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Conferência SOPCOM 2009

Dez propostas para uma filosofia das tecnologias da informação e


comunicação

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Artur Alves
Doutorando - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Resumo: Este trabalho pretende apresentar algumas propostas preliminares para a


estruturação dos problemas de uma filosofia da tecnologia aplicada às tecnologias da
informação e comunicação. As TIC podem ser integradas numa articulação geral entre a
condição humana, na sua situação no mundo, e os estados deste. Procura-se mostrar como
as mutações das TIC criam novas perspectivas sobre a ética, responsabilidade e evolução
do Homem para com e no âmbito das tecnoecologias instaladas e emergentes.

Palavras-chave: filosofia da informação, filosofia da tecnologia, tecno-ética, TIC

Abstract: This paper outlines a few preliminary suggestions for the structuring of
the problems of a philosophy of technology applied to information and communication
technologies. ICTs can be placed in a general articulation of the human condition - our
place in the world - and the condition of the world itself. We will try to show how the
changes undergone by the ICTs create new challenges and perspectives about the ethics,
responsibility and evolution of humankind towards and within the existing and emergent
technoecologies.

Keywords: philosophy of information, philosophy of technology, technoethics, ICT


1 Este trabalho foi realizado com o apoio da Bolsa de Doutoramento n.º SFRH/BD/22292/2005 da Fundação
para a Ciência e Tecnologia.

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Abreviaturas: TIC (ICT) - Tecnologias da Informação e Comunicação; NBIC -


nanotecnologias, biotecnologias, tecnologias da informação e ciência e tecnologias
cognitivas (tecnologias emergentes); RFID - identificação por radiofrequência.

Introdução

Uma das questões mais prementes da filosofia actual prende-se com a ubiquidade da
mediação tecnológica. De facto, a pressão criada pelo artificial traz contextos novos a todos
os campos da existência humana. A comunicação é, desde há séculos, a área de introdução
de diversos tipos de tecnologias que, projectadas no tempo e no espaço, se revelam
determinantes na construção de novas formas de existência e organização para as
sociedades. Assim, um esboço de uma nova filosofia, que possa lidar com as constantes
mutações neste campo, é uma tarefa relevante. Neste texto, procura-se responder aos
seguintes problemas: de que forma estão as tecnologias emergentes a modificar a
comunicação tecnologicamente mediada? Como se podem conjugar as tendências
depressivas da economia com um desenvolvimento sustentável para o globo? É necessário
repensar uma tecno-ética para tecnologias que prometem revolucionar o próprio conceito
de humanidade?
No centro destas preocupações está a questão do lugar do ser humano num ambiente
recriado por si e pelas suas criaturas artificiais. Especificamente, pretende-se contextualizar
a problemática do papel das tecnologias da informação e comunicação nesta deslocação da
centralidade do humano em favor do artificial, ou de uma hibridação funcional destas
categorias. Enquanto ferramentas, encontram-se largamente disseminadas, sob a forma das
redes de comunicação digitais, computadores, telemóveis, satélites, em grandes complexos
técnicos de pesquisa científica ou nas nossas casas. No seu papel de vectores de fluxos de
informação, efectuam uma mediação essencial, quer na tradução progressiva do mundo
material para bancos de dados, quer na disseminação de mensagens na esfera pública.
Esta diversidade de papéis das TIC confere-lhes um estatuto complexo que tem de

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ser convenientemente interrogado. A variedade de questionamentos a que são submetidas as


tecnologias da informação e comunicação não possibilita uma visão reducionista ou
sectorial. Assim, a tarefa de uma filosofia para as TIC terá de abordar os problemas
relacionados com a relevância desproporcional que elas adquiriram nas sociedades
contemporâneas.

1.

O problema primeiro de uma filosofia para as TIC deve ser a interrogação


sobre o lugar destas na situação ontológica do ser humano. As tecnologias da
informação e comunicação devem ser, assim, integradas numa noção de macro-
articulação das relações do ser humano com a sua envolvente.

