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As novas tecnologias da informação e a experiência

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Adriano Rodrigues
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As novas tecnologias da informação e a experiência
Adriano Duarte Rodrigues
Universidade Nova de Lisboa
1998

Índice bens culturais, aos meios de expressão e de


exercício do poder.
1 As vantagens e as oportunidades das Devido à sua natureza interactiva, as NTI
novas tecnologias da informação 1 põem finalmente à disposição de um número
2 As atitudes críticas 2 cada vez maior de cidadãos, independente-
3 As novas condições de percepção 3 mente do lugar em que vivem, a possibili-
4 O confronto entre as visões eufórica e dade, não só de reagir às mensagens e aos
pessimista das NTI 4 produtos culturais disponíveis nas redes, mas
5 Para uma ultrapassagem das aporias também de exprimir livremente as suas opi-
da técnica e da modernidade 4 niões e de partilhar os seus saberes, contri-
buindo assim para uma participação, quase
1 As vantagens e as em tempo real, na criação cultural e para o
oportunidades das novas exercício dos direitos e dos deveres da cida-
dania. Embora se trate ainda de experiências
tecnologias da informação tímidas, os clubes literários cibernéticos de
A liberalização do acesso aos produtos cul- criação poética, ensaística e ficcionista assim
turais, o aumento da transparência dos po- como os debates por meio da internet sobre
deres instituídos e o incremento da liberdade as mais controversas questões que dividem
de expressão são as principais vantagens que actualmente a opinião pública representam
costumam ser atribuídas às novas tecnolo- de algum modo o prenúncio de novas moda-
gias da informação, às NTI. Pelo facto de lidades, mais espontâneas e mais alargadas,
porem à disposição de um grande número de de criação cultural e de vida democrática.
utilizadores, a preços cada vez mais acessí- Estariam assim instituídas ou, pelo me-
veis, e de fazerem circular em profusão uma nos, em vias de instituição as condições para
grande diversidade de produtos culturais, as a ultrapassagem dos impasses da massifica-
NTI são vistas por muitos como um remé- ção homogenizadora do pós-guerra e do con-
dio para um dos males crónicos das socieda- sequente indiferentismo político, da era dos
des humanas, o da disparidade de acesso aos meios de comunicação de massa, nomeada-
mente do monopólio da televisão generalista.
2 Adriano Duarte Rodrigues

A recente diversidade e os recursos da inte- tagens da diversificação e da interactividade


ractividade que as NTI proporcionam acom- não passariam de vantagens ilusórias.
panharia agora, sobretudo a partir dos mea- O recente incremento das novas tecnolo-
dos dos anos oitenta, o processo de fragmen- gias da informação não proporcionaria uma
tação e de segmentação dos públicos, respei- efectiva transparência nem uma maior parti-
tando assim os interessses e os desejos dos cipação e emancipação política, mas corres-
utilizadores, assim como os valores da parti- ponderia a uma nova estratégia de domina-
cipação política directa. ção, jogando com os procedimentos indolo-
A abertura da televisão à iniciativa pri- res da sedução, estratégia que contaria dora-
vada, a satelização, a digitalização, a cabla- vante com a cumplicidade dos próprios cida-
gem, a instalação de redes de banda larga dãos. A dominação poderia agora economi-
parecem de facto ter criado novas oportuni- zar, com vantagem, os dispositivos tradicio-
dades para a instauração de uma sociedade nais da repressão e da violência para a im-
mais transparente. Além de assegurarem a posição da conformidade aos modelos domi-
satisfação de funções de lazer e de diverti- nantes.
mento, proporcionam a criação de condições As mais recentes redes telemáticas não
para uma maior democracia política, para o ofereceriam uma autêntica diversidade de
acesso à cultura e à ciência de um maior nú- modelos culturais e políticos, mas uma mul-
mero de cidadãos, assim como novas condi- tiplicidade aparente, feita de variações dos
ções, mais eficazes e cómodas, para o exer- mesmos modelos, interiorizados no decurso
cício das actividades profissionais, económi- de um eficaz processo de inculcação ideoló-
cas e empresariais. gica, prosseguido ao longo das últimas déca-
das.
Para este longo processo de interioriza-
2 As atitudes críticas
ção dos modelos culturais contribuiria aliás
A contrariar esta visão optimista da evolu- a própria lógica dos mais recentes inventos
ção tecnológica, alguns autores continuam, tecnológicos. Em virtude da sua natureza
no entanto, a olhar com desconfiança estas sistémica, os novos inventos apresentar-se-
vantagens. O fundamento das críticas conti- iam agora como dispositivos, como técnicas
nua a ser o mesmo que, já nos anos quarenta, naturalizadas, organizadas de acordo com a
animava a Escola de Francforte, inspirando estrutura e o modo de funcionamento dos se-
nomeadamente Horkheimer, Adorno e Mar- res vivos.
cuse, que sublinhavam, no seu requisitório, O progressivo processo de miniaturização
a correspondência entre a indústria cultural e apresentar-se-ia como a manifestação mais
os movimentos fascisantes. evidente desta naturalização da técnica e
Embora actualmente se apresentem a uma prestar-se-ia particularmente bem à sua in-
nova luz, tomando em consideração as no- corporação, tornando assim cada vez mais
vas circunstâncias criadas pelos recentes in- imperceptíveis a sua estrutura, a sua lógica
ventos técnicos, as críticas às NTI continuam e o seu modo de funcionamento. Atingido
hoje a sublinhar idêntica correspondência, o nível sistémico, o funcionamento dos no-
na medida em que consideram que as van- vos dispositivos técnicos seria cada vez mais

