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Artur Alves
Doutorando - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Abstract: This paper outlines a few preliminary suggestions for the structuring of
the problems of a philosophy of technology applied to information and communication
technologies. ICTs can be placed in a general articulation of the human condition - our
place in the world - and the condition of the world itself. We will try to show how the
changes undergone by the ICTs create new challenges and perspectives about the ethics,
responsibility and evolution of humankind towards and within the existing and emergent
technoecologies.
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Introdução
Uma das questões mais prementes da filosofia actual prende-se com a ubiquidade da
mediação tecnológica. De facto, a pressão criada pelo artificial traz contextos novos a todos
os campos da existência humana. A comunicação é, desde há séculos, a área de introdução
de diversos tipos de tecnologias que, projectadas no tempo e no espaço, se revelam
determinantes na construção de novas formas de existência e organização para as
sociedades. Assim, um esboço de uma nova filosofia, que possa lidar com as constantes
mutações neste campo, é uma tarefa relevante. Neste texto, procura-se responder aos
seguintes problemas: de que forma estão as tecnologias emergentes a modificar a
comunicação tecnologicamente mediada? Como se podem conjugar as tendências
depressivas da economia com um desenvolvimento sustentável para o globo? É necessário
repensar uma tecno-ética para tecnologias que prometem revolucionar o próprio conceito
de humanidade?
No centro destas preocupações está a questão do lugar do ser humano num ambiente
recriado por si e pelas suas criaturas artificiais. Especificamente, pretende-se contextualizar
a problemática do papel das tecnologias da informação e comunicação nesta deslocação da
centralidade do humano em favor do artificial, ou de uma hibridação funcional destas
categorias. Enquanto ferramentas, encontram-se largamente disseminadas, sob a forma das
redes de comunicação digitais, computadores, telemóveis, satélites, em grandes complexos
técnicos de pesquisa científica ou nas nossas casas. No seu papel de vectores de fluxos de
informação, efectuam uma mediação essencial, quer na tradução progressiva do mundo
material para bancos de dados, quer na disseminação de mensagens na esfera pública.
Esta diversidade de papéis das TIC confere-lhes um estatuto complexo que tem de
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espaço reticular da informação. A confluência das tecnologias NBIC, que pode ser
concebida como uma forma localizada de articulação (micro-articulação), que cria uma
forma tecnológica caracterizada pela hipótese do final de dicotomias como online e offline,
vivo e inanimado ou natural e artificial.
Com este conjunto de desenvolvimentos tecnológicos, pode estar em jogo uma
revolução tecnocientífica, com a respectiva alteração dos rumos e das prioridades
assumidos pela pesquisa e desenvolvimento, com os seus fluxos de capital (estatal e
privado) e atenção pública generalizada. Daí que seja relevante para a discussão uma
“atitude interrogativa” com enfoque especial na zona de confluência das tecnologias
emergentes. A forma como estas se desenham não corresponde aos padrões clássicos de
delimitação disciplinar; é algo de novo: uma estrutura científica reticular, com um grau de
integração e interdependência cada vez maior.
As TIC têm um papel múltiplo. Não só asseguram os fluxos de informação técnica
necessários ao próprio funcionamento do sistema tecnocientífico isoladamente considerado,
mas também actuam como ligação conceptual entre este e a sociedade. Os meios de
comunicação social, com o seu uso intensivo das TIC, participam da infoesfera, na sua
definição conceptual e no seu conteúdo ético-político.
A digitalização dos media, que se tornou uma das faces visíveis da globalização
económica e tecnológica dos últimos 30 anos, foi apenas o primeiro movimento na direcção
da informacionalização geral da realidade - quer a nível científico, quer de "administração
das coisas". Esta tradução, ou re-codificação, do Mundo confere-lhe uma plasticidade
generalizada, tornando possíveis práticas de fusão ou hibridação tecnológica a que o
próprio ser humano não escapa.
