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16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas

Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis

Arte computacional e pesquisa

Suzete Venturelli
Universidade de Brasília

Resumo: o texto apresenta, primeiramente as principais características da arte


computacional do ponto de vista do processo de criação, do conhecimento multidisciplinar
e da tecnologia empregada na criação de imagens interativas computacionais que
caracterizam elementos da estética das imagens informáticas. Em seguida descreve
algumas obras apresentadas na exposição Arte Computacional e Pesquisa durante o 60
Encontro Internacional de Arte e Tecnologia: interseções entre arte e pesquisas tecno-
científicas, realizado pela Universidade de Brasília, CNPq, Capes e Finatec.
Palavras-chave: arte computacional, imagens interativas, imagens informáticas

Abstract: The goal of this paper is describe the main characteristics of the computer art
like the viewpoint of creation trial, the knowledge multidisciplinar and the technology
employed in the creation of interactive computer images that characterize elements in the
esthetics of the data processing images. Right away describes some works presented in
the exposition Computer Art and Researches during the 60 International Meeting of Art and
Technology: intersections between art and tecno-scientific researches, carried out by the
University of Brasilia, CNPq, Capes and Finatec.
Keywords: computer art, interactive images, processing images

Introdução

Na arte computacional o artista também é considerado um engenheiro, na


maioria das vezes autodidata. Especificamente, na elaboração de imagens
interativas, as técnicas e a tecnologia interativa vêm se desenvolvendo
rapidamente, desde os anos 60 do século passado. O processo de criação é
iniciado pela elaboração de modelos matemáticos, na análise de reconhecimentos
de padrões e na síntese (rendering) da imagem. As disciplinas que ele estuda
estão relacionadas com a ciência da computação (algoritmos, métodos numéricos
e estruturas de dados), a matemática (geometria e álgebra linear), a psicologia
(percepção), a física (ótica e mecânica) e as artes (estética, fundamentos da
linguagem multimídia e teoria da arte).
As imagens produzidas são denominadas de representações gráficas e são
basicamente de dois tipo: vetoriais e matriciais. Os gráficos vetoriais são
representados por coleções de objetos geométricos, como pontos, retas, curvas,
planos e polígonos. Os gráficos matriciais são amostragens em grades

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retangulares, tipicamente conhecidos como imagens digitais, ou seja matrizes de


pixel, onde cada pixel representa uma cor. Os gráficos matriciais também podem
representar dados volumétricos, onde cada pixel representa densidade ou
intensidade de algum campo.
Na criação de imagens vetoriais, o artista tem acesso a uma série de
operações sem quase perda de precisão, obtidas por meio de transformações
lineares e deformações. A quase precisão quer dizer que na estrutura de dados
são utilizados pontos e vetores cujas coordenadas são números reais,
necessitando a utilização de aproximações com números flutuantes e racionais.
Neste caso a exibição da imagem é concretizada com dispositivos vetoriais e
matriciais, através de amostragens e renderização.
Na representação matricial existe o processamento de pixels, cujas
operações implicam na perda de precisão (reamostragem), como na rotação e
escala da imagem, cujas técnicas para lidar com o problema são conhecidas como
anti-aliasing (anti-serrilhamento).
A primeira vista, com o computador, basta elaborar com a linguagem de
programação uma subrotina para desenhar cada tipo de objeto. Entretanto, os
artistas engenheiros se deparam com as seguintes questões: Como fazer
interação? Como estruturar a cena? Como controlar os atributos dos objetos?
Como resolver problemas de visibilidade? Como suportar diversos dispositivos
gráficos? Como fazer programas independentes dos sistemas operacionais?
Como criar imagens inteligentes? Como criar vida digital? Como criar dispositivos
de interação não convencionais?
A computação gráfica nos últimos 20 anos se expandiu em novas direções,
subdividindo a sua matéria nas seguintes principais áreas: computação pervasiva
ou ubíqua, nanotecnologia, computação embarcada i , realidade aumentada,
computação móvel, ambientes espertos, inteligência artificial, vida digital, robótica,
interfaces humano-computador, entre outras.

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Onde está o computador?

