser mensurada pela sua volatilidade.
O culturalismo, no entanto, chegou
para ficar e, negar sua importância
Figura 8.13 Bunge
seria ingenuidade.
(1919 – argentino)

146 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


De qualquer forma, a pluralidade das ideias é parte da pós-
modernidade. Abandonamos a verdade pelo modelo e tudo que
exigimos é coerência e poder de previsibilidade.

8.3.2. A Naturalização da Epistemologia e a Epistemologia


Evolutiva
Neste período temos, ainda, duas importantes extensões
dentro das abordagens realistas (empirista e racionalista): A
“Epistemologia Naturalista”, e a “Epistemologia Evolucionária”.

A naturalização da epistemologia é proposta por Willard Van


Orman Quine64 com base em sua tese empirista segundo a qual
nenhum conhecimento existe que seja anterior a alguma
experiência (todos os conhecimentos, em última análise vêm do
mundo exterior). Isto de alguma forma remete ao conceito
aristotélico de consciência, de uma phronesis, ação inteligente do
ser no mundo.
A epistemologia continua, mas com uma nova
configuração e em um status definido. A
epistemologia, ou algo parecido, passa a tomar
seu lugar como um capítulo da psicologia e,
portanto, dentro das ciências naturais. Estudos de
um fenômeno natural, ou seja, de um sujeito físico
humano. Este sujeito humano é entendido como
um fator de entrada experimentalmente
controlado com padrões que se irradiam em várias
frequências, por exemplo, capazes de, para o
objeto estudado, fornecer, ao longo do tempo,
uma saída (output), uma descrição do mundo
tridimensional externo e sua história.
(QUINE, 1969, p. 82-83).

64
QUINE, W. V.. The Emergence of Logical Empiricism (1996) publ. Garland Publishing
Inc

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 147


Em geral, a epistemologia naturalista oferece os mesmos
tratamentos das ciências factuais para a explicação dos processos
científicos. Isto contrasta com as visões tradicionais que concebem
a epistemologia como algo independente de aspectos científicos da
mente-cérebro. A partir deste conceito geral, existem diferentes
versões desta epistemologia naturalista.

A epistemologia evolucionista começa, por sua vez, com uma


estratégia claramente definida, a partir da noção de “tentativa e
erro” de Popper (1963): o crescimento do conhecimento científico é
comparável à sucessão de mudanças na evolução, segundo a qual
uma epistemologia evolucionista deve ter o cuidado de explicar
este tipo de crescimento.

Outros representantes das primeiras versões da epistemologia


evolucionista tradicional65 são Konrad Lorenz (conhecimento inato,
a priori, é filogeneticamente e ontogeneticamente a posteriori),
Jean Piaget (Epistemologia Genética), Donald Campbell, a quem é
creditada a expressão “epistemologia evolucionista”, Stephen
Toulmin (teorias sobrevivem quando mais adequadas) e Peter Munz
(darwinismo filosófico).

Os processos, cimento do conhecimento científico, são


comparáveis com a sucessão de adaptações na evolução, segundo
o qual uma epistemologia evolutiva deverá encarregar-se de
explicar este tipo de crescimento.

De todas as abordagens esta é a que parece contar com mais


adeptos. Nada impede que escolas híbridas se formem ou venham
a se formar. Uma abordagem culturalista, evolucionista e centrada
na ação seria bem vinda.

65
Ver Gontier (2006).

148 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


8.3.3. Outras prolongações
Dentro das abordagens realistas, emergem, neste período,
duas importantes tendências, como continuações das abordagens
desenvolvidas no período anterior: uma visão que pode ser
chamada de Axiológica e outra que poderia ser chamada
Pragmática. Dentro dos enfoques subjetivista-idealista se dão os
primeiros passos na perspectiva do que se denomina “estudos de
gênero”, que se consolida no século XXI como “Epistemologia
Feminista”.

A Deontologia (deon “dever, obrigação” + λόγος, logos,


“ciência”) é uma das teorias normativas segundo as quais as
escolhas são moralmente necessárias, proibidas ou permitidas. O
termo foi introduzido por Jeremy Bentham (1748 – 1832). Seu
objeto de estudo são os fundamentos do dever e as normas morais.

Kant (1724-1804) fundamenta sua deontologia em dois


conceitos: a razão prática e a liberdade. Agir por dever é o modo de
conferir à ação um valor moral.

Existiriam invariantes axiológicas, valores fundamentais e


fundantes que guiem os homens?

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 149


A visão axiológica deste período é apresentada, dentre outros,
por Larry Laudan (2011)66 que aborda certos ideais cognitivos, tais
como a concentração, a abertura, a tenacidade, coragem, visão,
percepção, memória, etc. Para Laudan, o objetivo cognitivo mais
geral da ciência é solucionar problemas cognitivos e não alcançar a
verdade ou a probabilidade. Desde o seu ponto de vista, tanto a
verdade quanto a probabilidade são fins utópicos já que
aparentemente não temos como saber se estamos alcançando, ou
se viremos a alcançar, qualquer um deles. A ideia popperiana de um
progressivo aproximar-se da verdade é, para o autor, igualmente
inviável, uma vez que também não temos critério satisfatório para
determinar como poderíamos avaliar tal proximidade. Como
enfatiza Laudan:“Se o progresso científico consiste em uma série de
teorias que representam um progressivo aproximar-se da verdade,
então não se pode demonstrar que a ciência é progressiva”.
(LAUDAN, 1977, p. 126).

Na abordagem realista, racionalista, a visão axiológica tem a


sua origem imediata no argumento levantado por Popper quanto à
sociopolítica, especialmente em “A Sociedade Aberta e Seus
Inimigos”.
O impulso para a construção científica é admirável
quando não inibe nenhum dos outros principais
impulsos que dão valor à vida humana. Quando
autorizados a proibir a remoção de qualquer coisa
que não é Ele então (a ciência) se transforma em
uma cruel forma de tirania. (RUSSELL, 1931,
p. 596).

Isto é o oposto do que foi dito por Bunge (1998), em sua


dedicatória: “À memória de Guido Beck, meu professor de física que
me ensinou que as minhas opiniões políticas não devem interferir
com os meus estudos científicos”.

66
LAUDAN, Larry. O Progresso e seus Problemas: Rumo a uma Teoria do Crescimento
Científico, Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora UNESP, 2011. p. 352
(original de 1977).

150 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Sem discordar de Bunge, somos obrigados a lembrar de
Feyeraband que, por exemplo, vai dizer que a vitória de Salviati
sobre Simplício na defesa de que o sol e não a terra estaria no
centro do sistema solar se deve menos à ciência, pois, segundo
Feyeraband, a luneta de Galileu não seria suficiente para provar
coisa alguma, do que a política que, a época, buscava diminuir o
poder da Igreja.

A ideia essencial, aqui, é que o objetivo terminal da ciência é o


controle e intervenção sobre o mundo, em busca da felicidade das
sociedades. Daí surge à necessidade de dar respostas a perguntas
como: quais são os critérios para a felicidade das sociedades?

A própria ideia de um Programa de Investigações, dirigindo os


caminhos a serem percorridos pela ciência, defendido por Kuhn,
Lakatos e outros, traduz o fato de que investimentos são feitos em
projetos que interessam. Cientistas produzem conhecimento para
vencer os editais que refletem interesses da política pública.

Intimamente relacionado com esta tendência, há também


uma visão pragmatista da ciência, estabelecida, principalmente,
por Ian Hacking (1983) que afirma que toda observação está cheia
de aplicações práticas.

As intervenções são anteriores à observação e a explicação. Na


realidade, essa visão pragmática (ciência com vistas à
transformação do mundo) concorda plenamente com as recentes
políticas dos países industrializados que preferem a investigação
aplicada à pesquisa básica.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 151


Outra característica importante para este período é a explosão
dos chamados “estudos de gênero”, que começaram a invadir a
vida das universidades e centros acadêmicos67. A tese de base é a
noção de que os conhecimentos científicos variam de acordo com
os preconceitos que favorecem os homens, como superiores às
mulheres. A ciência, sendo escrita por homens, subestima a
contribuição feminina. Esta tendência segue uma abordagem
subjetivista idealista.

Finalmente, neste mesmo período, temos as tentativas de


axiomatização e formalização das teorias científicas no âmbito da
abordagem realista-empirista, como em uma sequência ao
empirismo lógico do Círculo de Viena.

Isto mostra que a ciência não caminha para frente, mas segue
uma deriva, às vezes, retornando as origens (sempre gregas).

9. Tendências epistemológicas para o século XXI

Seguindo o critério adotado até agora, vamos enumerar as


principais epistemologias da atualidade, com sua infinidade de
tribos, cada uma das quais com suas crenças e dogmatismos,
quanto a sua tendência racionalista ou empirista; realista ou
idealista.

A Figura 9.1 apresenta o resultado de nossa pesquisa.

67
Ver Alcoff (1989) para mais detalhes.

152 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


• Empírico • Empírico
Idealista Realista
• Do Restemunho
• Contextualizada • Social de Fuller
• Feminista • Bayesiana
• Da Percepção.

• Construtivista
• Contextualizada
• Cognitiva
• Social
• Evolutiva
• Etnoepistemologia
• Naturalista

• Racional • Racional
Idealista Realista

Figura 9.1 Epistemologias do Século XXI


Fonte: autoria própria.

9.1. Epistemologias subjetivistas


(racional idealista e empirismo idealista)

O que caracteriza a epistemologia de base idealista


racionalista e idealista empirista neste início de século são as
seguintes características:

 Externalismo, ou seja, a crença quanto à influência de


fatores sócio-contextuais nos processos científicos;
 A reflexão sobre a interferência do tema e dos atores
envolvidos nos processos de busca;
 A interação sujeito-objeto.

Estas considerações deram origem a novas epistemologias,


com ênfase na subjetividade, com impacto na ciência do século XXI,
dentre as quais enumeramos as seguintes:

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 153


9.1.1. Epistemologia Contextualizada
Popper (1982, p.74) teria afirmado que “99,9% do
conhecimento de um organismo é herdado ou inato, e apenas um
décimo do que é conhecimento vem de mudanças”. A
epistemologia contextualizada tenta dar conta deste debate entre
nativismo e internalismo.

Ao tentar resolver alguns dos principais problemas


encontrados desde o ceticismo epistemológico (o entendimento de
que o conhecimento para alguns pode ser verdadeiro, para outros
pode ser falso) a epistemologia contextualizada tenta administrar
estas posições extremas: ceticismo e externalismo.

