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DESCRIÇÃO

Estudo das estéticas tecnológicas a partir das produções da ciberarte, da fotografia digital, da
videoarte, da instalação, da ciberinstalação, da arte sonora e das músicas eletrônica e
eletroacústica.

PROPÓSITO
Estudar e compreender as estéticas tecnológicas contribui para identificar as inúmeras
possibilidades e realizações que a inovação tecnológica trouxe às artes em geral.

PREPARAÇÃO
Tenha à disposição dicionários e enciclopédias on-line da área de arte e cultura, como a
Enciclopédia Itaú Cultural e o Dicionário de Cultura Básica, de Salvatore D’Onofrio.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Identificar o conceito e as manifestações da ciberarte

MÓDULO 2
Descrever formas de imagens artísticas tecnológicas

MÓDULO 3

Reconhecer características da arte sonora e da música eletrônica e eletroacústica

INTRODUÇÃO
Não é difícil perceber que as inovações tecnológicas das últimas décadas provocaram
transformações na economia, no mundo do trabalho, nas comunicações, nas relações sociais e
em diversas outras áreas da sociedade e da vida humana.

As formas de expressão ou manifestação artísticas também têm experimentado


transformações a partir das tecnologias digitais e outras inovações.

Com os dispositivos tecnológicos e as revolucionárias possibilidades de manipulação e


interação de materiais, a experiência com a arte e com o prazer estético também é inédita.

Por isso, vamos estudar este maravilhoso universo das estéticas tecnológicas, começando
pelos caminhos da ciberarte, prosseguindo pelas imagens tecnológicas até chegar às
interações entre música e tecnologia.

MÓDULO 1

 Identificar o conceito e as manifestações da ciberarte

CIBERARTE: DEFINIÇÃO E TERMINOLOGIA


Ciberarte é uma denominação geral aparentada a uma série de outros termos que, ao fim e ao
cabo, se referem à arte produzida pela mediação do computador.
Há vários nomes que podem ser tomados como sinônimos de ciberarte:

ARTE COMPUTACIONAL

ARTE DIGITAL

NET ARTE

WEB ARTE

ARTE VIRTUAL

MOBILE ARTE

GAME ARTE

Além disso, como o computador tem um caráter de mídia, apresentando recursos tecnológicos
e características de acesso e uso próprios, aparecem outras denominações que também
podem ser alocadas na família da ciberarte, tais como:
ARTE INTERATIVA

INTERFACES INTERATIVAS

PERFORMANCE INTERATIVA

ARTE COLABORATIVA

ARTE ROBÓTICA

ARTE DO SOFTWARE

ESTÉTICA DO BANCO DE DADOS

Como se não bastasse, também relacionadas à ciberarte estão a arte de:


REALIDADE AUMENTADA

REALIDADE MISTA INTERATIVA


REALIDADE VIRTUAL

Enfim, a multiplicidade de nomes não cessa de aumentar e isso se dá pelo simples fato de que
as tecnologias computacionais vão se tornando cada vez mais sofisticadas e, os artistas,
sempre alertas aos dispositivos que seu tempo torna disponíveis, buscando extrair novos
caminhos para suas criações.

Assim sendo, a variação dos nomes que a ciberarte pode receber não surge para nos
confundir, mas para colocar ênfase nos diferentes aspectos com que ela pode se apresentar.

Para conhecer esses aspectos, um bom começo é pegar o fio da meada na origem desse
prefixo “ciber”, comum em palavras como “ciberespaço” e “cibercultura”, e de que, certamente,
a ciberarte faz parte.

ONDE TUDO COMEÇOU: A ORIGEM DA


CIBERARTE
As raízes da questão remontam aos anos 1940, quando o matemático norte-americano Norbert
Wiener (1894-1964) publicou o livro Cibernética ou controle e comunicação no animal e na
máquina (1948), no qual propunha uma teoria unificada da máquina e dos seres vivos para
evidenciar as analogias existentes no modo de funcionamento do mundo maquínico e do
mundo vivente.

 Norbert Wiener.

Esse livro surgiu em um ambiente em que o computador e os princípios da programação


estavam emergindo, o que incitava o diálogo inter e transdisciplinar de renovação de ideias que
se realizou na série das dez Conferências Macy, realizadas em Nova York entre 1946 e 1953.

Essas conferências ficaram famosas por reunirem cientistas, matemáticos, filósofos,


engenheiros e antropólogos notáveis com o propósito de desenvolver as bases de uma ciência
geral do funcionamento da mente humana, da qual resultou o nascimento da cibernética. Por
seu ineditismo, essas ideias não foram imediatamente aceitas, tendo sido, inclusive, criticadas.

Entretanto, algumas décadas mais tarde, quando o computador começou a se inserir na vida
social e doméstica, as questões relativas às interfaces entre máquinas e humanos vieram à
tona, e o pioneirismo dos estudos cibernéticos passou a ser reconhecido.

Desse reconhecimento resultou o emprego de “ciber” a tudo que diz respeito ao universo
computacional.

Enquanto as últimas conferências Macy ocorriam, alguns artistas e designers, já nos anos
1950, utilizavam dispositivos mecânicos ou computadores analógicos para realizarem seus
trabalhos.

Uma das primeiras obras eletrônicas é a do artista e matemático norte-americano Benjamin


Laposky (1914-2000), que utilizava um osciloscópio para manipular ondas eletrônicas que
apareciam em uma pequena tela fluorescente. As primeiras imagens eram em branco e preto,
mas, com o uso de filtros, alguns anos depois, o artista passou a registrar aqueles momentos
fugazes em imagens coloridas.

 Osciloscópio.

OSCILOSCÓPIO

Instrumento para medir ou manipular sinais ou formas de ondas eletrônicas. O monitor ou tela
do osciloscópio exibe os gráficos ou representação visual dos sinais. Os osciloscópios podem
ser analógicos ou digitais.

 SAIBA MAIS

No Brasil, o artista plástico, designer e jornalista Waldemar Cordeiro (1925-1973), nascido na


Itália, notabilizou-se como o mais célebre pioneiro da arte computacional.

Nos anos 1960, os computadores eram enormes, e só engenheiros especializados sabiam lidar
com eles. Contudo, artistas farejadores sempre existiram em todos os tempos. Veja mais a
seguir:
 Aparelho mecânico de Desmond Paul Henry.

Entre os poucos equipamentos da época, encontrava-se o plotter, um aparelho mecânico que


segura uma caneta ou pincel ligado a um computador para controlar seus movimentos.

 Desenho de Desmond Paul Henry, 1962.

Explorando os recursos que o aparelho tornava possível, as obras que resultaram dessa época
voltavam-se para as formas e estruturas geométricas; no início, também em preto e branco,
mas logo depois em cores.
Veja a seguir um pouco mais sobre a história da arte computacional:

1966
Entre os anos 1960 e 1970, os laboratórios Bell, em New Jersey, deram grande suporte aos
pioneiros. Eles contribuíram para a realização das performances chamadas de Nove noites,
em 1966, nas quais dez artistas juntaram suas forças com 30 engenheiros e cientistas para
exibir suas obras.

PERFORMANCES

Performances podem ser consideradas um tipo de arte híbrida, já que combina ou articula
diferentes linguagens como a do teatro, da música, da dança e das artes plásticas.

1968-69
Deram-se as primeiras exibições de arte computacional, na galeria Howard Wise, em Nova
York, e na exibição de larga escala, Cybernetic Serendipity, em Londres.

1970
Muitos artistas originários das artes plásticas começaram a aprender a programar. Pioneira na
integração do uso dos computadores nos currículos do ensino de arte foi a Slate School of Art,
em Londres, em 1970.

Foi nessa época também que apareceu a caneta digital de luz que permitia o movimento e
justaposição de elementos visuais no monitor do computador. Alguns desenhistas e pintores
começaram a explorar esses recursos.

 EXEMPLO

No campo da poesia computacional, deve-se lembrar do poeta, jornalista e professor Pedro


Xisto (1901-1987), com seus experimentos no Brasil, nessa mesma década.