Para exemplificar as novas tecnologias começaremos explicando o que


significa a computação pervasiva, invisível ou ubíqua ii . Ela consiste de uma
grande variedade de dispositivos de diversos tipos, móveis ou fixos, aplicações e
serviços interconectados. Por exemplo, os cientistas já inventaram um chip que
pode ser inserido sob a pele, de modo que a localização de uma pessoa possa ser
determinada onde quer que ela esteja, por sistema remoto, via satélite. Os
sistemas de localização sem fio em veículos, computadores portáteis, telefones
celulares e até mesmo em pulseiras de relógio, são exemplos de que a tecnologia
pode ser invisível, não precisando o usuário estar diante de um computador, para
acessar informações ou estar conectado com outras pessoas iii . A computação
pervasiva iv é considerada a próxima etapa de desenvolvimento tecnológico.
Pretende-se propiciar uma junção de toda a humanidade em um ambiente de valor
computacional agregado. Uma tecnologia que possibilita que sistemas
computacionais alterem drasticamente o cotidiano de cada ser humano, sem que
ele nem mesmo perceba.
A nanotecnologia v é a capacidade potencial de criar coisas a partir do
menor, usando as técnicas e ferramentas que são desenvolvidas nos dias de hoje
para colocar cada átomo e cada molécula no lugar desejado. Ou seja, a
nanociência e a nanotecnologia (N & N), têm por meta dominar parte do
virtuosismo encontrado na natureza, que organiza a matéria átomo por átomo. Se
os cientistas conseguirem produzir este sistema de engenharia molecular, o
resultado será uma nova revolução industrial, por exemplo, poderemos ter uma
nanofábrica portátil para o desenvolvimento de games, animações 3D. Além disso,
teria também importantes conseqüências econômicas, sociais, ambientais e,
infelizmente, militares.
Entre a realidade virtual (que cria ambientes gerados por computador) e o
mundo real, a realidade aumentada está mais próxima do mundo real. Ela
adiciona imagens, sons, sensações táteis e cheiros ao mundo natural como ele é.
É de se esperar, por exemplo, que os jogos liderem o desenvolvimento da

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realidade aumentada, mas esta tecnologia terá muitas outras aplicações. Todos,
desde turistas a tropas militares, vão usufruir da possibilidade de colocar gráficos
gerados por computador em seu campo de visão.
A realidade aumentada está mudando a forma como vemos o mundo.
Podemos andar pela rua a pé ou de carro com visores de realidade aumentada,
que são parecidos com um par de óculos, gráficos informativos surgem no seu
campo visual e o áudio coincide com o que você vê. Essas informações serão
atualizadas continuamente para coincidir com os movimentos da sua cabeça.
Entre a realidade virtual (que cria ambientes gerados por computador) e o mundo
real, a realidade aumentada está mais próxima do mundo real. Ela funde, sons,
sensações táteis e cheiros ao mundo natural como ele é. É de se esperar que os
jogos liderem o desenvolvimento da realidade aumentada, mas esta tecnologia
tem muitas aplicações.
Ambientes Espertos (smart environment vi ) abrem a possibilidade de
comunicação entre espaços físicos e seres vivos, aonde os objetos não chegam a
ter inteligência, embora possam vir a ter, na medida em que a tecnologia da
inteligência artificial avança, mas podem sentir a presença de alguém em seu
espaço físico e dar inicio a algum evento, como comunicação oral ou física.
A criação de vida artificial está relacionada, como fenômeno estético: 1.
sobre a questão da percepção do real ou do virtual, não só por um ser vivo, mas
também por um ser artificial; 2. sobre a possibilidade de interação entre o ser
humano e as máquinas e 3. sobre a possibilidade de interação entre máquinas
inteligentes.
A inteligência artificial vii é um conceito relativo à construção de estruturas
cognitivas do ser humano, responsáveis pela formação da razão, característica
peculiar frente aos demais animais. As tecnologias desenvolvidas são aplicadas
na simulação do comportamento humano, como podemos observar em
personagens de games e ainda na área da robótica. Sua história se inicia na
década de 40, onde havia alguma pesquisa em torno de seqüências de estratégia
e análise do funcionamento do cérebro com objetivos de formalização de seu
comportamento. Estes dois ramos de pesquisa eram dissociados entre si, sem