O conceito de macro-articulação compreende historicamente as TIC, como um


conjunto de ferramentas que, sucessivamente, permitiram a expressão simbólica,
linguística, cultural, científica e religiosa do Homem, desempenhando ainda o papel de
arquivo cumulativo. Tecnologias e técnicas mediadoras por excelência, estabelecem-se no
encontro do sistema cognitivo-sensorial humano com o mundo, assumindo relevância
crescente à medida que o Homem adquire formas mais poderosas de acção sobre o mundo.
As novas TIC, como expressão última desta linhagem técnica (Simondon), demonstram um
considerável poder de retroacção sobre o aparelho cognitivo e sensorial: criam novas
formas de percepção (Benjamin), revolucionaram a investigação científica, recriaram os
meios de comunicação social e convocaram a realidade virtual da esfera da imaginação.
Propomos o conceito de macro-articulação como expressão da evolução da espécie
humana, em relação com a sua situação no mundo, isto é, com as suas manifestações
materiais ou simbólicas. Incluem-se aqui: o processo de hominização (tal como é abordado
na antropologia de Leroi-Gourhan), com a passagem para a forma fisiológica e cognitiva
actual; o desenvolvimento político-social da sociedade, nomeadamente através do
aperfeiçoamento do conhecimento e das técnicas; a evolução da representação simbólica e
dos processos de acumulação de conhecimento (ilustrado, por exemplo, através das

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sinergias entre o desenvolvimento da escrita e das organizações políticas, ou entre o


aparecimento da imprensa e a emancipação do conhecimento científico); e o uso do
conhecimento acumulado para a transformação do mundo da experiência. A sua articulação
corresponde, ao longo da história da espécie, com graus distintos de abstracção das funções
dos seres humanos, à externalização e maximização de capacidade de acção sobre o mundo.

2.

O ser humano é modificado no seu encontro com as tecnologias da informação


e comunicação, como vimos na Proposta 1. O mesmo acontece com o seu ambiente.
O mundo da vida é alterado pela sua instalação e difusão, e a própria "galáxia
Gutenberg" (McLuhan) é transformada numa infoesfera digitalizada, cada vez mais
alargada à bioesfera, com a qual se identifica, mas enquanto mapeamento totalizante.
Com esta alteração do mundo da experiência e da experiência do mundo, a diferença
enriquecedora das interpretações subjectivas corre o risco de se transformar numa
multiplicidade de análises objectivantes de fundo informacional. Para L. Floridi, «(...)
digital ICTs are re-ontologizing the very nature of (and hence what we mean by) the
infosphere, and here lies the source of some of the most profound transformations
and challenging problems that our information societies will experience in the close
future, as far as technology is concerned.» 2

A interdependência entre o ser humano e o seu ambiente corre o risco de ser


"escondida" por mais uma camada de abstracção, colocando o mundo natural e da vida
enquadramento digitalizado sem explicitar o seu entrelaçar sistémico. A aplicação das TIC
aos objectos inanimados que nos rodeiam acabará por reconfigurar a experiência do mundo.
O resultado será, por exemplo, a criação da "Internet das coisas", com a proliferação do
RFID (radiofrequency identification) e das integração dos indivíduos e dos objectos no

2 FLORIDI, 2007:4 (os números de página correspondem à versão disponível em


http://www.philosophyofinformation.net/publications/pdf/alitfioiool.pdf).

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espaço reticular da informação. A confluência das tecnologias NBIC, que pode ser
concebida como uma forma localizada de articulação (micro-articulação), que cria uma
forma tecnológica caracterizada pela hipótese do final de dicotomias como online e offline,
vivo e inanimado ou natural e artificial.
Com este conjunto de desenvolvimentos tecnológicos, pode estar em jogo uma
revolução tecnocientífica, com a respectiva alteração dos rumos e das prioridades
assumidos pela pesquisa e desenvolvimento, com os seus fluxos de capital (estatal e
privado) e atenção pública generalizada. Daí que seja relevante para a discussão uma
“atitude interrogativa” com enfoque especial na zona de confluência das tecnologias
emergentes. A forma como estas se desenham não corresponde aos padrões clássicos de
delimitação disciplinar; é algo de novo: uma estrutura científica reticular, com um grau de
integração e interdependência cada vez maior.
As TIC têm um papel múltiplo. Não só asseguram os fluxos de informação técnica
necessários ao próprio funcionamento do sistema tecnocientífico isoladamente considerado,
mas também actuam como ligação conceptual entre este e a sociedade. Os meios de
comunicação social, com o seu uso intensivo das TIC, participam da infoesfera, na sua
definição conceptual e no seu conteúdo ético-político.
A digitalização dos media, que se tornou uma das faces visíveis da globalização
económica e tecnológica dos últimos 30 anos, foi apenas o primeiro movimento na direcção
da informacionalização geral da realidade - quer a nível científico, quer de "administração
das coisas". Esta tradução, ou re-codificação, do Mundo confere-lhe uma plasticidade
generalizada, tornando possíveis práticas de fusão ou hibridação tecnológica a que o
próprio ser humano não escapa.
O risco de transformação do mundo da experiência a que já aludimos está
intimamente ligado a esta plasticidade do mundo informacionalizado. Criadas as condições
de modelagem e de reelaboração do real - com a sua tradução no virtual, ou pela produção
de novos artefactos -, a elaboração das interfaces assume uma importância vital para a
alteração da percepção e, consequentemente, da acção do ser humano. A performatividade
das NBIC assenta nesta capacidade de manipulação simbólica, que lhes é conferida pelas
TIC e encontra uma forma de modelização nas ciências da cognição.