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As novas tecnologias da informação e a experiência 3

autónomo em relação à capacidade de com- realidade perderia a sua transcendência, dei-


preensão do utilizador. A experiência técnica xaria, por conseguinte, de ser aquilo que nos
tornar-se-ia assim cada vez mais uma expe- resiste, para se tornar progressivamente na-
riência alienante, na medida em que sería- quilo que é tecnicamente realizável.
mos votados a um devir de utilizadores ou As relações sociais deixariam de estar de-
de usuários de dispositivos de que só uma limitadas dentro das fronteiras das comuni-
minoria compreenderia a estrutura e o fun- dades concretas onde se desenrola a convi-
cionamento. vência directa e imediata, alimentada pela
Os críticos sublinham, de entre as con- memória dos tempos fortes vivenciados em
sequências desta mutação técnica, a pro- comum; passariam a alargar-se progressiva-
funda alteração das modalidades de percep- mente até aos limites das redes telemáticas,
ção tanto do mundo natural e do mundo das independentemente da natureza simbólica e
relações sociais como do mundo subjectivo. da espessura da experiência comum. Tornar-
De facto, até à generalização do funciona- se-iam relações assépticas, aleatórias e efé-
mento das NTI, a percepção do mundo na- meras, dependentes, já não da experiência
tural fundava-se na adequação ou na corres- vivida em comum, mas da performatividade
pondência das coisas percepcionadas com a da conexão às redes telemáticas. As relações
nossa representação, a percepção das rela- sociais já não seriam relações entre pessoas
ções sociais dependia das instituições soci- concretas, não só com uma história pessoal,
ais que estruturavam as comunidades de per- mas com uma individualidade corporal e dis-
tença e de referência, a percepção de nós tintiva, mas conexões de bites, sem história
próprios era estruturada, de maneira relati- nem espessura corporal, ao sabor da navega-
vamente estável, a partir do lugar que ocupá- ção aleatória através das redes telemáticas.
vamos no seio das instituições sociais. Os próprios limites da experiência da
vida individual, da experiência da vida e da
morte, estariam em vias de se tornar fluidos e
3 As novas condições de
movediços, na medida em que dependeriam
percepção cada vez mais da performatividade e das vir-
As novas tecnologias da informação altera- tualidades das técnicas da vida. Não admira
riam radicalmente estes processos de fun- por isso que a identidade individual se esteja
damentação da nossa percepção, pelo facto a tornar cada vez mais uma questão contro-
de implicarem a tecnicização generalizada versa, como o demonstra o recente e intermi-
da totalidade da nossa experiência, tanto da nável debate acerca da definição das frontei-
nossa experiência do mundo natural como da ras que marcam tanto o início como o fim da
experiência do mundo social e do mundo da vida. A nossa própria identidade estaria, por
experiência de nós próprios. conseguinte, a tornar-se aleatória e fluida, ao
Deste modo, a percepção do mundo na- sabor das relações efémeras e conjunturais
tural estaria a tornar-se o resultado da pró- definidas pela nossa conexão às redes tele-
pria performatividade técnica, convertendo- máticas. Os debates acerca da paternidade e
se cada vez mais numa realidade virtual. A da maternidade, na sequência da generaliza-
ção do uso das técnicas da reprodução medi-

