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XIII Simpósio Nacional da ABCiber

Virtualização da vida: futuros imediatos, tecnopolíticas


e reconstrução do comum no cenário pós-pandemia.
16 a 19 de dezembro de 2020 – Escola de Comunicações
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

PERSPECTIVAS PARA UM SISTEMA DAS ARTES VISUAIS CONECTADO:

NOVO MODELO DE NEGÓCIO OU ALTERNATIVA EFÊMERA1

Verena Carla Pereira2

Este trabalho tem como tema o processo de digitalização e virtualização do


sistema das artes visuais impulsionado pela pandemia do COVID-19. A fundamentação
do estudo está pautada em relatórios técnicos publicados no primeiro semestre de 2020,
palestras e mesas de debate realizadas por órgãos de referência do setor, além de
periódicos jornalísticos e científicos que versaram sobre o tema e, por fim, na
apresentação de alguns estudos de caso, que ilustram as práticas adotadas por alguns dos
atores que compõem o chamado sistema das artes. Assim, este texto tem por objetivo
explicitar um diagnóstico sobre o sistema das artes visuais, elucidando sobre os desafios e
as alternativas traçadas pelas instituições artísticas e culturais até o momento, no que
tange particularmente a suas adaptações para o uso das Tecnologias da Informação e da
Comunicação (TICs). Por último, buscamos discutir sobre as potenciais perspectivas a
serem adotadas pelo setor em um futuro breve.

Antes de nos debruçamos sobre a exposição do estado atual do sistema das artes
visuais no contexto da pandemia, é importante entender como se estabelecem e se
relacionam os diversos integrantes que compõem esta rede. A pesquisa realizada pelo
Projeto CÓRTEX, liderado pela pesquisadora Maíra Endo, traça um mapa do sistema
artístico da cidade de São Paulo, mas que pode ser apropriado em um contexto ampliado
para se entender os diversos componentes deste sistema. Assim, tendo por base a
pesquisa citada, os diversos agentes que compõem o setor artístico visual estariam
organizados em torno de três grandes circuitos: circuitos institucionais (museus de arte,
arquivos e acervos, faculdades de arte e centros culturais), circuitos independentes

1
Artigo apresentado ao Eixo Temático 20: Economia Colaborativa, Economia do Compartilhamento e
Novos Modelos de Negócios, do XIII Simpósio Nacional da ABCiber.
2
Professora no Centro Universitário Padre Anchieta e Professora Colaboradora na UNICAMP. Doutora em
Artes Visuais (UNICAMP). E-mail: vcarlap@gmail.com
XIII Simpósio Nacional da ABCiber
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16 a 19 de dezembro de 2020 – Escola de Comunicações
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

(ateliês, espaços de arte e espaços culturais) e circuitos comerciais (galerias de arte, feiras
de arte e exposições). Para este artigo, iremos evidenciar o que se refere ao uso das TICs
no contexto da pandemia pelos circuitos institucionais, principalmente o que tange os
museus e centros culturais, e pelos circuitos comerciais.

Visando em um primeiro momento uma alternativa emergencial para a


continuidade das atividades do setor, as mais diversas instituições que operam nestes
circuitos empreenderam ações com vistas a fomentar sua presença online. O uso das TICs
pelos vários atores que compõem o sistema da arte não se restringiu à transferência dos
funcionários para o trabalho remoto. No primeiro semestre de 2020, a UNESCO publicou
um relatório traçando uma estimativa inicial sobre a forma como a pandemia afetou
especificamente o setor dos museus ao redor do mundo. A pesquisa destaca que a maior
parte dos investimentos realizados na promoção de ações virtuais dos museus começou a
ser feita após o início da pandemia. Entre as ações desenvolvidas estão: a
disponibilização do acervo e das exposições online, a realização de conferências e
palestras via webinar e a realização de atividades educativas, de visitas virtuais e de
treinamentos. A expansão para o virtual também se manifestou no incremento do uso das
redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram) para a disponibilização e mediação de tais
acervos. Além disso, as instituições também apontaram a criação de canais no Youtube e
no SoundCloud como estratégias virtuais de promoção dos espaços museológicos.

