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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Marcelo Dias Machado Vianna

Sob palavras e imagens:


proposição poética e contextualização cultural de um dispositivo digital de Arte Mídia

Rio de Janeiro
Fevereiro de 2011
Vianna, Marcelo Dias Machado.
V617 Sob palavras e imagens : proposição poética e contextualização
cultural de um dispositivo digital de Arte Mídia / Marcelo Dias
Machado Vianna. 2011.
97 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Celso Pereira Guimarães.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/EBA, Programa de Pós-Graduação
em Artes Visuais, 2011.

1. Arte mídia. 2. Arte e tecnologia. I. Guimarães, Celso Pereira.


II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola de Belas Artes.
III. Título. IV. Título: proposição poética e contextualização cultural de
um dispositivo digital de arte interativa.
CDD 700.105
Resumo

Vianna, Marcelo D. M. Sob palavras e imagens: proposta poética e contextualização


cultural de um dispositivo digital de Arte Mídia. Rio de Janeiro, 2010. Dissertação
(mestrado) Artes Visuais. Escola de Belas Artes. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Trata-se de uma análise da Arte Mídia, manifestações poéticas contemporâneas que


utilizam tecnologia eletrônicas e/ou digitais, a partir de uma proposta poética
realizada por software (Fontes) e hospedada na rede mundial de computadores
denominada Sob palavras e imagens.
Aborda o impacto social da mídia digital sobre o indivíduo; o desdobramento do
pensamento moderno frente a essas mudanças; as artes visuais que utilizam a
tecnologia como modo se expressão: origens, formas de produção, vertentes e
taxonomias; e os temas da comunicação, como a cultura em rede e os novos
conceitos de mediação e imagem.

Palavras-chave: arte mídia, software art, arte generativa, arte e tecnologia digital.
Abstract

Vianna, Marcelo D. M. Underneath words and images: poetical proposal and cultural
contextualization of a digital Media Art device. Rio de Janeiro, 2010. Visual Arts
Masters Thesis (MA). School of Fine Arts. Federal University of Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, Brazil, 2010.

Analyzes contemporary art that uses technology from a poetic perspective using a
software (Fontes) hosted in an international network called Underneath words and
Images.
It addresses the impact social media has over an individual, the unfolding of modern
thought in the face of these changes and visual arts that use technology as a form of
expression. The origins, forms of production, influences and taxonomies as well as
communication themes, such as net culture and new concepts of media and image.

Keywords: media art, software art, generative art, art and digital technology.
Lista de Siglas

BIT Binary digit

CD Compact Disc

COPPE Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia

DVD Digital Video Disc ou Digital Versatile Disc

ENIAC Electrical Numerical Integrator and Computer

FTP File Transfer Protocol

GPS Global Positioning System

HDTV High-definition television

HTTP Hypertext Transfer Protocol

LCD Liquid Crystal Display

LED Light Emitting Diode

PUC Pontifícia Universidade Católica

QR CODE Quick Response Code (Código de Barras em 2D)

SMTP Simple Mail Transfer Protocol

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

WEB WorldWideWeb

WWW World Wide Web


Sumário

Introdução ..............................12

1 Sob palavras e imagens .................................15

2 Consequências culturais do advento das tecnologias digitais


2.1 Cá estamos diante do computador ...............................................................17
2.2 As muitas visões do novo cenário ......................................19

3 A atualidade ideológica do pensamento moderno


3.1 Origem iluminista do pensamento moderno .........................21
3.2 Um voo maior da imaginação: Nietzsche e a modernidade ........................25
3.3 A arte olha seu umbigo .........26
3.4 A aceitação do diverso .............29
3.5 Arte fora da redoma ......................32

4 Pesquisa de critérios e parâmetros de análise para a Arte Mídia


4.1 Ecologia da rede de bits ................................36
4.2 A sedução digital .....................39
4.3 Uso marginal da caixa-preta ...................................40
4.4 A percepção de um novo olhar a partir da ciência ...........................42
4.5 Imagem na web: corrente de signos .......................45
4.6 Mídias misturadas .............................48

5 Arte Mídia: origens, formas de produção e taxonomia..................... 51


5.1 Arqueologia da arte interativa ..................... 53
5.2 Duchamp: a arte fora da estética ...................... 56
5.3 Artista, participante; participante, artista ................58
5.4 Formas de interação homem máquina ............................60
5.5 Pesquisas poéticas ..............................65
5.6 Sob palavras e imagens como Arte Generativa ...................69
6 Making of: criação do dispositivo e website
6.1 Fontes. Produção do programa de computador ................................... 73
6.2 http:// fontes.bitspoeticos.com :estrutura de acesso e navegação ........... 76
7 Considerações Finais ...................... 77

Referências ........................ 81

Apêndices ............... 90

Lista de ilustrações

Pág. 15 Fig.1
Programa Fontes. Descrição das funções de transformação do texto:
alternância de cores, de tamanhos, de espacejamento e montagem em
camadas.
Pág. 16 Fig. 2
Configurações gráficas das mensagens e seus textos correspondentes.
Pág. 75 Fig. 3
Projeto Fontes aplicado em software 3D.

Apêndices

Pág. 90 Apêndice A
Brinquedos filosóficos do século XIX.
Pág. 91 Apêndice B
Artistas pioneiros na utilização da tecnologia digital.
Pág. 92 Apêndice C
Exemplo de proposta de classificação de trabalhos em Arte Mídia de
acordo com as interfaces utilizadas.
Pág. 93 Apêndice D
Exemplo de proposta de classificação de trabalhos em Arte Mídia de
acordo com as vertentes de expressão.
Pág. 94 Apêndice E
Inscrição hipotética da proposição poética Sob palavras e imagens em
mostra internacional de Arte Mídia.
Pág. 95 Apêndice F
Desenvolvimento da imagem gerada pelo aplicativo Fontes.
Pág. 96 Apêndice G
Esquema demonstrativo da estrutura de navegação do website
http://fontes.bitspoeticos.com/.
Pág. 97 Apêndice H
Website Bitspoeticos (metodologia de pesquisa)
12

Introdução

Sob palavras e imagens, objeto de investigação desta dissertação de mestrado,


é uma proposição poética realizada através de um software gráfico desenvolvido para
gerar imagens através das mensagens de texto enviadas por usuários da web. Essa
proposta permite investigar o atual contexto cultural no qual diversas manifestações
artísticas utilizam a tecnologia digital classificada por muitos estudiosos como Arte
Mídia1. Diversas formas de produção artística são incluídas sob essa chancela, como
instalações audiovisuais, sistemas interativos, projetos em software, simulações de
realidade artificial e propostas telemáticas, entre outras. Esse campo de exploração
envolve complexas relações interdisciplinares e tem atraído cada vez mais a atenção de
artistas e pesquisadores. Uma corrente de novos significados, noções e conceitos está
se estabelecendo a partir da apropriação das novas mídias digitais pela arte, que, após
os anos 1960, tem promovido uma mudança gradual nas posições ortodoxas e
acadêmicas que a confinavam às técnicas tradicionais e às bases estéticas ontológicas.
Recomenda-se a utilização do dispositivo na web (http://fontes.bitspoeticos.com), antes
da leitura deste trabalho, em cujo primeiro capítulo a proposta é apresentada mais
minuciosamente.

No segundo capítulo, a influência do advento das tecnologias digitais sobre o


indivíduo na organização da vida social é analisada, para oferecer uma visão do cenário
no qual essas manifestações artísticas estão inseridas. O mundo se conecta em rede
promovendo uma intensa transformação de costumes, rotinas e padrões de
comportamento. Em outras palavras, isso significa que conseguimos nos comunicar
interativamente através de uma mídia capaz de estabelecer diversos tipos de contato
como som, imagens e textos. Porém essa convergência de mídias, ao conectar o
mundo em rede, estabelece complexos tipos de relações culturais.

1
MEDIA ART. Denominação utilizada por diversos autores, como Oliver Grau em MediaArtHistories
(GRAU, 2007). Como esclarece Cláudia Giannetti, “entendemos a Media Art não como uma corrente
autônoma, mas como parte integrante do contexto da criação artística contemporânea. O fato de
empregar o termo media é um recurso para diferenciá-lo (e não afastá-lo) das manifestações artísticas
que utilizam outras ferramentas que não as baseadas nas tecnologias eletrônicas e/ou digitais”
(GIANNETTI, 2006, p.3).
13

Utilizar a mídia digital para fins poéticos revela que o próprio campo da arte
passou a considerar novas considerações estéticas. De fato, toda uma cultura se
estabelece, não apenas em seu sentido antropológico – que reúne os aspectos da vida
em sociedade – mas como um novo processo de produção de significados. O impacto
tecnológico sobre as consciências individuais tem produzido uma nova ideologia que
muitos estudiosos classificam como uma nova postura do pensamento moderno frente
a um novo quadro social. Fonte de debates e controvérsias, o processo histórico da
modernidade é o tema do terceiro capítulo, que aborda as principais contribuições de
pensadores e artistas para o que está sendo considerado uma ampliação da esfera da
arte aos temas da comunicação, pois as novas orientações estéticas não estão mais
restritas às discussões intrínsecas ao objeto, passam a considerar os contextos e as
relações estabelecidas com os participantes.

Mas quais são as características próprias dessa nova mídia que a tornam um
campo tão específico de exploração artística? As tecnologias digitais estão alterando os
processos de construção, da prática e da pesquisa nas artes e nas ciências, renovando
muitos conceitos tradicionais. Essa revisão de saberes tem proporcionado um novo
entendimento sobre a função da imagem e da mídia no processo de significação. No
quarto capítulo, é investigado esse novo modo de expressão e informação através dos
dados, que, sem perda de conteúdo, podem ser aplicados a diversos tipos de
mediação. Bites, interfaces e comunicação em rede estabelecem um ambiente no qual
os parâmetros de tempo e espaço – interatividade e virtualidade – são fatores
predominantes no que tem sido denominado ciberespaço.

O quinto capítulo apresenta um panorama abrangente da Arte Mídia, seus


precursores, suas vertentes e modos de produção. Apresenta-a como um tipo de
produção artística considerada variável, inconstante ou efêmera, por ter a dimensão
temporal favorecendo a exploração dos processos, dos sistemas e dos contextos,
diferentemente da arte tradicional direcionada a criação de objetos. Estabelecer
critérios para auxiliar a investigação dessa nova forma cultural tem estimulado o estudo
de diversos autores, como atestam as pesquisas que buscam definir um novo estatuto
para a arte, contemplando um novo olhar sobre a obra, o autor e o observador. A
dissertação mostra ainda como as características inovadoras dessa produção, que
14

utiliza modos combinados de expressão, têm se refletido em dificuldades e


preocupações para os grandes museus e coleções internacionais, responsáveis pela
preservação, recuperação e armazenamento desses trabalhos. Tais instituições sentem
a carência de uma taxonomia que permita estabelecer uma notação comum para esses
trabalhos, facilitando a organização de exposições, de bancos de dados e de
identificadores (metadados) desses arquivos na Web.

O sexto e último capítulo realiza um making of da proposição poética Sob


palavras e imagens, através das etapas de desenvolvimento da programação do
software Fontes e do seu website hospedeiro. Aqui também são realizadas algumas
observações que podem contribuir para uma melhor compreensão dos limites técnicos
do aparato tecnológico utilizado.

As considerações finais desta investigação relacionam a abordagem teórica dos


temas da Arte Mídia realizada à proposição poética prática Sob palavras e imagens.
Relatam uma trajetória de produção que serviu para evidenciar as diferenças existentes
nos critérios de exploração entre os projetos interativos e os trabalhos da arte
tradicional relacionados à imagem estática.

As abordagens realizadas procuram compor um panorama da Arte Mídia que


permita delinear o campo teórico onde experimentações como Sob palavras e imagens
possam ser inseridas. De imediato, tais circunstâncias nos impõem pensar a arte numa
cultura que ainda está se estabelecendo, o que torna difícil defini-la em toda sua
complexidade. A leitura das páginas que se seguem pode dar uma ideia do quanto nos
aproximamos disso.
15

Capítulo 1

1 Sob palavras e imagens

Texto e imagens, em seus entrelaçamentos, querem garantir


a circulação, a troca destes significantes: o corpo, o rosto, a
escrita, e neles ler o recuo dos signos.
Roland Barthes (2007, p. 15).

A experimentação poética proposta, denominada Sob palavras e imagens, exigiu


a configuração de um programa específico de computador para sua realização. O
dispositivo digital de imagem interativa Fontes, acessado no website fontes.bitspoéticos.com,
que pode ser definido como uma máquina de escrever virtual desajustada, pois torna os
textos digitados pelos usuários inelegíveis: a imagem das letras que compõem o texto
se tornam emaranhadas quando configuradas. A programação desse software foi
realizada para que as mensagens digitadas pelos usuários não pudessem ser lidas,
para isso, o espacejamento entre as letras foi encurtado, bem como o tamanho da
tipologia e as cores foram escolhidos segundo processos randômicos.

Figura 1. Programa Fontes. Descrição das funções de transformação do texto: alternância de cores, de
tamanhos, de espacejamento e montagem em camadas.

Cabe ao participante do projeto a construção da imagem, pois é através do seu


texto digitado que a imagem se configura. As mensagens enviadas podem ser
16

acessadas por qualquer usuário, as quais revelam diferentes tipos de expressão:


manifestações políticas, recortes de textos poéticos, citações literárias, observações
pessoais, tentativas de domínio das configurações da imagem através da repetição de
sinais de pontuação, ou qualquer outra escritura de escolha subjetiva.

Figura 2 Configurações gráficas das mensagens e seus textos correspondentes.


17

Capítulo 2

2 Consequências culturais do advento das tecnologias digitais

O advento da instantaneidade conduz a cultura e a ética


humanas a um território não mapeado e inexplorado, onde a
maioria dos hábitos aprendidos para lidar com os afazeres
da vida perdeu sua utilidade e sentido.
Zygmunt Bauman (2001, p. 148)

Propostas estéticas que utilizam a tecnologia digital em suas experimentações


são cada vez mais comuns no atual cenário artístico e representam um importante
alargamento da esfera estética ao considerar os eventos realizados através de meios
de comunicação. Investigar o impacto social que as novas mídias exercem sobre nossa
forma de agir, perceber e pensar, deve fornecer dados para que se possa
contextualizar essa produção artística.

2.1 Cá estamos diante do computador

Sob palavras e imagens, proposição realizada através do dispositivo Fontes,


explora a geração de imagens através dos textos, uma possibilidade estética criada
pela interseção entre arte e tecnologia. Programas de computador – sequências de
instruções, interpretadas e executadas por um processador – já não representam uma
novidade, são utilizados para realizar uma série de funções que têm facilitado nosso
cotidiano. Mas seu espectro de uso vai muito além das tarefas que empregamos em
nossos computadores pessoais. Pode-se mesmo afirmar que é difícil imaginar um dia
sem que algum recurso digital invada nossa vida. Ver as horas, sacar dinheiro num
caixa eletrônico, cozinhar no micro-ondas ou jogar videogame envolve a utilização de
processamento de dados. Convivemos com eles de forma cada vez mais integrada,
banal muitas vezes, embora sempre que somos apresentados às novidades
tecnológicas, que surgem a todo momento, tendemos a carregá-las de expectativas e
desejos. Nesse movimento generalizado de informatização, o mundo inteiro se conecta
em rede, favorecendo o diálogo entre diferentes contextos culturais.
18

Redes sociais, websites2 de entretenimento ou pesquisa, tudo se faz em tempo


real. E mesmo se diz que estamos voltando a uma comunicação anterior à escrita, em
que a mensagem é recebida no mesmo instante em que é enviada pelo emissor
(LÉVY,1999). São mudanças profundas que se têm configurado num ambiente
estranho aos modos de convívio em sociedade que conhecemos. Afinal, esse contato
se realiza dentro de parâmetros de espaço e tempo diferentes do mundo físico. Virtual e
interativo, esse novo universo em rede nos coloca novas questões e desafios. Uma
nova era em que diversas mídias convergem para uma única saída, reafirmando a
importância do papel do computador na atual produção social de conhecimento. Toda
uma cultura está se estabelecendo a partir de uma nova relação homem-máquina. São
nossas relações de espaço e tempo que se revolucionam fazendo com que nossos
mapas mentais, a forma como abstraímos uma imagem da sociedade, seja
reorganizada. Uma nova cartografia de noções e conceitos é necessária, como sintetiza
o teórico Pierre Lévy (1999, p. 31): “[...] entramos num novo universo de geração de
signos”. Uma enorme produção de dados tem se transformado em informação (e muitas
informações em conhecimento), não apenas pelo encontro de diferentes culturas que
incitam nossa imaginação a experimentar novos pontos de vista, mas também pela
afluência dos dados interpretados através de novos equipamentos, criados para
diversos fins, que têm revelado aspectos que não seríamos capazes de analisar sem a
velocidade do processamento de dados. Os limites entre os campos disciplinares se
veem abalados por um saber aberto, fluido, capaz de produzir conhecimento através de
associações e recombinações de informações, exigindo, assim, que estejamos sempre
atentos às suas atualizações (CRUZ, 2008). Mas não estamos falando aqui apenas do
conhecimento acadêmico, que se esforça em interpretar e dar sentido às novas
demandas do saber: aspectos funcionais de nossas vidas cotidianas também não
permanecem os mesmos por muito tempo. Já viram a nova mídia de armazenamento
de dados? O disquete? O cd? O dvd? O pen-drive? Como prever se, neste momento de
sua leitura, o blue-ray ainda é “a mídia do momento”? As implicações são muitas, e os

2
Site, saite, sítio, website, sítio eletrônico é um conjunto de páginas dentro da rede mundial de
computadores (web) organizadas hipertextualmente, ou seja, ligadas entre si (links). Centro de
Computação da Unicamp. Disponível em
ftp://ftp.unicamp.br/pub/apoio/treinamentos/internet/internet_basico.pdf
19

sinais dessa grande mudança podem ser vistos por todos os lados, como observa
Zygmunt Bauman (2007) 3 ao apontar a tendência ao corpo esguio, para acompanhar
essa época em que tudo é movimento; ou na grande profusão de campanhas de saúde,
que reforçam o único sentido pelo qual podemos ter algum domínio sobre nosso futuro:
vamos controlar o colesterol ou a fumaça do cigarro do vizinho?

Todo um novo panorama se estabelece através de uma nova ordem social e tem
provocado o debate sobre as implicações e consequências dessa verdadeira revolução
digital sobre indivíduo e sociedade. Sob palavras e imagens, objeto dessa dissertação,
permite abordar o momento atual, no qual a arte se torna realizável através de diversas
interfaces sensórias, se apresentando em diversos formatos. Uma arte que pode ainda
se relacionar à complexa rede de informações da web, trazendo para si as discussões
da esfera da comunicação, em que a mediação é tema central4.

2.2 As muitas visões do novo cenário

O mundo se conecta em rede: conexões digitais interativas entre diferentes


regiões e contextos sociais. Uma possibilidade advinda com a evolução dos
computadores, percorrida num trajeto de muitas etapas: sua utilização militar na década
de 1950, seu uso pessoal a partir da década de 1970 e sua conexão em rede na
década de 1990. Nesse percurso, uma mudança significativa da estrutura social
ocorreu à medida que o processo de informatização se radicalizava. Mas é preciso
salientar que a informatização não foi a única origem para essa grande transformação
social. O sociólogo espanhol Manuel Castells (2007) adverte que paralelamente ao
advento da tecnologia digital, outros dois processos, também independentes, a ele se
somaram: a crise econômica do capitalismo e o apogeu dos movimentos sociais e
culturais. Fenômenos que fizeram “surgir uma nova estrutura social dominante, a
sociedade em rede; uma nova economia, a economia informacional / global; e uma
nova cultura, a cultura da virtualidade real” (CASTELLS, 2007, p. 412).