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nenhuma preocupação com a construção de uma inteligência artificial. Nos anos


90, estudos sobre as redes neurais tiveram uma explosão exponencial de
aplicações e desenvolvimento de modelos. São centenas de propostas de novos
ou aperfeiçoamento de modelos a cada ano, tal o interesse pela área. A partir daí,
consolidam-se as redes neurais como parte integrante do estudo da inteligência
artificial propriamente dita. Reconhece-se, também, que os paradigmas biológico e
psicológico são complementares e necessários para sistemas mais evoluídos.
Desta forma, começam nesta década a serem construídos os chamados Sistemas
Híbridos oriundos de pesquisas na linha biológica e psicológica que se originaram
na década de 40 do século 20.
Mas, com o passar dos anos, foram sendo distinguidas duas linhas de
pesquisa: uma biológica, calcada em torno do funcionamento do cérebro e dos
neurônios; e outra, fruto do estudo da cognição, do raciocínio.
Na criação artística com as tecnologias citadas as ferramentas mais usadas
atualmente são as APIs gráficas (ex.: OpenGL, PHIGS, Java3D), encontradas nas
linguagens de programação Java da Sun, C++ e Python e as bibliotecas Artoolkit,
Jartoolkit, Jini versão 2.0 que suporta classes e serviços inclusos na tecnologia
JavaSpace e FreeTTS.

Interface humano-computador
.
Na introdução buscamos apresentar as pesquisas de ponta com as quais
estão envolvidos os artistas computacionais, que determinam a estética de suas
obras. Descreveremos a seguir as poéticas de algumas delas, apresentadas na
exposição Arte Computacional e Pesquisa.
Cozinheiro das Almas de Gilbertto Prado e Grupo Poéticas Digitais é um
gameart baseado no livro "O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo", diário
da garçonnière mantida por Oswald de Andrade entre 1918 e 1919. No jogo o
personagem principal, manipulado pelo jogador, se perde na cidade de São Paulo
de 1918 e visita interativamente vários ambientes nos quais vai aos poucos
descobrindo a trama. Tudo se passa em um só dia. É um roteiro de ambiente

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virtual duplamente labiríntico: são labirintos espaciais (os vários ambientes) e


temporais (pois as tramas dentro de cada ambiente são lineares, mas o jogador
pode aportar nelas em qualquer fase de seu desenvolvimento). Como objetivo foi
criar um ambiente ficcional de ação, mas historicamente preciso. Para tanto, foi
necessário aliar pesquisa histórica, programação e uma abordagem distinta das
narrativas interativas. O diferencial em relação aos games comerciais está
relacionada à temática brasileira, com elementos históricos e de ficção; a ausência
de elementos comuns em games como placares, pontuações etc e a justaposição
de labirintos espaciais e temporais. Segundo o autor, pretende, ainda, responder
as seguintes questões: quem vai percorrer (na falta de verbo melhor para definir
"leitura" nesses ambientes) esses tipos de trabalho artístico ou de entretenimento
e por que o faria? Segundo: interatividade e narração são de fato, miscíveis, de
que forma e em que medida? viii
Mario Maciel, Johnny Souza, Saulo Guerra e Alexandre Ataíde e eu mesma
apresentamos dois trabalhos interativos visando a interface natural de interação
humano computador (IHC). Buscamos criar e/ou utilizar dispositivos que
proporcionasse maior naturalidade na interação humano computador, se
efetuando por meio de estruturas multimidiáticas, no qual o feed-back e a
retroatividade possibilitada pela cibernética se tornaram mais apropriadas para a
sensibilidade e a estética. Para a realização do software Fluidos5, que tem por
objetivo principal a colaboração entre os jogadores e o computador, buscamos
estudar a história dos videogames, sua importância para a cultura atual e
desenvolver métodos de criação de jogos, incluindo técnicas de Inteligência
Artificial e criação de Interface sensório-motora. A proposta compreende criar um
jogo com a tecnologia atual da computação gráfica, tais como a modelagem
tridimensional dos personagens e do ambiente do game. Além de estudos com
Inteligência Artificial que será implementada nas ações interativas entre
personagens e o jogador, pretendemos introduzir no ambiente virtual o algoritmo
de fluidos, que provocará no ambiente, imagens inusitadas na medida em que
ocorrer qualquer tipo de movimentação. Um dos aspectos mais importantes é o
desenvolvimento da interface sensório-motora, que permite atrvés de um