Conforme a tecnologia do computador e os softwares foram se desenvolvendo, a ciberarte foi


também se expandindo e, sua diversidade, se multiplicando.
 COMENTÁRIO

É curioso e necessário observar que a emergência das artes do universo ciber não se deu à
maneira de uma ruptura com a continuidade das variadas formas de arte precedentes que já
faziam uso de recursos tecnológicos. Ao contrário, estas foram levadas adiante e
necessariamente transformadas pelo uso do computador, como veremos a seguir.

A CIBERARTE SOB O SIGNO DO MÚLTIPLO


As atividades artísticas propiciadas pela revolução digital são cada vez mais múltiplas e
multifacetadas. Desde o início dos anos 2000 (SANTAELLA, 2003, p. 176-180), tenho
procurado sistematizar essas atividades, passando-as, inclusive, por atualizações constantes.

A sistematização a seguir, sem pretensões de exaustividade, tem a intenção de funcionar como


uma espécie de mostruário não inteiramente detalhado que seja capaz de evidenciar que a
ciberarte, sem perder suas raízes em formas precedentes de artes tecnológicas, nasceu e
tende a crescer sob o signo do múltiplo e de fatores de hibridização.

Assim, na tradição das artes computacionais entre os anos 1960-80, a ciberarte recuperou a
tradição das artes imagéticas, mas passou a incluir, em função do computador, muitas outras
variações.

Enquanto nos anos 1980 a imagem infográfica começava no computador e dele saía para ser
exposta em meios tradicionais, tais como as expressões gráficas impressas, gradativamente, o
computador foi sendo utilizado para estender a capacidade das mídias tradicionais, como, por
exemplo:
A fotografia analógica manipulada digitalmente.

As arquiteturas gráficas computacionais em 3D e animadas.


O cinema ampliado no cinema interativo.

O vídeo, no videostreaming.

O texto expandido nos fluxos interativos e alineares do hipertexto.


A imagem, o som e o texto ampliados na navegação reticular da hipermídia em blogs e sites
para serem visitados e interagidos.

Enquanto a TV digital avançou para o streaming.

Na tradição das performances, vieram as performances interativas e as teleperformances que,


através de webcams ou outros recursos como sensores, fazem interagir cenários virtuais com
corpos presenciais, corpos virtuais com corpos presenciais, e outras interações que a
imaginação do artista consegue extrair dos dispositivos tecnológicos.

Na continuidade da tradição das instalações, videoinstalações e instalações multimídia,


surgiram as instalações interativas, as webinstalações ou ciberinstalações, capazes de levar ao
limite as hibridizações de meios que sempre foram a marca registrada das instalações.

No universo ciber, as instalações potencializaram-se com o uso de vídeos conectados à


internet em sites abertos para a interação do internauta, com o uso de webcams que permitem
transições fluidas entre ambientes físicos remotos e ambientes virtuais, ou que disparam
através de sensores. Enfim, as ciberinstalações constituem-se em redes encarnadas de
sensores, câmeras e computadores, estes interconectados às redes do ciberespaço.

Na tradição dos eventos de telecomunicações, surgiram variações da web arte, nos eventos de
telepresença e telerrobótica, que permitem aos participantes visualizar e agir em ambientes
remotos.

Nas ciberinstalações e nos eventos de telepresença, tanto o mundo exterior passa a se integrar
no mundo simulado por meio de trocas incessantes (por exemplo, com o uso de webcams),
quanto o receptor passa a habitar mentalmente o mundo simulado enquanto seu corpo físico
está plugado para permitir a viagem imersiva, algo que o filme Matrix (1999) soube ilustrar com
perfeição, embora de forma exagerada (SANTAELLA, 2004, p. 123-130).

Nos sites ou ambientes criados especificamente para as redes, as variedades de net arte são
múltiplas:

SITES INTERATIVOS
SITES COLABORATIVOS
SITES QUE INTEGRAM OS SISTEMAS DE MULTIAGENTES
PARA A EXECUÇÃO DE TAREFAS
SITES QUE LEVAM O USUÁRIO A INCORPORAR AVATARES
DOS QUAIS SE EMPRESTAM AS IDENTIDADES PARA
TRANSITAR PELAS REDES

Isso é levado ao limiar na game arte, em cujos exemplares os usuários exploram os princípios
da interatividade no seu estágio avançado. Neste ponto, começa a se dar a passagem da
incorporação para a imersão em realidade virtual, quando o internauta é transportado para
ambientes de interfaces perceptivas e sensórias inteiramente virtuais.

A realidade virtual pode também se realizar em cavernas digitais de múltiplas projeções.


Utilizando softwares complexos de alta performance, o artista propõe interfaces dos
dispositivos maquínicos com o corpo, permitindo o diálogo entre o biológico e os sistemas
artificiais em ambientes virtuais nos quais os dispositivos maquínicos, câmeras e sensores,
capturam sinais emitidos pelo corpo para processá-los e devolvê-los transmutados.

Mais atual do que a realidade virtual em si mesma, entre a realidade virtual e a realidade
concreta aparecem obras voltadas para a configuração de uma realidade aumentada. Essas
obras que trabalham com realidade aumentada surgem das possibilidades que o artista explora
a partir de intersecções entre ambientes concretos e virtuais, que se amalgamam e podem criar
uma interpenetração de ambos.

Com o surgimento dos aparelhos portáteis, dispositivos móveis sem fio, como os smartphones,
a informação sonora, visual e verbal começou a circular por todos os cantos, espalhando-se
perto do corpo e distribuindo-se pelo espaço físico.

Nesse território, emergiram os diversificados projetos de mídias locativas, cada um com


traços diferenciados, uma vez que se trata de um tipo de arte umbilicalmente ligada ao
contexto no qual é gerada ao mesmo tempo em que o regenera.
MÍDIAS LOCATIVAS

Mídias locativas correspondem a dispositivos digitais que veiculam informações ligadas a


determinada localidade.

Tais redes de tecnologias portáteis e mídias móveis são constitutivas de uma cultura da
distribuição e do compartilhamento na qual os artistas exercem o papel fundamental de pôr em
evidência as mudanças profundas que se anunciam nas mídias que são incrementadas
diariamente.

Em muitas situações, as máquinas são capazes de oferecer respostas similares ao


comportamento dos seres vivos, seguindo princípios de inteligência e vida artificiais.

Tais simulações operam de forma complexa em ambientes que evoluem em suas respostas,
como, por exemplo, os dotados de redes neurais e suas camadas, ou perceptrons que
funcionam como conexões de sinapses artificiais e que podem ser treinadas para a
aprendizagem, dando respostas para além da mera comunicação em modelos clássicos.
PERCEPTRONS

Perceptron é uma rede neural artificial criada pelo psicólogo norte-americano Frank Rosenblatt
(1928-1971).

SURGEM, ASSIM, SISTEMAS ARTIFICIAIS DOTADOS


DE FITNESS, COM PLENA CAPACIDADE DE GERAR E
LIDAR COM IMPREVISIBILIDADES RESULTANDO EM
PROCESSOS DE SOLUÇÃO DE PROBLEMAS POR
TROCAS ALEATÓRIAS, SELEÇÃO DE DADOS,
CRUZAMENTOS DE INFORMAÇÃO,
AUTORREGULAGEM DO SISTEMA, ENTRE OUTRAS
FUNÇÕES.
DOMINGUES, 2002a, p. 84.

Na era digital, bem como em outras épocas, os artistas se lançam à frente do seu tempo,
aventurando-se na exploração das possibilidades que se abrem para a criação diante do
surgimento das inovações tecnológicas, das descobertas científicas e dos novos desafios
estéticos e éticos.

Os artistas conquistam novos territórios tendo em vista o desafio de renovar a sensibilidade


humana, nossos sentidos e nossa inteligência, diante de ambientes ou meios que não são
apenas técnicos, mas também vitais. Nesse cenário em constante mudança, os artistas podem
indicar ou sinalizar possibilidades e caminhos para a adaptação humana às novas paisagens a
serem habitadas pela sensibilidade.

TENDÊNCIAS EMERGENTES
Nos últimos anos, a velocidade das transformações computacionais tem sido vertiginosa, uma
aceleração da qual, como não poderia deixar de ser, os artistas não se furtam. Hoje, as
materialidades digitais são exploradas por meio de recursos multissensoriais, interfaces
hápticas, novas experiências com a herança cultural, graças às instalações imersivas e
virtuais, ilusões tridimensionais e visualizações de dados.