3
Bauman (2007, p. 17) descreve algumas atitudes que funcionam como“válvulas de escape” para os
medos existenciais do indivíduo na sociedade atual.
4
Anne Cauquelin (CAUQUELIN, 2005a, p. 56) considera a arte contemporânea sob o regime da
comunicação: “nós passamos do consumo à comunicação”.
20

Vários campos disciplinares se cruzam para dar conta da análise das mudanças
e das consequências produzidas pelos avanços tecnológicos digitais. De fato, apesar
de nos beneficiarmos de diversos confortos em nossa vida social, uma sensação de
“estranheza” tem causado um desconforto que não sabemos localizar (LÉVY, 1999, p.
27). Tudo muda a toda hora e de forma cada vez mais rápida. Instável, nosso presente
é permeado de incertezas quanto ao futuro, parece quase impossibilitar projetos em
longo prazo – o conhecimento se atualiza rapidamente, criando novas configurações de
espaços sociais. São muitos os exemplos que traduzem essa turbulência, explicada
pelo sociólogo Zygmunt Bauman (2001) como um afrouxamento de nossas âncoras
sociais causado pelas necessidades capitalistas de um mundo de consumo globalizado.

Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre
de barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede
densa de laços sociais, e em particular uma que esteja
territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado
(BAUMAN, 2001, p. 22).
Há muitas abordagens acadêmicas (dando crédito ao que já se comenta nas
ruas) que indicam que estamos desenvolvendo uma nova maneira de ver o mundo.
Sociólogos, geógrafos, antropólogos, filósofos, teóricos e estudiosos da arte têm se
esforçado para interpretar essas evidências. São muitas as direções a explorar que se
traduzem em diversos tipos de abordagens teóricas5. Há os enfoques dos que
acreditam que estamos entrando em um novo tipo de sistema social (sociedade de
informação, sociedade de consumo); dos que sugerem que um período se finda, como
os que utilizam o prefixo pós em expressões como “sociedade pós-industrial” e termos
como “pós-modernismo” (VATTIMO, 2007, p. IX)6; bem como o dos que concentram
suas análises nas transformações institucionais causadas pelo deslocamento do
sistema da manufatura para a informação.

5
GIDDENS (1991, p. 11).
6
O filósofo Gianni Vattimo enfatiza que o prefixo pós em “pós-moderno” não deve ser entendido no
sentido de progresso, de avanço, novidade. O termo se refere a um pensamento que discute o sentido
vazio da história, a necessidade de contextualização dos eventos.
21

Capítulo 3

3 A atualidade ideológica do pensamento moderno

A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a


metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável.
Charles Baudelaire (1996, p. 23)

Para situarmos as experimentações que utilizam a tecnologia dentro da arte


contemporânea, devemos considerar o impacto social do advento das mídias digitais
sobre nossas formas de encarar e de nos relacionarmos com o mundo, ou seja,
descrever um processo que indica que um desdobramento histórico do pensamento
moderno está ocorrendo. De fato, frente às novas demandas culturais os indivíduos
passam a viver sob uma ideologia que responde a essas necessidades. Essa mudança
pode ser observada pelos termos e expressões utilizados por alguns estudiosos para
definir o momento atual: pós-moderno (LYOTARD, 1988), modernidade líquida
(BAUMAN, 2001), altermoderno (BOURRIAUD, 2009) e ultramodernidade (PFOHL,
2004). Em tais abordagens, existe alguma concordância em que não houve
propriamente uma ruptura com o modo moderno de “habitar o mundo”, surgido na
Europa a partir do século XVII7 (GIDDENS, 1991): presenciamos uma adaptação, um
ajuste a um novo contexto. Uma inflexão da modernidade está ocorrendo pela
radicalização e universalização de suas determinações, no caminhar histórico (não
linear) de seus conflitos e acertos. A modernidade, modo de aceitar sempre as
atualizações das noções e dos conceitos, se transforma mais uma vez para que
possamos vivenciar todo potencial do mundo tecnológico, como veremos a seguir.

3.1 Origem iluminista do pensamento moderno

Em seu sentido mais comum, o termo “moderno” significa o presente, os tempos


atuais ou o que está na moda. Porém, em relação à arte e à cultura, pode-se falar sobre
a modernidade cultural da forma como a pensa e resume o filósofo e sociólogo Jürgen
Habermas (1983): um projeto que visava tanto desenvolver a ciência objetiva, a
moralidade universal e a lei, quanto a arte autônoma, uma arte que respondesse a sua
7
Anthony Giddens caracteriza as instituições modernas a partir da formação dos estados-nação e a
confluência entre capitalismo e industrialismo (GIDDENS, 1991, p. 11; 64).
22

própria lógica interna. Formulado pelos filósofos iluministas, esse ideal buscava libertar
a razão e o conhecimento dos dogmas da fé. Neste período, marcado por importantes
descobertas científicas, esses pensadores buscaram valorizar a criatividade e a
realização individual para organizar racionalmente o cotidiano da vida social. Essa
determinação tem como principal influência o racionalismo de René Descartes, o qual, a
partir do século XVII, havia criado a noção do ser humano como sujeito independente
de ação e entendimento (STURKEN; CARTWRIGHT, 2001, p. 241)8.

Diversas decisões técnicas como a criação de postos de pedágio, canais,


sistemas de comunicação, técnicas e padronizações cartográficas e, até mesmo, a
emblemática invenção do relógio mecânico, representam mudanças na organização do
espaço e do tempo que tiveram influência marcante na formação de uma nova
ideologia, pois são condições fundamentais na nossa experiência no mundo, afetam
nossa percepção, cognição e vivência. Qualquer alteração de seus parâmetros produz
efeitos generalizados em nossa ação no mundo. É importante frisar que, até a era pré-
moderna, tempo e espaço eram concebidos de forma unificada, os horários se
relacionavam a marcações socioespaciais, “‘quando’ era quase, universalmente, ou
conectado a ‘onde’”, como afirma Anthony Giddens (1991, p. 25). Sobre esse mesmo
tema, diversos autores9 ressaltam que a separação entre espaço e tempo é peça-chave
para a compreensão da modernidade, pois foi fundamental para a liberação dos
hábitos e das práticas locais. A criação de um calendário comum e o estabelecimento
de uma história geral são exemplos marcantes dessa mudança. Essa concepção de
uma história linear, marcada cronologicamente pelas inovações, estabelece o “novo”
como categoria a se aspirar: um motor propulsor para um progresso infinito.

Mas a mudança pretendida pelos filósofos das luzes, que visavam a uma
existência segura e feliz em um mundo onde até mesmo as forças naturais seriam
controladas, trazia em si um germe de instabilidade. “O primeiro passo para a filosofia é

8
“The subject is understood in this context as self-knowing, unified, and whole. This idea of a subject fully
endowed with consciousness and authenticity, as an independent source of action and meaning, is
derived in part from Western philosophical tradition that began with René Descartes in the seventeenth
century, Descartes famously stated, ‘I think, therefore I am’, thus creating the idea that consciousness
establishes individual presence and completeness”.
9
GIDDENS (1991, p. 25); HARVEY (2004, p. 237); BAUMAN (2001, p. 15).
23

a incredulidade”, teriam sido as últimas palavras de Denis Diderot10 (apud MAGEE,


2004, p. 124). Ora, ao aceitar sempre o novo, a certeza de um saber adquirido também
se tornava relativa, uma vez que esse conhecimento poderia ser sempre revisado.
Deveriam destruir o mundo antigo para recriar um outro, um padrão infinitamente
cíclico. É esse caráter reflexivo que dá ao pensamento moderno a tendência ao instável,
ao fragmentário e ao transitório (HARVEY, 2004) – temas tão contemporâneos... Para dar
uma resposta filosófica a esse caos de proposições, são conhecidas várias tentativas11
de estabelecer um conjunto de valores estáveis que transmitissem segurança à vida
social. Em uma sociedade na qual a ordem social emergente é a capitalista (tanto o
sistema econômico como as instituições), são os valores burgueses que impõem uma
sabedoria de elite, no caso masculina, branca e europeia, como detentora da verdade e
da razão – como resume o filósofo francês Nicolas Bourriaud (2009b, p. 13): “[...] o
universal moderno foi apenas a máscara que escondeu a voz do ‘macho branco’
dominante”12. Mas, em defesa do esforço desses pensadores, Anthony Giddens (1991)
esclarece que seria muito difícil, ao saírem de um contexto religioso, não carregarem
consigo o mesmo modelo: “Um tipo de certeza (lei divina) foi substituído por outro (a
certeza de nossos sentidos, da observação empírica), e a providência divina foi
substituída pelo progresso providencial” (ibid., 1991, p. 54).

A raiz iluminista da modernidade começa a ruir com a depressão de 1846-1847


na Inglaterra, um fato sem precedentes que assolou toda a Europa. Ficou evidenciado
que a Europa se tornava um espaço integrado econômica e financeiramente13. Uma

10
Diderot contribuiu como editor-chefe para a realização da Enciclopédia até 1772. Essa obra, em 35
volumes, contou com a participação de diversos iluministas como Rousseau, Montesquieu e Voltaire,
inaugurando “uma nova forma de conhecimento e aprendizagem” (MAGEE, 2004, p. 125).
11
David Harvey enumera vários exemplos como o de Francis Bacon em Nova Atlântida, cuja proposta
era a de criar uma casa de sábios que definiriam o que é “verdade” dentro das proposições; outros
acreditavam numa linha mais individualista, dando a tarefa de conduzir a humanidade às grandes
personalidades históricas (HARVEY, 2004, p. 24).
12
“[...] lo universal moderno solo habría sido la máscara que esconde la voz del ‘macho blanco’
dominante”.
13
David Harvey acrescenta que o espaço europeu tornou-se cada vez mais unificado, pela
internacionalização do poder do dinheiro (HARVEY, 2004, p. 238), fato também citado por Giddens, ao
observar que o dinheiro passa a ser crédito e débito com as instituições financeiras. Até então, o dinheiro
era débito, troca por mercadorias. Com essa nova função, o dinheiro passa a se relacionar com tempo,
dissociado do lugar de troca. Aumenta seu poder de intercâmbios, distanciam-se espaço e tempo
(GIDDENS, 1991, p. 31).
24

realidade inquietante, pois se verificou, pela primeira vez, que turbulências sociais
podiam ter suas origens fora do controle das sociedades locais, a crise surgiu além das
fronteiras dos estados-nação. A noção de um tempo e espaço puramente físico
iluminista é contestada por um novo sentido de tempo e espaço, abalando
profundamente a confiança da burguesia. Passou-se a ter a consciência de que a
estrutura de um local não dizia respeito apenas aos agentes físicos presentes no
cenário, podendo ser definidos por influências sociais bem distantes (GIDDENS, 1991,
p. 27). O geógrafo britânico David Harvey (2004, p. 238) considera este o fato mais
importante para essa “crise de representação” pela qual passa o pensamento moderno.
A partir da percepção dessa nova mudança dos paradigmas de tempo e espaço,
perdeu-se a noção de um sentido único estável de representar o mundo, como
pretendiam os iluministas. A nova tarefa passa a ser descobrir “linguagens” para
representar o eterno e imutável, o que abre novos horizontes teóricos e de exploração
artística, numa segunda onda de inovação moderna. Cabe ao artista descobrir novas
linguagens para apresentar a essência do mundo.

Não é por acaso que o primeiro grande impulso cultural modernista


ocorreu em Paris depois de 1848. As pinceladas de Manet, que
começou a decompor o espaço tradicional da pintura e a alterar seu
enquadramento [...]; os poemas e reflexões de Baudelaire, que
buscava transcender a efemeridade e a estreita política do lugar [...];
os poemas de Flaubert, com suas estruturas narrativas peculiares no
espaço e no tempo [...]; – tudo sinais de uma radical ruptura do
sentimento cultural que refletia um profundo questionamento do
sentido do espaço e do lugar, do presente, do passado e do futuro,
num mundo de insegurança e de horizontes espaciais em rápida
expansão (HARVEY, 2004, p. 239).

Entre os filósofos que voltaram sua atenção para o estudo do pensamento


moderno, devemos destacar Nietzsche, sempre lembrado nas análises que buscam
estabelecer os pensamentos precursores da superação dos ideais universais e estáveis
do iluminismo. Dessa forma, comentaremos a seguir a importância do pensamento de
Nietzsche como marco fundamental na modernidade filosófica.
25

3.2 Um voo maior da imaginação: Nietzsche e a modernidade

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche é uma voz vigorosa nos debates


contemporâneos, considerado por Gianni Vattimo (2007, p. 170) como o pensador
inaugural do pós-modernismo. Nietzsche, ao mergulhar nas contradições do moderno,
ainda na segunda metade do século XIX, vislumbrou o que podem ser as alternativas
para o convívio com a diversidade técnica (ibid., 2007)14. Crítico contundente da
sociedade ocidental, sugere Nietzsche uma superação da visão iluminista de uma
essência universal da civilização. Em seu livro Humano, demasiado humano (1886), o
filósofo questiona os valores apresentados como superiores da modernidade – como a
unicidade da história e a ideia de progresso – através de um processo que chamou de
“redução química” de seus elementos: não há nada no mundo que possamos
comprovar como sendo uma “verdade”. Não é difícil para nós hoje acompanharmos
esse raciocínio: tudo que vemos e denominamos como “coisa” é resultado de uma
metaforização, ou seja, quando traduzimos uma imagem em palavra, muito mais lhe é
agregado para facilitar nossa memorização – seja seus traços característicos, seja
convenções sociais, modo de perceber, vocabulário, etc . Dessa forma, não existe a
possibilidade de se conhecer algo como fundamental, pois “a própria verdade é um
valor que se dissolve” (Ibid., 2007, p. 172). Assim é lançada a possibilidade de um
pensamento livre das amarras dos fundamentos, menos cindido entre o certo e o
errado, pois o próprio mundo se tornou uma construção, não existe uma verdade
absoluta, morre Deus, entra em crise a metafísica: “O verdadeiro mundo, nós o
expulsamos: que mundo resta? o aparente, talvez?... Mas não! Com o verdadeiro
mundo expulsamos também o aparente!” (NIETZSCHE, 1974a, p. 341).

Anthony Giddens (1991, p.54) observa que essa tendência niilista estava
presente desde o início do pensamento iluminista por sua principal característica: a
circularidade da razão, em que nenhum conhecimento se mostra seguro de atualização.

14
Em seu livro O fim da modernidade, Gianni Vattimo estabelece uma ligação entre o niilismo de
Nietzsche e a crítica da metafísica e do humanismo de Heidegger para abordar a pós-modernidade e o
mundo da comunicação de massa e da técnica (apud SCOPINHO, 2004, p. 139).
26

Para Giddens, a contribuição de Nietzsche não nos levou a superar a modernidade,


mas nos fez ter mais compreensão de seu caráter perturbador.

3.3 A arte olha seu umbigo

Para retomarmos essa investigação sobre os desdobramentos do pensamento


moderno, voltemos ao panorama europeu depois da segunda metade do século XIX e
início do século XX. Com a busca de novas linguagens de representação do mundo,
diversas áreas do conhecimento se desenvolvem em novas disciplinas. Os exemplos
podem ser vistos em Freud e a psicanálise; Einstein na Física; Saussure na linguística;
ou Marx na teoria social e política. São iniciativas que refletem uma reação sociológica,
psicológica, técnica, organizacional e política aos problemas gerados por uma enorme
urbanização. É preciso considerar a importância desse fato, uma vez que, até o fim do
século XIX, diversas cidades da Europa chegam a um milhão de habitantes, exigindo
soluções para os problemas causados pelas grandes concentrações populacionais,
como migração, industrialização, reorganização dos ambientes e movimentos políticos.

Na esfera da arte, a busca por novas linguagens se expande sob o termo


modernismo15 na última década do século XIX e na primeira do século XX.
Corresponde, como afirma o historiador italiano Giulio Argan (1987, p. 49), ao período
em que “a arte para ser arte também deveria ser moderna”, ou seja, atuante na vida
social e ativa na participação das lutas históricas. Uma arte impulsionada pela busca do
novo, que racionalmente acredita numa evolução através da ruptura com a tradição.
Numerosas experimentações irão se traduzir em vanguardas que pretendem não
apenas atualizar a arte, mas a revolucionar em seus modos de produção e finalidades.
Essa nova função do artista, de descobridor de linguagens para representar a essência
do mundo, acabará por reforçar a ideia da obra de arte como uma construção
autorreferencial, ou seja, que responde apenas à sua lógica interna - arte pela arte é o
slogan do fim do século XIX. Seguindo o estímulo do novo, a arte moderna busca
sempre voltar ao ponto de partida, para recomeçar tudo e “fundar uma nova linguagem

15
(HARVEY, 2004, p. 34)
27

despojada de seus resíduos” (BOURRIAUD, 2009b, p. 48)16. Essa determinação pela


essência faz com que cada arte explorasse suas especificidades, como é o caso da
pintura modernista, que se orientou pela superfície plana, sua bidimensionalidade não
compartilhada por nenhuma outra arte (GREENBERG, 1986, p. 98). “A pintura progride
em direção a sua especificação como mídia, elimina por si mesma o que não é
substancial e necessário”, afirma Bourriaud (2009b, p. 50). A partir dessa determinação
da busca pela pureza da mídia, o sentido histórico de progresso se fortaleceu, traduzido
pela ideia de uma evolução artística. A arte passa a se afastar cada vez mais do
público, em vez de representar a sociedade17. Começa-se a estabelecer um mercado
de arte que responde a um regime industrial de consumo que explora a diversidade de
linguagens poéticas em seus aspectos comerciais. Obras-primas, ou mesmo objetos
culturais únicos, têm forte valor de mercado. Toda uma estrutura de consumo foi criada
para o estabelecimento de um mercado de arte, afastando o produtor do consumidor18.
São marchands, galeristas, críticos, especuladores e colecionadores que contribuem
para movimentar o capital dentro do sistema de consumo. O modernismo não quebra a
relação de valores existentes na academia e seus salões de arte no século XIX, tão
criticada por servir como parâmetro de reconhecimento (e dinheiro) ao artista. Essa
função, apenas muda de mão, passa a ser dirigida pelo mercado.

A obra de arte modernista tem um sentido “áurico”, para usar um termo caro a
Walter Benjamin, como vemos em seu ensaio A obra de arte na época de sua
reprodutibilidade técnica, de 1936. Benjamin (1975), dentro de um contexto histórico em
que novas camadas sociais passavam a ter um papel mais relevante na vida cultural19,
antecipou algumas das discussões que hoje envolvem as mídias de reprodução
eletrônica e a cultura de massa. No ensaio, Benjamin observa que o objeto de arte, ao
ser multiplicado pelos procedimentos técnicos de reprodução mecânica, como a

16
“Volver al punto de partida, para empezar de nuevo enteramente y fundar um nuevo lenguage
despojado de sus escorias.”
17
David Harvey exemplifica essa preocupação com a criação de novos códigos por escritores como
James Joyce e Marcel Proust, por poetas como Mallarmé e Aragon e por pintores como Manet, Pissarro
e Pollock (HARVEY, 2004, p. 30).
18
(CAUQUELIN, 2005, p. 51).
19
David Harvey aponta que a formação de novas classes sociais dentro da massa cultural exigiu uma
grande fonte de demanda de novas formas culturais (2004, p. 312).
28

fotografia e o filme, perde seu status de obra única, provida de uma “aura” dada pelo
élan de ter sido feita por um artista em determinado lugar.