Os processos científicos variam, dependendo do contexto. A


ciência, a tecnologia e a pesquisa, dependem de fatores
contextuais, tais como as intenções e os pressupostos do grupo
acadêmico em que eles ocorrem, os padrões socioculturais crenças
locais e as relações interpessoais, etc.

A semente dessa epistemologia pode ser encontrada na


abordagem idealista-racionalista (Teoria Crítica de Frankfurt,
círculo hermenêutico).

Dentro de uma abordagem empirista-idealista, por sua vez, a


epistemologia contextualista tem sido associada ao trabalho de
campo para a exploração do contexto, tendo sido associada a
noções como “comunidade epistêmica” ou “comunidade
científica”.

Se o conhecimento científico está limitado ao contexto, então


a investigação epistemológica deve ser restrita apenas a estudar o
contexto da ciência, isto é, aqueles núcleos de produção científica
que se justificam pelas suas relações68.

68
Ver, por exemplo, Luke (2005), que propõe vários métodos de pesquisa contextual.

154 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Dentro desta epistemologia aparece o chamado
perspectivismo, uma tendência em que alguns acreditam que todo
o conhecimento é contextual, ou “situado” (localizada ou
focalizada, ou seja, ligadas a uma comunidade de “saber”) e que
todo conhecimento é baseado nas experiências de senso comum
dos agentes.

Daí se inferir que todo conhecimento é falho. A questão, então,


que se coloca, é a de como superar essa limitação.

A proposta é a de se trabalhar com múltiplas perspectivas


teóricas e metodológicas, que permitam uma maior aproximação à
realidade “real” (o perspectivismo parece diferir da abordagem
experiencialista idealista que sustenta a existência de uma
realidade “real” externa, mas insiste em que a verdade é mera
“ilusão”69).

De alguma forma o que se diz é que o “elefante” existe e que


cientistas são cegos tentando descrevê-lo de acordo com a sua
perspectiva. Quanto mais cegos, quanto mais perspectivas, mais
material se dispões para a construção de uma meta teoria que seja
capaz de unir essas diferentes epistemes.

O empirismo aí vem da necessidade de se ir a campo,


encontrar os diferentes tipos de atores envolvidos com o tema da
pesquisa e registrar a percepção de cada um desses grupos.

Entrevistas, análise de discurso, análise de conteúdos, estudos


de cotidiano, dentre outras são técnicas que podem ser
empregadas.

9.1.2. Epistemologia Feminista


As novas ciências do século XVII incorporaram tendências
poderosamente burguesas, incluindo a violação patriarcal, pela
qual o homem força a natureza de acordo com os seus desejos.
Teríamos que reinventar tanto a ciência como o modo de teorizar
sobre ela para dar sentido à experiência social da mulher.

69
Ver Tebes (2005).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 155


O movimento da desconstrução, representado, sobretudo,
pelo filósofo francês Jacques Derrida (1930-2004), é apenas uma
das diversas tendências do pensamento crítico do chamado
pós-estruturalismo.

Pode-se dizer que o movimento feminista transcende ao das


epistemologias contextualizadas (embora pertença a esta
categoria), pois acrescenta, ao “desconstrutivismo”, a luta e a
crítica feminista da história, denunciando “uma racionalidade que
opera num campo ensimesmado, isto é, a partir da lógica da
identidade e que não dá conta de pensar a diferença” (MARGARETH
RAGO, 1988)70.

Para Joan Scott (1990)71, o conceito de gênero foi criado para


opor-se a um determinismo biológico nas relações entre os sexos,
dando-lhes um caráter fundamentalmente social. “O gênero
enfatizava igualmente o aspecto relacional das definições
normativas da feminidade”.

Segundo Scott, ao pós-estruturalismo francês devem-se


acrescentar as teorias de relação do objeto, inspiradas em diversas
escolas da psicanálise para explicar a produção e a reprodução da
identidade de gênero do sujeito.

Eisler (2008)72 já faz a crítica ao patriarcado que, ao ocupar a


posição da mulher como a Grande Deusa, Mãe da Tribo, a relegou a
tarefa de mera coletora.

A questão de gênero também emerge da tradição marxista,


que busca um compromisso com a crítica feminista.

70
RAGO, Margareth. Epistemologia feminista, gênero e história. In: PEDRO, Joana
Maria e GROSSI, Miriam Pillar. (orgs.) Masculino, feminino, plural: gênero na
interdisciplinaridade. Florianópolis, Ed. Mulheres, 1998, p.24.
71
SCOTT, Joan W. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e
Realidade, vol. 16, n 2, Porto Alegre, jul./dez. 1990, p.5.
72
EISLER, R. O Cálice e a Espada - Nosso Passado, Nosso Futuro. Editora: PALAS
ATHENA. Edição de 2008

156 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A tese geral desta epistemologia parte da crítica de que as
teorias da ciência estão focadas no masculino. Essa posição se
apresenta em perspectivas distintas:

 Críticas ao sexismo contra a mulher;


 O machismo como rasgo da modernidade;
 O feminismo da pós-modernidade;
 O feminismo como variante do contextualismo;
 As metodologias femininas na ciência, a razão científica
etc.

Sandra Harding em uma de suas obras, além de outros


trabalhos de revisão, inclui a sua própria versão da epistemologia
feminista, com base no “materialismo histórico feminista”.
(HARDING, 2004).

É claro que, a epistemologia feminista acumulou vários


inimigos, incluindo mulheres.

9.1.3. Epistemologia Social


Apesar de alguns de seus princípios e até mesmo a expressão
nos fazer voltar aos anos 70, esta epistemologia começa a emergir
no início da década de 90, quando o movimento se torna
sistemático e organizado, principalmente após a fundação de um
Jornal de Epistemologia Social73.

A epistemologia social amplia e desenvolve a tese


sócio-historicista de Kuhn (1922-1996). Os cientistas postulam que
os processos são estritamente afetados pelas relações sociais e os
fatos culturais. Outro dos seus aspectos é a analogia com os
trabalhos do EPOR, dentro de uma sociologia relativista do
conhecimento. Como fundadores, são frequentemente citados dois
autores importantes: Steve Fuller (2002) e Alvin Goldman (1999).

Parte do princípio que todo conhecimento é intrinsecamente


social. O conhecimento científico, de fato, destina-se a aplicações
de políticas, governamentais, organizacionais e gerenciais.

73
http://www.tandf.co.uk/journals/routledge/02691728.html

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 157


A questão fundamental no campo de estudo
chamado de epistemologia social é a seguinte:
Como deve ser a busca do conhecimento, uma vez
que em circunstâncias normais, o conhecimento é
perseguido por seres humanos, cada um dos quais
trabalhando em uma área de conhecimento mais
ou menos bem definida e equipada com
aproximadamente as mesmas capacidades
cognitivas imperfeitas, embora com diferentes
graus de acesso de um com as atividades dos
outros? Sem saber mais nada sobre a natureza da
epistemologia social, podemos dizer que tem um
interesse jurídico, que é chegar a algum tipo de
divisão ótima do trabalho cognitivo. Em outras
palavras, em palavras que só um marxista ou
positivista poderia realmente apreciar, o
epistemólogo social gostaria de mostrar como os
produtos de nossas pesquisas cognitivas são
afetados por mudanças nas relações sociais sob as
quais os produtores de conhecimento estão
ligadas entre si. Como resultado, o epistemólogo
social seria o decisor político do que seja um ideal
epistêmico. (FULLER, 2002, p.3).

Alvin Goldman se liga mais com a intersubjetividade do


“Mundo 3 de Popper (1982)”, na medida em que reflete a ideia de
que não se produz conhecimento por si só, não há nenhum
“conhecedor solitário”.

158 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Embora o fenômeno das perguntas seja
interpessoal, a busca da verdade não é universal
nem necessariamente social. Para verificar a
probabilidade de chuva, você pode pessoalmente
olhar para o céu em vez de consultar a previsão do
tempo. Uma grande parte de nossas pesquisas, no
entanto, está direta ou indiretamente ligada ao
social. É diretamente social, quando você solicitar
informações a outros verbalmente ou consulta
textos escritos. É indiretamente social quando
dentro de uma atividade social diária, embora
autônoma, operam outras habilidades intelectuais
adquiridas através da educação formal ou
informal.

As dimensões sociais do conhecimento são


dramáticas na sociedade moderna, cheia de
empresas que prestam serviços de informação, de
jornais, bibliotecas e Internet. Sociedades
complexas delegam as tarefas de obtenção e
difusão de conhecimentos para agências
especializadas. Sistemas de justiça são instituídos
para determinar aqueles que perpetram crimes ou
comentem erros. O recenseamento visa a
obtenção de estatísticas sobre a população e
escolas são estabelecidas para a transmissão de
conhecimentos. Estas atividades e empresas
constituem o ponto de partida da epistemologia
social, tal como esta é concebida. A epistemologia
tradicional, especialmente a de tradição
cartesiana, foi altamente individualista,
centrando-se sobre as operações mentais de
agentes cognitivos, ou abstração dos outros. Trata-
se da visão tradicional de que eu chamo de
“individualismo epistemológico” (...). Dada a
natureza profundamente colaborativa e interativa
do conhecimento, especialmente no mundo
moderno exige-se para esta epistemologia
individualista uma contrapartida social: a
“epistemologia social”. (GOLDMAN, 1999, p. 3-4)

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 159


Coisas como escola e educação, como transmissores de
conhecimento, além de sofrerem o fenômeno linguístico inerente
às perguntas, na qual alguém recebe informações não só de outras
pessoas, mas de entidades do terceiro mundo (arte, religião, a
própria ciência etc.) revelam que o conhecimento é compartilhado,
isto é, tem bases, fontes e justificações sociais, interpessoais. A
epistemologia social de Goldman é consistente com a abordagem
racional-realista.

Fuller se mostra um empirista-realista (no contexto do


paradigma do empirismo lógico do século XX) e Goldman um
realista racionalista (no contexto do paradigma falsificacionista do
século XX). Assim, essa epistemologia não deveria aparecer no rol
das que seguem uma abordagem subjetivista (racionalismo e
empirismo idealista). Para além destes fundadores, a epistemologia
social se tornou emblemática como paradigma associado ao
subjetivismo idealista.

O seu desenvolvimento é mais explorado, atualmente, pelo


construtivismo social, que é subjetivista e relativista. Um exemplo é
a revista episteme74, “Revista de Epistemologia Social”, nascida em
2004.