A produtora e artista norte-americana Kamal Sinclair (2018a), especialista nas tendências


emergentes das ciberartes, oferece uma interessante categorização dessas tendências,
inclusive com descrições detalhadas e exemplos de cada uma delas. Confira a lista de
tendências:

Jogos de Realidade Alternativa / Teatro Imersivo

Realidade Aumentada / Realidade Mista

História bio-responsiva / bio-conectada

Storytelling de dados

Docugaming

Mídia efêmera

Arte Gerativa e Inteligência Artificial

Experiências Geolocalizadas ou GeoConscientes


Interfaces gestuais

Filmes jogos e livros interativos

Live cinema

Experimentos olfativos

Mídia digital omnidirecional

História Participativa, Co-Criação, Mídia Cívica e Crowdsourcing

Cinema Físico e Internet das Coisas Experienciais

Mídia de mapeamento projetivo

Mídia Digital Tátil

Storytelling Transmídia e Imersão Conectada

Realidade virtual

Design colaborativo e prática de arte social

Em um artigo adicional, dedicado à discussão das mídias imersivas, Sinclair (2018b) relata
que, a partir de entrevistas com um grande número de especialistas, ficou claro que as
tendências mencionadas resultam do domínio das:

Mídias imersivas

Experiências imersivas baseadas em locais

Criações que incorporam a inteligência artificial, uma questão que vem entrando rapidamente
na agenda dos artistas.

INTERFACES HÁPTICAS

Uma interface háptica* tem o objetivo de reproduzir ou ampliar sensações relacionadas com o
tato, com o toque, na manipulação de objetos. Exemplos: manche do avião, simuladores de
voo, simuladores cirúrgicos etc.

*relativo ao tato
 RESUMINDO

Isso pode nos levar a concluir que a natureza daquilo que costumamos chamar de realidade
está sendo posta em questão especialmente devido à proliferação em andamento dos sistemas
de inteligência artificial, da robótica, da nanotecnologia e da biologia sintética e hackeável.

Em pouco mais de meio século de existência, as fronteiras cada vez mais expansivas da
ciberarte estão desafiando todas as tentativas de categorização, obrigando-nos a repensar
continuamente a nossa própria concepção do que seja arte.

CONCEITO E TENDÊNCIAS EM CIBERARTE

No vídeo a seguir, veja um pouco mais sobre ciberarte e sobre as principais tendências de arte
mediada pelas tecnologias digitais.
VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Descrever formas de imagens artísticas tecnológicas

IMAGENS TECNOLÓGICAS
A fotografia inaugurou a Era das imagens técnicas, assim chamadas pelo filósofo checo-
brasileiro Vilém Flusser (1920-1991). Conforme Flusser (1985), essa Era engloba também o
cinema, a televisão, o vídeo e as imagens infográficas, aquelas que são produzidas ou passam
por transformações permitidas pelo computador.

Prefiro chamar essas imagens pelo atributo de “tecnológicas”, pois a feitura de qualquer
imagem, mesmo as artesanais, sempre implica uma técnica. Já a tecnologia se dá quando a
produção da imagem se processa com a mediação de uma máquina. Desde a fotografia, aquilo
que as máquinas mediadoras apresentam de mais fundamental é o fato de que incorporam
uma técnica no próprio aparato, o que provoca a automatização dessa técnica.
Antes da Revolução Industrial, os instrumentos técnicos para a produção da imagem eram
prolongamentos do gesto hábil, concentrado nas extremidades das mãos, como é o caso do
lápis, do pincel ou do cinzel.

Já as tecnologias da imagem dão corpo a um saber técnico introjetado nos seus próprios
dispositivos materiais. Isso começou com a fotografia e foi se sofisticando cada vez mais nas
imagens tecnológicas subsequentes no decorrer do século XX.

Para ficarmos na câmera fotográfica, ela é uma espécie de órgão sensitivo que tenta imitar o
funcionamento do olho humano. Ela age como uma extensão mecânica do nosso olho. Por
isso, é capaz de automatizar e reproduzir em cópias, de maneira relativamente mimética, a
percepção visual que temos do mundo.

 Vista da Janela em Le Gras é uma imagem heliográfica considerada a primeira fotografia


permanente do mundo, 1833.

 Tartan Ribbon, considerada a primeira fotografia colorida da história, 1861.

Não é casual o grande impacto que a invenção da fotografia provocou em nossos


antepassados. Assim como ocorre quando surgem quaisquer novas tecnologias, em um
extremo houve reações eufóricas e, no outro, reações disfóricas frente à fotografia.

Reações eufóricas
Se deram pelo deslumbramento diante de reproduções mais ou menos fiéis do mundo visual tal
como ele é.


Reações disfóricas

Refletiam a contrariedade, o mal-estar, estando ligada ao fato de que as emanações dos


objetos e situações visuais apenas se assemelham a eles, mas não são os objetos ou
situações em si.

São duplos capazes de produzir certo mal-estar perante a duplicidade em lugar do


deslumbramento ingênuo.

Embora a manipulação computacional e o advento das câmeras digitais tenham introduzido


grandes transformações no universo da fotografia, os princípios acima permanecem como o
verdadeiro DNA da imagem fotográfica (SANTAELLA, 2012, p. 70-73).

FOTOGRAFIA DIGITAL

A história da fotografia é uma história de rápidas transformações, em que as câmeras


analógicas foram se sofisticando cada vez mais, mas nada é comparável aos efeitos sutis e
complexos provocados pela mudança na própria materialidade da foto quando passou a ser
manipulada digitalmente ou produzida por câmeras digitais. A manipulação consiste na mistura
entre imagens fotográficas e intervenções numéricas.

De acordo com Lister (2001, p. 334), são três os princípios de digitalização de uma fotografia:

PRINCÍPIO 1
PRINCÍPIO 2
PRINCÍPIO 3

PRINCÍPIO 1

Os tons, ou as cores, de uma fotografia química, representados por um grão aleatório e


inconsútil, são divididos em uma grade de elementos pictóricos mínimos, os pixels.

PRINCÍPIO 2

Para cada área da grade é determinado um número que corresponde ao brilho de uma escala
de cinza ou das três cores primárias.

PRINCÍPIO 3

Mudanças na resolução, definição e contraste podem ser conseguidas por meio da mudança
de valor desses pixels, e mesmo a configuração da imagem pode ser modificada sem deixar
rastros através da remoção ou adição de pixels. Com isso, os grãos químicos podem ser
escaneados por um conjunto de recursos para se tornarem pixels digitais. Esses pixels digitais
podem até mesmo imitar o grão químico.

Sintetizando o processo:
UM CÓDIGO FOI IMPORTADO PARA O CAMPO
GRANULAR DA FOTOGRAFIA QUÍMICA, TRADUZINDO-
O E RECONFIGURANDO-O. COM ESSE CÓDIGO, A
IMAGEM FOTOGRÁFICA TORNOU-SE MANIPULÁVEL
ATÉ UM GRAU MUITO FINO.

LISTER, 2001, p. 334.

Com o uso das câmeras digitais, scanners, programas especializados em processamento de


imagem e novos modos de arquivamento, os processos fotográficos foram alargados.

Para muitos fotógrafos, as tecnologias digitais substituíram completamente as tecnologias


analógicas:

LENTES ÓTICAS


CÂMERAS DIGITAIS E VIRTUAIS

FILMES


DISCOS

SALAS ESCURAS


PROGRAMAS DE COMPUTADOR

Para outros fotógrafos, os novos processos e tecnologias digitais são uma parte essencial de
suas práticas de pós-produção, o que borra os limites entre as tradicionais especialidades
como fotografia, design tipográfico e gráfico, trabalho editorial e produção de imagem fixa e
animada, gerando um processo de hibridização dificilmente realizável por meios artesanais.

Isso não significa que fotos tiradas com o olho da câmera apontado para o mundo com seus
resultados impressos na página não tenham mais a mesma importância cultural que sempre
tiveram.
São os processos entre essas duas pontas, o olho da câmera e a impressão, que são digitais,
eletrônicos e interativos, envolvendo frequentemente sistemas de telecomunicações para a
troca de trabalhos em progresso e como um meio de distribuição e exibição de imagens
(LISTER, 2001, p. 306).