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3.

As tecnologias emergentes não podem ser consideradas apenas sistemas


técnicos com efeitos sobre os sistemas sociais e naturais, nem sistemas sociais
assentes numa infraestrutura tecnológica. 3

Uma das características mais importantes deste conjunto de tecnologias é a re-


estruturação dos sistemas ecotecnológicos, integrando-os numa rede informacional e
manipulando os seus elementos materiais e informacionais básicos (átomos, moléculas,
ADN, genes). Assim, entre os principais vectores que destacariam as NBIC das formas
tecnológicas precedentes – justificando, assim, o seu estatuto de ponta na investigação,
desenvolvimento e financiamento científicos – encontramos o desejo de uma solução
tecnológica para problemas de origem humana (tecnológica e social), o que configura
aquilo a que se pode chamar uma tecnoutopia (v. proposta 10); a correcção de efeitos
naturais indesejáveis, equivalente ao controlo total da Natureza e, consequentemente, à
concretização de uma certa ideia de domínio. Especificamente, trata-se de um controlo
informacional das actividades dos agentes e do ambiente: as tecnologias da informação e
comunicação são extremamente importantes para a evolução tecnocientífica explosiva da
contemporaneidade, actuando como facilitadoras e intermediárias. Outra das ideias fortes
deste projecto, que o coloca firmemente ao lado do pós-humanismo, é amplificação de
capacidades humanas e animais, para aumentar a eficiência de características desejáveis.
Em termos gerais, este conjunto de factores é conducente a uma amálgama funcional
das NBIC. O complexo tecnocientífico que constitui não deixa nenhum sector por
mobilizar, o que, talvez pela primeira vez, traz para a discussão pública sobre as opções do
futuro da Humanidade uma forma de controlar a sua própria evolução. Ilustram uma
interdependência complexa que torna inútil a distinção entre o sistema social e a
tecnociência; interdependência, essa, que se aprofunda ao ritmo da crescente influência
desta nova forma tecnológica.

3 Cfr. HISCHEIM et al., apud MARCOS 2002:4.

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4.
As TIC identificam-se fenomenologicamente com uma parte substancial dos
fluxos de informação das sociedades desenvolvidas. Por outro lado, tornam possível a
sua produção, integração e reconstrução (mashing), onde é possível encontrar,
directamente envolvido, o ser humano e a sua experiência. Assim, têm de ser vistas
como uma encruzilhada híbrida de ciência, cultura e técnica - sujeitas a uma análise
multidisciplinar.

Enquanto parte das tecnologias emergentes (em conjunto com a nanotecnologia, a


biotecnologia e as ciências e tecnologias da cognição), as TIC desempenham um papel
importante na reconfiguração da paisagem tecnológica das nossas sociedades. O seu
carácter específico de tecnologia "condutora" ou "facilitadora" advém-lhes da sua posição
privilegiada no sistema de produção e distribuição da informação. Encontramos as TIC no
momento fundamental da pesquisa científica (ou melhor, tecnocientífica), na comunicação
do conhecimento produzido, na sua reformulação e discussão, na sua apresentação ao
público e, finalmente no seu arquivo. Como refere Luciano Floridi4, há uma identificação
total entre a forma da informação (mensagem) veiculada e a dos meios de transmissão. Essa
forma é o digital.
Esta identificação ontológica tem consequências para uma fenomenologia
tecnológica, e torna mais difícil aceitar a estruturação proposta por Don Ihde. Esta
dificuldade acentuar-se-á ainda mais à medida que os seres humanos e o seu ambiente
sejam integrados num só conjunto de ligações digitais; nesse ponto, a própria distinção
entre o objecto da percepção e a esfera cognitiva "intencionante" pode ser subvertida por
um apagamento da relevância da informação que não esteja imediatamente disponível na
rede. A realidade passaria a ser, assim, limitada à acção (praxis) sobre o mapeamento
artificial (e unívoco) do mundo.