Despojar o objeto do seu véu, destruir sua aura, eis o que assinala
de modo imediato a presença de uma percepção, tão atenta àquilo
que “se repete identicamente no mundo”, que, graças à reprodução,
consegue até estandardizar aquilo que só existe uma só vez
(BENJAMIN, 1975, p. 15, grifo do autor).

Mas se, por um lado, as cópias perdem esse élan especial, nasce e se fortalece
o sentido de autoria20. O advento da fotografia, que Benjamin debate como fato de
profunda influência no significado da arte para nossa sociedade, coincide com o culto à
originalidade. Afinal, até então, era comum encontrar cópias de obras reproduzidas de
diversas maneiras pela interpretação de diferentes artistas. Com o advento da fotografia
também fica evidente que a autenticidade não pode ser reproduzida, ou seja, existe
uma coisa que é, sob esse aspecto, mais real que as outras. Por outro lado, Benjamin
observa, politicamente, que a reprodução técnica torna a arte mais acessível ao povo
através de várias mídias, tirando seu poder ritual21. A pretensão modernista de uma arte
autônoma, que considerava a obra de arte como possuidora de características próprias
que lhe davam um poder especial, estético, frente aos outros objetos do mundo,
começará a ser revista pelos questionamentos realizados por diversos movimentos e
artistas, os quais, no decorrer do século XX, abriram a esfera da arte a novas
considerações, como veremos mais detalhadamente à frente, quando abordaremos as
atitudes precursoras das posturas artísticas contemporâneas. Discute-se, agora,
acirradamente em relação às novas mídias, a supressão do estético, ou seja, o
deslocamento do sentido de uma obra original para a exploração de processos
sensoriais que incluem o espectador como participante ativo na produção do sentido,
como observa Vattimo (2007, p. 43): “nascem formas de arte em que a reprodutibilidade
é constitutiva”.

Com o desenrolar do século XX, o pensamento moderno começa a perder o


otimismo em relação a um progresso linear. A objetividade e a neutralidade do
20
STURKEN; CARTWRIGHT (2001, p. 123).
21
De culto, inacessível à maioria das pessoas, observando, porém, que o estatuto da imagem passará a
ser político, por seu forte poder de persuasão, principalmente por sua utilização combinada aos textos
(STURKEN; CARTWRIGHT, 2010, p. 131).
29

pensamento científico na busca da verdade e da construção de uma sociedade ideal


são desmanteladas pelas desilusões de uma sociedade capaz de utilizar todo
“desenvolvimento” científico contra a própria humanidade. São bombas atômicas,
injustiças sociais, fascismos, crescimento urbano desordenado, acumulação de
riquezas e fome, tudo mostrando a outra face de nossa civilização. Fato, que segundo
Arthur Danto (2003, p. 26), foi apropriado como principal tema na arte do século XX
como meio de protesto em favor da humanidade: “a história do sofrimento humano tem
sido o principal produto cultural do século vinte”, afirma. Porém essa desilusão revela
também um deslocamento de influência. A Europa, onde o modernismo do entreguerras
foi considerado “heroico” por lutar pela possibilidade de um convívio com a máquina, a
fábrica e a cidade racionalizada, cedeu lugar à sua versão internacionalizada chamada
de “alto modernismo”, que teve os Estados Unidos como principal centro irradiador. O
modernismo, agora dominado por uma elite da vanguarda intelectual, se encontra
despolitizado e incorporado ao establishment. “O modernismo”, oberva David Harvey
(2004, p. 44), “perdeu seu atrativo de antídoto revolucionário para alguma doutrina
reacionária e ‘tradicionalista’.” Porém mais uma vez a modernidade reage e parece
tomar novos contornos. Como veremos à frente, diversos artistas contribuíram para o
estabelecimento de posturas contraculturais e antimodernistas, a partir dos anos 1960,
como uma reação à “alta cultura”, tornando-se um marco para a virada rumo ao pós-
modernismo.

3.4 A aceitação do diverso

O declínio do controle do mundo exercido pelo Ocidente se acentua no fim do


século XX, com a internacionalização das instituições modernas. Como vimos em
Castells (2007) no início deste capítulo, houve uma coincidência histórica entre o
advento das tecnologias digitais de informação, a crise econômica do capitalismo e o
apogeu dos movimentos sociais e culturais. Esses três fatores têm estimulado a
sociedade a desenvolver uma cultura que responda às novas formas de relacionamento
em rede, dentro de uma economia em que os processos de informatização garantam
novas tendências no mercado. Tendências que se configuram com a supremacia da
30

indústria de serviços, das finanças e da informação sobre a produção tradicional


(EAGLETON, 1998, p. 2).

Esse é um período histórico que vem sendo chamado de pós-moderno por


diversos autores, não sem alguma objeção ao prefixo pós, como o faz Anthony
Giddens: “Em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos
alcançando um período onde as consequências da modernidade estão se tornando
mais radicalizadas e universalizadas do que antes” (GIDDENS, 1991, p. 13).

A chamada linha de pensamento pós-moderna questiona as noções clássicas


dos fundamentos – a verdade, a razão, a identidade e a objetividade – da ideia de um
progresso e história, buscando explorar o mundo tecnológico, que tem no instável, no
diverso, na pluralidade dos saberes e das culturas, suas principais características.
Como esclarece Lyotard (1988)22, a comunicação parece ser a palavra-chave para
compreendermos a questão cultural do pós-moderno, denominada como pós-
modernismo. Com o grande aumento do intercambio social após a Segunda Grande
Guerra, tanto pela acentuação do processo de urbanização e facilitação dos
transportes, quanto pelo incremento das telecomunicações, um desdobramento do
pensamento moderno se configura. Enquanto o pensamento iluminista usava os
fundamentos “eternos e imutáveis” da humanidade como uma vacina contra o caos do
conhecimento reflexivo – sempre atualizável –, o pensamento pós-moderno passa a
aceitar as vantagens de um saber múltiplo, possível pela integração de contextos
diferentes.

O crescente domínio técnico do homem sobre a natureza se intensifica de tal


forma, que tudo parece ser possível: todos os dias surgem novas tecnologias. O novo,
categoria importante dentro da concepção modernista, começa a não fazer sentido,
uma vez que começa a ficar evidente que a inovação é sempre possível. Afinal, a
tecnologia digital começa a revolucionar todas as disciplinas do conhecimento. A
novidade perde o seu caráter “revolucionário” e perturbador, afinal, numa sociedade de
consumo, “ela é o que permite que as coisas prossigam do mesmo modo”, como

22
Para o autor, vivemos “numa sociedade em que a componente comunicacional torna-se cada dia mais
evidente, simultaneamente como realidade e problema” (LYOTARD, 1988, p. 29).
31

observa Vattimo (2007, p. XII). De fato, a novidade podia ter seu lugar em sociedades
em que a invenção dos automóveis era contemporânea a costumes seculares, como
relacioná-los agora num ambiente onde tudo é novo?23. Percebe-se com isso que a
própria linha ascendente de progresso, o sentido de história, é vazio. Dependente de
um contexto, a história perde sua condição de universal, ela é apenas uma história
entre outras (história dos povos, dos vencedores, dos militares, etc). Perde-se o sentido
de existir “um ‘enredo‘ dominante por meio do qual somos inseridos na história “, acabam-
se os “grandes relatos” (LYOTARD,1988, p. 28).

Deve-se observar, porém, que o termo “pós-modernidade” se refere à


experiência de viver numa cultura pós-moderna, enquanto “pós-modernismo” descreve
um conjunto de condições e práticas ocorridas na modernidade tardia24. De fato, o
otimismo modernista em relação ao futuro, o acreditar que se podia chegar ao
verdadeiro e melhor de uma sociedade, foi substituído pela descrença numa verdade
única: a própria noção de pureza era uma ilusão. Perde-se o sentido de uma
continuidade histórica, a arte agora pode não se limitar a estilos, pode invadir, se
misturar, criar formas híbridas, sem a preocupação modernista da busca de uma
essência, ou mesmo de um contínuo melhoramento. A interseção entre arte e
tecnologia na arte contemporânea, também conhecida como Arte Mídia, evidencia
essas questões, ao revisar noções que envolvem a obra (objeto ou processo), o artista
(autoria e participação) e os modos de produção25. Novas formas de mediação se
tornaram possíveis através das mídias eletrônicas, pois permitem explorar diferentes
órgãos dos sentidos. Vattimo (2007, p. 42) ressalta que essas possibilidades
“permitiram e até determinam uma forma de generalização da esteticidade”, como
podemos perceber em muitas das novas experimentações artísticas contemporâneas,
pois não pretendem representar a realidade, “mas pensar a função da arte enfatizando
o papel do contexto institucional na produção do sentido” (STURKEN; CARTWRIGHT,
2010, p. 263).

23
JAMESON (2007, p. 315).
24
STURKEN; CARTWRIGHT (2001, p. 250).
25
GRAU (2007, p. 8-14); BURNETT (2005, p. 5, 6, 58 e 89); MITCHEL (2005, p. 206-221); POISSANT
(2007, p. 236).
32

As características interativas e virtuais das novas tecnologias têm papel crucial


no processo dessas transformações culturais. Como vimos anteriormente, o tempo e o
espaço na era pré-moderna sempre estiveram relacionados, juntos. Foi o pensamento
iluminista no século XVIII que realizou a grande mudança, sua separação, tida por
alguns autores como fundamental ao processo dinâmico moderno26. Com o
modernismo, se iniciou a experimentação de novos espaços através da invenção de
novas linguagens. O tempo modernista? Este ainda pretendia representar o eterno
dentro do fluxo de uma sociedade em constante transformação. Atualmente, com as
tecnologias de comunicação digital, tempo e espaço ganham uma nova e radical
inflexão – instantaneidade e virtualidade. Pode-se mesmo dizer que o modernismo
enfatizava o tempo: progresso, revolução e história; e que hoje o espaço tem uma
significação especial, como vemos no uso de termos como “mundialização”,
“globalização” e “telepresença”27. Essa transformação põe em jogo uma nova dinâmica
entre e dentro das sociedades. As redes interativas permitem que novas e inéditas
conexões se estabeleçam entre diferentes contextos culturais, o que tem provocado
uma profunda reordenação de nossos mapas imaginários. Dissolvem-se as fronteiras
entre global e local, metrópoles e aldeias, ocidente e oriente, natureza e técnica,
exterior e interior28. Toda uma nova cultura está se desenvolvendo e parece representar
o movimento, o fluxo contínuo dos dados em rede.

3.5 Arte fora da redoma

Discorrer sobre a proposição Sob palavras e imagens como uma experimentação


da arte contemporânea, significa considerar a entrada da arte em um novo campo de
discussão, onde as imagens técnicas deslocam os debates para os temas da
comunicação. Ao considerar a importância da mediação no processo de recepção da
obra de arte, o pensamento estético se desdobra para responder às novas questões.
Podemos definir estética como a área de significação que se desenvolve em torno da

26
GIDDENS (1991).
27
CRUZ, 2008 (p. 122).
28
PRYSTHON (2010).
33

arte, como explica a filósofa francesa Anne Cauquelin (2005b, p. 12), e que pode ser
empregada como adjetivo, qualificando alguma coisa que possua atributos conferidos à
atividade artística, ou como substantivo, remetendo ao conjunto de teorias que
analisam e avaliam as obras. Assim, à medida que ocorrem desdobramentos
significativos no campo estético, a esfera de considerações poéticas é amplificada
mobilizando a atenção de diversos intérpretes. Uma mudança da posição tradicional do
artista e do destinatário em relação à “coisidade” da obra (NUNES, 199, p. 107), está
ocorrendo, ou seja, abriu-se um espaço de exploração que valoriza a relação entre
quem produz e quem recebe, tirando do objeto artístico seu poder autônomo de
transmissão de ideais de beleza, da mesma forma como retira do artista seu poder de
gênio, do iluminado que revela a obra ao mundo29. Questão denominada por diversos
autores como uma “superação” ou “explosão” da estética (BORNHEIM, 1998;
VATTIMO, 2007; NUNES, 1999).

Como vimos anteriormente, a modernidade, em sua origem iluminista, pretendeu


criar e desenvolver a organização social. Disciplinas foram criadas para a
especialização do conhecimento. Na arte o caminho foi semelhante. Sob o regime
normativo da disciplina estética30, a arte era pensada como um processo subjetivo
ligado ao mundo sensível, trazido à luz pelo talento do artista. Seu lema, arte pela arte,
indicava sua autonomia, dissociada da vida prática, alienada do conhecimento rotineiro
(HABERMAS, 1983). Subjetiva, a arte era amparada pela aplicação do juízo do gosto31,
do belo, fundamentado por Kant na Crítica da faculdade de julgar (1790). Percebe-se,
hoje, que o acirramento dessa determinação levou a arte a uma especialização tão
grande, que acabou por isolá-la numa redoma, exigindo cada vez mais esforço por
parte do púbico para se “educar” para compreendê-la (CAUQUELIN, 2005a, p. 18). A

29
Kant (na Terceira crítica) estabelece como fundamento a ideia de gênio ou daquele que é “capaz de
produzir artisticamente, ou seja, produzir de tal modo que a obra resultante parecesse, afetando a
espontaneidade da natureza, inventar a sua regra de gosto e transmitir uma intuição superior,
suprassensível, da realidade, que chamamos ’ideia estética’” (NUNES, 1999, p. 108).
30
“Aestetica” é um termo criado por Alexander Baumgarten no século XVIII para denominar “uma espécie
de órganon do pensamento sensível”, reunindo diferentes ensaios, pesquisas, descrições de obras ou
diálogos filosóficos que tinham por objeto o estudo do belo (CAUQUELIN, 2005b, p. 14)”.
31
“Juízo de gosto” é aquele juízo reflexivo que tem por base um sentimento, e que não é determinado
mediante conceito” (NUNES, 1999, p. 108).
34

análise dessa questão, a leitura e interpretação da obra de arte, tem indicado um


percurso de “crescente problematização dentro do processo histórico” (BORNHEIM,
1999, p. 48). Até a modernidade, a leitura da obra de arte era espontânea. Representar
heróis e deuses tinha funções pedagógicas, pois a arte era considerada como uma
expressão da verdade, uma imitação do mundo. O processo de comunicação entre o
espectador e a obra de arte começa a se complicar a partir de Hegel. “A arte torna-se
um problema”32 ao abandonar sua base teológica de representação da verdade para se
relacionar com as análises entre a dicotomia sujeito-objeto. Ou seja, o mundo visto sob
a ótica da fé religiosa deixava o homem em segundo plano dentro do processo de
conhecimento, fato que, após o iluminismo, a partir do século XVII, será alterado pela
indagação filosófica sobre a possibilidade de o intelecto humano conhecer a verdade33.
Essa mudança representou uma nova determinação estética que conduziu a
experiências que enfatizaram ora o sujeito, ora o objeto, e culminaram na profusão de
diversas linguagens de representação artística. Afinal, onde estaria a verdade do
mundo? Na razão objetiva (naquilo que o objeto é, independentemente do que o sujeito
sabe dele) ou na razão subjetiva (como interpretamos o objeto)?

Com a crescente experimentação dessas novas linguagens, a arte modernista


criou seus próprios cânones e princípios, afastando-se cada vez mais dos
espectadores. Para “entender” (e poder gostar) de uma obra de arte, as audiências
necessitavam ser informadas sobre o significado da produção, ou seja, elas eram
incorporadas ao conteúdo cultural do produto34. Porém a radicalização desse processo
acaba por criar novos territórios, descartando as determinações de representar o
objeto, ou por buscar uma expressão do sujeito. Muitas dessas atitudes foram dirigidas
a participação do espectador na obra. O pesquisador Júlio Plaza (2003) resume essas
etapas em três momentos distintos: a obra inacabada – relacionada à polissemia, à
ambigüidade, à multiplicidade de leituras e à riqueza de sentido; a arte participativa –

32
“Wesenltlich eine Frage”. Hegel foi o primeiro esteta a afirmar que a arte se tornara, em seu tempo,
essencialmente um problema” (BORNHEIM, 1999, p. 51).
33
CHAUÍ (2000).
34
“The practice of making viewers aware of the means of production by incorporating them into the
content of the cultural product was often a feature of modernism” (STURKEN; CARTWRIGHT, 2010, p.
254).
35

que contribuiu para o desaparecimento e desmaterialização da obra; e a arte interativa


– ligada mais aos processos criativos do que a realização de obras acabadas. Muito
embora a análise de cada etapa proporcione a real dimensão da importância dessas
atitudes, o objetivo aqui é ressaltar que houve um processo de aproximação entre a
arte e o observador, participante da experiência estética. “Se costuma ter uma visão
equivocada de que é com o aparecimento da tecnologia digital que começa o
desenvolvimento das ideias da participação do público na obra”, adverte a
pesquisadora Cláudia Giannetti (2003, 5º §).

A arte da atualidade mistura novas vertentes e modos de criação tradicionais e


parece corresponder ao que a filósofa francesa Anne Cauquelin (2005a, p. 130)
considera uma busca por novas regras num jogo que não pode mais utilizar os
conceitos do passado: “as normas mudam, os conceitos devem novamente ser
questionados e teorizados”. A pesquisadora Cláudia Giannetti, da mesma forma,
observa essa mudança e resume:
A prática artística apropriou as novas mídias – inicialmente a
fotografia e o filme, mais tarde o vídeo e o computador – e os novos
sistemas de comunicação – correios e telefone, seguidos pela
televisão e a Internet. Sobre essa premissa, dos anos 1960 para
frente, está ocorrendo uma mudança gradual nas posições
ortodoxas e acadêmicas que confinavam a arte às técnicas
tradicionais e às bases estéticas ontológicas (GIANNETTI, 2010, 1º §)35.
O que se quer encetar aqui é uma visão panorâmica das transformações e
problematizações no campo das artes, da estética. Esse complexo cenário, de
significações diversas, acolhe, mediante o tema da comunicação e das linguagens
poéticas, um jogo novo de exploração estética que inclui outras formas de percepção: a
da vida, a do entorno e a das máquinas.

35
“Artistic practice appropriated new media—initially photography and film, later video and computer—and
new communication systems—post and telephone, followed by television and Internet. Under this
premise, and above all from the 1960s onward, a gradual shift set in away from academic, orthodox
positions attempting to confine art to traditional techniques, and aesthetics to ontological foundations”.
36

Capítulo 4

4 Pesquisa de critérios e parâmetros de análise para a Arte Mídia


Tecnologia não diz respeito apenas ao uso e
desenvolvimento de novas ferramentas. A tecnologia também
permite aos seres humanos modelar seus ambientes de
novas maneiras e criar as fundações para diferentes formas
de pensamento.
Ron Burnett (2005, p. 102)36.

Ao fazer uso das tecnologias digitais, o artista traz ao debate temas que
envolvem uma nova maneira de informar e comunicar. Mais do que apenas uma
mudança de suporte material, o fenômeno artístico ocorre sob critérios nos quais a
tecnologia é fonte de diversas considerações sobre o processo de criação.