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dispositivo para viceogame, Wiimote, digitalizar os gestos do jogador, realizados


com o movimento do braço, provocando a interação entre o jogador e o
computador, que realiza imagens interativas em tempo real, compostas por
algoritmos de fluidos. O projeto corresponde à elaboração do software/algoritmo
de fluidos, realizado com a linguagem C/C++ em conjunto com as bibliotecas SDL
e OpenGL. No segundo sistema, software artístico, intitulado Sopro da Vida, uma
vida artificial é criada a partir da ação de uma pessoa e passa, posteriormente, a
se subdividir, criando uma comunidade artificial, independente da interação com o
ser humano, com autonomia, na máquina computacional, interagindo com sua
própria espécie de vida.

Conclusão

Buscamos mostrar neste texto que os artistas computacionais são também,


de certo modo, engenheiros e se envolvem com pesquisas e questões
emergentes de outros campos do saber, como a ciência da computação, que se
subdividiu em outras áreas, tais como realidade aumentada, computação ubíqua,
pervasiva, nanotecnologia, inteligência artificial, entre outras.
Do ponto de vista da estética, eles estão próximos da estética
informacional, que prepara uma produção artística congregando tudo que é
elaborado com computadores, até mesmo os invisíveis, experimentando-lhes os
meios técnicos, que depreendem estruturas sintáticas e sugerem regras de
programação. A produção tem também características da endoestética,
conceituada por Cláudia Giannetti ix , cujas reflexões mostram que as noções de
sistema e interatividade requerem que se entenda a estética computacional como
uma categoria processual imersa no sistema social e no contexto da comunicação,
ou seja, como processo comunicativo, contextual e relativista, que incide em um
questionamento radical de nossa compreensão da realidade, da objetividade
(verdade) e do observador (sujeito). Para a autora, os experimentos de realidade
virtual, inteligência e vida artificial, são exemplos, pois procuram criar contextos
para que o observador possa se situar fora do sistema, entretanto por meio da

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interação passam a fazer parte dele. Nesse sentido, a produção computacional


que citamos aqui resulta em uma relação de interdependência e
complementaridade entre criador, obra/sistema, espectador/participante e
contexto, onde ocorre, a transposição do conceito de observador para interator.

Currículo resumido

Pesquisadora, artista e professora do instituto de artes, departamento de


artes visuais, da Universidade de Brasília. Pesquisadora do CNPq. Publicou o livro
Arte: espaço_tempo_imagem, pela Edunb em 2004. Participa regularmente de
congressos e exposições de arte computacional. Foi curadora em co-autoria com
Mônica Tavares da exposição Cinético_Digital em 2005, no Itaú Cultural de São
Paulo.

i
bibliotecadigital.sbc.org.br/download.php?paper=138, acesso 20/5/2006
ii
http://lattice.if.sc.usp.br/CADSC05/takeo.html, acesso 01/12/2006
iii
www.sbc.org.br/bibliotecadigital/download.php?paper=66, acesso 10/3/2007
iv
Weber, Sam J.; Jennings, J. Architectural Issues for Pervasive Computing. In: Workshop on Software
Engineering for Wearable and Pervasive Computing. Limerick (Irlanda). Proceedings 2000.
v
http://www.lizardfire.com/html_nano/nano.html, 15/3/2007
vi
http://www.magiclamp.org/smart/, 10/4/2007
vii
http://www.pr.gov.br/batebyte/edicoes/2002/bb119/estagiario.htm, 1/4/2007
viii
http://www.arte.unb.br/6art/programa.html/gil.pdf, 12/3/2007
ix
http://www.file.org.br/index.php?content_id=188&sel=2.1&lang=pt, 10/1/2007

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