Entretanto, alguns autores advogam que quando uma imagem é constituída por bits digitais
(números), que são objetos de infinita modificação, um padrão de escolhas entre sim/não
registradas dentro da memória de um computador, isso torna obsoleta a relação de
semelhança entre o signo (a imagem) e o referente (a realidade) na fotografia, pois uma versão
modificada daquele padrão não será em nenhum sentido derivada do "original". Pelo contrário,
ela se torna um “novo original” (NICHOLS, 1991 apud GODOY DE SOUZA 2002, p. 180).

De fato, dependendo do grau de modificação imposto sobre uma fotografia, sua indexicalidade
original pode se apagar de modo acentuado, não obstante a manutenção da aparência realista
da imagem. Isso trouxe um impacto dramático para a noção de causalidade fotográfica, a
saber, a noção de que fotografias são causadas pelos:

OBJETOS


LUZES QUE TORNAM ESSES OBJETOS VISÍVEIS

Dessa forma, muda o referente dessas fotografias, que não é mais um objeto visível, mas sim:

O CONHECIMENTO DO PROCESSO FÍSICO


ENVOLVIDO

O CONHECIMENTO DA GEOMETRIA DOS
OBJETOS


OS CONHECIMENTOS DE COMO TRADUZIR
ESSE PROCESSO FÍSICO EM ALGORITMOS

A questão fica ainda mais complicada quando se leva em conta que, no caso das simulações
computacionais, da mimese fotográfica que as inspira, extraem a motivação para a geração de
muitas de suas imagens do fato de que elas podem carregar a autoridade e a informação
documental de uma imagem fotográfica indicial.

INDICIAL

A condição ou natureza indicial da fotografia foi explicada pelo filósofo, linguista e semioticista
Charles Peirce (1839-1914): “As fotografias, e em particular as fotografias instantâneas, são
muito instrutivas porque sabemos que, sob certos aspectos, elas se parecem exatamente com
os objetos que representam. Porém, essa semelhança deve-se na realidade ao fato de que
essas fotografias foram produzidas em tais circunstâncias que eram fisicamente forçadas a
corresponder detalhe por detalhe à natureza. Desse ponto de vista, portanto, pertencem” à
classe de signos por conexão física: o índice. (PEIRCE apud DUBOIS, 1994, 49).
 RESUMINDO

Enfim, o que tudo isso revela é que, ao passar do analógico para o digital, a imagem fotográfica
tornou-se quase infinitamente flexível, uma via para volumes imensuráveis de informação,
operando em múltiplas dimensões e integrada a aplicativos e tecnologias com propósitos que
se transformam a olhos vistos.

VIDEOARTE
A videoarte emergiu com visibilidade no início dos anos 1970. Entretanto, os prenúncios dos
vídeos de artistas surgiram mais cedo, no movimento batizado de Fluxus, criado pelo artista
lituano George Maciunas (1931-1978), quando alguns alunos do compositor e artista norte-
americano Jonh Cage (1912-1992) já ensaiavam obras com esse meio.

 Ilustração que recria uma ação artística de Maciunas, fundador do Fluxus.

FLUXUS
Fluxus foi um movimento artístico e cultural que englobou manifestações de arte como teatro,
música, dança, poesia, artes visuais, fotografia e vídeo. O nome do movimento nos remete ao
termo latino fluxu (fluxo, movimento). A origem desse movimento está ligada ao Festival
Internacional de Música Nova, em 1972, na Alemanha, e às manifestações artísticas de
vanguarda organizadas por Maciunas.

Mais do que um movimento, “Fluxus é um modo de vida”.

“Com espírito dadaísta ou zen”, ele se manifestava “essencialmente em happenings,


exposições ou ainda manifestos. Como era próprio dos movimentos insubmissos do
modernismo, os rituais da arte e suas instituições, a própria noção de obra de arte, bem como
o mercado por ela autorizado”, eram “submetidos a uma derrisão e a uma desmistificação
sistemática”. Veja mais a seguir:

Tratava-se não de objetos, nem de artistas profissionais, mas de acontecimentos que


propunham uma nova relação com o público.

Não era importante apenas a contribuição da música, mas todos os materiais e todas as
técnicas.

Não havia separação entre música, artes plásticas, dança e poesia.

Foi nesse contexto que o artista sul-coreano Nam June Paik (1932-2006) e o pintor e escultor
alemão Wolf Vostell (1932-1998) integraram “o vídeo às suas performances, além de
realizarem suas primeiras instalações com televisores” (DUGUET, 2009, p. 50).

 Foto de Nam June Paik.


 Electronic Superhighway: Continental U.S., Alaska, Hawaii, de Nam June Paik.

 Foto de Wolf Vostell


 Heuschrecken, de Wolf Vostell

Mas foi apenas no final dos anos 1960 que a videoarte começou a ganhar alguma notoriedade
em meio a uma profusão de tendências e denominações, quando o vídeo participava de quase
todas as correntes da arte vigentes naquele momento:

ARTE CONCEITUAL

PERFORMANCE

BODY ART

LAND ART
Devemos considerar que, no contexto das artes do não-objeto, o vídeo se converteu na forma
privilegiada de registro da memória, por vezes, convertendo-se ele mesmo em obra de arte,
com a condição de que a videoarte seja considerada, de saída, uma arte híbrida.

"O VÍDEO É, EM SUA ORIGEM, IMPURO”, VALE DIZER,


UM MEIO HÍBRIDO, MISCIGENADO, PROMÍSCUO POR
SUA PRÓPRIA NATUREZA. AS OBRAS MAIS
FECUNDAS DE ONTEM E DE HOJE, AO DEDICAREM-
SE A UM TRABALHO CRÍTICO DE MAIOR ALCANCE,
“CONVOCAM CONTEXTO E REFERÊNCIA, REALIZAM-
SE POR MEIO DE HIBRIDIZAÇÕES MÚLTIPLAS E DE
CONFRONTAÇÕES QUE ULTRAPASSAM EM MUITO OS
LIMITES ‘TERRITORIAIS’ DE CADA ARTE, PARA PÔR
EM CAUSA OS LIMITES DA PRÓPRIA ARTE."

DUGUET, 2009, p. 50-51.

Os pioneiros dessa nova forma de arte, que se tornou muito popular entre os artistas norte-
americanos, foram Bruce Nauman, Dan Graham, Peter Campus, Bill Viola, Michael Snow e
Keith Sonnier.
Já no contexto brasileiro, podemos organizar parte da história da videoarte da seguinte forma:

RIO DE JANEIRO
A videoarte teria surgido em 1974, com uma geração pioneira de artistas que produziu os
primeiros videotapes para participar de uma mostra de videoarte na Filadélfia, nos Estados
Unidos. Entre esses artistas, podemos citar Anna Geiger, Sônia Andrade, Ivens Machado e
Fernando Cocchiarale, todos do Rio de Janeiro. Logo depois, outros artistas cariocas entraram
na lista dos pioneiros: Paulo Herkenhoff, Letícia Parente e Míriam Danowski.

SÃO PAULO
Em 1976, o MAC/USP, dirigido por um entusiasta da videoarte, Walter Zanini, adquiriu um
equipamento portapack, disponibilizado aos artistas da cidade. Regina Silveira, Julio Plaza,
Carmela Gross, Donato Ferrari, Gabriel Borba, Marcelo Nitsche e Gastão de Magalhães
entraram no elenco dos pioneiros paulistanos, junto com José Roberto Aguilar, que trouxe do
Japão o seu próprio equipamento.

RECIFE
Fora do eixo Rio-São Paulo, Paulo Bruscky produziu alguns trabalhos no Recife, na virada dos
anos 1970/80.

Na Inglaterra, o surgimento da videoarte foi contemporâneo ao caso brasileiro, com a obra de


David Hall, Vidicom Inscriptions-1974-75, cujos trabalhos anteriores para intervenções
televisivas tinham sido rodados em 16mm.

Em sua gênese tecnológica, a imagem videográfica analógica é a mesma da televisão, mas


evidentemente suas linguagens e seus regimes de visualidade são distintos.
Antes do advento da câmera manual de vídeo, gravações eram privilégio exclusivo dos
grandes canais de televisão.