Os desafios para a implementação da presença online dos museus são variados,


desde a necessidade de digitalização do acervo, que demanda um inventário
relativamente atualizado das coleções; uma estrutura tecnológica para a digitalização;
uma estrutura de armazenamento de dados; e uma equipe que possa se dedicar a tais
operações. De acordo com o relatório do Conselho Internacional de Museus (ICOM),
publicado também no primeiro semestre de 2020, cerca de 84% dos funcionários dos
museus consultados aderiram ao trabalho remoto durante a pandemia. Entretanto, o
relatório aponta que somente cerca de 26,1% dos museus possuem uma equipe exclusiva
para a produção de ações digitais, mesmo quando a presença online (após a situação de
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pandemia), aumentou 47,49%, considerando a disponibilização do acervo online, a


realização de lives e concursos.

Pesquisa feita no primeiro semestre de 2020 pela Art Basel e pelo grupo UBS com
cerca de 800 galerias de 60 países buscou fornecer um relatório inicial sobre como a
pandemia impactou o setor global de galerias. Entre as principais conclusões
apresentadas pelo relatório temos: comparando os primeiros seis meses de 2020 com o
mesmo período de 2019, as galerias informaram que o valor de suas vendas caiu 36% em
média. Entretanto, a participação das vendas online subiu de 10% das vendas totais em
2019 para 37% no primeiro semestre de 2020. Das vendas online relatadas, 26% foram
para novos compradores, ou seja, aquelas com os quais a galeria nunca teve contato
pessoal.

Outro dado importante apresentado discorre sobre a relação que se opera no


sistema da arte entre as galerias e as feiras de arte. A pesquisa revelou que as salas de
exibição online (Online Viewing Rooms) de feiras de arte e plataformas online de
terceiros foram usadas por pouco mais de um terço dos colecionadores para comprar
obras de arte no primeiro semestre de 2020 e 32% compraram diretamente pelo
Instagram.

Por último, é preciso também citar a instabilidade que a pandemia gerou no


circuito das exposições de arte, como por exemplo as bienais e trienais: cerca de 43
mostras bienais ocorreriam em 2020 – parte substancial já foi ou está em vias de ser
cancelada ou adiada, fato que também impulsionou a realização de atividades online por
estes eventos.

Os relatórios apresentados anteriormente nos trazem dados contundentes para uma


visão geral dos impactos gerados pela pandemia do COVID-19 no sistema das artes
visuais, principalmente no que concerne ao setor de museus, galerias, feiras de arte e
exposições. A partir disto podemos dissertar sobre quais as alternativas empreendidas
pelos componentes deste sistema e quais as perspectivas futuras para o setor. Observa-se
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que o uso das TICs como ferramentas de mediação pelas instituições que compõem o
sistema das artes visuais tem se revelado de forma heterogênea no contexto da pandemia.
Considerando as geografias e instituições distintas que compõem o sistema, notamos
diversas alternativas sendo desenvolvidas na busca da sobrevivência do setor. Este
trabalho pretende também discorrer sobre alguns exemplos práticos de uso das TICs pelas
instituições que compõe o sistema das artes visuais.

É circunstancial a compreensão de que as artes visuais, em seu circuito de difusão,


circulação e comercialização, enfrenta agora uma necessidade de remodelamento inédita.
Reformulações que outras expressões artísticas, como o cinema ou a música, já estavam
atravessando nos anos anteriores, com a emergência de novos formatos e novas
plataformas de distribuição e mediação. O consumo destas outras expressões, por
exemplo, já estava amparado em práticas caseiras bem antes da pandemia; no entanto, as
artes visuais, assim como o teatro, ainda sobreviviam em suporte majoritariamente
presencial, com a fruição diante da obra pela via comunitária, pelo uso coletivo do espaço
e dependente do encontro.