4.1 Ecologia da rede de bits

Dados podem ser organizados matematicamente de maneiras infinitas. Impulso


elétrico e pausa – um e zero – é simples a configuração de um bit (binary digit), menor
unidade de informação digital, pelo menos enquanto não se desenvolve a computação
quântica, assunto para os próximos anos, quando estaremos discutindo algo que
envolve yobibytes37. Essas informações codificadas servem para diversos fins, como a
configuração de imagens através dos pixels na tela de um computador. O pixel é a
menor unidade visual de geração de imagens, essa codificação torna fácil armazenar e
manipular as imagens. De fato, a facilidade de criação e alteração das imagens digitais
tem sido possível pelas interfaces gráficas que tornam o uso do computador mais
intuitivo, mais fácil de ser manipulado. O significado da palavra interface envolve não só
a maneira de representar zeros e uns, mas também toda uma cultura que se
desenvolve através das formas criadas para a interação com o ciberespaço ou, como
define Steven Johnson (2001, p. 5), “todo o mundo imaginário de alavancas, canos,
36
“Technology is not just about using and developing new tools. Technology also enables humans to
model their environments in new ways and create the foundations for different ways of thinking.”
37
Yobibyte (contração do inglês yotta binary byte) é uma unidade do Sistema Internacional para designar
280 bytes ou 1.208 925. 819.614. 629.174 .706.176 bytes. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Yobibyte .
37

caldeiras, insetos e pessoas conectados – amarrados entre si pelas regras que


governam esse pequeno mundo”. Talvez por isso não seja apropriado referir-se às
interfaces apenas como “ferramentas” digitais. O termo “ferramenta”, quando aplicado à
informática, remete a um elemento do programa de computador (como uma aplicação
gráfica) que ativa e controla uma determinada função38. De fato, nos primórdios do
design de interfaces, uma série de aplicativos foram criados para servir como
ferramentas e facilitar o uso dos computadores. O processador de textos é um dos
exemplos mais lembrados ao metaforizar os comandos de uma máquina de escrever
(utilizaremos esse exemplo por ser a base do dispositivo criado como objeto dessa
dissertação). Entretanto, ao compararmos o modo de escrever no computador com o da
antiga máquina de escrever mecânica, podemos perceber que uma mudança maior
ocorreu. O pesquisador norte-americano Steven Johnson (2001, p. 106) observou que a
facilidade de correção e reorganização do texto fez com que seu modo de escrever
mudasse. Seus períodos se tornaram mais longos. A facilidade de inclusão posterior de
textos fez com que não só mudasse sua forma de alinhavar os textos, como também
alterou sua própria maneira de pensar. Mais do que facilitar uma tarefa, a interface se
relaciona à tecnologia, envolve técnica (artefatos eficazes), cultura (a dinâmica das
representações) e sociedade (as pessoas, seus laços, suas trocas, suas relações de
força) (LÉVY, 1999, p. 22). Um logos específico se estabelece para favorecer o
aparecimento de novas formas culturais: permite que realizemos outras maneiras de
pensar o mundo.

As interfaces dentro das redes globais de comunicação se relacionam a um


complexo intrincado de relações, passam a se assemelhar a um ambiente. Já não
podemos nos referir à interface como uma “prótese” humana39. Criou-se um ambiente
de conexões generalizadas que possui uma “ecologia”40 própria, na qual tempo e
espaço – instantaneidade e virtualidade – permitem muitas possibilidades de
conhecimento. O espaço físico é substituído por um fluxo ininterrupto de dados. O

38
Cf definição para Tool do Merriam-Webster Dictionary. Disponível em: http://www.merriam-
webster.com/dictionary/tool
39
JOHNSON (2001, p. 19).
40
BURNETT (2005, p. 127).
38

tempo, instantâneo, permite não apenas a emissão de mensagens, mas a troca de


conteúdos, permitindo atuação e intervenção.

Como vimos anteriormente, espaço e tempo têm promovido mais um


desdobramento do pensamento moderno com o advento das tecnologias digitais.
“Ciberespaço”, “espaço virtual”, “não lugar”, “rizoma”, “fluxos”, “limite”, “territorialização”,
“cartografias”, “periferia”. São muitos os termos utilizados hoje nos discursos das mais
variadas disciplinas, que representam esse despedaçar das fronteiras espaciais e
temporais que parecem ter deslocado os saberes41. Novos códigos e signos estão
sendo criados para dar conta de uma nova maneira de se comunicar que envolve um
sistema bifurcante de conexões. Essas múltiplas ramificações realizadas por
hipertextos42 permitem a troca de informações entre computadores para realizar
diversos tipos de comunicação, seja pela utilização de teleconferências, do correio
eletrônico, do controle de equipamentos a distância, seja pela consulta a diferentes
bases de dados. Dessa forma, o entrelaçamento aleatório realizado por essa rede e seu
fluxo contínuo de informações corresponde a uma nova possibilidade de conhecimento,
que tem sido representado pela metáfora botânica do rizoma, do livro Mil platôs, dos
filósofos Deleuze e Guattari (2000), que, como o crescimento da grama ou do gengibre,
se realiza por conexões heterogêneas, sem hierarquias. Representa um pensamento
que dispensa a rigidez das posições dogmáticas, do pragmatismo dos fundamentos43 –
como uma árvore e seu tronco principal. Podemos formar uma cadeia semiótica capaz
de unir diversas culturas e transformar informações em conhecimento.

O contexto digital apresentado, dos bites, pixels, interfaces, da rede mundial de


computadores, indica uma nova forma de comunicar. De que forma isso se estabelece?
Em que aspecto possibilita novas abordagens poéticas? São as perguntas que agora
iremos abordar.

41
CRUZ (2008)
42
Hipertexto é uma forma não linear de apresentar e consultar informações. Um hipertexto vincula
informações contidas em seus documentos criando uma rede de associações complexas através de
hyperlinks ou, mais simplesmente, links (LÉVY, 2006, p. 254).
43
Lembrando a contribuição de Nietzsche para a superação do pensamento metafísico de um mundo
baseado em verdades, ou fundamentos, “o mundo perdeu seu pivô” (DELEUZE; GUATTARI, 2000, p.12).
39

4.2 A sedução digital

Dados circulam sem perda de conteúdo e podem ser reconstituídos ou


manipulados de várias maneiras. Essa observação traz ao debate importantes
considerações sobre essa nova forma de informar, fato que também indica que está
ocorrendo uma mudança em nossa maneira de representar o mundo. Como vimos
anteriormente, quando discutíamos o sentido “áurico” da obra modernista, já em 1936
Benjamin observou uma mudança de percepção da obra de arte quando o original é
multiplicado pelas tecnologias de reprodução. A cópia do original perde sua “aura”, a
sensação quase mágica que a obra transmite de exclusividade, ter sido feita por um
artista em determinado momento. A nova imagem, à qual Benjamin se referia,
reproduzida tecnicamente e, portanto, sem o élan da obra original, ganhou uma nova
inflexão ao se tornar digital: tornou-se maleável, transformável, e pode, para alguns
autores, como W.J.T. Mitchell (2005, p. 320), “ter mais aura que o original” 44, pois sua
cópia poderá ser acrescida por novos elementos. O autor faz essa afirmação com base
na análise de três consequências do novo modo de reprodução biocibernética
(computação de alta velocidade, imagem digital, realidade virtual, internet, engenharia
genética): a cópia não é mais inferior ou imperfeita em relação a um original; há uma
mudança na relação entre artista e obra, ao mesmo tempo mais íntima e distante; e há
uma nova temporalidade caracterizada pela erosão do evento. Pode-se observar, sem
grande esforço, que a mais forte evidência da eliminação da diferença entre cópia e
original diz respeito a seu armazenamento e distribuição, realizados sem perda de
conteúdo, ressaltada a exceção da perda de informação causada propositalmente
quando ocorre troca de formatos ou extensões de arquivos. Interfaces gráficas
permitem ainda a possibilidade de acoplamentos de diferentes recursos às entradas
(inputs) e saídas (ouputs) de dados do computador proporcionando, ainda, uma enorme
expansão das possibilidades de exploração sensorial. Instalações e performances,
entre outras manifestações artísticas, utilizam diferentes recursos digitais em seus
projetos, como sensores, projetores e atuadores para converter a informação em som,
luz, calor, frio, movimento...

44
“Now we have to say that the copy has, if anything, even more aura than the original”.
40

A natureza matemática da mídia digital também evidencia uma nova forma de


comunicação, que ganha cada vez mais atenção de diversos estudiosos. Para Vilém
Flusser (2008), podemos esperar muitos desdobramentos do processo de comunicação
com a entrada do novo código digital. Partindo da observação de que a comunicação
humana é um processo artificial criado para armazenar informações, em que símbolos
são organizados em códigos, Flusser observa que a entrada num regime digital altera
profundamente a maneira de codificar a realidade: passamos de um universo imagético
que interpretava um “mundo” para um sistema que interpreta as teorias referentes ao
mundo (op.cit., p. 130). Isso significa que estamos passando a representar o mundo
através de códigos criados a partir de outros códigos e não de nosso contato direto com
a realidade. Estamos passando a “interpretar em vez de explicar”, resume Flusser (Ibid.,
p. 94). Porém o filósofo vê com otimismo a possibilidade estética do processo de
codificação digital. A partir da constatação de que as imagens digitais são feitas a partir
de cálculos e não mais de circunstâncias, Flusser (Ibid., p. 175) o prevê um novo jogo
de relações, muito mais abstrato que o modo de comunicação anterior, o qual permitirá
o que chamou de uma “estética pura”, o estabelecimento de ligações inéditas, capazes
de ampliar a experiência poética ao englobar situações imprevistas.

A realidade digital transpõe as limitações dos referenciais externos do mundo


físico. As possibilidades estéticas podem tomar direções nunca experimentadas. Mas
existe uma relação a explorar entre o corpo e os dispositivos digitais para a criação
poética?

4.3 Uso marginal da caixa-preta

Mãos, ferramentas, máquinas e aparelhos eletrônicos. As maneiras inventadas


para produzir têm uma longa história, que revela profundas mudanças na maneira como
agimos, sentimos e pensamos o mundo. Utilizar um dispositivo digital para um fim
poético traz ao debate a relação entre artista e aparato. A apresentação do computador
como uma “caixa-preta”, a que o artista não tem total acesso ou não domina todo seu
funcionamento, foi feita pelo artista e teórico francês Edmond Couchot, como nos
informa Arlindo Machado (2002, p.147). Precisa o artista saber programar o computador
41

ou basta que saiba utilizar os programas já existentes para realizar um trabalho artístico
fundante, que instaure novas categorias? Será que, sem o controle técnico para
explorar o computador para alterar suas funções, o resultado será sempre previsível?

Flusser aborda a questão da caixa-preta discutindo a forma programática com


que as imagens técnicas são produzidas. Equipamentos eletrônicos (ou aparatos) são
construídos da mesma forma que as máquinas, baseados em teorias científicas e
“informados” para realizar uma função preestabelecida45. Ou seja, uma vez que esses
aparatos são materializados através de teorias, construídos segundo determinados
conceitos, eles se limitam a oferecer possibilidades restritas ao seu modelo de criação
(MACHADO, 2002). Assim a máquina fotográfica, exemplo que considera mais fácil e
transparente como modelo de imagem técnica, transformaria “conceitos em cenas”
(Ibid., p. 148). Em outras palavras, a máquina fotográfica não registra automaticamente
o mundo, ela foi criada segundo um modelo físico da ótica que transcodifica as teorias
em cenas. A corporeidade das funções do olho não é alcançada, a imagem conseguida
é apenas um modelo técnico (e pobre) de sua representação. Muitos autores
denominam esse conceito como o “mito da verdade fotográfica” pois a fotografia
sempre foi percebida historicamente como uma cópia direta da realidade, sem as
mediações subjetivas da pintura ou do desenho. Cabe ressaltar que a fotografia foi
desenvolvida no século XIX, em um período em que os conceitos positivistas
influenciavam a ciência, afirmando que as “verdades empíricas poderiam ser
estabelecidas pela evidencia visual” (STURKEN; CARTWRIGHT, 2001, p. 16)46, ou
seja, a comprovação visual eliminaria as análises subjetivas do cientista que pudessem
atrapalhar a experimentação.

Porém, para o pesquisador brasileiro Arlindo Machado (2002), a proposição da


“caixa-preta” deve ser relativizada pelas novas abordagens estéticas que estão sendo

45
Flusser vê com preocupação a questão do “funcionário” ou o sujeito que perde sua função por não
perceber que as máquinas já possuem determinações de uso, passando a ser dirigido por elas (TIBURI,
2008).
46
“Positivism involves the belief that empirical truths can be proven through experimentation, in particular
through the reproduction of an experiment with identical outcomes under carefully controlled
circumstances”.
42

realizadas na arte contemporânea. Utilizações não convencionais47 de equipamentos,


ênfases nos processos em vez de na criação de obras, resultados obtidos ao acaso,
materializações de obras que envolvem ou dependem do espectador, tudo parece
indicar que a arte está absorvendo esteticamente os processos realizados pelas
máquinas48.

O relacionamento homem / dispositivos tecnológicos pode permitir a ampliação do


espectro de experimentações sensoriais. Noções sobre a percepção, cognição e
memória têm sido revistas, assim como o corpo tem sido reconhecido como
fundamental no processo de visualização, como veremos a seguir.

4.4 A percepção de um novo olhar a partir da ciência

O potencial comunicativo do computador, capaz de estimular diversos sentidos


corporais, revela-se através de sua capacidade de se conectar a diferentes interfaces.
Sensores de luz, térmicos e de movimento, acionadores de máquinas e equipamentos
sonoros são alguns exemplos. Se considerarmos apenas a internet, como rede onde se
interligam pessoas, computadores e uma série de dispositivos periféricos, podemos
perceber que foi criado um novo espaço de relações em que nossos corpos respondem
a novos paradigmas de espaço e tempo. Pierre Lévy (1999, p. 72), como outros
autores, define esse espaço não-físico pelo termo ciberespaço, pois se configura como
uma cartografia, “uma semiotização, uma descrição útil do território”. Um mundo virtual
em que imergimos e “navegamos” tendo uma imagem de nós mesmos. Talvez fosse até
mais correto considerar que “não há espaço no ciberespaço”, como afirma Lev
Manovich, uma vez que não há espaço físico nesse ambiente tecnológico (2001, p.
219)49.

Cognição, percepção e ação. Tudo é diferente nesse cenário, onde podemos


realizar ações a distância, de forma até ubíqua (em vários lugares ao mesmo tempo) e

47
Cabe lembrar que o próprio dispositivo digital, objeto desta dissertação, é um processador de textos
alterado para cumprir uma nova função, estética, pois procura estabelecer uma nova forma de contato,
diferente da forma técnica projetada originalmente.
48
(MACHADO, 2002, p. 155).
49
“There is no space in cyberspace”.
43

em tempo real. Estamos criando uma forma de interação inédita, que o artista e
pesquisador inglês Roy Ascott (2000) prevê como condicionante para o
desenvolvimento de um novo self, redefinido por uma nova forma de entendimento
sobre nosso corpo, consciência e relações humanas50. Scott acredita que, através das
interações e negociações entre mentes dentro da Web, estamos “ampliando nossa
capacidade de pensar e de conceituar, possibilitando a ampliação e o refinamento de
nossos sentidos” (ASCOTT, 2002, p. 32). De fato, uma das principais características do
mundo virtual é a de nos fornecer o sentido de imersão, que pode ser realçado com a
exploração sensório-motora das interfaces computacionais.

Imersão diz respeito ao encurtamento da distância entre o que é exibido e o


nosso envolvimento emocional com o que está acontecendo (GRAU, 2007a), é ter a
sensação física de pertencer a uma “realidade virtual”, como nos é dada pelo teclado e
o mouse em nosso uso cotidiano do computador. A arte contemporânea é rica em
exemplos que envolvem o uso de vários tipos de mídias digitais em diversos tipos de
instalações. Explorações que buscam reorganizar e reestruturar nossa percepção e
cognição em busca de novos horizontes estéticos. Esses projetos colocam o corpo na
função ativa de interferência, é ele que informa as mídias utilizadas para reagirem a um
determinado estímulo (HANSEN, 2004). Por isso, o dado corporal na mídia digital tem
atraído a atenção de tantos pesquisadores. Houve um aumento da complexidade da
informação com a utilização do meio digital, que tem estimulado pesquisas em diversas
áreas do conhecimento. Os estudos das neurociências, por exemplo, que atualmente
utilizam modernas tecnologias de ressonância magnética, têm feito a revisão de
conceitos atualmente considerados reducionistas a respeito do cérebro51. Estamos
deixando de considerar o cérebro como um mecanismo de entrada e saída de dados,
de estímulo e resposta, para considerar todo o corpo como um sistema sensível, capaz
de um novo olhar suscetível a englobar um incrível jogo de relações físicas e culturais.

Esse processo de reconsideração do modelo de visão não é novo, foi iniciado


com os estudos dos aparatos de entretenimento óticos do século XIX, chamados

50
“Emphatically, the computer is not just a new kind of tool, and the Net is not just a new kind of medium:
we are instead wholly immersed in a radically new environment, which is eliciting new behaviors, new
relationships and new consciousness” (ASCOTT, 2000, 22º §).
51
(BURNETT, 2005, p. XVII)
44

“Brinquedos Filosóficos” (Apêndice A). Considerava-se, até então, o processo de visão


independente dos aspectos corporais de percepção, num modelo chamado como
“câmara obscura” (CRARY, 1988). O processo de significação dependia apenas da
interpretação da imagem projetada no sistema ótico, ou seja, a imagem era formada
segundo as leis da ótica em nossa retina e o cérebro a interpretava gerando uma
resposta. A visão era descorporificada (desenbodied), dependia apenas da capacidade
de introspecção e intelecto do espectador. Segundo o teórico inglês Jonathan Crary
(1988), foi através das análises desses aparelhos, realizadas por Goethe e outros
pesquisadores, que se começou a perceber que outros estímulos provindos do corpo
eram fundamentais no processo de visualização. Afinal, aparelhos como o
estereoscópico, o kaleidoscópio, o phenkistiscópio e o diorama eram capazes de criar
imagens a partir da integração entre o homem e o equipamento. Não havia imagens
exteriores sendo interpretadas pela visão do observador. A imagem criada era fruto de
um corpo que gerava percepções próprias a partir de um aparelho. Crary (1988, p. 31)
observa que esses experimentos foram precursores para a compreensão das relações
homem-máquina, que hoje estudamos na nova mídia, pois revelaram a complexidade
existente “quando se unem dois sistemas independentes como instrumentos contíguos
num mesmo plano de operação”.

Os dispositivos óticos realizam experiências que claramente não tem


haver com as imagens por eles usadas. Elas se referem mais a
interação funcional entre o corpo e a máquina do que aos objetos
exteriores, não influenciando em quão “vívida” é a qualidade da
ilusão (CRARY,1988, p. 33)52.