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4 Adriano Duarte Rodrigues

calmente assistida, são a prova eloquente das mento e a crítica, mas projectos de promoção
mutações que estão a ocorrer no domínio da das NTI nas escolas, nas famílias, não só nos
percepção da experiência individual e da de- meios urbanos, tradicionalmente mais aber-
finição da identidade pessoal. tos a toda a espécie de inovações, mas sobre-
tudo nas mais longínquas aldeias e lugarejos.
Como os optimistas encaram as NTI como
4 O confronto entre as visões
remédio para todos os males da descrimina-
eufórica e pessimista das NTI ção, as tradicionais políticas de solidariedade
Para os optimistas, as críticas que acabámos entre os países ricos e o terceiro mundo de-
brevemente de descrever relevariam de uma veriam passar agora pela instalação de redes
atitude passadista, de ressaibos conservado- informáticas nas comunidades mais deprimi-
res, e seriam movidas pela nostalgia de uma das, esperando desse modo o advento de uma
sociedade ultrapassada. Denotariam uma nova ordem mundial.
incapacidade de adaptação às novas condi-
ções tecnológicas. Tratar-se-ia de uma ati- 5 Para uma ultrapassagem das
tude historicamente recorrente de resistên-
aporias da técnica e da
cia à inovação, atitude que costuma apare-
cer sempre que novas tecnologias vêm pôr modernidade
em causa a experiência tradicional, por alte- O confronto entre optimistas e críticos é inul-
rarem visões do mundo e modelos compor- trapassável, por ser ditado pela aporia cons-
tamentais profundamente enraizados. titutiva da experiência técnica e, por conse-
Tal como no passado, também agora estas guinte, da modernidade. Por isso, mais do
atitudes estariam destinadas a desaparecer, à que tomar partido por uma ou por outra ati-
medida que os novos dispositivos técnicos tude, aquilo que importa é compreender a
fossem sendo naturalizados, à medida que natureza das mudanças em curso, evitando
fossem sendo inventados e assimilados, pe- tanto as atitudes ingénuas do determinismo
los indivíduos e pelas sociedades, visões do tecnológico, dos que confiam na técnica para
mundo e esquemas comportamentais mais a solução dos problemas ecnonómicos, cul-
adequados às novas condições por eles pro- turais e políticos, como as atitudes passadis-
porcionadas. tas de resistência à inovação.
Uma vez que, passado o tempo da surpresa A tecnicização generalizada do mundo vi-
e da novidade, os novos dispositivos técni- vido tende a converter a dimensão simbó-
cos iriam sendo integrados positivamente em lica da experiência numa questão de ges-
novos hábitos e numa nova experiência cul- tão, como se as relações aos mundos na-
tural, a tarefa urgente seria, portanto, para os tural, social e subjectivo fossem doravante
optimistas, não a crítica, assimilada à resis- o resultado da intervenção técnica, devol-
tência nostálgica em nome da manutenção de vendo à sua performatividade as decisões e
valores ultrapassados, mas a militância in- a responsabilidade das suas consequências.
condicional assimiladora do novo. Impor- Deste modo, a visão eufórica dos que adop-
taria por isso implementar, não o questiona- tam a atitude optimista consiste na preten-

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As novas tecnologias da informação e a experiência 5

são de converter a experiência numa dimen-


são meramente gestionária. Reservar para o
domínio da decisão política apenas a consti-
tuição e a manutenção das redes não releva
apenas de uma atitude determinista ingénua;
parte do pressuposto errado de que a sociabi-
lidade poderá alguma vez resultar do funcio-
namento dos dispostivos técnicos.
Para a integração dos novos dispositivos
técnicos não basta por isso uma atitude vo-
luntarista, militante e promocional. Pressu-
põe a reelaboração e a refundação da identi-
dade individual e colectiva assim como dos
valores da sociabilidade a partir de um ques-
tionamento acerca dos fundamentos da expe-
riência da vida em comum.
Os inventos técnicos realizam a coexistên-
cia de sentidos contraditórios da experiên-
cia e apresentam por isso novas possibilida-
des de realização do imaginário, deslocando
incessantemente os investimentos ficcionais.
Daí a sua força encantatória. Estar aqui e
acolá, ser e não ser ao mesmo tempo. A pre-
sença e a ausência, o passado, o presente e o
futuro são dados simultaneamente, graças à
performatividade virtual das NTI.
A apropriação humana destas capacidades
técnicas não é por isso uma mera aprendi-
zagem da manipulação técnica dos dispositi-
vos; pressupõe uma indagação e um questi-
onamento acerca das faculdades imaginárias
da experiência, das suas dimensões ontoló-
gica, ética e estética.

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