A artista e professora Giselle Beiguelman, em seu recente livro Coronavida:


pandemia, cidade e cultura urbana (2020), faz o contundente apontamento de que:

Com a pandemia, descobrimos que museus, galerias e instituições culturais estão


na idade da pedra da Internet. Atropelados pela pandemia e sem conteúdo
artístico e cultural criado para a web, aderiram aos únicos campos da vida on-line
que conhecem: redes sociais, e-commerce e saídas de emergência apontadas para
o Google Arts Institute. (Beiguelman, 2020, p. 22)
Os relatórios e os exemplos a serem apresentados neste trabalho denotam a pouca
preparação do sistema das artes visuais para se adaptar à realidade do virtual e do digital
que a pandemia nos impôs. Tendo em vista que a experiência do espaço artístico
tradicionalmente se deu como uma experiência de negociação coletiva presencial,
buscaremos levantar os seguintes questionamentos: os meios digitais conseguirão assumir
a função desse espaço de distribuição de mensagens da mesma forma como tais
mensagens são passadas em situações programadas dentro do espaço de museus e
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galerias? O mundo organizado a partir do espaço virtual daria conta de reproduzir a


experiência humana? Conseguirão estes espaços fomentar um reconhecimento da
produção artística virtual?

Palavras-chaves: Sistema da arte; pandemia; Tecnologias da Comunicação e da


Informação; Artes Visuais.

Referências

ABACT; APEX Brasil; PROJETO LATITUDE. Pesquisa Setorial: o mercado de arte


contemporânea no Brasil. Dez. 2018. Disponível em:
<http://latitudebrasil.org/media/uploads/arquivos/arquivo/2018-11-30_pesq.pdf >. Acesso em 20
out. 2020.
ART BASEL & UBS. Report The Impact of COVID-19 on the Gallery Sector. 2020.
Disponível em: <https://www.artbasel.com/about/initiatives/the-art-market>. Acesso em 06 out.
2020.
BEIGUELMAN, Giselle. Coronavida: pandemia, cidade e cultura urbana. São Paulo:
ECidade, 2020.
BRANCO, Fernanda Castello. Exposições no mundo pós-covid e as novas formas de receber o
público. Itaú Cultural. 22 jul. 2020. Disponível em:
<https://www.itaucultural.org.br/exposicoes-mundo-covid-novas-formas-receber>. Acesso em 16
set. 2020.
CALABRE, Lia. A arte e a cultura em tempos de pandemia: os vários vírus que nos assolam. In:
Revista Extraprensa, v.13, n.2, p. 7-21, 2020. Disponível em:
<https://doi.org/10.11606/extraprensa2020.170903>. Acesso em: 28 set. 2020.
IBERMUSEUS. Relatório - O que os museus necessitam em tempos de distanciamento físico.
Resultados da pesquisa sobre o impacto do COVID-19 nos museus ibero-americanos.
Brasília: IBERMUSEUS, 2020.
INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS. ICOM. Report - Museums, museum
professionals and COVID-19. Paris: ICOM, 2020
PROJETO CÓRTEX. Disponível em: < http://cortex.art.br>. Acesso em 20 out. 2020.
PYANO, Mariana. Qual vai ser o futuro das artes? Gama Revista. 20 jun. 2020. Disponível em:
< https://gamarevista.com.br/conversas/qual-vai-ser-o-futuro-das-artes/?
utm_medium=Email&utm_source=nexoassinantes&utm_campaign=EscolhasGama>. Acesso em
21 jul. 2020.
UNESCO. Museums Around the World in face of COVID-19. Paris: UNESCO, 2020.
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16 a 19 de dezembro de 2020 – Escola de Comunicações
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

UNESCO. Recommendation concerning the Protection and Promotion of Museums and


Collections, their Diversity and their Role in Society. Paris: UNESCO, 2015.

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