Dessa forma, os estudos sobre a complexa relação homem-máquina têm


destacado o papel corporal no processo de recepção. Estamos concluindo que o corpo
organiza diversos tipos de reação a partir um sistema interoceptivo53, em que as

52
“The optical experiences they manufacture are clearly disjunct from the images used in the device. They
refer as much to the functional interaction of body and machine as they do to external objects, no matter
how "vivid" the quality of the illusion”.
53
Três sistemas nervosos são apontados por Skinner como requeridos para o contato dos indivíduos
com o ambiente, inclusive suas condições corporais: o sistema interoceptivo (através do qual o indivíduo
entra em contato com estimulações derivadas dos sistemas digestivo, respiratório e circulatório), o
sistema proprioceptivo (através do qual o indivíduo entra em contato com estimulações de músculos,
tendões, juntas, etc., particularmente envolvido na discriminação da posição e movimento do corpo) e o
45

informações sensoriais são processadas – podendo ser alteradas, fundidas (sinestesia)


ou trocadas (cross-mapped) entre diferentes sentidos54. Um novo modelo de percepção
que valoriza as intensidades da afeição corporal está sendo estudado. Porém sua
complexidade vai além da elucidação de como o modo material dos meios tem afetado
a produção dos sentidos. Esse modelo também indica que o corpo não é passivo frente
às interações com o ambiente, ele pode se transformar e ser transformado, criar novas
funções e materialidades e, por conseguinte, criar novos códigos simbólicos (PEREIRA,
2006). O estudo dessas interações é tema central nos debates sobre a relação corpo e
tecnologia, discutido na literatura da mídia como a questão da “incorporação”
(embodiment)55.

As tecnologias digitais estão alterando os processos de construção, da prática e


da pesquisa nas artes e nas ciências, renovando muitos conceitos tradicionais, como no
caso da função do corpo no processo de recepção. Da mesma forma, o conceito de
imagem está sendo ampliado. Em um mundo cada vez mais dominado pelas imagens
técnicas, o computador vem fornecer uma maneira mais complexa de comunicação,
como veremos a seguir.

4.5 Imagem na web: corrente de signos

Discorrer sobre imagens, num primeiro momento, significa analisar como


representamos, damos significado às coisas e nos comunicamos com o mundo. Como
sistemas de representação, tanto a linguagem como a mídia visual possuem regras e
convenções para sua organização e são produzidas pela dinâmica social e a ideologia
dominante, como analisam as autoras Sturken e Cartwright (2010). Por isso, seu papel

sistema exteroceptivo (através do qual o indivíduo entra em contato com estimulação presente no
ambiente circundante) (TOURINHO at al., 2000).
54
HANSEN (2004); BURNETT (2005).
55
Embodiment é um dos temas recorrentes das pesquisas que buscam ampliar nosso campo de
investigação conceitual em relação ao papel do corpo na nova mídia. O termo, que tem o significado em
português aproximado de corporificação, se refere à complexa relação entre corpo e experiência.
Significa “pensar como todo um conjunto de códigos simbólicos é criado como linguagem específica de
uma nova mídia, dentre outros fatores, a partir de determinações oriundas dos limites e das potências
das características materiais e funcionais dessa mídia original, o corpo.” (PEREIRA, 2006, p.95).
46

social sempre mudou de significado através da história, de acordo com o contexto


estabelecido, pois como observa Ivani Santana (2008, p. 115), o corpo é um “aparato
sensorial provido de visão”, em constante diálogo e negociação com o meio ao qual
pertence, para construir o conhecimento individual e, consequentemente, configurar a
sua sociedade.

A imagem digital, por se relacionar a uma rede de conexões de informação,


necessita de um conjunto de critérios diferentes da imagem analógica, dependente de
referenciais materiais externos, para ser percebida e ganhar significação. Para Ron
Burnett (2005), o conceito da “imagem” como portadora de um significado único e
estável foi deslocado para o de mediação: “Um campo intermediário entre espectadores
e criadores para intervenção e interpretação” (Ibid., 2005, p. 40). Burnett, observa que
no ambiente digital estabelecido pela web, o conceito de imagem tem deixado de
significar apenas o enquadramento de um assunto, pois não há a representanção do
real através de uma imagem, como um signo para a comunicação. A imagem
configurada pelas novas mídias de comunicação está relacionada a um complexo
contexto onde são costurados e rearranjados diferentes discursos. Televisão, jornais,
rádio e as novas formas dentro da web, produzem um conjunto de discursos visuais,
orais e textuais diferentes que se interligam de diferentes maneiras, ou seja, uma
mesma imagem pode ter diferentes conotações de acordo com a página da web onde
está sendo vista. Dentro desse continuum de informações, as imagens se tornam um
“ambiente” que nos influencia temporariamente e nos conduz, remete ou dirige a outros
espaços e lugares. Essa noção, que difere da visão de uma imagem responsável direta
pelo significado, explora o aspecto do entendimento das múltiplas entradas de
informação dentro de uma rede virtual e o modo como somos afetados por esse
conjunto de estímulos visuais, sonoros, textuais e discursivos.

A Era Analógica sentia-se confortável com a representação, com a


habilidade em relacionar o real às marcações e signos para que os
homens pudessem converter uma experiência para a próxima. Na
Era Virtual temos poucos desses interesses, pois muitas das
47

imagens criadas são produtos da interação entre os homens e


complexos dispositivos digitais (BURNETT, 2005, p. 72)56.

Para analisar essas imagens sob seu aspecto formal de configuração57 dentro do
ambiente digital, alguns autores indicam o aparecimento de algumas novas formas
semióticas de representação. Essas formas são possíveis pelas características
intrínsecas ao meio digital, pois, através da programação, permitem novas maneiras de
representação. A popularização dos softwares gráficos é responsável por uma das
tendências visuais mais comuns de representação na web. Até pouco tempo atrás
restritas aos profissionais do design, essas interfaces gráficas têm se tornado cada vez
mais amigáveis, o que tem contribuído para que uma grande produção de imagens
semelhantes a fotomontagens e colagens se estabeleçam como uma preferência no
ambiente da web (HANSEN, Y. 2004). Ainda são poucos os trabalhos dedicados a
esclarecer o modo de produção dessas imagens, pois, mesmo importantes softwares
de manipulação e criação de imagens, como o Photoshop, considerado por autores
como Yvonne Hansen (2004, 1º §) “como o modo mais inovador de criação de imagens
desde a invenção da fotografia”58, ainda não foram devidamente investigados. Outras
duas formas de representação no ambiente web são destacadas por essa
pesquisadora: a utilização de hiperlinks interligando imagens e textos entre diferentes
contextos e a preferência pelo uso de formas mistas de representação, combinando
imagem, texto e som. Yvonne Hansen ressalta ainda a ampla discussão teórica que tem
envolvido diversos estudiosos na análise crítica de uma nova relação de predominância
na leitura e na cultura visual entre imagem e texto. São abordagens como as de W. J. T.
Mitchell, que discorre sobre a fusão entre imagem e texto na web, que transforma o
computador numa combinação de mediações, recusando a ideia modernista da
existência de mídias puras ou mídias específicas; ou de Kress e Van Leeuwen, que

56
“The analogue era felt comfortable with representation, with the ability to relate the real to markers and
signs that humans could translate from one experience to the next. The virtual era will have few of those
concerns because so many of the images that will be created will be the products of human interaction
with complex digital devices”.
57
Mitchell observa que na língua inglesa existe a diferenciação entre a palavra imagem (image) – coisa
mental, dos sonhos, da memória e da fantasia – de sua representação concreta numa superfície
(picture): [...] there is a vernacular distinction between images and pictures, images and concrete works of
art, that comes to the surface in ordinary ways of speaking about graphic, iconic forms of representation”
(MITCHELL, 2005, p.84).
58
”which has transformed image-making more than anything since the invention of photography”.
48

percebem o fim da dominação do texto sobre a imagem por uma troca de funções: a
imagem está deixando de ilustrar o texto, o texto agora está passando a explicar o
significado da imagem.

As mídias digitais de comunicação estão derrubando um conceito após o outro,


como num jogo de dominó. Como vimos até aqui, a questão da recepção num ambiente
de múltiplas mediações tem mudado o entendimento do papel corporal na experiência
sensível. Da mesma forma, esse ambiente deu novos significados à imagem, interativa
e relacionada ao fluxo de informações da rede. Como consequência dessas
transformações, novas ideias sobre mídia estão sendo desenvolvidas.

4.6 Mídias misturadas

Como é notório, Marshall McLuhan concentrou suas pesquisas principalmente


nas chamadas mídias de massa, como a televisão e os jornais impressos. Essas mídias
eram estudadas isoladamente, segundo suas características únicas, que as faziam
59
comunicar melhor uma ideia . Como vimos anteriormente, a questão da pureza das
mídias representa um conceito tipicamente modernista de uma arte que valorizava o
objeto estético único, como afirma Clement Greenberg, um dos mais importantes
críticos de arte do século XX, pois toda manifestação artística deveria buscar sua
essência, eliminando qualquer efeito tomado de outras mídias: “cada arte deveria
tornar-se ‘pura’, e em sua ‘pureza’ encontrar a garantia de seus padrões de qualidade,
bem como de sua independência” (GREENBERG, in BATTOCK, 2004, p. 97).

O ambiente digital, ao congregar várias mídias numa só – o computador –, abriu


um enorme campo de discussões para a compreensão desse novo tipo de mediação,
ou, melhor dizendo, de uma nova forma de comunicar. Vários autores têm procurado
desenvolver novas noções que contemplem as exigências desse espaço interativo e
virtual. Para J. W. T. Mitchell (2005), a mídia com o significado “mensagem que conecta
duas coisas: emissor e receptor”, já não traduz o conceito de mediação. O contexto

59
“Não se trata, simplesmente, de uma questão de comunicar melhor uma idéia de diferentes maneiras,
mas que uma dada ideia ou percepção pertence, primordialmente, embora não exclusivamente, a um
meio de comunicação, podendo ser melhor obtida ou comunicada através desse exato meio”. Edmund
Carpenter (CARPENTER; MCLUHAN,1974, p. 202).
49

digital trouxe novos desafios que fazem reconsiderar perspectivas que já não se
aplicam a esse novo cenário. Mídia hoje representa não só os aspectos materiais do
suporte, como também as práticas sociais. “A mídia da pintura inclui o pintor e o
observador – e talvez inclua também a galeria, o colecionador e o museu” (MITCHELL,
2005, p. 204)60. Dessa forma, Mitchell acredita que a noção de mídia deve ser
entendida como um espaço de trocas, dentro do qual a imagem circula como um
organismo dentro de um ambiente, afinal uma imagem verbal pode ser recriada numa
pintura, no cinema ou numa realidade virtual.

Uma mídia, para resumir, não é apenas um conjunto de materiais,


um aparato, ou um código para “mediação” entre indivíduos. Ela é
uma complexa instituição social que contém indivíduos dentro dela,
e é constituída pela história das práticas, rituais e hábitos,
habilidades e técnicas, tanto quanto pelo conjunto material de
objetos e lugares (palcos, estúdios, telas de pintura, sets de
televisão, laptops) (MITCHELL, 2005, p. 213)61.

Muitas outras abordagens sobre as mídias digitais de comunicação se revezam


entre o entusiasmo e o temor. Uma das vertentes mais debatidas se refere ao fim das
mídias, ou o momento em que estas se converterão em uma só mediação através dos
dados digitais. Nessa “condição pós-mídia” (HANSEN, 2004) iniciaremos um estágio
pós-humano, em que nossa percepção ficará obsoleta, pois tudo estará conectado aos
nossos corpos. O pesquisador Tim Lenoir (2004), prefaciando o livro de Mark Hansen
New Philosophy for New Media, identifica diversas propostas de autores que tentam
prever nosso relacionamento através das máquinas num futuro não muito distante. Há
os que acreditam que não distinguiremos o pensamento humano da inteligência artificial
e os que advogam que não haverá diferenças entre a existência corporal e a simulação
do computador.

Pesquisadores e teóricos têm se esforçado em fornecer respostas para os


muitos questionamentos que o universo digital nos trouxe. Em um cenário que as
mediações técnicas passam a ocorrer avassaladoramente, o que é natural se torna

60
“Defined more broadly, as a social practice, […] the medium of painting includes the painter and
beholder – and perhaps the gallery, the collector, and museum as well “.
61
“A medium, in short, is not just a set of materials, an apparatus, or code that ‘mediates’ between
individuals. It is a complex social institution that contains individuals within it, and is constituted by a set of
material objects and spaces (stages, studios, easel paintings, television sets, laptop computers)”.
50

profundamente entrelaçado com o cultural. Afinal, como afirma Burnett, mídias como a
tv, o rádio e a internet, por estarem 24 horas “no ar”, fazem parte de um novo ambiente
“natural” construído pelo ser humano, sendo ingenuidade acreditar que são apenas
mundos simulados ao invés de se compreender que elas estão incorporadas como
parte integrante do mundo em que vivemos (BURNETT, 2005, p. 5)62.

62
Television, radio and internet are always on. The media don’t disappear when viewers turn off electrical
switches, just as electricity doesn’t disappear when it is not being used. This continual presence is part of
a new natural and constructed environment being built through human ingenuity and inventiveness. These
are not simulated worlds. They are the world”.
51

Capítulo 5

5 Arte Mídia: origens, formas de produção e taxonomia

Arte é a busca de uma nova linguagem para novas formas


de construção da realidade e dos meios de redefinir a nós
mesmos.
Roy Ascott ( 2000, 3º §)63

Arte e Mídia. Esse encontro, motivado pela generalização dos recursos digitais
em nosso cotidiano, foi possível, como visto anteriormente, por diferentes posturas e
atitudes artísticas que, interpretadas à luz da filosofia, ampliaram a esfera da arte a
considerações diferentes das determinações estéticas tradicionais. Tendo em vista que
um número cada vez maior de artistas tem utilizado as múltiplas possibilidades de
exploração sensorial do meio digital, já se podem encontrar algumas denominações
para agrupamentos de abordagens poéticas similares: colaborativas, interativas,
telemáticas, instalações, conceituais, ativistas, generativas, locativas e mais dezenas de
outras vertentes64.

Ainda não há um termo definido para enquadrar esse conjunto de manifestações


poéticas, existem apenas nomenclaturas utilizadas com maior ou menor frequência pela
literatura especializada, como arte midiática (BENJAMIN, apud GRAU, 2005, p. 28),
Arte Mídia (GRAU,2005) Arte Interativa (KAC, 2002), Arte Virtual (WEIBEL, 2005), Arte
Digital (PAUL, 2006)65. Da mesma forma, essa arte parece exigir novos conceitos
estéticos ao relacionar aspectos intimamente ligados a uma nova forma de
comunicação, realizada dentro de novos paradigmas espaciotemporais. Afinal, o mundo
virtual se estabelece através de um novo processo de visualização, em que o jogo entre
proximidade e distância se estabelece promovendo a virtualização da imagem
(BURNETT, 2005). Ou seja, a sensação de participar de um espaço onde tudo está
longe e perto ao mesmo tempo faz em alguns momentos acreditarmos que podemos
adentrar o computador, como uma experiência de imersão sem nenhuma mediação.

63
“Art is the search for new language, for new ways of constructing reality and for the means of re-
defining ourselves”.
64
Exemplos podem ser encontrados na database do website Rizhome.
http://rhizome.org/art/rhizome_vocabulary.php
65
Título de livro de Christian Paul: Digital Art. London: Thames & Hudson, 2006.
52

Esse ambiente cibernético tem levado diversos teóricos a pensar novas propostas
estéticas que possam englobar suas características e especificidades. Segundo a
pesquisadora Priscila Arantes (2007, p.1-10), são exemplos dessas pesquisas: Mario
Costa e a “estética da comunicação”, que, entre suas propostas, nega a primazia da
obra de arte acabada em favor dos processos e da participação do público; a “estética
informacional” de Abraham Moles e Max Bense, que pretende estabelecer critérios
matemáticos para mensurar a estética; da “tecnoética” de Roy Ascott, que analisa a
sensibilidade criada pela “confluência entre arte, tecnologia e a pesquisa sobre a
consciência” (FRAGOSO, 2003); a “infoestética” de Manovich, denominação da
experiência e dos bens culturais produzidos pela sociedade de informação (DA SILVA,
2007); a “estética intermediária” de Philippe Quéau, que pretende emular processos
naturais dentro dos sistemas digitais; a “endoestética” de Cláudia Giannetti, que
abandona a análise do objeto em favor das relações e contextos configurados por
sistemas complexos; e a “estética do fluxo” da autora desta seleção, Priscila Arantes,
que, segundo a própria, centra suas preocupações no jogo de relações não estáveis da
obra dentro de um fluxo de informações complexas e imprevisíveis. Todas as
teorizações citadas evidenciam as preocupações em estabelecer relações que
permitam situar o fazer poético dentro do ambiente tecnológico da mídia digital. Afinal,
estamos diante de manifestações artísticas que não só englobam aspectos culturais da
comunicação em rede, mas que possuem parâmetros peculiares que as diferenciam do
modo tradicional de fazer artístico. Fluxos de informação, imagem virtual e interativa,
informação através de algoritmos matemáticos, autoria compartilhada e o parâmetro
temporal intrínseco aos processos de experimentação digital, são alguns dos fatores a
serem considerados.

O caminho é longo entre as conjecturas e sua aglutinação em novos conceitos,


na forma como Lucia Santaella (2002) exemplifica a formação de novas definições e
ideias. Muitos estudos interdisciplinares ainda serão necessários para que uma ideia
mais precisa seja formada e ganhe domínio público. Cabe agora tentar mapear esse
campo de intervenção artística para torná-lo cada vez mais estabelecido e passível de
ser aprofundado em seus objetivos estéticos. Nesse sentido, esta investigação, que tem
53

como objeto a proposição Sob palavras e imagens, expõe diversas pesquisas para
fornecer um quadro geral que ilustre as principais características dessa produção.

5.1 Arqueologia da arte interativa

A imagem virtual, gerada a partir da relação entre corpo e aparato técnico, foi
estudada, a partir do século XIX, através de aparelhos que criavam ilusões de ótica,
chamados na época de “brinquedos filosóficos”. Possibilitaram que o papel do corpo,
como um todo, fosse reconsiderado dentro do processo de visualização. Como vimos
anteriormente, até então o modelo de visualização predominante era o da “câmara
obscura” (CRARY, 1988), no qual a visão dependia única e exclusivamente dos
processos físicos de captação da imagem através dos raios de luz, como na fotografia,
sendo então interpretada pelo cérebro do observador. Esses fenômenos permitiram que
diversos estudiosos passassem a compreender que a criação de imagens não
existentes no mundo físico exterior era possível pela integração do organismo físico, em
toda sua complexidade neural (não só através do olho), e os sistemas tecnológicos que
constituem as máquinas. Ou seja, começava-se a discussão dos temas que
relacionavam as imagens virtuais a uma integração entre dois sistemas: o corpo e os
equipamentos técnicos. É importante ressaltar que os temas da percepção humana
eram quase exclusivos das artes “clássicas” até o advento das mídias técnicas
audiovisuais, emergentes naquela época: fotografia, cinema e rádio (mais tarde
incluindo a tv e a multimídia) (DANIELS, 2010).

Muitos estudos de comunicação foram realizados para compreensão da


amplitude do impacto das chamadas mídias de massa na sociedade de consumo, como
no caso das previsões de uma aldeia global, do fim do trabalho e do estabelecimento
de uma consciência planetária feitas por McLuhan (MITCHELL, 2005). Porém o que
deve ser ressaltado nesta investigação é o fato de essas tecnologias terem exigido
novos questionamentos estéticos. Afinal, durante todo século XX, tanto a arte quanto a
mídia audiovisual podem ser vistas se influenciando mutuamente de forma cada vez
mais evidente, e, ao que tudo indica, uma das principais causas para essa aproximação
se relaciona ao interesse dos artistas pelo poder de penetração das mídias de massa.
54

De fato, o pesquisador Dieter Daniels (2010) aponta dois motivos para a atual atração
artística para as mídias digitais: seu poder de alcance e suas múltiplas possibilidades
de aplicação. O primeiro motivo se refere à perda do poder de impacto da arte
moderna, o qual acabou com o senso estético “comum”, afastando o público da arte.
Devemos lembrar que o modernismo impôs um processo de busca de linguagens que
se tornou cada vez mais subjetivo, o qual, como observa Nicolas Bourriaud (2009, p.
12)66, estabelecia suas “normas, seu relato histórico e seus conceitos, como se fossem
‘naturais’ e, portanto, compartilhados por todos”. Nesse sentido, ainda segundo Daniels,
as mídias de massa são uma promessa de aproximação, de reintegração da arte ao
cotidiano. O segundo motivo de atração para os artistas apresentado pelo autor, este
bem evidente, é representado por seu potencial estético, que oferece experimentações
nunca antes possíveis.