O risco de transformação do mundo da experiência a que já aludimos está
intimamente ligado a esta plasticidade do mundo informacionalizado. Criadas as condições
de modelagem e de reelaboração do real - com a sua tradução no virtual, ou pela produção
de novos artefactos -, a elaboração das interfaces assume uma importância vital para a
alteração da percepção e, consequentemente, da acção do ser humano. A performatividade
das NBIC assenta nesta capacidade de manipulação simbólica, que lhes é conferida pelas
TIC e encontra uma forma de modelização nas ciências da cognição.
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As TIC identificam-se fenomenologicamente com uma parte substancial dos
fluxos de informação das sociedades desenvolvidas. Por outro lado, tornam possível a
sua produção, integração e reconstrução (mashing), onde é possível encontrar,
directamente envolvido, o ser humano e a sua experiência. Assim, têm de ser vistas
como uma encruzilhada híbrida de ciência, cultura e técnica - sujeitas a uma análise
multidisciplinar.
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Um cidadão interessado usa todos os recursos (legais) ao seu dispor para intervir e
exercer os seus direitos. Tal equivale a dizer que, hoje em dia, uma minoria de cidadãos
activos e com poder de mobilização – tecnologicamente letrados, evidentemente – pode ter
um espaço de intervenção desproporcional à sua dimensão, potenciado pelas tecnologias
digitais. Isto deve-se à confluência das características das tecnologias que aqui abordamos
com outros fenómenos políticos e sociais (diferenciação de rendimentos, identidade
política, interesses particulares, causas).
Para Luciano Floridi, «ICTs are making humanity increasingly accountable, morally
speaking, for the way the world is, will and should be»5. É possível argumentar contra esta
responsabilidade intrínseca, devido à assimetria de acessos e usos acima referida. Ainda
assim, uma das tarefas de uma filosofia da tecnologia para - ou aplicada às - tecnologias da
informação e comunicação é o mapeamento das relações entre a aquisição de informação e
o grau de responsabilidade pela acção ou inacção moralmente imputável aos cidadãos.
Para Manuel Castells, «A tecnologia da informação tornou-se a ferramenta
indispensável para a implementação efectiva dos processos de reestruturação
socioeconómica. (…) A lógica preponderante das redes transforma todos os domínios da
vida social e económica»6. Da mesma forma que assegurou o alastramento da globalização
económica, incentivou o dinamismo social e científico do início do século XXI e, de certa
forma, teve um papel importante a desenhar na crise de crédito actual. Assim, esta
reticularização do mundo surge como um novo paradigma de interdependência social
global, o que torna premente o problema dos seus efeitos e usos.
5 FLORIDI, 2007:6.
6 CASTELLS, 2003:459.
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O alastramento progressivo das diferentes tecnologias a outros sectores
ontológicos, bem como a sua aplicação a novos campos da experiência, criam
dificuldades mais profundas do que a incompatibilidade ontológica ou das interfaces.
Num sentido muito real, a tecnologia instala normatividades alternativas, que se
sobrepõem à realidade cultural e humana. Esta sobreposição pode configurar uma
alteração abrupta de modos de vida, homogeneizando a diversidade cultural num
conjunto de práticas simbólicas, capacidades e competências adaptadas à nova forma
tecnológica. Assim, é desejável tomar em consideração formas de apropriação
criativa das novas tecnologias que permitam a sua integração e enriquecimento nesta
diversidade.
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Devido ao que foi acima exposto, as TIC criam objectos que podem ser
considerados agentes ou entidades com capacidade performativa. Assim, estes
agentes artificiais (ou tecnológicos) podem ser integrados num sistema ético
apropriado (uma tecno-ética expandida e reformulada), que define as condições de
imputabilidade e responsabilidade no uso, acção e efeitos autónomos ou heterónomos
dos objectos tecnológicos e seus utilizadores.
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No novo contexto, a estruturação de uma tecnoética tem de ser feita em torno dos
efeitos de uma acção de um agente sobre um paciente, sem referência obrigatória à
humanidade de qualquer dos termos. No caso das TIC, podemos falar de acções exercidas
por agentes humanos, mas também por agentes artificiais, que passam a fazer parte da
ecologia reticular através da autonomização de programas de peritagem, bots, vírus
informáticos e até, em certo sentido, dos memes. Cada um destes "objectos" pode ser
eticamente caracterizado pelos seus efeitos sobre o sistema global em que está integrado.