5.

4 Cfr. FLORIDI 2007:5 segs.

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Os fluxos de informação transportados e criados pelas TIC disponibilizam


conhecimento a todos os membros das sociedades desenvolvidas, o que resulta numa
crescente responsabilização destes pela realidade política e social, quer a nível global,
quer local. Todavia, o grau desta responsabilidade tem de ser refreado pela literacia
democrática dos próprios cidadãos: o acesso não pode ser identificado com o uso
nem, consequentemente, com a acção.

Um cidadão interessado usa todos os recursos (legais) ao seu dispor para intervir e
exercer os seus direitos. Tal equivale a dizer que, hoje em dia, uma minoria de cidadãos
activos e com poder de mobilização – tecnologicamente letrados, evidentemente – pode ter
um espaço de intervenção desproporcional à sua dimensão, potenciado pelas tecnologias
digitais. Isto deve-se à confluência das características das tecnologias que aqui abordamos
com outros fenómenos políticos e sociais (diferenciação de rendimentos, identidade
política, interesses particulares, causas).
Para Luciano Floridi, «ICTs are making humanity increasingly accountable, morally
speaking, for the way the world is, will and should be»5. É possível argumentar contra esta
responsabilidade intrínseca, devido à assimetria de acessos e usos acima referida. Ainda
assim, uma das tarefas de uma filosofia da tecnologia para - ou aplicada às - tecnologias da
informação e comunicação é o mapeamento das relações entre a aquisição de informação e
o grau de responsabilidade pela acção ou inacção moralmente imputável aos cidadãos.
Para Manuel Castells, «A tecnologia da informação tornou-se a ferramenta
indispensável para a implementação efectiva dos processos de reestruturação
socioeconómica. (…) A lógica preponderante das redes transforma todos os domínios da
vida social e económica»6. Da mesma forma que assegurou o alastramento da globalização
económica, incentivou o dinamismo social e científico do início do século XXI e, de certa
forma, teve um papel importante a desenhar na crise de crédito actual. Assim, esta
reticularização do mundo surge como um novo paradigma de interdependência social
global, o que torna premente o problema dos seus efeitos e usos.

5 FLORIDI, 2007:6.

6 CASTELLS, 2003:459.

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6.
O alastramento progressivo das diferentes tecnologias a outros sectores
ontológicos, bem como a sua aplicação a novos campos da experiência, criam
dificuldades mais profundas do que a incompatibilidade ontológica ou das interfaces.
Num sentido muito real, a tecnologia instala normatividades alternativas, que se
sobrepõem à realidade cultural e humana. Esta sobreposição pode configurar uma
alteração abrupta de modos de vida, homogeneizando a diversidade cultural num
conjunto de práticas simbólicas, capacidades e competências adaptadas à nova forma
tecnológica. Assim, é desejável tomar em consideração formas de apropriação
criativa das novas tecnologias que permitam a sua integração e enriquecimento nesta
diversidade.

Uma forma tecnológica é um paradigma de ferramentas, usos e sistemas de


integração destes na prática dos indivíduos e das sociedades. Caracteriza-se pela estrutura
particular que impõe aos sectores de interface, nomeadamente na realidade social.
Propomos este conceito para destacar, dentro da macro-articulação e de quaisquer formas
que esta assuma historicamente, o carácter particular das tecnologias simbólicas. Assim, por
exemplo, a forma tecnológica corrente é desenhadas pelas TIC e, em particular, pela
estrutura reticular destas, que se reflecte progressivamente na organização social, científica
e económica.
O papel das tecnologias de comunicação no desenvolvimento histórico das
sociedades ocidentais é bem conhecido. Hoje em dia, contudo, o “campo da comunicação”
assume um carácter técnico, cuja preponderância crescente tende a limitar o problema
humanista que define a esfera pública. A tecnocracia da comunicação sucede à própria
esfera pública, o que é ilustrado pelo facto do problema do acesso às redes ter mais
relevância pública do que o dos usos e efeitos das TIC (e das NBIC como um todo).