Podem ser encontrados exemplos, já no início do século XX, do flerte entre a


arte e tecnologia, afinal, faz parte da curiosidade artística explorar novas possibilidades
estéticas. Cabe lembrar que não estamos nos referindo aos encontros entre arte e
ciência, sempre presentes na história da arte, seja nos projetos arquitetônicos de
monumentos e catedrais, seja nos desenhos científicos de artistas como Leonardo Da
Vinci, relacionados ao ideal renascentista do homem completo. Estamos nos referindo
aos artistas que passaram a incorporar a tecnologia às suas propostas estéticas.
Criando novos equipamentos ou fazendo utilizações inovadoras, esses artistas muitas
vezes suplantaram as possibilidades tecnológicas da época (DANIELS, 2010, s/n). O
curioso Intonarumori (1914), aparelho sonoro do pintor futurista italiano Luigi Russolo, é
um desses exemplos67; bem como Light-Play Opus1 (1921), de Walter Ruttmann, que
criou técnicas inovadoras para produzir um filme totalmente abstrato e desenhado à
mão68; ou o Light-Space-Modulator (1930), de László Moholy-Nagy, aparelho criado
para combinar luz e movimentos numa obra cinética.

66
“¿Hay que lamentar el universalismo modernista? Tampouco. Es inútil volver a considerar aqui al
colonialismo (inconsciente o no) que le es consubstancial, su propensión a asimilar las diferencias a
nostalgias y a imponer por doquier sus normas, su relato histórico y sus conceptos como si fueram
‘naturales’ y, por lo tanto, compartidos por todos”.
67
Biografia disponível em: em http://www.mediaartnet.org/works/intonarumori/
68
http://www.mediaartnet.org/works/opus1/
55

Diversos outros exemplos mostram a ascensão das experimentações artísticas


que aproximaram arte, ciência e tecnologia. Celso Guimarães (2003) lembra que
existem exemplos em toda história da arte nos quais os chamados “espaços de ilusão”,
como dos afrescos das mansões da Villa dei Misteri em Pompéia, já simulavam a
realidade virtual utilizando técnicas tradicionais de pintura. Esses trabalhos podem ser
considerados estágios intermediários para os atuais sofisticados ambientes virtuais.
Para a presente investigação, que procura esclarecer o contexto da Arte Mídia, se torna
fundamental apresentar essas manifestações precursoras, pois elas sinalizam que
houve um processo histórico anterior que, de certa forma, serviu para familiarizar os
artistas no uso de aparatos técnicos com objetivos estéticos. Mas não apenas as
iniciativas individuais, como as apresentadas, foram importantes para o
estabelecimento desse campo de atuação, propostas coletivas também podem ser
enumeradas. De acordo com o pesquisador e artista Peter Weibel (2007), movimentos
como a Op Arte, a Arte Cinética, o Happening e o Fluxus, já exploravam a virtualidade e
a interatividade, ou seja, essas manifestações artísticas já incluíam em seu repertório
estético assuntos hoje comuns na arte mídia. Os ambientes polissensoriais da Arte
Cinética são exemplos de obras que exploraram o movimento em relação a diferentes
questões de espaço e tempo. De fato, essas abordagens são encontradas desde o
início do século XX, possibilitadas pelo campo aberto pelos estudos da ótica e das leis
da percepção, principalmente pela psicologia da Gestalt. Haja vista que o próprio termo
“virtual” pode ser encontrado como substituto de ilusório, para se referir a obras
cinéticas ainda na década de 1920 69. Da mesma forma, a Op Art também se relaciona
aos estudos da virtualidade através da pesquisa dos corpos ilusórios configurados
pelos fenômenos óticos criados pela luz. Convém lembrar que as manifestações
conhecidas como Op Art tiveram seu auge entre 1965-68, quando receberam essa
denominação, apesar de já conhecermos pesquisas poéticas nesse sentido já em 1930,
como as do artista húngaro Victor Vasarely70.

69
WEIBEL (2007, p. 36).
70
OP ART. Enciclopédia Itaú Cultural de Artes Visuais. Disponível em:
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/Enc_Termos/termos_imp.cfm?cd_verbete=36
45&imp=N&cd_idioma=28555
56

Computadores trabalham por algoritmos, sequências de instruções de dados,


para realizar uma determinada ação. Peter Weibel utiliza esse fato para afirmar que
também existe uma similaridade entre o modo de operação do Happening e do Fluxus e
o dos computadores, que também serviu como precursora para diversos trabalhos
contemporâneos. O pesquisador acredita que esses movimentos forjaram as bases
para a arte interativa ou “arte algorítmica” ao substituírem o objeto por instruções de
utilização. São utilizações que apenas consolidaram noções que já eram incorporadas à
nossa percepção pela música, pelos manuais de pintura e escultura ou da arquitetura71.
Afinal, trabalhar com o auxílio de informações técnicas, plantas e sistemas de controle
já faz parte de nosso instrumental teórico há muitos séculos. Assim, para Weibel, tanto
as propostas estéticas que utilizaram artifícios manuais e mecânicos (arte cinética e Op
Arte), quanto as manifestações artísticas baseadas em instruções (Happenings e
Fluxus), estabeleceram um novo papel ao espectador, deslocando-o da posição de
mero observador da obra de arte para o de interator e coparticipante da experiência
estética virtual e interativa (WEIBELL, 2007).

Desta forma, entre os artistas que mais contribuíram para que a arte
contemporânea pudesse ter expandido sua esfera de considerações estéticas, está o
francês Marcel Duchamp. Embora possuidor de uma obra que inclui experimentações
72
óticas e happenings, foi através de sua atitude artística que diversas vertentes de
exploração da arte atual foram abertas. Torna-se fundamental, portanto, uma análise
mais destacada dessa produção, como veremos a seguir.

5.2 Duchamp: a arte fora da estética

A instauração de um regime digital de mediações ocorreu paralelamente às


transformações de uma nova ordem econômica (CASTELLS, 2007). Ao corresponder a

71
Weibel (2007, p. 24) se refere aos manuais renascentistas de Leon Batista Alberti (De re aedificatoria,
1452), Piero della Francesca (De prospectiva pingendi, 1474) e de Albrecht Dürer (Underweysung der
Messung, 1525).
72
Duchamp criou na década de 1940 instalações chamadas de Rotoreliefs, discos coloridos que usavam
a rotação de máquinas para gerar efeitos óticos. Foi apresentada no 33º Concurso Lépine, salão de
Invenções francês, na categoria Arte Industrial. http://www.aqualoop.com/aqua_sound/delia/
57

esse novo modelo econômico, a arte começa a se relacionar com a comunicação,


abandonando seu caráter de consumo tipicamente moderno. Por isso, alguns artistas
passaram a ser importantes fornecedores de significados para a arte contemporânea.
Marcel Duchamp é, de longe, o nome mais citado pela atual geração por ter fornecido
as bases para uma nova concepção de fazer artístico que hoje se desdobra em
diversas posturas e atitudes artísticas73. Com as palavras de Krauss (2002, p. 15),
“Picasso foi substituído por Duchamp para a geração dos anos 60”, podemos resumir a
situação, lembrando que ambos eram contemporâneos. De fato, pode-se perceber pela
postura de diversos artistas que Picasso ficou para trás junto com toda arte moderna e
suas obras “áuricas”, para citar mais uma vez Benjamin e sua visão da obra de arte
reproduzida tecnicamente. A atitude de Duchamp, ao apresentar uma arte baseada em
ideias, não em obras, atenua o peso da autoria e esvazia o conteúdo emocional da
manifestação poética, fazendo assim uma importante separação entre a esfera artística
e a esfera estética. A busca por uma nova definição de arte fez com que a “era da
terebentina e do gosto chegasse ao fim” (DANTO, 2008, p.24). Ou seja, a possibilidade
de apenas experimentar novas percepções entra na pauta das atitudes artísticas, hoje
traduzidas como uma determinação da arte contemporânea. Sua obra influenciou toda
uma vertente artística, a qual percorre a Arte Conceitual, o Minimalismo, a Pop Art, as
instalações e os happenings. Essa abertura foi ampla, toda esfera poética usufruiu a
possibilidade de novos horizontes de experimentação, como vemos no caráter
experimental da música do norte-americano John Cage, também participante do
movimento Fluxus; ou mesmo na dança, com o também norte-americano Merce
Cunningham, um dos seus expoentes. Não podemos esquecer os exemplos de Lygia
Clark e Hélio Oiticica, que durante as décadas de 1960 e 1970, deixaram um importante
legado para os artistas que utilizam as tecnologias de comunicação digital como
expressão74. Seus trabalhos não objetivavam explorar questões formais estéticas, e sim
conceituais e existenciais que enfatizassem o aspecto experimental do observador
como participante da obra. Obras híbridas que exploravam o espaço sensível através
do tato, do olfato ou de proposições cinéticas, fazem parte de um conjunto de

73
(CAUQUELIN, 2005a)
74
(OSTHOFF, 1997)
58

experimentações que, ao envolver objetos manipuláveis, ambientes imersivos e


trabalhos “vestíveis”, estão visceralmente ligadas ao contínuo desenvolvimento de uma
nova estética além das discussões dos objetos fixos e imutáveis.

Contudo, no atual contexto cultural, em que o processo de comunicação é


acirrado com as tecnologias de rede, essas propostas se desdobram em novos
posicionamentos. De fato, as proposições de Duchamp correspondem aos
questionamentos de um mundo “cada vez mais dominado pelas formas visuais”
(KRAUSS, 2002, p. 92). Sua influência é tão grande que pode ser observada num folder
educativo distribuído numa grande mostra de uma importante instituição
governamental. No texto que apresenta ao público o que se deve observar como arte
na atualidade, podem ser observadas determinações que se desenvolveram a partir da
atitude fundante que Duchamp proporcionou:

Experimentação [...] fazer é igual a desprendimento com a possível


fidelidade da obra acabada com um suposto projeto;
inconservabilidade [...] conservar os materiais que configuram
concretamente a obra é dispensável; desvencilhamento do espaço
sagrado [...] o espaço não é a obra, e sim a possibilidade de ser, já
que seu potencial vive do contato e participação ativa do espectador
(CHINDLER, 2008, p. 2-5).

Como podemos perceber, esses ensinamentos colocados ao público se baseiam


nos desdobramentos da atitude de Duchamp frente à arte. Ou seja, um entendimento
maior do significado de fazer artístico que prioriza os processos de experimentação
sensível e dá importância ao observador na construção da ideia artística.

5.3 Artista, participante; participante, artista

A questão da autoria é um dos temas recorrentes nos debates da Arte Mídia por
ser intimamente relacionado à interatividade. O processo de criação plástica sempre
esteve associado à criação de formas, traduzido pelo Modernismo em obras que
exploravam ora a expressão do sujeito, ora a representação do objeto, como vimos nas
explicações do filósofo brasileiro Gerd Bornheim (1998). Da mesma forma, pudemos
analisar como a arte contemporânea ganhou novas determinações, graças às
59

diferentes atitudes artísticas dentro do desenrolar do pensamento estético da


modernidade. No contexto em que a arte digital interativa é realizada, os critérios e
parâmetros referentes à comunicação ganham destaque, como é o caso da ênfase nas
discussões relacionais da recepção (BOURRIAUD, 2009a), do conhecimento em fluxo e
dos processos híbridos de construção. Nesse novo panorama interativo e virtual, o
observador se torna participante com real função no significado da obra estabelecendo
um diálogo com o autor através de vários recursos, sejam eles visuais, sonoros,
gestuais ou táteis. Para Edmond Couchot (2002, p. 104), estamos nos aproximando de
uma comunicação linguística e nos distanciamos dos “efeitos do tratamento numérico
da informação que se infiltra no cerne das operações”. Essa nova relação entre autor e
participante, um deslocamento da função autoral “clássica”, traz à discussão a formação
do significado da obra e a responsabilidade pela criação.

Ao que tudo indica, um enorme campo de exploração foi aberto com a pesquisa
poética interativa. Por ora, temos apenas a certeza do significado mais aparente da
relação entre artista, técnico e participante na relação de autoria. O artista cria a ideia,
desenvolve em parceria com um técnico e disponibiliza ao público, que tem a tarefa de
executá-la, podendo até mesmo conseguir resultados estéticos inesperados. De fato,
enquanto propositor e produtor da obra, o artista continua sendo o responsável pelo
encaminhamento estético que a experimentação pretende realizar. Observando o modo
de criação e produção do dispositivo Fontes, software a partir no qual foi realizada a
proposição Sob palavras e Imagens, descrita no último capítulo, pode-se compreender
que pertence ao artista a opção de tornar um determinado trabalho mais aberto ou
fechado à interação. Que tipologia? Que escala de cores? Como aparecem as fontes?
Essas e outras determinações dirigem o resultado do que será oferecido às audiências,
porém, cabe ao participante, durante a execução da proposta, não só seguir a
orientação proposta, mas até mesmo descobrir novas formas de uso, aumentando a
proposta poética. Cabe lembrar ainda que entre o artista e o participante temos as
funções do técnico, que programa e descobre soluções para as demandas artísticas.
Numa relação que se assemelha à direção de um evento, o artista conduz o técnico e é
orientado por ele quanto às possibilidades operacionais, o que muitas vezes acaba por
transformar a interface tecnológica originalmente escolhida.
60

5.4 Formas de interação homem máquina

Pequenas telas verdes de fósforo em que cientistas e programadores se


debruçavam para escrever linhas e mais linhas de códigos, já vão longe, da mesma
forma como os grandes computadores que realizavam quinhentas operações por
segundo, como o ENIAC75 parecem hoje bizarras máquinas de somar. Porém desde
cedo os computadores já atraíam a curiosidade artística. Já nos anos 1950, essa mídia
eletrônica de uso até então militar, começa a se abrir a experimentações artísticas.
Duas instituições técnicas permitiram que artistas, já naquela época, pudessem se
aventurar na área da informática: o Murray Hill Lab, em Nova Jersey (atual AT & T), e a
Universidade Técnica de Stuttgart76. Graças a elas podemos hoje encontrar exemplos
pioneiros de arte digital (anexo B) nas obras do norte-americano Ben Laposky, que
utilizou o osciloscópio como gerador de imagens para criação de estruturas luminosas
(LAMBERT, 2003) e do alemão Herbert Frank, que realizou diversas experiências com
imagens e técnicas interativas. Porém só a partir dos anos 1960 as imagens começam
a se tornar mais sofisticadas, com a computação gráfica, atraindo a atenção de artistas
e engenheiros77. Nesse período, a experimentação se concentrou na aplicação de
efeitos gráficos específicos na imagem, como o morphing, warping ou o zooing78, e na
exploração de formas a partir de algoritmos. Podem ser citados como exemplos desse
período os artistas norte-americanos Michael Noll, e seus padrões gráficos e
animações, e Charles Csuri, que produziu em 1963 uma série de desenhos explorando
transformações gráficas em obras de grandes mestres do passado. Podem ser
relacionados ainda muitos outros artistas que exploraram diferentes aspectos de
configuração formal, como: Kenneth Knowlton, John Whitney Sr, Stan Vanderbeek,
Frieder Nake, John Stehura, Tony Pritchett, Georg Nees, Vera Molnar, Edward Zajec,
Manfred Mohr e o brasileiro Waldemar Cordeiro (Apêndice B).
75
O ENIAC (Electrical Numerical Integrator and Computer) foi o primeiro computador digital eletrônico de
grande escala. Criado em fevereiro de 1946 pelos cientistas norte-americanos John Eckert e John
Mauchly, da Electronic Control Company. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Eniac
76
O projeto Burundi Translab, apoiado pelo Ministério da Cultura da República Tcheca, fornece um
quadro histórico sobre os precursores da estética digital em http://translab.burundi.sk/code/vzx/#8
77
(KAC, 2002)
78
Efeitos de alteração de forma da imagem.
61

É importante ressaltar que vários engenheiros produziram trabalhos marcantes


para o desenvolvimento da computação gráfica, como os do CTG – Computer
Technique Group, do Japão, e os dos engenheiros norte-americanos Ivan Sutherland,
importante por pesquisar e criar aparelhos de interação entre homem e máquina
(Sketchpad), e Douglas C. Engelbart, pioneiro das interfaces gráficas. O trabalho de
Engelbart79, criador do mouse, é reconhecido por estabelecer pela primeira vez um
espaço-informação através do “mapeamento de bits”, permitindo que os dados tivessem
uma localização física e virtual na tela do computador (JOHNSON, 2001, p. 21). O
estabelecimento desse princípio da manipulação direta nos forneceu a ilusão de que
podíamos alterar alguma coisa dentro do computador sem utilizar os complexos
comandos via teclado. Esse importante input de interação representa um incrível
avanço tecnológico ao estabelecer uma nova noção em que a máquina passa a ser um
ambiente, um espaço a ser explorado.

A computação gráfica entra nas décadas de 1970 e 1980 expandindo suas


possibilidades de utilização. Os recursos videográficos se tornaram mais especializados
e a imagem ganhou definição através das cores e de movimento, bem como trouxe a
terceira dimensão como um dos principais recursos de criação. Com isso, um universo
de aplicações se abriu para que o cinema e a tv começassem a utilizar recursos visuais
de edição e de animação, hoje tão comuns. Na arte, alguns trabalhos começam a se
destacar por incorporar essa tecnologia, como é o caso da instalação Software, de
curadoria de Jack Burnham, no Jewish Museum de Nova York em 1970 (KAC, 2002).
Essa instalação utilizou roedores soltos sobre diversos pequenos cubos que mudavam
de posição controlados por computador.

Mas o grande afluxo de artistas para a utilização da tecnologia digital viria


somente na década de 1980. Graças à popularização dos computadores pessoais foi
possível o desenvolvimento de diversas interfaces80 gráficas, que permitiam que o
indivíduo não especialista em informática pudesse manipular o computador. A interface
79
O memorável registro dessa invenção, apresentada em San Francisco em dezembro de 1969, pode
ser vista no vídeo Engelbart and the Dawn of Interactive Computing. http://www.sri.com/engelbart-
event.html
80
“Em seu sentido mais simples, a palavra se refere a softwares que dão forma à interação entre usuário
e computador” (JOHNSON, 2001, p. 17).
62

gráfica do usuário foi criada nos anos 1970 como uma forma de estabelecer uma
relação semântica, uma mediação entre usuário e computador pelo Palo Alto Research
81
Center, da Xerox . Porém sua utilização em larga escala só foi possível como o
lançamento do Macintosh da Apple. Este computador representou uma mudança
fundamental ao criar uma interface gráfica mais intuitiva, com comandos mais
amigáveis. Através do desenho de ícones que representavam metáforas de itens de um
escritório, como lixeiras e arquivos, o Macintosh utilizou pela primeira vez a interface
como meio de comunicação. Essa mudança não representou apenas a facilitação de
acesso aos comandos do computador, criou também um modelo de interação que
serviu para que toda uma indústria de programas gráficos surgisse, tornando seu uso
atrativo para um enorme número de artistas.