À medida que os equipamentos de vídeo foram se tornando mais acessíveis a quaisquer


pessoas, tanto no preço quanto no manuseio, foi se expandindo e se tornando mais trivial o
seu poder de registro dos acontecimentos.

As antigas e nítidas distinções entre produtores e receptores da imagem televisiva começaram


a se borrar, pois qualquer pessoa com uma câmera na mão tornou-se potencialmente um
produtor. Festas e cerimônias familiares, domésticas ou sociais, foram substituindo os
instantâneos fotográficos por gravações amadorísticas.

Entretanto, aqueles que, de fato, tiraram proveito do vídeo, criando uma linguagem videográfica
específica desse novo meio, foram os artistas. Os equipamentos portáteis de vídeo abriram-
lhes as portas para a videoarte. Segundo Machado (1997, p. 231), essa foi a primeira forma de
expressão, no universo das imagens tecnológicas, a produzir uma iconografia contemporânea,
unindo tecnologia com produção estética.

A videoarte rompeu com os cânones pictóricos da perspectiva renascentista, retomando o


espírito demolidor das vanguardas históricas do começo do século XX e recuperando o espírito
desconstrutivo contra a figura realista que o modelo fotográfico perpetuou (MACHADO, 1997,
p. 233).

É impossível generalizar os variados procedimentos de linguagem que gerações de artistas


souberam imprimir ao vídeo. Enquanto expressão de arte, trata-se de obras geneticamente
impregnadas da ambiguidade característica de toda criação artística.

 Vertical Roll, de Joan Jonas.

Diferentemente das imagens em movimento do cinema a serviço da narrativa, a videoarte


rompe com os cânones narrativos típicos do cinema em prol dos efeitos de estranhamento e
ruptura de expectativas que é capaz de provocar.

Muito mais do que representar realidades, a videoarte inventa realidades possíveis.


Liberto da imagem fotoquímica, o vídeo ganha maleabilidade, plasticidade e abertura à
manipulação do artista.

São imagens passíveis de intervenções que alteram suas formas e modificam seus valores
cromáticos até o ponto da desintegração das suas figuras. Não por acaso, a arte do vídeo
definiu-se rapidamente como uma retórica da metamorfose, da transformação (MACHADO,
1997, p. 230).
Além disso, o vídeo tem uma natureza marcadamente intersemiótica ou híbrida, pois lida com
códigos de significação provenientes de linguagens diversas, como:

LITERATURA

TEATRO

RÁDIO

CINEMA

Dessa forma, o vídeo codifica novamente esses processos de produção de sentido em


relações ou formas de linguagem resultantes das sínteses peculiares que os potenciais da
linguagem do vídeo permitem configurar.

 ATENÇÃO

Essa característica ou possibilidade intersemiótica do vídeo tornou-se mais forte com o tempo,
dando origem ao chamado vídeo expandido, cujas formas são plurais, variáveis, instáveis e
complexas.

Tanto é que o vídeo marca hoje sua presença em esculturas, instalações multimídia,
ambientes, performances, intervenções urbanas e até mesmo em peças de teatro, dança, salas
de concerto, shows musicais e raves. Sem mencionar o fenômeno recente com repercussão
explosiva do YouTube.
INSTALAÇÃO
Por instalação entende-se a arte que se processa por meio das intervenções propositadas
do artista num determinado ambiente, destacando-se espaços como o dos museus, das
galerias de arte, bem como o próprio ambiente urbano no qual o artista transita. Essas
intervenções resultam de um gesto imaginário-conceitual que se apropria e transfigura os
diversos meios disponíveis ao artista.

Pode-se dizer que o grande precursor das instalações, que tiveram grande ímpeto nos anos
1970, foi, sem dúvida, o pintor e escultor francês Marcel Duchamp (1887-1968). De fato, ele foi
o primeiro a se dar conta das repercussões que os objetos industrialmente produzidos traziam
para a arte.

 Foto de Marcel Duchamp.

Nas suas contravenções, Duchamp estava ironicamente evidenciando que, assim como uma
palavra muda de sentido quando se desloca de um contexto para o outro, também os objetos
encontram nos usos, inevitavelmente contextuais, a consumação de seus significados.

Ao levar um dos mais prosaicos objetos utilitários para dentro de uma galeria, levou o
questionamento dos suportes das artes até o limite da dissolvência. A partir daí, a repetida
pergunta “Mas isso é arte?” perdeu o sentido, de modo que debater essa questão se tornou
inútil.

É em Duchamp, portanto, que se encontra a paternidade do imaginário conceitual das


instalações.
 A Fonte, de Duchamp.

Domingues (2002b, p. 137-140) nos fornece uma definição mais detalhada daquilo que se pode
entender por instalação. Antes de tudo, ela é um lugar, ou melhor, é a ocupação de um lugar,
que é tratado pelo artista como um material ou parte de um material incorporado ao conceito do
trabalho. Na maior parte das vezes, trata-se de uma sala já existente que a obra transforma,
mas espaços externos também podem ser manipulados e recriados pelo artista.

A instalação, portanto, é uma arte do espaço tridimensional.

Como tal, está na linha de continuidade da escultura e da arte como objeto. No entanto,
enquanto estas só permitem o trânsito do receptor ao redor da área por elas ocupada, nas
instalações, o receptor penetra no interior e na extensão de um espaço, habitando e
participando nele de corpo inteiro.

A exploração do espaço pelo espectador, por meio do deslocamento de seu corpo entre os
dispositivos, imagens e objetos, é parte integrante das instalações.
 Leviathan, de Anish Kapoor

Desde os anos 1970, as instalações começaram a se fazer presentes com mais frequência nas
exposições contemporâneas em que objetos, imagens artesanalmente produzidas, esculturas,
fotos, filmes, vídeos e imagens sintéticas são misturados numa arquitetura com dimensões por
vezes até mesmo urbanísticas, responsáveis pela criação de paisagens híbridas que instauram
uma nova ordem perceptiva e vivencial em ambientes imaginativos e críticos, capazes de
regenerar a sensibilidade do receptor para o mundo em que vive.

 ATENÇÃO

Por ocorrer sempre em um local, quando o lugar extrapola o universo dos museus, galerias ou
instituições dedicadas à disseminação da arte, as instalações recebem o nome de site
específico. Nesses casos, há uma reversibilidade entre o lugar e a obra, no sentido de que
tanto a arte transforma o espaço quanto este a transforma.

O espaço pode ser aberto, fechado, público ou privado. O que importa é sua transfiguração
pela arte na sua eterna busca de levar o participante a olhar com olhos novos; nesse caso,
implicando uma renovação do próprio modo com que o corpo-mente ocupa um espaço.

É enorme a diversidade das instalações, pois cada uma leva a marca específica que o artista
lhe imprime. Os objetos e dispositivos que podem integrar os ambientes criados são dos mais
variados tipos, pois as instalações dependem exclusivamente daquilo que a imaginação do
artista dita.
Podem ser usados desde meios puramente artesanais até meios tecnológicos, por exemplo:

FOTO-INSTALAÇÃO

VIDEOINSTALAÇÃO

CIBERINSTALAÇÃO

VIDEOINSTALAÇÃO
A instalação, por sua própria natureza, radicaliza os processos de hibridização entre diferentes
mídias. Não é à toa que as instalações começaram, desde muito cedo, a incorporar o vídeo
entre suas mídias, cuja mescla dá origem à videoinstalação.

Sua presença se tornou tão constante nas exposições de arte que, com o tempo, a
videoinstalação passou também a fazer parte indissociável da arte mídia e da arte digital.

A videoinstalação surgiu junto com a tecnologia de vídeo analógico e com a arte da instalação
em meados da década de 1960. Até os anos 1980, a instalação de vídeo aparecia
prioritariamente em arranjos escultóricos que ironicamente lembravam os laços do vídeo com a
TV aberta.

Mais sofisticadas do que isso, ficaram famosas as obras pioneiras:


 Live-Taped Video Corridor, do artista norte-americano Bruce Nauman, em 1970.

 TV-Buddha, de Nam June Paik, em 1974.