7.

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Devido ao que foi acima exposto, as TIC criam objectos que podem ser
considerados agentes ou entidades com capacidade performativa. Assim, estes
agentes artificiais (ou tecnológicos) podem ser integrados num sistema ético
apropriado (uma tecno-ética expandida e reformulada), que define as condições de
imputabilidade e responsabilidade no uso, acção e efeitos autónomos ou heterónomos
dos objectos tecnológicos e seus utilizadores.

Se interpretarmos a situação humana da contemporaneidade como inclusão num


sistema ecotecnológico, parcialmente criado e controlado pelo Homem, obtemos uma visão
geral das dificuldades criadas pelos efeitos, directos ou indirectos, desse carácter
artificializante. A proliferação de híbridos, mediações e intermediários, próteses e outras
formas de amplificação não corresponde apenas ao cruzamento criativo de técnicas com a
performatividade. Num sentido mais profundo, coloca o ser humano em diálogo com
elementos externalizados de si próprio, na interacção com os quais é afectado - espelhando
os próprios efeitos das primeiras formas tecnológicas, cujos efeitos se faziam ver,
sobretudo, no meio natural.
Os critérios para análise da responsabilidade ética de agentes artificiais foram
esquematizados por Floridi e Sanders, fazendo uso do conceito de entropia para estabelecer
as bases de uma ética da informação:
A bad action changes state S1 into S2, where S2 is greater in the entropy
ordering; a benign action decreases the entropy ordering. The effect of any action is
characterised, as a state transformer, mathematically by the relationship (a
predicate) between the state-before, the input and output, and the state-after (in the
example above, state is partitioned into used and unused store and the action
converts some used store into unused store). It is then a matter of proof or
counterexample whether an action is good (none of its transitions yields an after-
state which is greater in the entropy ordering than its before-state) or evil (there is a
before-state and a transition in which the afterstate is greater in the entropy
ordering). Furthermore, the formalism can be used to determine when one action is
more, or less, evil than another. The increase of entropy has been chosen, of course,

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to match the standard view from thermodynamics. However, in that setting no


judgement is required since any increase, leading as it does to an increase in global
randomness, is deemed bad. 7

No novo contexto, a estruturação de uma tecnoética tem de ser feita em torno dos
efeitos de uma acção de um agente sobre um paciente, sem referência obrigatória à
humanidade de qualquer dos termos. No caso das TIC, podemos falar de acções exercidas
por agentes humanos, mas também por agentes artificiais, que passam a fazer parte da
ecologia reticular através da autonomização de programas de peritagem, bots, vírus
informáticos e até, em certo sentido, dos memes. Cada um destes "objectos" pode ser
eticamente caracterizado pelos seus efeitos sobre o sistema global em que está integrado.
Assim, podemos ver que a apertada integração, através de interfaces transparentes, do
natural com o artificial e com o humano, coloca interrogações sérias à instalação de agentes
artificiais com autonomia, ainda que limitada. Por outro lado, a crescente complexidade
destes e o processo (tecnocientífico, colaborativo) através dos quais estes agentes são
criados desmente a possibilidade de encerrar a responsabilização nos criadores.
A proposta de Floridi e Sanders elimina a subjectividade essencialista criada pela
aplicação da ética geral ao campo específico da informação, propondo uma análise
sistémica que equaciona o bem e o mal com a neguentropia e a entropia. Esta proposta vai
de encontro à nossa ideia de uma holística ecotecnológica - isto é, do mundo como um
sistema, em que é infrutífera uma aproximação reducionista a problemas globais, devido à
necessidade de repensar a própria ontologia dos elementos.
Mario Bunge, num texto de 1979, já alertara para o facto de que a minimização dos
efeitos negativos teria de passar pela definição de um código ético para a tecnologia «que
cubra todos os processos tecnológicos e respectivas repercussões a nível individual e
social».8 Uma das propostas possíveis, nomeadamente no que diz respeito aos agentes
artificiais introduzidos pelas NBIC, é um código semelhante ao proposto por Isaac Asimov
para os robôs, que inclui simultaneamente os efeitos da acção (directos) e da concepção