Com a entrada dos anos 1990, as tecnologias das telecomunicações realizaram


aquela que seria a transformação decisiva do ambiente cultural: a internet82. Esse
conjunto de redes de dados, posteriormente organizada pelo projeto da World Wide
Web (rede de alcance mundial), permitiu que o computador se tornasse parte de um
sistema telemático compreendido tanto por meios pré-digitais (rádio, tv, etc.) como por
meios digitais (computares e periféricos). Para os artistas, essa inovação representou a
abertura de novos parâmetros para a criação, uma vez que a conexão em redes traz
novas possibilidades de exploração de tempo e espaço. Pode-se agora utilizar o serviço
de protocolos HTTP da web para acessar programas e trocar documentos de gráficos,
de áudio ou vídeo, ou mesmo utilizar outros serviços como o correio eletrônico através
de protocolos SMTP ou FTP.

Atualmente, agora ainda mais distantes das pequenas telas verdes de fósforo,
substituídas por monitores de cristal líquido (LCD) ou por diodos emissores de luz (LED)
em alta definição, a experiência visual se aproxima a visão direta do observador sem
mediações. A convergência das mídias, uma “articulação de linguagens” (VERAS,
2008, p. 231), permite a combinação de diferentes modos de comunicação, através das

81
(JOHNSON, 2001)
82
Internet – de internetworking (ligação entre redes). Conjunto de meios físicos (linhas digitais de alta
capacidade, computadores, roteadores, etc.) e programas (protocolo TCP/IP) usados para transporte da
informação (LÉVY, 2007, p. 255). Embora geralmente pensada como sendo uma rede, a internet é na
verdade o conjunto de todas as redes e gateways que usam protocolos TCP/IP (FRAGOSO, 2003).
63

imagens, dos sons e dos textos. Porém as interfaces gráficas permitem que cada vez
mais dispositivos digitais sejam utilizados para a ampliação de nossa experiência
sensória. De fato, experiências que envolvem outros sentidos corporais já podem ser
vistas até mesmo em celulares que utilizam sensores de movimento ou de toque como
o Iphone da Apple. Da mesma forma, sensores de tela (touch-screen) são utilizados em
diversas aplicações, como em terminais de bancos e celulares; tablets (mesas
digitalizadoras) são usados para reconhecimento da escrita manual; joysticks de
videogames controlam a movimentação e atuação de objetos virtuais; todos esses
exemplos são desenvolvimentos tecnológicos que permitem sensibilizar diferentes
sentidos corporais, diversificando as maneiras de atingir o público.

Sem dúvida, a capacidade de sensibilizar o observador interativamente tem


atraído um número cada vez maior de artistas a explorar o ambiente digital. Essa
possibilidade tem deslocado a atividade artística da criação de formas com materiais
sólidos para os processos de experimentação, abrindo uma série de novas
considerações estéticas que prometem alterar nossa própria forma de ver, sentir e
pensar (POISSANT, 2007). Afinal, é importante lembrar que dispositivos tecnológicos83
operam em mão dupla, tanto são aparatos para a aplicação de um recurso, como
estimulam novas ideias que irão gerar novos dispositivos. O termo “dispositivo” se
refere, segundo a definição do filósofo italiano Giorgio Agamben (2007, p. 13) a
“qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar,
determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as
opiniões e os discursos dos seres viventes”. Assim, utilizar o termo “dispositivo”,
significa não apenas se referir à sua característica material (aparato), mas ao
entendimento de que a ele se relacionam processos sociais e de comunicação
(FERREIRA, 2009), o que equivale a dizer que os dispositivos relacionam sociedade,
tecnologia e linguagem, estabelecendo um jogo entre materialidades (equipamentos) e
processos sociais e de comunicação. O universo digital, portanto, estabelece um novo

83
“Dispositivos tecnológicos”. Usado como uma redundância intencional para melhor compreensão do
texto. Segundo o pesquisador Jairo Ferreira (2006:137), “no uso acadêmico do termo dispositivo no
campo da comunicação, o dominante é a assimilação do conceito ao de tecnologia, sendo essa, no
máximo, elevada a uma ordem de complexidade (articulações entre várias)”.
64

jogo de relações entre homem e máquina que promete mudar nosso contato com o
mundo e redefinir o papel e os limites da arte.

Para apresentar algumas das principais interfaces que conduzem o observador a


experimentar e a se integrar à experiência artística, utilizaremos a categorização dos
dispositivos realizada pela pesquisadora Louise Poissant (2007) (Apêndice C):

a) sensores – sejam de som, movimentos térmicos, de luz, umidade, ou qualquer


outro dispositivo que capte dados sobre o estado de um sistema ou a reação de quem
interage a ele. Geralmente são utilizados para criação de objetos ou ambientes virtuais
ou instalações físicas;

b) gravadores – ao contrário das tecnologias analógicas que fixam ondas de luz e


de som, o tratamento digital introduz a possibilidade de conversão ao código binário,
permitindo edições e apropriações de som ou imagens (em movimento ou não).
Compreendem equipamentos como máquinas fotográficas, fonógrafos mecânicos e até
mesmo a memória digital;

c) acionadores – permitem o controle de diversos tipos de motores, controladores


de iluminação, dispositivos pneumáticos e hidráulicos, através de placas midi84;

d) transmissores – interfaces e equipamentos como o telégrafo ou a internet, que


permitem estabelecer vínculos telemáticos de ação a distância. Permitem
considerações estéticas sobre espaço e tempo. Muito utilizados em intervenções,
performances e interações por software;

e) difusores – todos os tipos de aparelhos de transmissão audiovisual, ou seja,


monitores (plasma, LCD, LED, imagens térmicas), telas de projeção (cinema, tv), telas
sensíveis ao toque, HDTV e representações holográficas e computação gráfica 3D;

f) integradores – compreendem os projetos que fazem a interseção entre arte e


biotecnologia. Incluem a manipulação artística de interfaces desenvolvidas em
laboratórios biomédicos: tais como genética, nanotecnologia, cultura de tecidos,
automação e desenvolvimento de ciborgues.
84
Consulte uma lista bastante ampla de sensores e atuadores existentes no mercado em
http://www.interface-z.com/produits/index.htm
65

5.5 Pesquisas poéticas

Como acabamos de apresentar, a categorização realizada pela pesquisadora


das novas mídias Louise Poissant (2007) é capaz de nos fornecer um amplo panorama
dos diversos tipos de interfaces existentes para a experimentação poética. Porém essa
classificação serve apenas para ilustrar as múltiplas possibilidades de aplicação dos
recursos digitais, tendo uma importância bastante restrita quando se procura
estabelecer uma taxonomia, uma notação internacional que facilite não só o seu
arquivamento, mas sua busca dentro da rede.

As manifestações artísticas atuais que envolvem tecnologia, conhecidas por


muitos autores como Arte Mídia, se realizam através de parâmetros que a classificação
tradicional da arte não contempla. Seu processo peculiar de criação envolve a
combinação de diversas mídias dentro de diferentes contextos de comunicação.
Algumas características podem ser apontadas como pertencentes a essas
manifestações, como as de serem baseadas em algoritmo, dirigidas por processos ou
baseadas em tempo85; ou de serem participativas, colaborativas e performativas; da
mesma forma como podem ser modulares, gerativas ou customizáveis (PAUL, 2007).
Porém essas características podem ser encontradas em diferentes combinações
nesses trabalhos. O que torna ainda mais crítica essa situação é o fato de que mesmo
que se encontrem dois trabalhos que contenham as mesmas características de
produção, seus resultados estéticos podem ser bastante diferentes. Afinal, experiências
interativas realizam processos entre artista e observador, tornando-se dependentes dos
contextos em que foram criadas. Em vista disso, um trabalho em Arte Mídia pode variar
substancialmente de resultado apenas com a mudança de público, dependendo, é
claro, do grau de abertura estabelecido pelo artista. Afinal, é sua a prerrogativa de
aumentar ou diminuir a qualidade da contribuição do participante. Devemos adicionar
ainda, dentro das dificuldades apresentadas, a questão do suporte material e técnico da
construção de muitos projetos, fato que muitas vezes é decisivo para a remontagem de
uma obra. Afinal, como realizar uma exposição na qual a experimentação artística foi

85
Ou “time specific”, como gosta de denominar Nicolas Bourriaud (2009), fazendo um paradoxo a "sítio
específico", que faz menção a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado.
Cf. Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em: www.itaucultural.org.br
66

realizada por um equipamento que saiu do mercado há mais de dez anos, ou utilizava
um programa específico dentro de um sistema operacional já obsoleto? Recuperar
essas obras exige também que os equipamentos em que elas foram realizadas estejam
disponíveis na ocasião de sua remontagem.

Todas essas questões têm se tornado um desafio para preservação e a


recuperação dessas experimentações artísticas. Pois uma notação internacionalmente
aceita requer que todo um sistema de suporte seja estabelecido para respeitar suas
necessidades. Sendo assim, devem ser considerados nessas pesquisas os processos
colaborativos de criação para permitir o desenvolvimento de novos modelos e critérios
que considerem a instabilidade como um dos parâmetros para documentação e
preservação. Várias estratégias de preservação estão sendo elaboradas por diferentes
instituições internacionais. Podem ser citadas como exemplos o Rhizome.org86, a
Fundação Daniel Langlois87, a Database of Virtual Art88, o Archiving the Avant Garde89 e
o Netzspannung.org90.

Um dos projetos de notação para a Arte Mídia que estão sendo realizados é o
Variable Media Network91, que reúne quase uma dezena de museus e instituições
norte-americanas ligadas a pesquisa, documentação e preservação da arte. Iniciativas
desse tipo procuram, entre outros objetivos, desenvolver um vocabulário que permita
operacionalizar o intercâmbio entre instituições. Para criar uma notação que permita
essa troca de informações, o projeto procura estabelecer parâmetros nos quais se
possam acomodar todas as possibilidades de manifestação artística, tarefa nada fácil
pelo caráter dinâmico e efêmero da nova arte. A solução encontrada pelo projeto
Variable Media Network foi criar um questionário distribuído on-line (Variable Media
Questionnaire), que pudesse auxiliar essa classificação. Jon Yppolito (2010), um dos
curadores do Museu Guggenheim envolvidos no projeto, descreve no prefácio do

86
<http://rhizome.org/art/rhizome_vocabulary.php>.
87
<http://www.fondation-langlois.org/e/CRD/>.
88
<http://www.virtualart.at/nc/home.html>.
89
<http://www.avantgardeproject.org/archive.htm>.
90
<http://netzspannung.org/archive/?lang=en>.
91
< http://www.variablemedia.net/e/welcome.html>.
67

manual desse questionário algumas das dificuldades encontradas pelo grupo de


pesquisa responsável pela “acomodação” das manifestações artísticas dentro de
categorias. Segundo o curador, o primeiro modelo utilizado pelo grupo de pesquisa era
baseado nas categorias tradicionais da história da arte. Logo o grupo percebeu que
uma classificação de acordo com esses critérios não funcionaria. Padrões
estabelecidos para interpretar especificidades de cada mídia enfrentariam problemas se
aplicados a trabalhos que utilizam mídias combinadas em processos de hibridização.
Além disso, os pesquisadores se depararam com a questão da transitoriedade desses
trabalhos. Essas mídias rapidamente ficavam obsoletas, problematizando sua recriação
futura. Dessa forma, a solução encontrada foi analisar cada conjunto híbrido como uma
nova mídia e estabelecer parâmetros que pudessem ser mutuamente aplicáveis a cada
trabalho. Assim, o questionário passou a pedir para que cada artista determinasse
como seu trabalho deveria ser recriado no futuro. Essa inovação dentro das técnicas
fixas de notação pretende chegar a um instrumento que possa ser aplicado caso a
caso, cada obra sendo analisada dentro de seu contexto específico.

Muitas outras taxonomias estão sendo realizadas para esse fim, como a do
historiador norte-americano Edward A. Shanken (2007), que serviu na metodologia de
pesquisa para ilustrar um painel (Apêndice D), onde estão classificadas diversas obras
segundo seus critérios de avaliação que foram definidos através de uma grande
investigação. Pela classificação de Shanken, a Arte Mídia foi dividida em cinco grandes
temas: formas codificadas e produção eletrônica; movimentos, luz e tempo; redes e
interferências culturais; simulacros; contextos interativos e ambientes eletrônicos; e
corpos integrados e sistemas emergentes.

Utilizaremos a proposição Sob palavras e imagens, realizada pelo dispositivo


digital de imagem interativa Fontes na web, também como metodologia de pesquisa,
para demonstrar como está sendo difícil estabelecer uma notação que realmente
funcione para a Arte Mídia. Para isso, foi preenchida a ficha de inscrição de uma das
mais tradicionais e maiores exposições internacionais de arte digital, a Ars Eletrônica92

92
Mostra internacional realizada desde 1979 na Alemanha. A ficha de inscrição utilizada como exemplo é
referente à mostra de 2007 para a categoria Arte Interativa (KWASTEK, 2007). Disponível em:
http://media.lbg.ac.at/en/content.php?iMenuID=94&iContentID=90
68

como se a proposição poética Sob Palavras e Imagens fosse participar da mostra


(Apêndice E). A classificação utilizada estabelece nove diferentes classes,
categorizadas segundo seus aspectos formais, estéticos, técnicos e contextuais, fato
que gerou algumas dúvidas no preenchimento, como podemos observar a seguir:

a) (formal) Form of artwork – opção escolhida: software application/program.


Sem problemas na decisão.

b) (formal) Range of artwork – opção escolhida: separate sites. Apesar de sua


área de atuação ser um website, a proposição não seria melhor definida como
networked, por utilizar a rede como interação entre participantes?

c) (formal) Interaction partners – opção escolhida: computer><computer. Apesar


da mídia utilizada ser o computador para realizar a proposta, por que não
considerar que a relação human><computer é de fato a especulação que se
pretende?

d) (aesthetic) The visitor does – opção escolhida: participate. Uma das mais
difíceis escolhas da classificação fornecida. Definir o trabalho pelo que o visitante
faz deixou muitas duvidas. Afinal este trabalho também não é uma exploração
(explore); não é ativado (ativate) pelo usuário; não deixa traços de sua
participação (leave traces); não considera o participante como coautor (co-
author), pois ele “cria” (create) uma nova imagem, colaborando (colaborate) com
o evento artístico?

e) (aesthetic) The work does – opção escolhida: visualize. Outra difícil escolha.
De fato, em última análise, o trabalho oferece uma visualização, pois é a imagem
conformada que estabelece as considerações poéticas. Deve-se observar,
porém, que o trabalho também funciona como instrumento (serve as instrument),
pois é realizado por um dispositivo técnico; permite análises posteriores, uma vez
que registra (document) os textos enviados, arquivando em um banco dados;
possui um forte apelo lúdico (offer a game); armazena (store) a participação dos
usuários; estabelece um processo (process) ao relacionar participações já
69

realizadas ao momento em que se dá a experimentação; bem como serve de


mediação entre o participante e o sistema de dados.

f) (technical) media – opção escolhida: graphical interface. Sem problemas.

g) (technical) processing technology – opção escolhida: text recognition. Sem


problemas.

h) (contextual) catchword – opção escolhida: interface design. Sem problemas.

i) (contextual) topic – opção escolhida: artistic / creative expression. Embora o


contexto estabelecido seja o de uma proposição que explore a criatividade
artística, a opção data processing também poderia ser aplicada, uma vez que
tudo se realiza dentro dos computadores em rede.

A grande amplitude de significação dos termos utilizados na ficha de inscrição


para definir as características dos trabalhos, e com isso estabelecer uma classificação,
acaba por gerar dúvidas em seu preenchimento. Muitas pesquisas para a criação de
uma notação para uma taxonomia da Arte Mídia estão sendo desenvolvidas e, por
envolverem a combinação de diversas mídias e seus contextos, ainda são um desafio a
ser enfrentado. Porém deve-se ressaltar que algumas denominações já se conformam
naturalmente pela aglutinação de trabalhos que exploram aspectos em comum, como
veremos a seguir.

5.6 Sob palavras e imagens como Arte Generativa

Os problemas para a criação de uma taxonomia não impedem que divisões


dentro da Arte Mídia já estejam se configurando naturalmente de acordo com a
similaridade das aplicações. É o caso da chamada locative media art93 que reúne os
processos artísticos que usam tecnologias e serviços baseados em localização –
celulares, palms, netbooks, GPS, QR Codes. Essas definições têm facilitado a
93
Locative media art (definição). Enciclopédia Itaú Cultural de arte e tecnologia. Disponível em:
http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-index.php?page=locative+media+art
70

identificação e a classificação de um grande número de projetos e permitido a


comparação e busca de novas abordagens. Outra área que se configura como um
grupo bastante definido é a generative art, na qual a proposição Sob Palavras e
Imagens pode ser incluída. Essa nomenclatura, cada vez mais utilizada para se referir à
arte realizada por programas de computador, pode ser encontrada como palavra-chave
(tag) para localização de trabalhos em websites de grandes instituições voltadas para a
pesquisa de arte e tecnologia94. Como campo ainda em processo de estabelecimento, a
própria definição para esse conjunto de obras é encontrada de diferentes maneiras,
sempre procurando ampliar sua abrangência para desenvolver uma noção que possa
conter um grande número de manifestações artísticas. Foram encontradas as seguintes
definições para Generative Art na web:

a) Ideia realizada como um código genético de eventos artificiais; complexos


sistemas dinâmicos capazes de gerar um sem número de aplicações. Generative
Design Lab, Universidade Politécnica de Milão.

b) Termo dado ao grupo de trabalhos que realizam o mesmo processo de


produção do trabalho de arte, geralmente (não restritamente) automatizados pelo
uso de uma máquina ou computador, ou que utilizam instruções matemáticas ou
pragmáticas para definir regras nas quais os trabalhos serão executados. (Ward,
2010) 95.

c) Prática de qualquer arte em que o artista crie um processo no qual coloque


em ação algum grau de autonomia que contribua com a formação do trabalho de
arte, tais como os conjuntos de regras naturais para criação de uma linguagem,
um programa de computador, uma máquina, ou outra invenção que formalize um
procedimento (GALANTER, 2003)96.

94
Instituições nacionais como o Instituto Itaú Cultural ou o Instituto Sergio Motta utilizam essa
denominação em seus websites (sem, contudo, defini-la).
95
“Generative art is a term given to work which stems from concentrating on the processes involved in
producing an artwork, usually (although not strictly) automated by the use of a machine or computer, or by
using mathematic or pragmatic instructions to define the rules by which such artworks are executed”.
Disponível em: http://www.generative.net/read/definitions
96
“Generative Art refers to any practice where the artist uses a system, such as a set of natural language
rules, a computer program, a machine, or other procedural invention, which is set into motion some
degree of autonomy contributing to or resulting in a completed work of art”.
71

d) A metodologia da Arte Generativa pode ser apropriadamente descrita como


uma rigorosa aplicação de princípios de ação pré-estabelecidos para a exclusão
ou substituição intencional das decisões estéticas individuais (IHMELS; RIEDEL,
2010)97.

Pode-se notar o cuidado tomado pelos pesquisadores para que as definições


possam ser amplas o suficiente para criar uma noção que abranja manifestações
anteriores ao advento digital, permitindo também que outras modalidades dentro do
conjunto da arte contemporânea sejam incluídas.