Assim, podemos ver que a apertada integração, através de interfaces transparentes, do
natural com o artificial e com o humano, coloca interrogações sérias à instalação de agentes
artificiais com autonomia, ainda que limitada. Por outro lado, a crescente complexidade
destes e o processo (tecnocientífico, colaborativo) através dos quais estes agentes são
criados desmente a possibilidade de encerrar a responsabilização nos criadores.
A proposta de Floridi e Sanders elimina a subjectividade essencialista criada pela
aplicação da ética geral ao campo específico da informação, propondo uma análise
sistémica que equaciona o bem e o mal com a neguentropia e a entropia. Esta proposta vai
de encontro à nossa ideia de uma holística ecotecnológica - isto é, do mundo como um
sistema, em que é infrutífera uma aproximação reducionista a problemas globais, devido à
necessidade de repensar a própria ontologia dos elementos.
Mario Bunge, num texto de 1979, já alertara para o facto de que a minimização dos
efeitos negativos teria de passar pela definição de um código ético para a tecnologia «que
cubra todos os processos tecnológicos e respectivas repercussões a nível individual e
social».8 Uma das propostas possíveis, nomeadamente no que diz respeito aos agentes
artificiais introduzidos pelas NBIC, é um código semelhante ao proposto por Isaac Asimov
para os robôs, que inclui simultaneamente os efeitos da acção (directos) e da concepção
7 FLORIDI, 2001:63.
8 BUNGE 1979:180.
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As TIC têm um papel a desempenhar na definição de um desenvolvimento
sustentável real. Para tal, é imperativo efectuar uma crítica das concepções correntes
de desenvolvimento sustentável. Com a sua posição central na administração
informacionalizada das coisas, as tecnologias da informação e comunicação
possibilitam em simultâneo o acesso, a gestão e o controlo do conjunto de sistemas
técnicos e sociais cujo modelo de sustentabilidade está sujeito a riscos existenciais
notórios.
Não é difícil de constatar que o modelo actual de exploração dos recursos naturais e
sociais apresenta grandes lacunas. A nível sistémico, cria riscos e ameaças que se
sobrepõem, ou adicionam, aos riscos naturais. Em termos éticos, mobiliza os recursos
sociais de uma forma mais ou menos completa e uniforme, mas não assegura uma
distribuição de bem-estar equitativa – e, embora os efeitos negativos sejam socialmente
partilhados, a capacidade de os menorizar fica dependente das formas de distribuição
vigentes.
Uma verdadeira sustentabilidade teria de ser homeostática, assegurando que os
produtos saídos do sistema metabólico das nossas sociedades não poriam em risco a
existência temporalmente indefinida do equilíbrio do sistema. Um modelo verdadeiramente
sustentável teria a função de limitar o crescimento “produtivista” e implantar um conjunto
de práticas que pudesse restabelecer um “estado estacionário em termos biofísicos” 9, e
nunca a continuação indefinida de um crescimento económico, que não faz mais do que
reapropriar-se das sinergias que a própria tecnologia pode criar. Neste sentido, as TIC têm a
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Uma das dimensões de uma filosofia da tecnologia para as TIC indica um
cruzamento desta com a crítica cultural. Debruça-se sobre as origens e os efeitos da
nova ecologia da "comunicação social" e as suas relações com a sociedade: a sua
importância simbólica e semântica, a estruturação social do conhecimento e da
ludicidade em rede e a estruturação da esfera pública e política, após e durante as
sucessivas mutações tecnológicas induzidas pelas TIC.
10 TOFTS 2003:3.
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O pensamento tecno-utópico deve ser desconstruído. A articulação mais
recente, o trans-humanismo apropria-se das promessas das NBIC para propor uma
orientação para a evolução pós-biológica do ser humano. Ora, contra a urgência da
adopção tecnológica sôfrega, cristalizada na pan-artificialização, deve ser colocada
uma forma de humanismo, assente no pensamento ético-político, e não uma
tecnofobia estéril.
11 CLAUSEN 2009:1080.
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Considerações finais
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Bibliografia
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