7 FLORIDI, 2001:63.

8 BUNGE 1979:180.

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(indirectos) e, portanto, estabelece provisões para a responsabilidade moral em ambientes


interactivos altamente artificializados. Contudo, a grande dificuldade de definição de uma
ética "sectorial" é patente, pela sua necessária interdisciplinaridade. A complexidade da
reflexão sobre a acção em sistemas integrados dá origem a imobilismo face à sua urgência,
cada vez mais óbvia.

8.
As TIC têm um papel a desempenhar na definição de um desenvolvimento
sustentável real. Para tal, é imperativo efectuar uma crítica das concepções correntes
de desenvolvimento sustentável. Com a sua posição central na administração
informacionalizada das coisas, as tecnologias da informação e comunicação
possibilitam em simultâneo o acesso, a gestão e o controlo do conjunto de sistemas
técnicos e sociais cujo modelo de sustentabilidade está sujeito a riscos existenciais
notórios.

Não é difícil de constatar que o modelo actual de exploração dos recursos naturais e
sociais apresenta grandes lacunas. A nível sistémico, cria riscos e ameaças que se
sobrepõem, ou adicionam, aos riscos naturais. Em termos éticos, mobiliza os recursos
sociais de uma forma mais ou menos completa e uniforme, mas não assegura uma
distribuição de bem-estar equitativa – e, embora os efeitos negativos sejam socialmente
partilhados, a capacidade de os menorizar fica dependente das formas de distribuição
vigentes.
Uma verdadeira sustentabilidade teria de ser homeostática, assegurando que os
produtos saídos do sistema metabólico das nossas sociedades não poriam em risco a
existência temporalmente indefinida do equilíbrio do sistema. Um modelo verdadeiramente
sustentável teria a função de limitar o crescimento “produtivista” e implantar um conjunto
de práticas que pudesse restabelecer um “estado estacionário em termos biofísicos” 9, e
nunca a continuação indefinida de um crescimento económico, que não faz mais do que
reapropriar-se das sinergias que a própria tecnologia pode criar. Neste sentido, as TIC têm a

9 Cfr. RIECHMANN, 2006:233-55.

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dupla função de mecanismo de transmissão de informação sobre o estado do sistema


ecotecnológico global e de ferramenta cívica de supervisão social sobre as formas criadas
para assegurar a sua manutenção sustentável.

9.
Uma das dimensões de uma filosofia da tecnologia para as TIC indica um
cruzamento desta com a crítica cultural. Debruça-se sobre as origens e os efeitos da
nova ecologia da "comunicação social" e as suas relações com a sociedade: a sua
importância simbólica e semântica, a estruturação social do conhecimento e da
ludicidade em rede e a estruturação da esfera pública e política, após e durante as
sucessivas mutações tecnológicas induzidas pelas TIC.

Uma das manifestações culturais – na realidade, um conjunto de novas formas


sociais e simbólicas – mais importantes desta mutação nas TIC foi o surgimento dos
conceitos de ciberespaço e cibercultura. A tendência abstracta e tecnologizante da
actualidade converte-se numa forma alternativa de presença, que ganha expressão
suficiente para se tornar, por sua vez, um dos requisitos relacionais da experiência
contemporânea. Esta pragmaticidade da cultura ciber – uma noção algo infeliz que cruza a
etimologia grega de controlo com a expressão da criatividade e diversidade – expressa a
passagem da existência a uma ordem evolutiva artificializada, em que a tecnologia passa de
extensão (McLuhan) a parte constitutiva do aparelho cognossensorial pós-orgânico do ser
humano.
«Cyberculture (…) is to be understood within this context of a conception of the
human that has gone beyond – hence post – the organic, a-technological vision of
“man”(…)»10: a cibercultura é apresentada como um pós-humanismo, de carácter
informático e informacional. Contudo, as suas iterações mais representativas (o ciborgue,
por exemplo), são portadoras de questionamentos relativos à coerência ou mesmo