A versão relativista da epistemologia social revela-se na


negação prática da diferença entre o cognitivo e o lógico-
metodológico a um nível interno e o social, a um nível externo.

Como nas versões anteriores, se postula a interação entre os


dois níveis no processo científico. Defende-se aqui a ideia de que o
primeiro é produto do segundo. Tudo que existe são relações
socioculturais que geram os mesmos processos cognitivos e a
lógica interna do conhecimento científico.

Um externalismo total e um relativismo bem acentuado


caracterizam essa outra tendência da epistemologia social. Isso
envolve tanto o EPOR, Programa Empírico do Relativismo, (Barnes,
Bloor, Pinch, Collins etc.) como a escola francesa (Woolgar,
Cicourell etc.).

74
http://www.episteme.eu.com/

160 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Esta versão da epistemologia subjetivista, relativista social
parece ser a única conhecida e divulgada.

9.1.4. Outras epistemologias subjetivistas


A Etnoepistemologia (Ethnoepistemology) é associada à
abordagem empírico-subjetivista e ao paradigma que se sustenta
na necessidade de um tratamento etnográfico (cultural, abordagem
focal, regional), o qual apresenta fortes raízes na antropologia do
século XX.

Esta epistemologia considera que a prática científica


convencional ou padrão (“ciência normal” em termos de Kuhn) é
apenas uma entre muitas manifestações da ciência, ao lado dos
saberes populares, por exemplo, o dos feiticeiros, xamãs,
sacerdotes, magos, curandeiros, etc.

Nesse sentido, a ciência ocidental não é superior, mas apenas


a forma ocidental de se conhecer. A “ciência”, então, não é o que é
definido pelas comunidades científicas nas universidades
convencionais, mas envolve toda atividade de construção de
conhecimento útil, ocorrendo no seio das comunidades étnicas.

De acordo com Maffie e Triplett (2003), a etnoepistemología se


foca em três áreas problema: (1) o conhecimento popular comum,
(2) o conhecimento especializado e (3) o conhecimento de sua
epistemologia própria.

Uma epistemologia construtivista é também, por vezes,


relacionada com o programa relativo ao construtivismo social, na
abordagem empírica do relativismo e do relativismo ontológico da
escola francesa. (WOOLGAR, 1988).

Alguns atores relacionam, ainda, a etnoepistemologia com a


chamada filosofia da Nova Era e o pós-modernismo (a morte do
racionalismo: morreu, nenhum sonho é a realidade e vice-versa
etc.).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 161


Outras vezes, empregando o mesmo argumento já
apresentado no racionalismo realista (construção do conhecimento
e teorias cognitivas não precisam ser espelhos exatos do mundo, e
assim por diante), o que pode nos conduzir a um construtivismo
trivial.

É sobre esta visão que se realiza crítica de Sokal e Bricmont


(1999) e provavelmente também a “guerra das duas culturas”
(humanistas contra técnicos).

9.2. Epistemologias empiristas realistas

Agrupamos neste bloco as epistemologias das últimas


décadas, muitas com raízes no passado distante, caracterizadas por
uma abordagem empirista, indutiva, analítica e objetiva, seguindo a
tradição do paradigma neopositivista do Círculo de Viena (a
abordagem da ciência são os objetos observáveis).

9.2.1. Epistemologia do Testemunho


A ciência se constrói com base nos testemunhos dos
pesquisadores. Para muitos, a epistemologia do testemunho
estaria incluída na epistemologia social. (FULLER, 2002).

A questão que se coloca é quanto às fontes do conhecimento e


a justificação das mesmas, O conhecimento em geral, inclusive o
científico, se torna válido, não a partir de construções do próprio
agente, mas pelos processos de transmissão de outros.

Esse é precisamente o caso da ciência em que os mecanismos


transmissivos e testemunhais se revelam como fontes de
conhecimento válido, no sentido de que grande parte da produção
científica é baseada no que os outros investigadores descobriram e
comunicaram.

162 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A própria noção de comunicação, divulgação científica e
transferência só podem ser explicadas dentro de uma
epistemologia de testemunho. As origens remotas desta tendência
remontam aos séculos XVII (John Locke (1632-1704)) e XVIII (David
Hume (1711-1776) e Thomas Reid (1710-1706)). Dois dos principais
autores desta epistemologia são Robert Audi e Anthony Coady.

Coady rejeita a tendência do sujeito (cartesiano, por exemplo)


de defender sua própria autonomia quanto a um juízo sobre o que
os outros lhe passaram e, em vez disso, argumenta que:
[...] cognições racionais e empíricas não
podem substituir completamente as cognições
testemunhais, já que dependem desta última, pelo
menos sob o horizonte linguístico e comunicativo
dentro do qual eles são produzidos. (COADY, 1995,
p. 18).

O testemunho é uma fonte de informação tão


fundamental como é a percepção individual, a
memória individual e a inferência individual. Nosso
mundo de compreensão, a crença e o
conhecimento é fortemente baseada na nossa
confiança em que as outras pessoas dizem-nos75.

Temos, pelo menos, quatro problemas com esta


epistemologia.

O primeiro tem a ver com a natureza do testemunho: aceitar


uma proposição sancionada implica que o agente acredita na
proposição? Qual é a diferença entre um depoimento de uma
declaração? A prova, desde que o agente é honesto?

O segundo se refere à diferença entre provas periciais, e não


testemunhos de especialistas: o agente é obrigado a ser um
especialista na informação que forneceu?

75
http://www.georgetown.edu/faculty/jod/encounter.htm

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 163


O terceiro aborda a relação entre testemunho e verdade: como
explicar o testemunho deliberadamente falso? Como explicar as
reservas ou ocultação deliberada de informações? Como explicar o
testemunho de outras pessoas que estão, mas que fingem que algo
é próprio ou original, que é o caso de plágio e desonestidade? Este
terceiro aspecto intimamente ligado com a epistemologia do
testemunho e da ética científica do conceito de “ciência e valores”.

O quarto problema está relacionado à medida que o


testemunho é dependente de outras fontes de conhecimento, que
divide os especialistas em dois grupos: (1) os reducionistas, que
acreditam que a origem é justificada testemunho de outros
elementos que são perto de uma base (percepção, memória,
raciocínio...) e (2) os não-reducionista ou emergências, consideram
que a fonte é um testemunho independente de outros fatores e se
justifica em si mesmo. Embora nos últimos anos tenha havido uma
enorme produção de estudos dentro desta epistemologia, é claro
que existem muitos problemas para resolver.
“Não existe uma única regra, por mais plausível
que pareça, por mais alicerçada sobre a
epistemologia, que não seja desrespeitada numa
ou noutra ocasião.”76

9.2.2. A epistemologia probabilística ou Bayesiana


Esta epistemologia tem suas raízes em Thomas Bayes
(1701-1761), no século XVIII, e foi desenvolvida em meados do
século XX. Segundo Bovens e Stephan (2003), esta tendência
epistemológica tem sido reforçada nos últimos anos.

76
PAUL FEYERABEND em “Contra el método” ( p. 15).

164 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


De fato, com Bacon (1561-1626) e Newton (1642-1727), a
ciência passa a privilegiar os procedimentos empíricos e indutivos.
Em verdade, o fazer dos sábios só passa a ser aceito como ciência, a
partir daí. Os métodos dedutivos dos gregos seriam bons para a
filosofia. Toda crença para ser verdadeira tem que ser justificada
por algum tipo de experimento e a indução poderia nos levar a leis
gerais e universais. Uma nova lógica foi então desenvolvida.

Originalmente a epistemologia probabilística visou justificar a


indução, tanto em termos de um aparato formal de lógica indutiva
(uma das maiores aspirações do Círculo de Viena, especialmente
Rudolph Carnap (1891-1970)) como no sentido um ensaio de
pragmática da racionalidade epistêmica, estendendo as leis que
justificariam a dedução, para a indução.

No entanto, para além de suas aplicações: à teoria da decisão;


à Psicologia; à Aprendizagem; e muitas outras áreas, as mais
importantes contribuições da epistemologia bayesiana, nos últimos
vinte anos têm a ver com os processos científicos.

A teoria bayesiana da confirmação, por um lado, permite a


análise das práticas científicas e, além disso, tem amplas aplicações
para a investigação social, nomeadamente no que de não há muito
tempo passou a ser denominada por “epistemologia bayesiana
social” (incluindo uma “epistemologia bayesiana para os
testemunhos”).

Uma das ideias centrais neste processo é que a investigação


científica deve ser multidisciplinar. Não o trabalho de um único
cientista, mas de grupos de cientistas que decidem o que é ou não é
aceito dentro de cada área de trabalho.

Na verdade, praticamente todas as pesquisas estão sujeitas à


aprovação de um grupo de peritos (júri chamado “comissão de
arbitragem”, “avaliadores”, etc.). Nestes casos a epistemologia
probabilística bayesiana permitiria uma gestão controlada do
trabalho de peritos em investigação sobre o que decidir.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 165


Estas aplicações permitem, por exemplo, regular o grau de
confiabilidade da informação. Elas também permitem que, dado
vários relatórios produzidos por muitos críticos, utilizando um
raciocínio probabilístico para determinar o grau de confiabilidade
de cada uma delas, decidir quais as que merecem maior
credibilidade.

Em outro campo de aplicação, o raciocínio probabilístico


também pode misturar ou integrar globalmente num único pacote,
vários relatórios de avaliação, mesmo divergentes, obtendo um
resultado único. Abre-se a possibilidade de se fazer pesquisa
“neopositivista”, utilizando técnicas abertas, não estruturadas.

Parece contraditório se seguir uma abordagem subjetivista


(qualitativa) e, ao mesmo tempo, acreditar nas probabilidades (o
ser humano não é mensurável), do qual resulta que as ofertas desta
epistemologia não são direcionadas, apenas, para a chamada
“pesquisa qualitativa”, mas, sobretudo, para a abordagem realista
empirista.

9.2.3. A epistemologia da percepção


A abordagem empirista realista (empirista em geral) é
obrigada a demonstrar a validade dos dados dos sentidos em
contato com a realidade (experiência prévia).

Portanto, nada mais urgente do que uma epistemologia da


percepção, ou seja, uma meta-teoria para justificar um processo
científico alimentado por fontes de percepção. O ponto de partida é
que todo o nosso conhecimento factual depende de como
podemos ver, ouvir, cheirar, provar e tocar o mundo exterior.

O problema é saber se podemos acreditar nesse conhecimento


gerado por estas formas de contato com o mundo.