O vídeo prestava-se adequadamente para instalações em ambientes de galeria, ainda mais


porque a disposição dos monitores no espaço incorporava um elemento escultórico e traços de
performance viva na feitura e exibição dos vídeos. Artistas trabalhando com o vídeo, na sua
natureza eletrônica, transbordavam as fronteiras da imagem em movimento e do espetáculo
cinemático, fazendo uso das inovações tecnológicas e performáticas.

No que diz respeito à composição interna, Duguet (2009, p. 54) nos lembra que, na
continuidade criativa da videoarte, nas videoinstalações, o espaço da superfície da imagem
contraído no instante é dilatado para a observação, submetido a uma espécie de câmera
lenta:
Para ver melhor, ver de outra maneira, fazer ver o ver, a instalação cria um “retardo” em vídeo.

Ao difundir ao vivo a imagem resultante desse novo processamento, dois espaços de ficção
são confrontados:

O primeiro

É o da cena na qual o espectador evolui.


O segundo

É o da imagem que acaba se redobrando e tentando se recobrir, se reajustar de desvios ao


retomar o espaço ambiente e fechar o circuito, a partir de sua bidimensionalidade.

Trabalhando com o corpo, a imagem, o tempo e a arquitetura, são realizadas transgressões


por meio de:

HIBRIDAÇÕES

ARTICULAÇÕES

INTEGRAÇÕES

MUDANÇAS INESPERADAS
REDUPLICAÇÕES

Por isso, “aquém da imagem, aquém dos modelos narrativos e das questões de estilo”, as
videoinstalações “apropriaram-se de diferentes modelos de representação para confundi-los e
reencená-los” (DUGUET, 2009, p. 55).

 Fish Flies on Sky, de Nam-June Paik.

Nesse sentido, as videoinstalações absorveram e transformaram a seu modo as pesquisas


realizadas em muitos filmes experimentais ao assumirem a função crítica que diversas
abordagens artísticas outorgaram para si nos anos 1960.

Foi nessa época que artistas começaram a experimentar com:

[...] O DISPOSITIVO CINEMATOGRÁFICO POR MEIO DA


MULTIPLICAÇÃO DE TELAS, DA EXPLORAÇÃO DE
OUTRAS SUPERFÍCIES DE PROJEÇÃO (CORPOS,
ESPELHOS, OS PRÓPRIOS OBJETOS EM
MOVIMENTO...) E DA INVENÇÃO DE DIVERSOS
SISTEMAS DE CAPTAÇÃO DA IMAGEM”

DUGUET, 2009, p. 55.

Essa foi uma herança criativa que a videoinstalação soube captar.

Desse modo, uma das referências determinantes para o papel metacrítico da videoarte e das
videoinstalações está em confrontar a produção da imagem, bem como ela mesma, por
meio da transmissão ao vivo.

Assim, “o dispositivo pode ser, a um só tempo, conceito da obra e instrumento de sua


propedêutica”. Para isso, a instalação é meio privilegiado porque “pode expor o processo de
produção da imagem, ou seja, porque trabalha sua ficção num espaço real” (DUGUET, 2009, p.
55).

Na década de 1990, conforme os projetores de vídeo foram melhorando em qualidade e seus


custos diminuíram, a videoinstalação passou a usar a imagem em movimento projetada até o
ponto de se converter em um modo dominante da produção artística contemporânea.

Uma vez que ela pode se adaptar a uma variedade de espaços e superfícies - parede, teto,
piso, tela, objetos, até mesmo os corpos dos espectadores -, a projeção abre uma infinidade
de possibilidades experienciais.

Isso acontece porque o abandono do retângulo da exibição e a libertação das telas, recursos
utilizados pelos artistas, permitiram a projeção dos vídeos sobre superfícies, objetos e corpos.

Os trabalhos do artista australiano Jeffrey Shaw exemplificam esse aspecto, que se tornou
possível com vídeos em multitelas sincronizadas por computador, com conversão da
videoinstalação em ciberinstalação.
 The Legible City, de Jeffrey Shaw.

Assim, algumas videoinstalações anteciparam as artes interativas na medida em que


negociavam narrativas variáveis em meio a um campo de possibilidades espaciais e
representacionais. De fato, de 1990 em diante, o vídeo passou a ser incorporado em
procedimentos artísticos relacionados às linguagens digitais e à interatividade.

 COMENTÁRIO

Nesse caso, a edição em tempo real possibilita ao público ver a combinação entre a interface
digital e o vídeo ao vivo. Isso contribui para que o vídeo e sua extensão se desterritorializem,
diluindo-se em espaços híbridos que convivem em diferentes circuitos midiáticos.

De lá para cá, o contexto das mídias mudou muito, podendo a videoinstalação, inclusive, ser
concebida a partir da expansão do cinema, que, por sua vez, não se vincula apenas à mídia
dos filmes.
Por fim, o vídeo expandido ao vivo é usado nas produções de vários cineastas defensores do
cinema expandido. O que se percebe é uma reavaliação do filme e do vídeo, que durante muito
tempo foram considerados elementos separados na prática e na teoria das artes.

O surgimento do digital e as convergências que ele impõe tornaram irrelevantes quaisquer


especificidades midiáticas. Não dá mais para negar que a hibridização das mídias e dos
tempos e espaços estão transgredindo todas as antigas fronteiras entre as artes.

IMAGENS TECNOLÓGICAS
Veja a seguir mais comentários e exemplos sobre formas e manifestações das imagens
tecnológicas.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Reconhecer características da arte sonora e da música eletrônica e eletroacústica

DISTINÇÃO ENTRE ARTE SONORA E ARTE


MUSICAL
A arte musical, ao longo de sua história, no Ocidente e fora dele, estrutura-se a partir de regras
composicionais, cujas peças ou obras apresentam duração no tempo relativamente fixa, para
apresentações em situações culturalmente diferenciadas.

Depois do advento das gravações, essa arte ganhou capacidade de armazenamento nos
formatos:
LP (LONG PLAY)

FITA CASSETE
CD (COMPACT DISC)

TRANSMISSÕES EM STREAMING

Distinguindo-se da arte musical, a arte sonora volta-se para o som em si, em todas as variadas
modalidades em que o som pode se manifestar.
Certamente toda arte musical também é sonora. Entretanto, a arte sonora não se enquadra nos
parâmetros culturalmente convencionados da arte musical. Isso não significa que a arte sonora
esteja fora da continuidade das transformações pelas quais a arte musical contemporânea
tenha passado e continue passando a partir do início do século XX, quando se deu a
saturação, no Ocidente, do tonalismo nos processos de criação musical.

TONALISMO

Tonalismo na música caracteriza-se pela organização da composição musical em torno de uma


nota tônica, que é a nota principal, seguindo determinadas regras harmônicas. A tonalidade de
um determinado trecho da composição musical é definida pela tônica. O movimento distinto do
tonalismo é a música atonal, que se caracteriza exatamente pela ausência desse princípio da
tonalidade.

ARTE MUSICAL


ARTE SONORA

O PROBLEMA DA DEFINIÇÃO E A ORIGEM


DA ARTE SONORA
Encontrar uma definição acabada de arte sonora é praticamente impossível dada a variação
de pontos de vista daqueles que trabalham com ela ou que falam sobre ela. A arte sonora se
refere a práticas artísticas muitíssimo diferenciadas, mas que têm um ponto de convergência
no fato de que todas elas, de uma forma ou de outra, colocam o som em si em primeiro
plano ou comentam sonoramente como o som funciona em situações e espaços
distintos.

Os princípios condutores da arte sonora são perceptíveis já no encantamento dos futuristas


com a velocidade da máquina e seus ruídos.1913 e 1940, os futuristas produziram obras que
procuravam imitar o universo ruidoso das máquinas e da guerra. Experimentos com artes que
usam o som continuaram com os artistas dadá e surrealistas.

FUTURISTAS

Artistas filiados ou vinculados ao Futurismo, movimento de vanguarda artística e literária do


começo do século XX que rejeitava as tradições e representava a violência, as guerras e a
dinâmica da vida moderna.

DADÁ

Dada ou Dadaísmo pertence ao contexto das vanguardas europeias, caracterizando-se por ser
um movimento de crítica cultural, de rejeição ao sistema racional e às regras. Também se
caracteriza pela ironia, inconformismo, polêmica e anarquia.