10 TOFTS 2003:3.

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compatibilidade desta visão informacional com formas de pós-humanismo mais avançadas,


incluindo já as propostas de um evolucionismo tecnológico holístico, que integra as TIC na
confluência das NBIC. Assim, por exemplo, a ideia do ciborgue informacional é
ultrapassada pelo corpo percorrido e alterado pelos banhos químicos de neurotransmissores
sintéticos, ou por nanoentidades que suplementam as funções cognitivas ou biológicas do
corpo. Embora a actualidade faça já a sua convergência com a visão de Donna Haraway, os
novos futuros não se deixam capturar pela cultura simbólica do computador e da simulação.
Ainda assim, persiste o importante contributo desta primeira vaga do pós-humanismo, que
pode ser vista como solidamente instalada, ainda que não terminada – donde, a constatação:
«We are so surrounded by gadgetry that it is sometimes hard to tell where devices end and
people begin»11.

10.
O pensamento tecno-utópico deve ser desconstruído. A articulação mais
recente, o trans-humanismo apropria-se das promessas das NBIC para propor uma
orientação para a evolução pós-biológica do ser humano. Ora, contra a urgência da
adopção tecnológica sôfrega, cristalizada na pan-artificialização, deve ser colocada
uma forma de humanismo, assente no pensamento ético-político, e não uma
tecnofobia estéril.

Hoje em dia, a primeira avaliação social de uma tecnologia é política; a primeira


questão é a do valor democrático da última aplicação do saber científico. Ouvimos elogios
ao valor emancipatório de cada grande inovação, lemos acerca de como novas formas de
usar a tecnologia vão revolucionar as democracias. Aconteceu com o cinema, a rádio, a te-
levisão, a Internet, mas também com a industrialização, o Estado social, etc.. Foram si-
multaneamente tecnologias e técnicas de promoção de progresso. O problema está em que o
utópico reside sempre no uso comunitário e participativo de uma nova tecnologia no mundo
da vida, e estes valores estão em conflito com o individualismo democrático que sustenta e

11 CLAUSEN 2009:1080.

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é permanentemente convocado pela economia de consumo. Em resultado, as tecnologias


são “capturadas” e usadas como suporte da interacção económica entre produtores e
consumidores de produtos. O uso social é remetido para os campos alternativos, onde se
pode tornar um movimento universalizante (por exemplo, com o movimento para o
software livre) ou desaparecer nas franjas da contracultura (como as rádios pirata do
passado).
Assim, é necessário reconhecer as insuficiências do pensamento utópico. À tecno-
utopia deve suceder atitude ética que remova a imagem da cornucópia e retire ênfase ao
determinismo tecnológico. Isto é, a tecnologia não é um caminho automático e seguro para
a democratização e ilustração da sociedade, como não o é para uma vida ética ou para a
sustentabilidade. Só uma atitude ético-moral de pendor social pode equilibrar a natureza
económica da tecnociência com o seu potencial valor social. Ou seja, a partilha do
conhecimento e a livre circulação de informação são valores a defender a todo o custo, para
que a sociedade não se torne totalmente dependente da economia de mercado, e para que os
indivíduos dêem o seu contributo significativo para a sua própria emancipação.

Considerações finais

As ciências sociais e as humanidades têm a responsabilidade de reintroduzir nos


debates científicos e políticos o carácter problemático das tecnologias emergentes e os
riscos criados pela maximização da apropriação do mundo biológico, cultural e social por
parte de sistemas técnicos. A realidade da importância das TIC deverá ser tomada como
problemática no que diz respeito aos seus usos correntes e também - sobretudo - pelas
tendências que apresenta.
Foram aqui expostos alguns problemas e propostas, com o objectivo de delinear uma
topologia de novas formas de reflexão sobre as TIC. Evitando uma metodologia definida
dentro das fronteiras de uma disciplina académica ou um conjunto de temáticas
solidificadas, dever-se-á privilegiar a cooperação multidisciplinar, atribuindo ainda à
investigação a responsabilidade de descortinar as implicações das TIC no funcionamento
orgânico das sociedades. Referimo-nos aqui ao campo social, científico, cultural, político e

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económico, todos eles portadores de factores de instabilidade e mutação. É fundamental


recuperar as novas (ou alternativas) formas de experiências para a reflexão ético-filosófica,
criando um enquadramento crítico que siga as linhas gerais das propostas aqui deixadas.

Bibliografia

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Conferência SOPCOM 2009

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