Primeiro, há a questão de saber qual desses contatos


sensoriais geram conceitos mentais, representações, e o que não,
as diferenças entre esses tipos de coisas (crenças perceptivas e
contatos).

166 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Depois, há o problema do potencial dessas percepções
(tecnicamente, há diferença entre justificação e nexo de
causalidade): gerar conhecimento confiável (crença justificada) ou
apenas “causar” ou “provocar” certo conhecimento, antes de
podermos decidir se este é falso ou não (uma miragem no deserto,
por exemplo)?

Em seguida, na base desta diferença entre sensação e crença,


resta a questão do processo pelo qual se passa da primeira para a
segunda: como é possível a formação de conceitos mentais
definidos? Como é o caso do conhecimento científico, baseado em
sensações e experiências sensoriais?

A resposta histórica a ser considerada é o fato de que os seres


humanos têm criado instrumentos que substituem, cada vez de
forma mais sofisticada, os meios naturais de acesso ao mundo
sensível, os quais se mostram mais eficientes que os nossos
sentidos (extensões perceptuais como o telescópio, o microscópio
de imagem, etc.) que fornecem, além de possibilidades
tecnológicas, uma revelação quanto à incapacidade natural dos
sentidos: até que ponto se pode contar com um aparato sensorial
que se demonstra limitado e até mesmo enganoso?

Imagine uma pessoa que nasce sem nenhum sentido natural:


seria incapaz de qualquer conhecimento? Por outro lado, imagine
um indivíduo que nasce com todos os seus sentidos, mas, na
imaginação, não tem cérebro e processamento mental: pode
formar conceitos e gerar conhecimento? Esta é uma visão, talvez
rudimentar ou pequena, para os problemas de uma epistemologia
da percepção.

O que está em questão é como se inter-relacionam os


elementos do conhecimento gerados perceptualmente.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 167


De acordo com a tese do fundacionismo, tudo é como um
grande edifício, as competências básicas (“core”) sobre a qual
repousam (justificada) todos os outros que estão acima, de modo
que cada um é justificado pela camada mais para baixo até
alcançar aqueles na base, que seriam “essenciais” e que não
necessitariam ser justificadas (por serem incorrigíveis ou
irrefutáveis) e seguras (não podem ser postas em dúvida). De
acordo com a tese do “saber coerente”, tudo seria uma rede, em
que as crenças se justificam com base em sua consistência em
relação a outras.

9.3. Epistemologias racionalistas realistas

Grupamos aqui as epistemologias que tratam com os objetos


calculáveis ou imagináveis e que são caracterizadas pela crença de
que a razão é a fonte genuína da produção de conhecimento e que
o papel da ciência é a construção de modelos imitando a realidade
em seu funcionamento, não sendo necessária a possibilidade de
observar os fatos, mas simplesmente imaginar (cálculo), a sua
estrutura interna de dupla ação interativa tentativa e erro.

Temos, dentre a infinidade de abordagens desse tipo


defendidas por muitas tribos que buscam seu espaço no meio
acadêmico as epistemologias evolucionárias, as naturalistas e as
cognitivas. Viajemos superficialmente por cada uma delas.

9.3.1. Epistemologia Evolucionária


Podemos falar de uma epistemologia evolucionária tradicional
(Popper, Lorenz, Campbell etc.) que se suporta na tese geral da
adaptação: “a ciência ou o progresso da ciência, pode ser
considerado como meio utilizado pela espécie humana para se
adaptar ao ambiente” (in LOSEE, 2003, p. 140). O argumento
simples, adaptacionista, levou à teoria da seleção natural
(especificando os mecanismos universais de seleção).

168 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Temos uma evolução do ponto de vista do organismo, do
ponto de vista dos genes, ou na interação organismo-ambiente.

Assim chegamos às teorias baseadas no princípio da


simbiogênese universal e várias outras inovações, a maioria das
quais vêm da biologia evolutiva.

Ao lado deste desenvolvimento orientado a aspectos do


conhecimento em geral, conhecido como o “EEM” (Programa de
Desenvolvimento de Mecanismos Epistêmicos) dedicado a explicar
a evolução dos equipamentos cognitivos (sistemas cerebrais,
motores, sensoriais), também nasceu o “TSE” ("Epistemologia
Evolutiva de Teorias"), dedicada a explicar a evolução das teorias,
metodologias e culturas científicas, principalmente do ponto de
vista da seleção natural.

No âmbito deste programa foi publicado o livro de William S.


Cooper, “The Evolution of Reason: Lógica como um ramo da
biologia”, explicando o ramo evolutivo da matemática, a lógica
dedutiva, a lógica clássica e as lógicas não-clássicas.

A epistemologia evolutiva apresenta duas distinções meta-


teóricas: (1) a evolução ontogenética, o individual ontogenético,
cujas origens estão na epistemologia genética de Piaget
(1896-1980) e (2) a evolução das espécies (evolução filogenética).

A questão de saber se os estilos de pensamento podem mudar


ao longo da vida de uma pessoa ou podem ter mudado durante a
evolução da espécie humana é parte da distinção entre ontogenia e
filogenia.

A outra distinção meta-teórica que é tratado na evolução atual


é a de uma epistemologia evolutiva descritivo-explicativa versus
uma epistemologia evolutiva prescritivo-normativa.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 169


O futuro imediato da epistemologia evolucionista parece ser
marcado pela oposição entre uma visão progressista, que acredita
em um conhecimento científico que converge para chegar a uma
máxima verossimilhança, atendendo aos ideais popperianos de
segurança (Einstein (1879-1955) também acreditavam nesta visão
geral na física), e outra visão, indeterminista, aleatória.

Longe de considerar a chegada a centros de convergência, esta


vertente considera a possibilidade de um final de história
anárquico, imprevisível e não teleológico (ver o conceito de Deriva
Natural em Maturana, por exemplo)77.

A extensão deste darwinismo às várias áreas da ciência


criando, por exemplo, uma Psicologia Evolucionária no MIT 78, e
sustentada por autores de pesos como Richard Dawkins, tem sido
fortalecido, principalmente com o debate, nada científico entre
criacionistas e evolucionistas.

Queremos dar ênfase aqui ao fato de que esta forma de se


fazer ciência é uma das epistemes dominantes neste início de
século, ainda que, pessoalmente, sejamos partidários da “Teoria da
Deriva Natural”, expressa por Maturana (e que não deixa de ser uma
das variantes dentre as epistemologias evolucionárias).

9.3.2. A epistemologia racionalista naturalista


Quine (1981, p. 72) caracteriza o naturalismo como:
O abandono do objetivo de uma filosofia primeira
[e] o reconhecimento que é no interior da própria
ciência [...] que a realidade é para ser identificada e
descrita79.

77
MATURANA, H. R. A ontologia da realidade. Organização e tradução Cristina
Magro, Miriam Graciano e Nelson Vaz. Belo horizonte, MG: Ed. UFMG, 1997.
78
Massachusetts Institute of Technology
79
Ver, também, Quine (1969).

170 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A questão epistemológica primária é a de determinar como
nós humanos - vistos como organismos naturais no mundo físico-
procedemos aprender algo acerca do mundo à nossa volta:
O filósofo naturalista começa os seus raciocínios
no interior de uma teoria do mundo que herdou já
em pleno funcionamento [...] [A] teoria do mundo
que herdou é primariamente uma teoria científica,
o produto corrente do empreendimento científico.
(QUINE, 1981, p. 72).

A tese de Quine reinterpretada dentro da abordagem


teórico-dedutivista levou a uma reversão da trajetória da pesquisa
entre o nível empírico (a história da ciência) e os pressupostos
meta-teóricos (explicações conjecturais).

Enquanto a epistemologia empirista naturalista (original) é


parte do plano da história indutivamente observacional da ciência
para descobrir padrões de regularidade, a epistemologia
racionalista naturalista estabelece cenários para, em seguida,
submetê-los ao critério popperiano de falseabilidade.

Isto implica uma forte ênfase na historiografia da ciência (ao


invés do simples história da ciência) como um campo de contraste
com o modelo racionalista epistemológico.

Quine havia proposto que a epistemologia se tornara um ramo


da psicologia. Isto foi reinterpretado no contexto da revolução
cognitiva, “movimento associado a coisas como a inteligência
artificial, linguística computacional e relações geradoras
mente-corpo, a robótica, o conhecimento comum, e assim por
diante”, tendências que, aliás, também nasceram dentro da
tradição racionalista-realista de meados do século XX.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 171


Na verdade, desde os anos cinquenta que Chomsky
argumentava que a linguística deveria ser parte da psicologia
cognitiva e que a linguagem teria que ser estudada como um objeto
natural em função de sua concepção de língua como um módulo
cognitivo ligado ao material biológico ser humano (pelo menos em
parte, o debate celebrado entre Chomsky e Quine pode ter ajudado
a compensar o empirismo naturalista de Quine: anti-racionalista e
comportamental).

Daqui resulta que uma das premissas centrais da


epistemologia naturalista racionalista é que não existem diferenças
estruturais significativas entre os chamados: “conhecimento
comum da psicologia e o conhecimento científico”. Padrón,
Hernandez-Rojas e Di Gravia (2005) afirmam que as únicas
diferenças relevantes entre os dois tipos de conhecimento são as
propriedades de “socialização” e “sistematização”, ou seja, o fato
de que o conhecimento científico é mais fora do âmbito da
individualidade subjetiva e, além disso, é replicável e com direito a
ser canônico.

Partindo de uma visão evolucionista, é provável que o


conhecimento científico tenha sido o produto de um crescimento
progressivo do conhecimento comum primitivo a níveis mais altos
em ambas as escalas de socialização e sistematização, o que
significaria que não houve diferenças significativas em sua lógica
estrutural interna.

9.3.3. As epistemologias cognitivas


Segundo Carruthers, Sigeal e Stich (2002):

172 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A intenção por trás deste projeto foi o de reunir um
conjunto selecionado de filósofos, psicólogos e
cientistas cognitivos e lhes propor perguntas
diretas, tais como: Quais são os elementos da
cognição humana que nos permitem adaptar ou
fazemos ciência? São as bases científicas inatas ou
são socialmente construídas, são específicas ou
mecanismos gerais de aprendizagem? Como
encaixar elementos juntos diferentes e nossa
habilidade de sustentar o tipo de raciocínio
científico? Há continuidade entre os processos
cognitivos envolvidos no desenvolvimento da
criança (o mesmo que os envolvidos em
sociedades de caçadores-coletores) e aqueles que
são específicos para a pesquisa científica? Qual o
impacto e em que medida estes preconceitos
típicos do raciocínio humano na ciência e no local
entre as emoções de uma explicação adequada da
atividade científica? Quão importante é a
dimensão social da ciência para entender a ciência
e o conhecimento científico?