Segundo o pesquisador Philip Galanter (2003), o tema central dessas


abordagens, o método de construção através de sistemas aleatórios ou estocásticos,
ou seja, formados por fenômenos que variam em algum grau, de forma imprevisível, à
medida que o tempo passa, remete às discussões ligadas à ciência da computação,
mas especificamente à teoria da complexidade. Essa área da informática, surgida nos
últimos vinte anos, procura estudar sistemas que não podem ser analisados pelo
método científico clássico, reducionista, que isola eventos para descrever processos. A
teoria da complexidade procura estudar sistemas que agem sem um controle externo e
cujas suas partes constitutivas interajam e influenciem o todo, funcionando como um
conjunto não estável de conexões não lineares. Galenter (ibid., p.5) cita as condições
climáticas como um bom exemplo desse fenômeno, assim como o ciclo predatório de
animais num ecossistema e o funcionamento do cérebro. Os exemplos de
manifestações artísticas dentro dessa noção podem ser encontrados em diversos
períodos da história da arte. Azulejos de arte do mundo islâmico; as máquinas de
padrões têxteis de Jacquard (1805), mais tarde desenvolvidas para a computação por
Charles Babbage e Charles Hollerith; ou o processo aleatório desenvolvido por
Wolfgang Amadeus Mozart98 ao criar 176 padrões musicais para que, como num jogo, o

97
“[…] the methodology of generative art can be appropriately described as the rigorous application of
predefined principles of action for the intentional exclusion of, or substitution for, individual aesthetical
decisions […]”
98
Vários jogos musicais randômicos foram publicados no século XVIII, um deles é atribuído a Mozart.
LORRAIN, Denis. Réalisation de jeux musicaux du XVIIIe siècle : Mozart et Stadler. Montbéliard: Journées
d'informatique musicale, 9 p, 2003. Disponível em:
http://perso.numericable.fr/~lordenis/Articles/Articles.html
72

participante pudesse compor, são exemplos que utilizaram métodos randômicos antes
do advento do computador.

Atualmente, dentro das experimentações contemporâneas, muitos trabalhos têm


explorado essas condições de criação através de vários tipos de abordagens, que vão
da poesia (e-poetry)99 às investigações conceituais. Experiência similar à desenvolvida
pela proposição poética desta dissertação foi encontrada no trabalho Text2image100 do
norte-americano Ted Davis, que analisa as novas formas semânticas de tradução do
texto em imagens. Esse software, desenvolvido como objeto de uma tese acadêmica 101
na Universidade de Chicago (UIC), permitiu que o autor discorresse sobre as conexões
entre o conteúdo do texto e a imagem configurada, bem como sobre a relação existente
entre os processos de busca de imagens na web baseados em textos e os resultados
encontrados.

99
Eletronic Poetry Center – University at Buffalo/NY. Disponível em: http://epc.buffalo.edu/e-poetry/
100
http://www.teddavis.org/text2image/
101
DAVIS, Ted. Davis. Precise Mishandling of the Digital Image Structure (thesis). Basel and Chicago:
FHNW HGK & UIC, 2009. Disponível em: http://www.teddavis.org/text2image/
73

Capítulo 6

6 Making of: criação do dispositivo e website

As novas comunicações não são m étodos para nos


relacionarem com o antigo mundo ‘rea l’; são o mundo
real e remodelam à vontade o que resta do mundo
antigo.
Ma rshall McLuhan
(CARPENTER E MCLUHAN, 1974, p. 220)

Como foi abordado, Sob palavras e imagens é uma proposição artística possível
pela programação de um software (Fontes) interativo, que gera imagens a partir dos
textos digitados pelo usuário-participante dentro do ambiente em rede da web (http://
fontes.bitspoeticos.com). A elaboração técnica do projeto se dividiu em duas diferentes
etapas: a programação do software processador de textos e a produção do website
hospedeiro. Cada uma delas exigiu diferentes enfrentamentos para que a finalização do
projeto obtivesse sucesso na transmissão da proposta poética.

6.1 Fontes102: produção do programa de computador

O dispositivo interativo de imagem virtual Fontes recebeu esse nome para fazer
referência à produção de formas geométricas a partir da decomposição dos textos em
caracteres ou fontes tipográficas. No decorrer da pesquisa, outros sentidos foram
encontrados, os quais reforçaram a manutenção do nome. A partir da etimologia da
palavra “fontes”, foram encontrados termos que remetem seu significado à origem,
causa primária de um fato, princípio ou nascente103. Porém, em Campos e Cury (1997),
podemos encontrar uma análise epistemológica que ressalta o papel das fontes como
matrizes que permitem que os significados emitidos a partir delas circulem e
possibilitem a investigação de um determinado objeto, gerando conhecimento. Nesta
concepção, as fontes representam mais que noções primárias, não aperfeiçoadas,
congeladas no tempo. Elas têm uma função relacional ao fazerem circular opiniões que

102
O Dispositivo Digital de Imagem Interativa Fontes foi programado por Mirela Lisboa e disponibilizado
na web dentro do domínio bitspoeticos.com. no dia 2 de outubro de 2010. O website hospedeiro,
bitspoéticos.com é um subproduto desta dissertação e representa a metodologia de pesquisa empregada
através da consulta de centenas de websites relacionados à arte mídia. Sua programação foi realizada
por Maria de Fátima Gomes Machado Vianna.
103
Dicionário Aurélio Online. Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/Fonte
74

brotam a partir delas, deslocando o significado dos objetos. Sem dúvida, definição
bastante pertinente para o software desenvolvido, uma vez que o dispositivo permite o
pensamento imagético ao destruir a significação das mensagens em prol de uma
comunicação pictórica. O processador de textos serve apenas para a formação de uma
imagem dinâmica. As fontes dos textos, possuidoras de um significado conjunto dentro
da mensagem enviada, foram destituídas de suas funções de representação anteriores,
reconfiguradas para cumprir um novo objetivo sígnico.

O layout inicial foi realizado através de estudos de composição nos softwares


gráficos Photoshop e CorelDraw, a partir dos quais surgiu a primeira proposta enviada à
programação, em outubro de 2008 (Apêndice F). Um processo dinâmico de criação
gráfica se estabeleceu envolvendo artista e técnico para a busca conjunta de soluções
dentro das possibilidades do software de programação. Algumas das diretrizes
propostas são determinações exclusivamente pessoais, outras realizadas a partir do
debate acadêmico. A principal determinação inicial foi estabelecer um padrão visual que
permitisse a configuração das mensagens sem a possibilidade de serem lidas. Para
isso foram realizados testes com diferentes tamanhos de letra, disposições dos
caracteres e padrões de cores. Porém a linguagem escolhida para a programação 104
impôs algumas limitações quanto à utilização de planos de profundidade,
transparências, sombras e matizes de cor. O processo de criação desenvolvido foi
similar ao do artesanato da pintura ou da gravura, burilando, acrescentando ou
suprimindo elementos.

Um dos temas surgidos durante a elaboração do dispositivo referia-se à


necessidade ou não de fechamento da imagem em uma caixa retangular, padrão ao
qual estamos cada vez mais acostumados ao representar imagens. De fato, o filósofo
Vilém Flusser (2007) observa que as superfícies de representação que hoje nos
circundam – seja na televisão, nas telas de cinema, nos cartazes, nas revistas
ilustradas –, raras no passado, exercem um papel cada vez mais importante na vida
humana. Isso se deve ao fato de o pensamento oficial do Ocidente sempre ter se
expressado mais através das linhas escritas do que das imagens. A mídia digital

104
(Php - Hypertext Preprocessor)
75

interativa como suporte de transmissão apresenta características próprias que impõem


uma estrutura diferente ao pensamento, fogem à limitação representativa da imagem
estática. Não avançaremos aqui sobre o novo processo de comunicação que se
estabelece, questão vista anteriormente. O que importa indicar agora é que a
preocupação com a limitação da superfície física, material, não é um problema a ser
enfrentado no meio digital. No mundo virtual, o modo de transmissão não exige um
formato preestabelecido, como podemos demonstrar no exemplo a seguir (fig.3), no
qual a imagem gerada pelo dispositivo Fontes é vista através de um programa gráfico
em três dimensões105. São muitas as mediações possíveis utilizando os dados
matemáticos da programação: projeções luminosas, realidade ampliada106 e mídias
locativas, são alguns dos exemplos. Não existe a obrigação de enquadramento
retangular, como visualmente estamos acostumados a observar nos suportes
tradicionais de transmissão de conhecimento, como o papel, a tela de pintura ou o
monitor de televisão.

Fig.3 Projeto Fontes aplicado em software 3D

105
Programa 3Dmax, visualizando o arquivo na extensão (.WRM)
106
Entre outras definições, a realidade aumentada pode ser definida como o enriquecimento do ambiente
real com objetos virtuais, usando algum dispositivo tecnológico, funcionando em tempo real
(SISCOUTTO; COSTA, 2008, p. 17). Cf. Realidade aumentada: conceitos, projeto e aplicações. Livro do
Pré-Simpósio (X Symposium on Virtual and Augmented Reality). João Pessoa (PB), 13 de maio de 2008.
Disponível em: http://www.ckirner.com/download/livros/Livro-RVA2007-1-28.pdf
76

6.2 http:// fontes.bitspoeticos.com : estrutura de acesso e navegação

A organização da página na web onde seria instalado o programa sofreu


diversas alterações durante o seu desenvolvimento (Apêndice G). A clareza das
informações de uso, a facilidade de navegação, a simplicidade dos comandos, o tempo
adequado à experimentação e o foco nos usuários foram analisados tendo em vista a
107
usabilidade do aplicativo. O bom arranjo da informação pode facilitar e atrair usuários
a utilizar o aplicativo, razão pela qual diversas mudanças foram realizadas a partir do
projeto original. “O processo de criar qualquer coisa é aproximadamente o mesmo”,
afirma o teórico norte-americano Nathan Shedroff (1999, p. 267), pioneiro dos estudos
do design de interação de informações, para ressaltar que o aspecto mais importante
na criação do design é possibilitar que haja condições para a troca de informações e
experiências, qualquer que seja a mídia em que se estiver trabalhando. Segundo o
autor, muito embora as pessoas sintam mais prazer em participar de produtos
interativos em que possam se expressar, deve-se dar atenção especial à forma de
condução do participante dentro da experiência fornecida, para que não gere angústia
naqueles não acostumados a utilizar ferramentas tecnológicas. Dessa forma, a
sequência das páginas na web, ou seu projeto de navegação, foi organizado de três
diferentes maneiras até que fosse conseguido um diálogo visual (e mesmo textual)
direto e fácil entre os participantes.

O primeiro teste público aconteceu no dia 8 de julho de 2010108, na Escola de


Belas Artes / UFRJ, permitindo que fosse estabelecido um proveitoso debate entre os
participantes que mais tarde influenciaria na alteração de alguns itens da programação,
como no caso da alternância de cores, até então limitada a uma faixa da escala por
razões puramente autorais.

107
Usabilidade diz respeito aos aspectos de eficiência e eficácia no uso de aplicações. Eficiência seria o
grau da capacidade de executar as funções ou operar a aplicação. Eficácia seria o efeito da operação.
Ou seja, além de conseguir operar, é importante que a operação traga algum resultado positivo ou
benefício. (Centro de Computação da Unicamp, 2002. Disponível em:
http://www.ccuec.unicamp.br/treinamento_int2004/webpro/implantar/implantar_usabilidade.html)
108
Utilizado na disciplina Laboratório de Experimentação Cenopoética, coordenado pela Professora Dra.
Angela Leite Lopes.
77

7 Considerações finais

Não pode haver liberdade senão fora da linguagem.


Roland Barthes (2007a, p. 15)

As manifestações artísticas contemporâneas com uso da tecnologia digital têm


sido denominadas como Arte Mídia por diversos autores. Fazem parte de uma nova
cultura que se estabelece dentro de um contexto em que arte, ciência e tecnologia
interagem e se influenciam. Diversas disciplinas, como a filosofia, a arte, a
comunicação, a antropologia e a sociologia se inter-relacionam para explicar o atual
contexto social. Noções e conceitos estão sendo criados ou revistos em todas as áreas
do saber em função dos recursos tecnológicos digitais que nos permitem representar
coisas que não podíamos descrever. As relações dos indivíduos em sociedade se
transformam para aceitar um conhecimento plural, aberto às múltiplas entradas de
informações culturais de um mundo conectado em rede. Na arte, da mesma forma, o
caminhar das experimentações estéticas tem permitido a incorporação de uma
imagética que expande os horizontes artísticos às mídias. Pensa-se agora em um novo
estatuto para o espectador, o artista e a obra.

A proposição poética Sob palavras e imagens, publicada na web em outubro de


2010, corresponde à parte prática e experimental da dissertação de mestrado realizada.
Considerando que a parte textual desse trabalho serviu para apresentar um amplo
panorama da Arte Mídia, objetivo proposto e executado, pode-se afirmar que a
discussão dos diversos temas da Arte Mídia influenciaram na direção final do resultado
obtido na atividade prática. O complexo processo realizado, entre as demandas
técnicas do dispositivo e as leituras, pesquisas e debates para a elaboração do texto
apresentado, proporcionaram a amplificação da experimentação. De fato, inicialmente a
proposição poética pensava a possibilidade da conformação de uma imagem estética
gerada independentemente de uma ação direta do artista, ou seja, uma imagem
produzida através da programação de um dispositivo digital. À medida que se avançou
na discussão teórica, uma possibilidade de maior abrangência artística foi vislumbrada
e perseguida.
78

A razão é simples: ficou evidente que houve uma limitação poética na


abordagem prática. Trabalhos interativos possuem características próprias que
permitem explorações poéticas diferentes das manifestações tradicionais da arte, quase
sempre relacionadas à imagem estática. Virtualidade e interatividade são parâmetros
intrínsecos à nova mídia, não explorá-los em toda sua potencialidade significa
desprezar o que esse suporte traz de novo, ou fazer um mau uso de uma “ferramenta”.
Existe um território novo a ser explorado, razão pela qual diversos autores tentam
mapear dissecando as novas condições de criação, ou seja, a importância do
espectador (agora como participante da construção do sentido poético) e a preferência
pelos processos e contextos em relação à criação de objetos de arte. A leitura rápida
dos textos apresentados sobre Arte Mídia pode levar à confusão de acreditar em uma
determinação teórica de criação de uma nova linguagem, como ocorria no Modernismo
e seus manifestos. Definia-se um campo de exploração para investigação, ora do
sujeito, ora do objeto. Atualmente, a exploração artística contemporânea não se dirige
especificamente ao encontro de novas linguagens, mas procura reconhecer a forma
como essas mídias funcionam: utilizam o espectador na construção do sentido da obra,
são dependentes de um contexto e baseadas no tempo. Por que só agora utilizamos as
mídias de comunicação de forma corriqueira para a exploração artística é a pergunta
que se faz dentro deste campo interdisciplinar. Seja na filosofia e na estética, na
arqueologia das experimentações precursoras ou nos estudos da percepção, diversos
autores buscam as respostas.

Mas qual foi a mudança ocorrida entre o objetivo inicial e o final de Sob palavras
e imagens? A pretensão inicial da proposição artística, arte baseada em software
denominada Fontes dispositivo digital de imagem interativa, focava a possibilidade de
múltiplas configurações da imagem: será que uma delas pode nos falar aos sentidos de
forma especial? Era a proposição feita para especular sobre a criação de uma imagem
estética conformada sem a manipulação controlada por um autor, ou de vários, como
na proposta. A composição era o objetivo, da mesma forma que num quadro, anúncio,
gravura ou escultura. Acontece que os trabalhos interativos possuem características
dinâmicas que não só permitem novas abordagens poéticas, mas quase às exigem.
Uma das principais é sua relação fundamental com o parâmetro temporal, fato que
79

remete às considerações que envolvem sucessão, comparação, expectativa e resposta.


Além disso, por serem baseadas em dados, essas experimentações independem de um
suporte específico de apresentação, possibilitando a escolha da mediação em relação à
finalidade pretendida.

Na proposição Sob palavras e imagens, o texto utilizado como elemento plástico


permite diversos tipos de estímulos imagéticos, que, até a etapa final do trabalho,
estavam sendo desconsiderados em favor dos parâmetros clássicos de criação:
composição, luzes e sombras. Que frase foi escrita primeiramente e soterrada por
tantos discursos? Poderia ser uma proposição, como outras foram aventadas em
nossos debates. De fato, utilizar uma frase como detonadora do processo de libertação
imagética do participante, representa estabelecer uma marcação temporal a partir da
qual se podem fazer diversos tipos de especulação poética. Assim, para que fosse
oferecida ao participante a chance de “viajar” através de uma avenida de novos
significados, foi escolhida a frase Sob palavras e imagens, denominando também o
nome do projeto.

Com certeza a etapa inicial do trabalho prático realizado sentiu os efeitos de uma
predisposição pessoal impregnada por anos de prática e estudo das imagens da pintura
e da gravura. A frase Sob palavras e imagens, inscrita na entrada do website http://
fontes. bitspoéticos.com, pretende conduzir o usuário a libertar o pensamento imagético
a considerar relações subjetivas entre mensagens, indivíduos e configurações da
imagem. Afinal, uma enorme quantidade de relatos pessoais estão postados e cobertos
por outras falas dentro do processo de construção da imagem. Os signos e não signos
dos textos foram abandonados em favor de uma comunicação visual pictórica,
explorando a forma das letras que a compõem para estimular o participante a deixar um
registro. O estímulo apresentado, a frase que nomeia a proposição artística, pretende
fornecer um ponto de vista ao participante para que ele se deixe levar por um
pensamento especulativamente poético. Sob palavras e imagens relaciona dois códigos
diferentes, o primeiro conceitual e objetivo, relacionado à leitura das mensagens; o
segundo, imagético e subjetivo, depende do estabelecimento de pontos de vista para o
seu entendimento. O jogo se estabelece pelo sentido dado pelo texto ao supor que há
algo a descobrir escondido dentro da imagem. Um ponto de vista oferecido ao
80

participante para estimular a descoberta de outros sentidos não evidentes. As imagens


conformadas não fornecem significados absolutos, servem como instrumentos de troca
e comunicação. Permitir que o pensamento imagético possa fluir através das
mensagens que estão quase silenciadas pela sua sobreposição e distorção formal
(porém, que ainda podem ser lidas pesquisando os textos enviados) podem liberar
novos sentidos e significações.

Neste trabalho, pudemos abordar algumas das influências que o advento da


tecnologia digital está exercendo na cultura, redefinindo nossa maneira de
relacionamento com o mundo. As extensões e consequências sociais do
estabelecimento de uma sociedade de comunicação generalizada através das
tecnologias digitais ainda prometem muito debate. De fato, o pensamento moderno,
sempre aberto ao efêmero e ao transitório, parece continuar seu caminho,
reorganizando mais uma vez toda estrutura social. Vivemos o diverso, esbarramos no
“outro” e agora tentamos descobrir maneiras de trocar formas de convívio e
conhecimento. A arte, tão hermética e afastada do público, parece se aproximar,
cativada pela atraente avenida aberta pelas tecnologias de comunicação. Uma
possibilidade conquistada pelos artistas bem antes da tecnologia digital sonhar em
acontecer, pelas atitudes de artistas como Marcel Duchamp ou de pensadores como
Nietzsche, que contribuíram para que as atuais abordagens artísticas fossem possíveis.
Cabe agora relacionar o conhecimento adquirido de séculos de expressão artística a
essas surpreendentes e inovadoras conquistas.
81

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