SURREALISTAS

Os surrealistas também se inserem no movimento de vanguardas europeias, caracterizados


por manifestações artísticas que valorizam o inconsciente, a loucura, os sentidos desregrados
e o apagamento da fronteira entre sonho e realidade.

 EXEMPLO
Em 1934, a composição Erratum Musical de Marcel Duchamp apresentou três vozes cantando
notas tiradas de um chapéu, um ato aparentemente arbitrário que teve impacto nas
composições de John Cage. Em 1952, ele compôs 4'33'', uma partitura musical de quatro
minutos e trinta e três segundos de silêncio.

É curioso notar que quatro minutos e trinta e três segundos são 273 segundos. A temperatura
menos 273 Celsius é zero absoluto.

 Foto de Pierre Schaeffer.

 Foto de Pierre Henry.


No final dos anos 1940, os compositores franceses Pierre Schaeffer (1910-1995) e Pierre
Henry (1927-1917) desenvolveram a arte concreta, marco significativo do desenvolvimento da
arte sonora que, por priorizar o som em si e suas formas de manifestação, enfatiza a faculdade
da escuta, princípio constitutivo da arte concreta.

Essa manifestação de arte concreta começava com a gravação dos mais variados tipos de
som, até mesmo os ruídos. Esses sons gravados, deslocados de suas fontes de origem, eram,
então, processados até se tornarem irreconhecíveis.

Sons gravados são maleáveis, podem ser repetidos, estendidos, formar loops. O que importava
era o som e não sua origem. Assim, os sons eram combinados por técnicas eletroacústicas,
resultando em composições sonoras (SANTAELLA, 2001, p. 84).

Então, nos anos 1950 e 1960, artistas visuais e compositores começaram a usar esculturas
cinéticas e mídia eletrônica, sobrepondo sons ao vivo e pré-gravados, a fim de explorar o
espaço ao redor.

Começa aí, de fato, a origem mais contemporânea da arte sonora. Entretanto, apenas no final
dos anos 1970, ela foi assim batizada pela Fundação SoundArt do compositor norte-
americano William Hellermann (1939-2017), que produziu em 1983, no Sculpture Center de
Nova York, a exposição Sound/Art.

 Foto da exposição Sound/Art, na galeria Sculpture Center.

A maior disseminação do termo teve que esperar até os anos 1990, embora artistas sonoros já
estivessem praticando sua arte e apresentando seus trabalhos há décadas.
Antes da década de 1990, a arte sonora era geralmente considerada um tipo de música
experimental ou uma performance. Era um trabalho feito com sons não convencionais
normalmente não associados à performance musical em si.

A arte de juntar sons era, na época, considerada uma atividade exclusiva de compositores e
músicos, embora em alguns setores a arte da poesia sonora estivesse bem estabelecida, ainda
que vista como uma extensão da poesia escrita ao invés de uma arte do som.

Assim, a arte sonora teve que esperar pela revolução digital para passar por uma
transformação radical. Desde então, os artistas podem criar imagens visuais em resposta aos
sons e permitir que o público controle a arte por meio de sensores e ativação por voz. Ela pode
incluir:

Instalação sonora

Escultura sonora

Arte performática

Poesia concreta

Música experimental

Música ambiente

Música sonora

Arte-mídia

Arte em vídeo

Gravação de campo

Trilhas sonoras

Composições de paisagem sonora

Design de som

Jogos sônicos e arte conceitual


 Panopticons - Singing Ringing Tree.

Os artistas sonoros tendem a desafiar abertamente os limites e as definições dos gêneros


artísticos, e muitos se recusam a categorizar seu trabalho de acordo com categorias genéricas.
Frequentemente, os artistas sonoros exploram as relações entre:

SOM E ESPAÇO OU AMBIENTE

SOM E TECNOLOGIA

SOM E ESCUTA

O AURAL E OS DEMAIS SENTIDOS, ESPECIALMENTE


O VISUAL E TÁTIL
ENTRE O PÚBLICO, ARTISTAS E OBJETOS DE ARTE

MÚSICA ELETRÔNICA: DEFINIÇÃO


Menos evasiva do que a definição de arte sonora é a definição de música eletrônica, pois,
como já está expresso no seu próprio nome, a música eletrônica é produzida por meios
eletrônicos-computacionais.

Portanto, é chamada eletrônica qualquer música que envolva processamento eletrônico, como
gravação e edição em fita magnética, e cuja reprodução envolve o uso de alto-falantes.

Segundo Hiller (1999), embora qualquer música produzida ou modificada por meios elétricos,
eletromecânicos ou eletrônicos possa ser chamada de música eletrônica, em sentido mais
estrito, uma peça musical é eletrônica quando o compositor antecipa o processamento
eletrônico que deverá ser aplicado ao seu conceito musical, de forma que o produto final traga
a marca da interação do compositor com o meio.

Assim sendo, podemos dizer que:

Uma peça convencional de música popular não se torna música eletrônica por ser tocada em
uma guitarra amplificada eletronicamente.

Nem uma fuga de Bach se torna música eletrônica se tocada em um órgão eletrônico em vez
de um órgão de tubos.
RECURSOS USADOS NA MÚSICA
ELETRÔNICA
São vários os recursos sonoros utilizados pela música eletrônica, desde sons captados por
microfones até aqueles produzidos por osciladores eletrônicos (gerando formas de onda
acústicas básicas, como ondas sinusoidais, ondas quadradas e ondas dente de serra);
instalações complexas de computador e microprocessadores são gravados em fita e depois
editados em uma forma permanente (HILLER, 1999).

O divisor de águas para o desenvolvimento da música eletrônica foi o sintetizador de sons


cujo uso pelos compositores levou à legitimação dessa atividade como nova forma de criação
composicional.

Um dos mais famosos compositores iniciadores da música eletrônica foi o compositor alemão
Karlheinz Stockhausen (1928-2007), no estúdio de Colônia, Alemanha.

 Stockhausen no Sound Studio N, em Colônia, em 2004.

Esse tipo de composição, na maior parte das vezes, feita com sintetizadores eletrônicos,
buscava efetuar a síntese do som, combinando, por meio dos equipamentos eletrônicos, os
componentes analíticos do som assim obtidos.

De acordo com os físicos, esses componentes se reduzem a frequências puras, dosadas


cada qual em intensidade e evoluindo em função do tempo. Assim se afirmou a ideia de
que a síntese do som pode ser reduzida a três parâmetros físicos:
PARÂMETRO 1
PARÂMETRO 2
PARÂMETRO 3

PARÂMETRO 1

Frequência, medida em hertz

PARÂMETRO 2

Intensidade, medida em decibéis

PARÂMETRO 3

Tempo, medido em segundos ou milissegundos (milésimo de segundos)

 COMENTÁRIO

Acreditava-se que esses parâmetros poderiam tornar inútil, cedo ou tarde, qualquer outro
recurso instrumental.

De acordo com Chion et al. (1976, p. 42), o sistema da música eletrônica realmente é capaz de
criar materiais novos, ou seja, um novo engenho para a música, recursos que seriam
impossíveis de se obter com os instrumentos tradicionais. Na mesma linha, o maestro e
compositor francês Pierre Boulez (1925-2016), criador da música serial, de base eletrônica, em
1968, já declarava:
ESTAMOS NO LIMIAR DE UM MUNDO DE SONS AINDA
NÃO OUVIDOS, RICO EM POSSIBILIDADES E AINDA
PRATICAMENTE INEXPLORADO. SÓ COMEÇAMOS A
DISCERNIR AS CONSEQUÊNCIAS IMPLICADAS NA
EXISTÊNCIA DE UM TAL UNIVERSO

apud PENNYCOOK, 1986, p. 120.

Com a aparelhagem eletrônica, que permitiu ao compositor penetrar na intimidade dos


parâmetros sonoros, o rigor e a abstração intelectual vieram encontrar um solo fértil para o
cálculo da variação de todo fenômeno sonoro em função desses parâmetros.

De fato, a música eletrônica, eminentemente analítica, encontrou no sintetizador e no cálculo


as extensões mais ajustadas ao seu cerebralismo. Era de se esperar que o passo seguinte
para levar avante esse tipo de composição estivesse no cálculo das probabilidades como, de
fato, esteve, encontrando no compositor e arquiteto grego, naturalizado francês, Iánnis Xenákis
(1922-2001), um de seus maiores criadores e defensores.