Note que uma das perguntas: Há continuidade entre os


processos cognitivos envolvidos no desenvolvimento da criança (o
mesmo que os envolvidos em sociedades de caçadores-coletores) e
aqueles que são específicos para a pesquisa científica? , implica já
algumas ligações com a epistemologia naturalizada, evolutiva e
entre os níveis ontológico e filogenético. É o que faz com que seja
realista na abordagem racionalista e apresente uma estreita
relação entre as diferentes epistemologias surgidas nas tribos do
século XXI.

Entre as respostas mais recentes da epistemologia cognitiva


atual quanto ao conhecimento científico temos o trabalho
representativo de Gooding, Gorman, Kincannon e Tweney (2005).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 173


10. As epistemologias das ciências naturais e
sociais

De um lado as ciências naturais abarcando as áreas da ciência


que visam estudar a natureza em seus aspectos mais gerais e
fundamentais. Para as ciências naturais o ser humano é
simplesmente parte integrante e não algo especial, estando sujeito
às mesmas regras naturais que regem todos os acontecimentos
físicos, químicos e biológicos do universo, o qual esse também
integra.

Do outro lado temos as ciências sociais abarcando o mundo


humano, ou seja, a vida social de indivíduos e grupos humanos.
Falamos de Antropologia, Economia, Contabilidade, Filosofia,
Sociologia e afins.

Em “Cinco Mentes para o Futuro”, Howard Gardner compara


Ken Wilber com Peirce ao dizer que ambos eram polímatas. A
proposta de Ken Wilber é de uma “visão integral”:
A Abordagem Integral permite que você perceba
tanto a si mesmo como o mundo circundante de
maneiras mais abrangentes e efetivas. O mapa
integral é apenas um mapa. Ele não é o território;
(WILBER, 2005, p. 18).

As ciências naturais tratariam de “isto” e “istos” enquanto as


ciências sociais cuidam do “eu” e do “nós”, como mostrado na
Figura 10.1.

Wilber propõe uma fenomenologia contemplativa: “[...], a


busca pelo conhecimento firmemente no caminho da evidência, com
cada um de seus atestados de validade (verdade, veracidade,
imparcialidade, encaixe funcional), guiado pelas três etapas da
genuína acumulação do conhecimento (injunção, apreensão,
confirmação) em cada nível (sensorial, mental, espiritual – cruzando
o espectro inteiro da consciência, não importa quantos níveis
queiramos invocar)“ (WILBER, 2005, p.88).

174 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


As epistemologias das ciências naturais são mais objetivas
enquanto aquelas associadas às ciências sociais apelam mais para
o subjetivo.

Figura 10.1 Os quatro quadrantes de Ken Wilber


Fonte: adaptado de Ken Wilber (2005).

10.1. O problema da justificação

Ignorando a discussão sobre o significado do termo


“justificação”, esse problema surge quando o pesquisador ou
usuários de uma investigação querem saber o grau de credibilidade
e confiança que pode ser colocado nos resultados apresentados.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 175


As crianças, por exemplo, passam por um determinado estágio
“contrastivo” em que estão determinadas a descobrir como decidir
se podem ou não acreditar no que lhes é dito: “E quem lhe disse
isso?”, “Como você sabe disso?”, “Como eu sei se isso é verdade?”
são questões típicas dessa idade.

Este problema já é discutido em tempos modernos desde os


tempos da “possibilidade de falseamento” proposto por
Popper (1902-1994). Não podemos garantir a veracidade das
conclusões da ciência, ou de qualquer outra peça de informação,
mas podemos identificar seus erros. E quando não há erros
identificados, isto pode ser evidência de que aumenta o grau de
certeza que podemos atribuir aos resultados.

Os neopositivistas do século XX, por sua vez, também


identificaram que a investigação científica se rende a dois aspectos:
o social, o cultural e o psicológico constituem o que denominaram
por “contexto de descoberta”, e as medidas operacionais bem
definidas (metodologia, instrumental), o que eles chamavam de
“contexto de justificação”.

Dentro de uma abordagem realista, empirista, ninguém iria


acreditar em certas conclusões, prestando atenção apenas ao
contexto de descoberta.

Ninguém aceita justificações do tipo “X é verdadeiro”; “porque


eu sinto isso...”; “porque eu sonhei...”; “porque um anjo me
disse...”; “porque você vê nos meus olhos que estou falando a
verdade...”, etc.

A dificuldade é que os resultados baseados na consciência


íntima, em crenças puramente subjetivas, é algo incomunicável,
pois dizem respeito apenas ao indivíduo, posto que ninguém mais
poderia replicar ou reproduzir esses achados.

176 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A abordagem subjetivista idealista, no entanto, baseia-se no
“consentimento de leitores competentes e experientes em uma
manifestação do tipo ‘sim, é assim’". Tal leitor competente
considera, por conseguinte, a hermenêutica, a contundência da
declaração comparada com sua própria experiência de vida. Ele vai
analisar a informação do ponto de vista, se você está interpretando
corretamente tal e tal experiência (...).

A força real do método fenomenológico está no indivíduo


“naqueles que se candidatam (pela amplitude de sua experiência
ou inteligência, ou ambas ao mesmo tempo).” (SEIFFERT, 1977,
p. 241, p. 244).

Laydman (2002, p. 13-14) formulou este problema através de


um diálogo em que um dos personagens desafia o outro para
explicar por que suas crenças, baseada no que os cientistas dizem,
são melhores do que a crença em anjos e demônios ou espíritos e
bruxaria.

“É claro”, diz Laydman:


Há muitas coisas que todos nós acreditamos e não
podemos verificar diretamente por conta própria.
Por exemplo, estou convencido de que o arsênico é
tóxico em grandes doses, mas, tanto quanto me
lembro, nunca vi sequer uma garrafa de arsênico,
nem tenho testado os seus efeitos. (LAYDMAN,
2002, p. 13)

Gostamos de acreditar que há uma diferença entre


as nossas crenças científicas e as crenças em
bruxaria. Isto explica porque gastamos tanto na
medicina e no tratamento médico, quando tudo
seria bem mais barato, com alguns feitiços e
sacrifícios de animais. O homem comum considera
que o método científico é o que faz a diferença,
que suas crenças são produzidas e testadas por
este método, e que isso tem algo a ver com
experimentos e observações. (LAYDMAN, 2002,
p. 14).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 177


Na verdade, a propaganda comercial ajuda na crença que
temos na ciência. Usamos termos como “cientificamente
comprovado”, “base científica”, “produto de investigação
científica” etc.

Morin (1986) já dizia: O conhecimento é a navegação em um


oceano de incertezas, entre arquipélagos de certezas. O primeiro
princípio da incerteza do conhecimento é o cerebral, o
conhecimento nunca é reflexo do real, mas sempre tradução e
construção, comportando, assim, o risco de erro.

O conhecimento é sempre tributário de interpretação. Ao


interpretar utilizamos ao mesmo tempo a explicação e a
compreensão. Explicar está associado à objetividade enquanto a
compreensão está relacionada ao subjetivo, ao intersubjetivo
(MORIN, 2000a).

Hoje este problema da justificação do conhecimento está


longe de ser resolvido de forma justa e, provavelmente, nunca
chegaremos a uma solução.

10.2. O problema das ciências sociais

Uma discussão atual entre a relação das epistemologias das


ciências sociais quando comparada com as epistemologias das
ciências naturais, pode ser vista em Turner e Roth (2003).

178 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Dilthey (1833-1911) já afirmava que o design e os métodos das
ciências naturais não serviam para os estudos sociais, considerando
que no estudo das “coisas materiais” se lançam mão de princípios
de causalidade simples, algo impossível de implementar em
“ciências humanas”. Dilthey propõe o uso da “hermenêutica”.
Nesta direção, um de seus primeiros esforços acadêmicos foi o de
resgatar a biografia de Schleiermacher80, estudante de
hermenêutica, então quase esquecida.

Husserl (1859-1938) estende mais essas ideias ao adicionar o


projeto “fenomenológico” para dar conta dos estudos sociais,
queixando-se das mesmas imprecisões apontadas por Dilthey, mas
criticando tacitamente a estas, principalmente quando afirma em
conferência, em Viena, que: “Hoje encontramos em toda parte a
necessidade ardente de compreender o espírito e a ambiguidade da
ligação metodológica e factual entre ciências naturais e ciências do
espírito”.

A tese da especificidade epistemológica e metodológica das


ciências sociais em relação às ciências naturais tornou-se
hegemônica neste início de século. Este fato não se limita à
literatura, mas pode ser visto na prática diária de pesquisa
acadêmica na maior parte do mundo.

Sob declarações explícitas da complexidade social do


fenômeno da subjetividade, quando comparado à pesquisa em
ciências naturais, nota-se uma certa hostilidade entre as tribos dos
“poetas da subjetividade” e dos “enfezados comedores de
números”.

80
Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768 - 1834) foi influenciado por Kant
(1724- 1804) e Fichte (1762-1814). Com ele a hermenêutica recebe uma reformulação,
pela qual ela definitivamente entra para o âmbito da filosofia. Em seus projetos de
hermenêutica coloca-se uma exigência significativa: a exigência de se estabelecer
uma hermenêutica geral, compreendida como uma teoria geral da compreensão.
Onde houvesse linguagem, ali aplicar-se-ia sempre a interpretação. E tudo o que é
objeto da compreensão, é linguagem (Hermeneutik).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 179


Como em muitas outras situações, esta prática dentro
pesquisa acadêmica reflete duas tendências: uma que, honesta e
seriamente, testa os princípios das “ciências humanas”, procurando
atender às necessidades de credibilidade e validação intersubjetiva
dos resultados; e outra que usa a subjetividade e o relativismo e,
abusando da retórica, sem trazer nada de substantivo, propõe
simplesmente a volta a um pensamento mágico, um tipo de “vale
tudo”.

É a mesma motivação de “moda nonsense” que gerou a crítica


excessiva de um Sokal e Bricmont (1999), mas que também tem
muitos precedentes (como Popper contra as grandes palavras,
entre muitos outros).

As últimas versões desta tese, quanto às especificidades das


ciências sociais, estão fortemente associadas com o relativismo, o
antirrealismo, a subjetividade, o holismo indiscriminante e,
certamente, seguem a visão de ciência enquanto um fazer político,
defendida por Feyerabend (1924-1994).

Parece inevitável mencionar, nesse sentido, Edgar Morin, com


suas noções das três teorias, a auto-organização, a epistemologia
da complexidade, a oposição entre o pensamento linear e o
pensamento complexo e, mais recentemente, a noção de
transcomplexidade etc81.

O trabalho de Morin tem um alto impacto, influenciando


muitos grupos de pesquisa, principalmente no Brasil, cuja
característica histórica é uma eterna admiração pelas escolas
francesas. A UNESCO, com sede em El Salvador, patrocinou
algumas de suas obras. Também, foi criada a Associação para o
Pensamento Complexo e Transdisciplinaridade, com base em Paris
e filiais em vários países; e, atualmente, muitas teses de doutorado
seguem “O Método” proposto por Morin.

Some-se a estas observações o protesto de Floridi e outros.

81
Veja a famosa “Carta da transdisciplinaridade” da reunião internacional que se
realizou no Convento de La Rábida, Espanha, em 1994,

180 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Modelos preditivos, instrumentais e explicativos
(como propostos pelas teorias científicas) podem
ser, na melhor das hipóteses, informativos apenas
sobre as relações entre os objetos do sistema
(através da investigação de fenômenos
observáveis), mas não sobre a primeira ordem da
coisa-em-si, ou objeto-em-si (a essência intrínseca
ao númeno). (FLORIDI, 2007).

11. Epistemologias da Interdisciplinaridade

Piaget (1970) foi um dos primeiros a usar o termo


“transdisciplinar” quando afirmou:
[...] enfim, no estágio das relações
interdisciplinares, podemos esperar o
aparecimento de um estágio superior que seria
“transdisciplinar”, que não se contentaria em
atingir as interações ou reciprocidades entre
pesquisas especializadas, mas situaria essas
ligações no interior de um sistema total sem
fronteiras estáveis entre as disciplinas.
(in: NICOLESCU, 1999).

As interdisciplinaridades, com os seus objetos científicos


específicos, assumem importância crescente. Esta relevância se
mostra mais simbólica do que epistemológica.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 181


Olga Pombo82 reclama da dificuldade de se falar de
interdisciplinaridade. Trata-se de palavra gasta, usada tantas vezes
e de tantas diferentes maneiras que fica difícil optar por uma
definição conceitual sem gerar polêmicas. O fato é que ninguém
saber o que é a interdisciplinaridade83.

O conceito continua em ebulição sem esperança de se chegar a


alguma estabilidade.

A interdisciplinaridade entrou no vocabulário da investigação


científica. Quantos grupos de pesquisa, hoje, não se proclamam
como constituindo uma equipe interdisciplinar? Quantos
congressos, hoje, não alardeiam sua interdisciplinaridade? Qual é o
curso que hoje não comporta elementos curriculares
interdisciplinares?

A palavra interdisciplinaridade é utilizada, frequentemente, de


forma ingênua: basta juntar várias pessoas de diferentes
perspectivas e pronto.

O que está subjacente é sempre a ideia de que a simples


presença física (ou virtual) de várias pessoas em torno de uma
mesma questão criaria automaticamente um real confronto de
perspectivas, uma discussão mais rica porque, dir-se-á, mais
interdisciplinar. Uma complicação adicional é que usamos não
uma, mas quatro palavras com a mesma raiz comum:
pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e
transdisciplinaridade.

82
Palestra Epistemologia da Interdisciplinaridade em Colóquio, na cidade do Porto,
2003. http://www.humanismolatino.online.pt/v1/index.php
83
Da imensa bibliografia existente, destaco apenas alguns títulos mais significativos:
Palmade (1979), Resweber (1981), Mittelstrass (1987) e Thomson Klein (1990, 1991 e
1996). Veja-se ainda o pequeno, mas estimulante, texto de René Thom (1990), Gozzer
(1982), René (1985) e Chubin (1986).

182 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A palavra disciplina tem, pelo menos, três grandes significados:
(1) Disciplina como ramo do saber: a Matemática e a Psicologia são
disciplinas, ramos do saber; (2) Disciplina como componente
curricular: Português, Química etc. (3) Disciplina como conjunto de
normas ou leis que regulam uma determinada atividade ou o
comportamento de um determinado grupo.

Precisamos recorrer à etimologia dos prefixos. Em primeiro


lugar “multi” e “pluri” significam a mesma coisa. Temos, de fato,
três e não quatro problemas a deslindar.
A ideia é a de que as tais três palavras (pluri, inter
e trans), todas da mesma família, devem ser
pensadas num continuum que vai da coordenação
à combinação e desta à fusão. (POMBO, 2003).

Juntando a esta continuidade de forma, dentro de um


“crescendum”de intensidade, teremos, segundo Pombo, qualquer
coisa deste gênero: começando do paralelismo pluridisciplinar ao
perspectivismo e convergência interdisciplinar e, desta, ao holismo
e unificação transdiciplinar.

A interdisciplinaridade é um conceito que invocamos sempre


que nos confrontamos com os limites do nosso território de
conhecimento, sempre que topamos com uma nova disciplina cujo
lugar não está ainda traçado no grande mapa dos saberes, sempre
que nos defrontamos com um daqueles problemas imensos cujo
princípio de solução sabemos exigir o concurso de múltiplas e
diferentes perspectivas (POMBO, 2003).

Talvez que o destino de toda nova disciplina seja sofrer um


período de instabilidade interdisciplinar até que se estabilizem os
melhores instrumentos e métodos para lidar com o conjunto de
problemas que definem seu campo de estudos.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 183


A palavra interdisciplinaridade nos faz passar na busca por um
novo modelo diferente do “modelo analítico” de se fazer ciência
que, se deu inegáveis frutos, estaria hoje a se revelar insuficiente.
Trata-se de algo, então, mais profundo, de uma mudança no modo
de o homem fazer ciência. A proposta interdisciplinar ataca de
frente o fenômeno da “especialização”, que atingiu, na segunda
metade do século XX, dimensões alarmantes. O que pode ser
verificado pela multiplicação de cursos nas universidades, muitos
deles, com um curto prazo de existência84.

84
Carrier e Mittelstrass (1990, p. 17) apresentam um catálogo de campos de estudo
em universidades alemãs realizado em 1990 mostrando que existiam mais de 4.000
possibilidades de especialização.

184 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


A ciência, como sabemos, começou por ser uma
tarefa democrática, nascida na cidade grega, na
praça pública, num lugar de diálogo e discussão,
onde era possível a argumentação. Ora, a ciência
que nasceu nessa situação democrática, visando à
racionalidade dos seus resultados e, o mesmo é
dizer, a universalidade daqueles que a podiam
construir e entender; parece encontrar-se
absolutamente liquidada nesse objetivo. A ciência
surge hoje um conjunto de instituições cindidas,
fragmentadas, absolutamente enclausuradas cada
qual na sua especialidade. Não vou repetir aquilo
que toda a gente já sabe. A ciência é hoje uma
enorme instituição, com diferentes comunidades
competitivas entre si, de costas voltadas umas
para as outras, grupos rivais que lutam para
arranjar espaço para o seu trabalho, que
competem por subsídios, que estabelecem entre si
um regime de concorrência completamente avesso
àquilo que era o ideal científico da comunicação
universal. A situação é tão grave que, neste
momento, há uma prática de “patentificação”
absolutamente inaudita: enquanto que a patente
sempre serviu para estabelecer a propriedade
intelectual de resultados obtidos, neste momento,
é constituída para hipóteses, pistas de trabalho,
programas de investigação. Há inúmeras
universidades - e esse fenómeno está a ser
denunciado em todo o mundo que mal definem
um novo programa de investigação,
imediatamente o patenteiam. O que significa que
impedem outras universidades ou outros centros
de investigação de perseguir essa mesma hipótese.
(POMBO, 2003)

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 185


Apesar de necessária, a especialização, como se vê pela justa
colocação de Pombo, levou a uma institucionalização do trabalho
científico altamente preocupante e que precisa ser revista. Um dos
autores, o engenheiro, viu sua disciplina se multiplicar. Os jovens
hoje têm que decidir qual das engenharias vão cursar. No passado
essa escolha ia ocorrendo ao longo do curso. Começamos todos
como engenheiros. No segundo ano optávamos por um dentre três
ou quatro ramos. No quarto ano se escolhia de novo. O diploma de
engenharia eletrônica concedido ao Professor Fialho, por exemplo,
lhe permitia projetar prédios de até quatro andares (o que nunca
fez, para segurança dos eventuais moradores).

Ortega e Gasset (1929), já nos anos 30 denunciava a “barbárie


do especialismo”:
Dantes os homens podiam facilmente dividir-se em
ignorantes e sábios, em mais ou menos sábios ou
mais ou menos ignorantes. Mas o especialista não
pode ser subsumido por nenhuma destas duas
categorias. Não é um sábio porque ignora
formalmente tudo quanto não entra na sua
especialidade; mas também não é um ignorante
porque é “um homem de ciência” e conhece muito
bem a pequeníssima parcela do universo em que
trabalha. Teremos de dizer que é um sábio-
ignorante - coisa extremamente grave - pois
significa que é um senhor que se comportará em
todas as questões que ignora, não como um
ignorante, mas com toda a petulância de quem, na
sua especialidade, é um sábio. (ORTEGA e GASSET,
1929, p. 173-174).

186 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Existem hoje duas culturas “comparáveis em inteligência,
idênticas em raça, não muito diferentes na sua origem social,
recebendo mais ou menos os mesmos rendimentos, mas que
deixaram de se comunicar” (SNOW, 1959, p. 2), duas culturas
correspondendo a dois grupos opostos, cada qual com uma
imagem distorcida da outra, com as suas atitudes e hábitos
específicos, opiniões comuns e, sobretudo, axiomas tácitos: “de um
lado os intelectuais literatos, do outros os cientistas. Entre os dois,
há um hiato de mútua incompreensão e às vezes (particularmente
entre os jovens) de hostilidade.”. (SNOW, 1959, p. 4).

De um lado, Snow (1959) e Ortega e Gasset (1929) falam do


abismo cada vez mais amplo entre a cultura humanística e a cultura
científica. Do outro lado, são os próprios criadores científicos que
tomam consciência da situação em que vivem e se juntam aos
filósofos alertando-nos contra essa situação.