 Foto de Iánnis Xenákis.

Ainda segundo Hiller (1999), desde os trabahos dos pioneiros, o desenvolvimento mais
importante na música eletrônica talvez esteja hoje no uso de computadores digitais cujos
tipos variam de grandes mainframes, máquinas de uso geral, a circuitos digitais de uso
especial expressamente projetados para usos musicais.
Os aplicativos musicais de computadores digitais podem ser agrupados em cinco categorias
básicas:

Processamento de dados e recuperação de informações, incluindo aplicativos de biblioteca e


abstração.

Processamento de notação musical e impressão musical.

Pesquisa acústica, teórica e musicológica.

Composição musical.

Síntese de som.

MÚSICA ELETROACÚSTICA
As tendências da música eletroacústica não são tão específicas quanto as da música
eletrônica. Contudo, ambas se unem no fato de que representam caminhos de renovação
criativa das composições musicais de meados dos anos 1950 para cá.

Naquela época, o contexto era de oposição entre:

Os primórdios da música eletroacústica na música concreta.


Aqueles que defendiam a pureza organizacional dos parâmetros do som nas origens da música
eletrônica.

Com o tempo, essa oposição foi se dissipando, pois a maioria das peças eletroacústicas utiliza
uma combinação de sons gravados e sons sintetizados e processados, restando como
diferença a inaceitação da música eletroacústica a quaisquer excessos de cerebralismo na
música.

Foi na década de 1950 que a crescente disponibilidade de fita magnética ofereceu aos
compositores um meio de gravação de alta qualidade que permitiu uma maior experimentação
na manipulação dos sons gravados.
Com isso em mãos, os músicos começaram a expandir os recursos composicionais para além
dos sons disponíveis a partir de instrumentos e vozes, explorando novas formas e timbres
sonoros, tanto pela transformação de fontes gravadas quanto pela sintetização de novos sons.

Daí originou-se a música eletroacústica, que faz uso da tecnologia eletrônica, cada vez mais
baseada em computador, tecnologia que é usada para acessar, gerar, explorar e configurar
materiais sonoros, e na qual os alto-falantes são o principal meio de transmissão. Assim, a
música eletroacústica inclui música em fita magnética, eletrônica e computadorizada, cada
uma com suas próprias técnicas.

MÚSICA EM FITA MAGNÉTICA


Envolve qualquer composição criada com fita magnética usando sons pré-gravados ou
eletrônicos modificados e montados por meio de técnicas de mixagem, emenda, mudanças de
velocidade, reversão de fita, loops de fita, eco e feedback de fita, bem como modificações
eletrônicas.

MÚSICA ELETRÔNICA E COMPUTADORIZADA


Se refere a composições produzidas com sons gerados eletronicamente por osciladores e
modificados com filtros, moduladores ou outros equipamentos.

Segundo Emmerson e Smalley (2001), a música eletroacústica apresenta dois gêneros


principais:

MÚSICA ACUSMÁTICA
MÚSICA ELETRÔNICA AO VIVO

MÚSICA ACUSMÁTICA
Destina-se à audição em alto-falantes e existe apenas na forma gravada (fita, disco compacto,
armazenamento em computador).

MÚSICA ELETRÔNICA AO VIVO

A tecnologia é usada para gerar, transformar ou disparar sons (ou uma combinação deles) no
ato da performance; isso pode incluir a geração de som com vozes e instrumentos tradicionais,
instrumentos eletroacústicos ou outros dispositivos e controles vinculados a sistemas baseados
em computador.

Esses dois gêneros dependem da transmissão do alto-falante, e uma obra eletroacústica pode
combinar elementos acusmáticos e ao vivo. As propostas de música eletroacústica podem ser
muitas, pois não há receitas nem regras prontas. As denominações também apresentam uma
certa variabilidade.

Há, por exemplo, as chamadas:

MÚSICA ESPECTRO-MORFOLÓGICA
Com uma tipologia espectral, uma tipologia do movimento. Nessa música não há nada que
possa equivaler à estrutura da música tonal com sua clara estratificação hierárquica das notas
como unidades menores para formar unidades maiores como motivos, frases, períodos, até se
chegar à obra como um todo e suas formas históricas: Sonata, concerto, sinfonia, música de
programa etc.

Na música espectro-morfológica, unidades significantes no nível mais baixo da estrutura


podem ter dimensões temporais consideráveis.

"I-SOM"
Imagem-som de uma música prioritariamente acusmática, baseada em uma escuta disponível
e porosa às qualidades do som em si, como reação a uma técnica musical reduzida ao aspecto
instrumental da eletroacústica.

Nessa música, é "o conceito espacial de forma que se revela com todas as suas
consequências: o estado da paisagem morfológica do material sonoro, seu desenvolvimento
espaço-dinâmico, suas reações aos constrangimentos e também suas características
fenomenológicas de identificação e de reconhecimento, de perda e de metamorfose, na
consciência da audição" (BAYLE, 1993, p. 54).
Wishart (1996) fala em arte do som abraçando todas as artes de organização de eventos
sonoros no tempo. Para ele, as mudanças na concepção do que constitui a música têm mais a
ver com a invenção da gravação, processamento e síntese do som do que com qualquer
desenvolvimento específico dentro da linguagem da música nela mesma.

Desde meados da década de 1980, a produção musical eletroacústica tem utilizado cada vez
mais hardware e software produzidos comercialmente, incluindo sintetizadores e samplers
digitais controlados pela Interface Digital de Instrumento Musical (MIDI), protocolo de
comunicação e computadores pessoais (PCs) equipados com placas de som e software
especializado para montar, processar e mixar sons.

A execução de concertos de música eletroacústica pode envolver qualquer um desses


dispositivos interagindo com intérpretes ao vivo e elementos visuais, com a música projetada
no espaço por meio de múltiplos alto-falantes, técnica chamada de difusão sonora. A
distribuição de CDs desse tipo de música é geralmente feita por selos independentes ou
privados.

Hoje, os estúdios de composição musical eletroacústica se multiplicam no mundo, cada qual


com um perfil próprio. É nesses estúdios que, segundo Santaella (2001, p. 94), cada
compositor tem de resolver à sua maneira como lidar com a parafernália técnica e as
inteligências artificiais às quais ele pode se aliar para a criação de suas tapeçarias, espectros,
geometrias, paisagens, corpos, bolhas, desenhos, galáxias e flocos de sons.

Finalmente, cabe dizer que as possibilidades de inovação tecnológica na música democratizam


a produção artística e favorecem uma maior independência dos artistas.
MÚSICA ELETRÔNICA E MÚSICA
ELETROACÚSTICA

Veja a seguir alguns dos principais conceitos sobre música eletrônica e música eletroacústica.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A diversidade e a transformação criativa marcam as estéticas tecnológicas. Produções
artísticas inovadoras, possibilitadas pelas tecnologias desde o século passado, estão presentes
na ciberarte, nas fotografias digitais, na videoarte, nas ciberinstalações, na arte sonora, na
música eletrônica e na música eletroacústica.

Em todas essas e outras estéticas tecnológicas, os meios e os recursos advindos da tecnologia


mudaram a experiência de produzir arte e, mais ainda, a forma de experimentar ou mesmo
consumir as obras e produções artísticas.

Assim, a experiência de fruição, contemplação ou consumo da arte não pode deixar de fora as
implicações da internet, das mídias digitais e dos novos dispositivos tecnológicos.

 PODCAST
Agora, com a palavra, os professores Domingos Guimaraens e Catharina Epprecht,
comentando os principais conceitos relativos às estéticas tecnológicas. Vamos ouvir!

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
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EXPLORE+

Leia o texto Navegando na ciberarte: notas sobre arte e imaginário na


contemporaneidade.

Leia o texto Imagens da mídia: uma abordagem semiótica da sua produção.

Assista ao vídeo Conversações: Lucia Santaella e Diana, disponível no canal do TIDD


PUC-SP no YouTube.

CONTEUDISTA
Lucia Santaella

 CURRÍCULO LATTES

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