Estamos formando cada vez mais especialistas sem uma


cultura humanista, uma sabedoria. Será isso o que realmente
desejamos? Falamos de formar homens para “o mundo que está aí”
ou, como queria Freire, pessoas capazes de transformá-lo. Norbert
Wiener (1824-1964), o pai da cibernética, escreve:
Há hoje poucos investigadores que se possam
proclamar matemáticos ou físicos ou biólogos sem
restrição. Um homem pode ser um topologista ou
um acusticionista ou um coleopterista. Estará
então totalmente mergulhado no jargão do seu
campo, conhecerá toda a literatura e todas as
ramificações desse campo, mas, frequentemente,
olhará para o campo vizinho como qualquer coisa
que pertence ao seu colega três portas abaixo no
corredor e considerará mesmo que qualquer
manifestação de interesse da sua parte
corresponderia a uma indesculpável quebra de
privacidade. (WIENER, 1948, p. 2).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 187


Oppenheimer (1904-1967) dizia:
Hoje não só os nossos reis que não sabem
matemática, mas também os nossos filósofos que
não sabem matemática e para ir um pouco mais
longe, são também os nossos matemáticos que
não sabem matemática. Cada um deles conhece
apenas um ramo do assunto, e escutam-se uns aos
outros com o respeito simplesmente fraternal e
honesto. [...] O conhecimento científico hoje não se
traduz num enriquecimento da cultura geral. Pelo
contrário, é posse de comunidades altamente
especializadas, que se interessam muito por ele,
que gostariam de o partilhar, que fazem esforço
por o comunicar, mas não faz parte do
entendimento humano comum [...] O que temos
em comum são os simples meios pelos quais
aprendemos a viver, falar e trabalhar juntos. Além
disso, desenvolveram-se as disciplinas
especializadas como os dedos da mão: unidas na
origem, mas já sem contato algum.
(OPPENHEIMER, 1955, p. 55).

Ao mesmo tempo em que a fragmentação tende a aumentar, a


partir dos anos 70, a interdisciplinaridade começa a inverter esta
situação alarmante. Começam a emergir inúmeras atividades e
práticas que caminham no sentido interdisciplinar85.

Simultaneamente, se apresentam um conjunto de discursos


elogiando a interdisciplinaridade, defendendo esta bandeira com
entusiasmo. Começam a se ensaiar formas de inversão das
tradicionais tendências curriculares estritamente disciplinares.

Gilbert Durand (1991) começa por chamar a atenção para a


necessidade de, na história da ciência, olharmos com cuidado cada
grande criador.

85
Tamborlini (1972), Guenier e Larcheveque (1972), Warwick (1973), Zveren (1975),
Hérnandez (1978) ou Flexner e Hauser (1979).

188 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Os sábios criadores do fim do século XIX e dos dez
primeiros anos do século XX, esse período áureo da
criação científica em que se perfilam nomes como
os de Gauss, Lobochevsky, Riman, Poincaré,
Becquerel, Curie, Pasteur, Max Planck, Niels Bohr,
Einstein etc., tiveram todos uma larga formação
pluridisciplinar, herdeira do velho trivium (as
“humanidades”) e quadrivium (os conhecimentos
quantificáveis e, portanto, também a matemática)
medievais, prudente e parcimoniosamente
organizados pelos colégios dos jesuítas e dos
frades oratórios e das pequenas escolas
jansenistas do novo humanismo Lakanal.
(DURAND, 1991, p. 36).

Afinal, ao contrário do que poderíamos pensar, aqueles que,


no final do século XIX, produziram os grandes acontecimentos e
transformações científicas não foram os especialistas, ou seja,
aqueles que facilmente cairiam sob a crítica feroz, por exemplo, de
Ortega e Gasset. Ao invés, foram personagens que tinham
beneficiado de uma formação universalista que as nossas escolas e
universidades deixaram ultimamente de proporcionar (POMBO,
2003).

Algumas escolas “experimentais” admitem que você avance


desde que tenha excelência em determinada disciplina, por
exemplo, a matemática, e deficiência em outras, por exemplo, o
português.

Durand (1921-2012) acredita que a possibilidade de inovação


resulta de uma formação universalista, pluridisciplinar, aberta a
todas as transversalidades (Durand, 1991, p. 40-41). É da presença
na consciência do investigador de várias linguagens e de várias
disciplinas que pode resultar o próprio progresso científico.

É a partir desta busca por uma alternativa para as


epistemologias ligadas ao modelo analítico de ciência que vai se
buscar em Eranos e nos eranianos (Durand, etc.) respostas.
Enquanto Viena e Frankfurt reuniam cientistas e filósofos, as portas
de Eranos estavam sempre abertas para os artistas.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 189


Para Durand (1991, p. 37) o fato de um praticante de uma
determinada ciência, no interior de certa prática científica, ter a
possibilidade de descobrir de repente qualquer coisa é efeito da
formação alargada que teve na sua escolaridade, da presença de
outras disciplinas e de outros métodos na sua consciência, algo que
resulta da sua preparação, não como especialista habitado por uma
“obsessão monodisciplinar” (DURAND, 1991, p. 37), mas como
homem de larga formação e informação interdisciplinar.

A heurística interdisciplinar comporta três aspectos:

Em primeiro lugar, a questão da fecundação recíproca das


disciplinas, da transferência de conceitos, de problemáticas, de
métodos com vista a uma leitura mais rica da realidade (POMBO,
2003).
Sabemos como grande parte da Química que hoje
conhecemos seria impossível sem a Física
Quântica, como os dispositivos matemáticos de
Rieman foram decisivos para a Física da
Relatividade, como a Biologia de Darwin é
devedora da economia concorrencial de Smith e
Malthus. É nesse sentido que, por exemplo, aquilo
a que vulgarmente se chama “invenção pelo
acaso” seria afinal resultante da irrupção súbita,
na consciência do praticante de uma determinada
disciplina, de uma possibilidade explicativa
utilizada por uma outra disciplina que fez parte da
sua formação de base, que estava lá, latente desde
esse momento. (POMBO, 2003) .

Um segundo elemento da heurística interdisciplinar reflete a


crença de que, na aproximação interdisciplinar, haveria a
possibilidade de se atingir camadas mais profundas da realidade
cognoscível. Isto indica como candidatos a abordagem
interdisciplinar objetos de investigação que se destaquem por sua
complexidade.

190 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Tem a ver com o fato de o átomo não ser
efetivamente a partícula mínima. Tem a ver com o
espanto revelado por Leeuwenhoek quando, no
século XVII, olhando pelo microscópio que havia
construído, se deixou comover pela vertigem
sucessiva de um universo que se multiplicava à sua
frente, tais lagos cheios de peixes cujos peixes
eram, de novo, novos lagos cheios de peixes. É este
abismo da complexidade, da abertura vertiginosa
de uma realidade que afinal de contas não é
atómica, que constitui o fundamento “material” da
interdisciplinaridade. (POMBO, 2003)

O terceiro elemento diz respeito ao fato de, como diz Durand e


muitos com ele, ao fato da própria interdisciplinaridade permitir à
constituição de novos objetos do conhecimento; como o
conhecimento, o clima, a educação, a cidade, o trânsito etc.
Qualquer um destes objetos não pode ser tratado no âmbito de
uma única disciplina.

Como exemplos de novas disciplinas que emergiram no


cenário científico e que são características deste novo paradigma,
citamos as que se situam na fronteira entre dois ou mais campos,
novas disciplinas que resultaram de diálogos entre engenheiros,
cientistas, militares, dentre outros, além das “interdisciplinas”
citadas por Boulding (1910-1993).

Temos a CAINTER, dentro da CAPES, agência de fomento a pós-


graduação no Brasil que, nos últimos anos, é a que mais recebe
solicitação de novos programas de mestrado e doutorado.

Como ciências na fronteira entre dois ou mais campos, citamos


o Biodesign, a Bioquímica, a Psicolinguística, a Etologia, a
Engenharia do Conhecimento, a Engenharia Genética, a Biônica,
dentre outras.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 191


Além dessas podemos mencionar novas disciplinas como
Relações Internacionais e Organizacionais, Sociologia das
Organizações, Psicologia Industrial, ou mesmo a Pesquisa
Operacional86, que resultaram da conglomeração, ou mesmo da
fusão, de temas compartilhados entre cientistas, engenheiros e
militares.

Boulding (1956, p. 12) fala, ainda, das “interdisciplinas


multissexuais” referindo-se, não ao ato de se juntar, simplesmente,
duas disciplinas, mas de constituir uma poli disciplina como um
núcleo duro, como aquele defendido por Lakatos, cercado por
disciplinas satélites. Os exemplos citados por Boulding incluem a
Ecologia, as Ciências Cognitivas, a Cibernética e as Ciências da
Complexidade87.

Andler (1992, p. 81), falando da especialidade de um dos


autores do presente livro, no caso “ciências cognitivas”, fala de uma
“galáxia de disciplinas”. Estamos em uma configuração em que o
núcleo duro é constituído por várias disciplinas tendo à sua volta,
muitas outras que, também, fazem parte do conjunto plural e
heterogêneo das chamadas “ciências cognitivas”.

Podemos pensar a interdisciplinaridade enquanto “programa


antropológico”, “programa metodológico”, “programa
epistemológico” ou, finalmente “programa ecológico”.

86
Interdisciplina resultante do cruzamento de diversas disciplinas teóricas (a lógica, a
estatística, a teoria da comunicação, a cibernética, a teoria da decisão) e de um
conjunto de métodos, técnicas e instrumentos desenvolvidos em diferentes
contextos industriais e organizacionais Operational Research, cf. Hillier (1979).
87
Para uma discussão do estatuto epistemológico novo do objeto das ciências da
complexidade, do seu carácter de alargamento ou transformação do campo dos
saberes, cf. Stengers (1987).

192 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


De acordo, por exemplo, com Gusdorf, Bobossov (1978) ou Da
Matta (1991), a interdisciplinaridade é pensada enquanto programa
antropológico no qual o ser humano se revela como “lugar
privilegiado de ponto de partida e de ponto de chegada de todas as
formas do conhecimento” (GUSDORF, 1986, p. 31), isto é, fonte
absoluta de todas as ciências e, simultaneamente, polo unificador
no qual, todas elas, encontram o seu sentido.

A fundamentação da interdisciplinaridade enquanto programa


metodológico tem a ver com a capacidade da interdisciplinaridade
para se constituir como mecanismo de regulação da emergência
das novas disciplinas e dos discursos plurais que as constituem.

Neste sentido, a interdisciplinaridade recusaria tanto a


planificação unitária quanto a dispersão anárquica, tanto a
cegueira do especialista quanto a diluição das especificidades
disciplinares numa indeterminação globalizante (POMBO, 2003).

Dentro do programa epistemológico, Pombo (2003) distingue


duas grandes aproximações:

I. Teoria dos Sistemas Bertalanffy88, Apostel89 e Pierre


Delattre90 que visa à constituição de uma nova disciplina
cujo objetivo é diretamente a integração das diversas
ciências naturais e sociais, uma espécie de teoria geral da
organização dos saberes capaz de fazer face ao
enclausuramento das disciplinas e às suas dificuldades
de comunicação (Bertalanffy, 1968, p. 28-33).

88
Embora a ideia fundamental da Teoria dos Sistemas tenha sido apresentada por
Bertalanffy em 1937, só depois da guerra é que surgirão as suas primeira publicações
(Bertalanffy, 1950, 1951, 1956 e 1968).
89
Para Apostel, a Teoria dos Sistemas é uma disciplina comparativa que tem por
missão permitir integrar de forma criativa os resultados das diversas ciências (cf.
Apostel, 1977). De Apostel, vejam-se, em especial (1972a, 1972b, 1978a e 1978b).
90
Pierre Delattre irá sobretudo insistir na vocação interdisciplinar dos vários
formalismos gerados pela tteoris dos Sistemas e explorar a possibilidade de construir
uma linguagem mais ou menos unificada (cf. Delattre, 1981). Para outros títulos mais
significativos, vejam-se Delatre (1971, 1973 e 1984).

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 193


A ideia fundamental é: (1) fornecer às diversas especialidades
instrumentos conceptuais utilizáveis por todas; (2) transferir, para
umas, métodos e modelos já provados noutras; (3) assinalar
isomorfismos, identificar princípios unificadores;

II. O Circulo das Ciências de Piaget que situa a


fundamentação da interdisciplinaridade na
complexidade do objeto da ciência e que faz também
depender essa interdisciplinaridade dos mecanismos
comuns dos sujeitos cognoscentes.

Era na confluência destes dois elementos que Piaget


(1896-1980) pensava construir o célebre circulo das ciências. Foi
com base nessa perspectiva extremamente influente que, em
Genebra, Piaget constituiu um Instituto que acabou por não dar os
resultados que se esperavam91.

O último programa apresentado por Pombo (2003) é o


programa ecológico apresentado pelo filósofo francês Félix
Guattari (1930-1992), parceiro de Giles Deleuze (1925-1955) e de
outro grande mestre da interdisciplinaridade que não pode ser
esquecido, Michel Foucault (1926-1984).

A metodologia de Foucault centrada numa arqueologia do


saber, sustentada, como desejava Feyeraband em uma genealogia
do poder, foi e continuará sendo uma das epistemologias mais
significativas para o projeto interdisciplinar.

91
Piaget considerava a necessidade de distinguir três tipos de relações
interdisciplinares (entre ciências hierarquizáveis), como, por exemplo, entre a
Psicologia e a Biologia (cf. Piaget, 1971: 541-544); entre ciências não hierarquizáveis,
como, por exemplo, entre a Psicologia e a Linguística (cf. Piaget, 1971: 544-546) e
entre ciências de fatos e ciências dedutivas, como, por exemplo, a Psicologia e a
Lógica, disciplinas que, não tendo procedimentos comuns, ainda assim permitem o
estabelecimento de uma cooperação com vista à resolução de problemas que
exigem a confrontação entre factos e normas formais (cf. Piaget, 1971: 546-549). De
Piaget, vejam-se ainda (1970, 1970a, 1972, 1976). Para um estudo da natureza
interdisciplinar da epistemologia de Piaget, cf. Boden (1990). Encontrar-se-á também
em Gusdorf (1977) uma avaliação crítica do projecto interdisciplinar de Piaget.

194 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Num texto publicado num volume de atas da UNESCO
intitulado Fondements Ethico-politiques de l' Interdisciplinarité
(1992) e num outro livrinho, anterior, intitulado Les Trois Écologies
(1989), Guattari entende que a interdisciplinaridade deve passar por
uma articulação entre as questões da ciência, da ética e da política.

A interdisciplinaridade ecológica de Guattari defende que, no


contexto global de desmoronamento dos valores e das práticas
tradicionais, dos grandes desequilíbrios ambientais e sociais,
nenhum desfecho está antecipadamente determinado (GUATTARI,
1989, p. 23).

O futuro está aberto, depende das nossas ações. Tudo pode


acontecer: a catástrofe do aquecimento global ou a resposta
mágica sonhada por Chaplin (1889-1977) em seu elogio a razão em
“O Grande Ditador”.

Porém, para que uma resposta satisfatória possa ser


encontrada, é necessária uma revolução política, social e cultural
de alcance planetário (GUATTARI, 1989, p. 14), uma revolução que
articule, harmonize e considere conjuntamente os três registos
fundamentais (ambiental, social e mental) de uma ecologia
generalizada.

O programa de uma interdisciplinaridade ecológica é


“simultaneamente prático e especulativo, ético-político e estético”
(GUATTARI, 1989, p. 70). “Torna-se necessário pensar a vida
humana em termos de ecologia generalizada - ambiental, social e
mental - a que chamo ecosofia”. (GUATTARI , 1989, p. 102).

Assim como tivemos que passar de um conceito de uma


ciência predominantemente analítica para uma ciência que, atenta
às novas complexidades que constantemente descobre e inventa,
procede cada vez mais de forma transversal temos, agora, que
ampliar o próprio conceito de interdisciplinaridade.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 195


Figura 11.1 A construção linear da ciência
Fonte: Imagem do Google Images

O conhecer não se dispõe como uma árvore com um ponto de


partida sólido, que cresce gradualmente até esgotar tudo o que há
para conhecer. Não sabemos onde situar o ponto de partida: fora,
dentro?

Estamos passando do esquema ilustrado pelas figuras Figura


11.1 e Figura 11.2, de um esquema arborescente, em que havia uma
raiz, um tronco cartesiano que se elevava, majestoso, acima de nós,
se dividindo em ramos, todos ligados por uma espécie de
harmoniosa e fecunda hierarquia para um modelo em rede, em que
o caminho se faz ao caminhar.

Figura 11.2 A interdisciplinaridade e sua não linearidade.


Fonte: Imagem do Google Images

196 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Os autores deste livro são exemplos da geração “baby
boomers”, filhos de um pós-guerra que gerou a Bauhaus de
Gropius (1883-1969), o movimento Hippie e a desconstrução do
mundo. Seguiu-se a “Geração X”, de workaholics, viciados em
trabalho, sempre em busca de mais competitividade e menos
qualidade de vida. Agora surgem os “millennials”92, jovens em busca
de experiências significativas.

Segundo Agamben (1990), a comunidade que vem é uma


comunidade de imigrantes, de mestiços, de apátridas, de impuros,
de “sem terra”. O que nos espera é um mundo em que se perde o
próprio sentido da identidade.

92
Também chamados de Geração Y, Geração We, Geração Global, Echo Boomers e
outros. Geração marcada pela tecnologia e pela conectividade nas redes sociais.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 197


CONCLUSÕES

Apresentamos ao finalizar este primeiro livro de epistemologia


a árvore epistêmica concebida pelo professor Marcus Ferreira
Santos, trabalho que reputamos magistral.

Cada epistemologia é uma história. Bhatikin diz: “eu não falo a


língua, a língua fala de mim”. Cada uma destas histórias é como um
velho mito, uma crença que capturamos quando buscamos pelas
tradições dos povos. O perigo na verdade é o de acreditarmos em
uma única história. Isto aconteceu no início do século XX com o
neopositivismo lógico, que reconhecemos enquanto uma linda e
bela história, tão linda que quase sepultou a ciência, a livre ciência,
no dogmatismo de mais uma religião, a da razão que, no Brasil, foi
professado por figuras como o Marechal Rondon, Anísio Teixeira e
Darcy Ribeiro.

Vivemos hoje o tempo das tribos pós-modernas, cada tribo


com sua tipologia psicológica. Por exemplo, um dos autores, o que
está escrevendo esta parte do livro é do tipo Junguiano ENFJ
(extrovertido (E); prefere os objetos intuíveis aos dados pelos
sentidos (N); Julga com o coração e não com a cabeça (F) e é, como
um bom cientista, todo programado (J)). O fato de ser como sou
explica porque prefiro a face lunar (Platônica) e não a solar
(Aristotélica) e que esteja apaixonado pelas epistemologias mais
ligadas à hermenêutica, ao conceito de imaginário, ao Círculo de
Eranos.

Dentro da Academia temos, na sua maioria, Idealistas (NF) e


Racionais (NT, T de usar a cabeça e não o coração). Somos nós, os
Idealistas, que escrevemos e divulgamos ciência. Talvez os “NTs”
prefiram mais o conforto das epistemologias voltadas às ciências
naturais e os “NFs” prefiram o desafio do social e do humano.

198 EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX


Talvez, por isso, ainda, que estejamos trabalhando em um
programa de pós-graduação que pertence a uma área recente da
CAPES, a CAINTER (Interdisciplinar), cujo objeto de estudo seja algo
subjetivo como o conhecimento e, que nossa proposta faça
dialogar uma Engenharia do Conhecimento, uma Gestão do
Conhecimento, explorando-se as Mídias do Conhecimento.

Na continuação deste livro (o livro 2) discutiremos algumas das


epistemologias destes heréticos contrabandistas de saberes que
cometem o crime bárbaro de fazer interdisciplinaridade. Quantas
vezes somos criticados por nossos colegas das ciências naturais por
trazer conhecimentos de um domínio do saber para outro? Bem.
Não estamos sós.

Um dos defeitos destes quatro livros (este é o primeiro,


repetimos) é que, dos três autores, nenhum é das ciências físicas,
somos todos da direita ou do centro (da árvore epistêmica, pois,
como bons professores, somos todos da esquerda política).

No Livro 2 contaremos as histórias que mais gostamos sobre


epistemologia enquanto, no Livro 3, ousamos criar nossas próprias
histórias. O Livro 4 reunirá artigos de nossos alunos. Vamos discutir
e propor epistemologias para uma interdisciplinaridade cujo
conceito ainda é algo polêmico.

EPISTEMOLOGIA E CIÊNCIA NO SÉCULO XX 199


Figura C Árvore epistemo-genealógica da mitohermenêutica.
Fonte: Marcos Ferreira Santos (1996). www.marculus.net

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