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da Arte Brasileira
Tecnologias nas Artes Visuais Brasileiras
Revisão Textual:
Maria Cecília Andreo
Tecnologias nas Artes
Visuais Brasileiras
OBJETIVOS
DE APRENDIZADO
• Discutir a Arte como objeto ou valor de culto, enfatizando, sobretudo, seu poder de comunicação;
• Entender o processo de transição da cultura material para a cultura imaterial, própria da
Arte Tecnológica, em que os artistas substituem artefatos e ferramentas por dispositivos em
múltiplas conexões de sistemas para as novas espécies de imagens, sons, circuitos eletrôni-
cos, interfaces e de formas geradas por equipamentos eletrônicos e seus dispositivos;
• Tratar da transição de uma Arte contemplativa a favor de uma Arte interativa.
UNIDADE Tecnologias nas Artes Visuais Brasileiras
Figura 1
Fonte: Getty Images
A passagem para a modernidade no final do século XIX é uma das grandes rupturas
que costumamos estudar quando o assunto é a história da Arte. Durante o século XX,
rupturas vão se suceder, durante o período que conhecemos como Modernismo, Mo-
dernidade ou, ainda, período das vanguardas “históricas” ou heroicas. Dessas rupturas
instauradas no início do século XX, podemos destacar movimentos que transformaram
o entendimento da obra de arte, sobretudo da pintura, como o Futurismo (1909), o
Expressionismo (1910) e o Cubismo (1907), o Dadaísmo (1916), entre tantos outros.
Esses movimentos, acabaram por criar formas de produção artística, inaugurando uma
revolução que, mais tarde, transcenderia a própria pintura. O ápice dessa revolução,
provavelmente, repousa sobre os readymade de Marcel Duchamp.
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Aos poucos, as práticas tradicionais acabam por ceder espaço, bem como os concei-
tos instaurados e consagrados pela tradição, seja na forma, seja na comercialização da
Arte. A partir de meados do século XX, começa a ter lugar uma produção muito mais
participativa, voltada à comunicação e menos representativa do ponto de vista do culto
ao objeto como valor comercial. Os próprios formatos criados a partir da década de
1960 dificultam bastante a “mercantilização” de certas obras.
Podemos entender, assim, que, a partir desse ponto, a Arte se abre para fluxos mais
amplos, a partir do momento em que interage com outros formatos e deixa para trás a
resistência consolidada do passado. Amplifica-se até mesmo na maneira de lidar com o ine-
ditismo das informações, passando da cultura material para a imaterial. Diana Domingues
(2003), organizadora da obra A Arte no século XXI, acredita que as tecnologias passam
por um processo de humanização; antes ainda, não há retorno possível, diante a uma
tecnologia que demonstre seu poder transformador. Seria possível renegar o fogo depois
de sua descoberta ou, ainda, abrir mão do conforto proporcionado pela lâmpada elétri-
ca? Dificilmente isso seria possível para nós. Segundo a autora, as novas tecnologias que
surgem, o fazem a partir de um arcabouço traçado por outras criadas anteriormente, em
um processo contínuo do qual faz parte, inclusive, o próprio cérebro humano.
Assim, a Arte Contemporânea utiliza (ou pode se utilizar) todos os recursos disponí-
veis de nosso tempo. Não restam muitas dúvidas de que a tecnologia digital, que nos dias
atuais se desenvolve a passos cada vez mais largos, é um desses recursos, cada vez mais
amplamente utilizados pelos artistas.
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Domingues (2003), ao explicar o livro que organiza, diz que a Arte do século XXI está
em sintonia com os avanços tecnológicos. Para a autora, a Arte seria ainda um suporte
para a humanização desses procedimentos, bem como um vetor de transformação cultural.
Isso significa que os artistas estão esperando o poder dialógico das máquinas, sua
capacidade de entender e traduzir sinais emitidos num processo de aquisição e comuni-
cação de dados que acabam por gerar “trabalhos vivos”, como se fossem “objetos vivos”.
Não há dúvida de que, nos dias atuais, sequer arranhamos o verniz das possibilidades
que as ferramentas digitais nos oferecem. É claro que existem diferentes visões, algumas
mais tradicionais, outras mais entusiasmadas, sobre o uso de tecnologias na Arte; de
qualquer forma, uma coisa é certa, é impossível escapar totalmente do viés tecnológico
e talvez não seja mesmo o caso de negar tamanha gama de possibilidades.
Essas ferramentas podem ser entendidas como uma extensão das habilidades, uma
vez que as novas tecnologias põem à nossa disposição as mais diversas formas de exe-
cução a serviço da “criação”, para interação e manipulação.
Figura 2
Fonte: Getty Images
Novos materiais, impressoras 3D, inteligência artificial, interação como nunca antes
se viu. É certo que, daqui para a frente, o universo da Arte estará permeado dessas e de
outras questões tecnológicas. É provável, ainda, que, como aconteceu com gerações an-
teriores, sejamos levados a pensar se uma determinada ação constitui, de fato, uma obra
de arte ou não. Que estejamos preparados para tratar (novamente) dessas questões.
Mas como chegamos até aqui? Obviamente, a arte de viés tecnológico tem os seus precur-
sores dentro e fora de nosso País. No próximo item, vamos tratar um pouco dessa história.
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O Processo de Produção da
Arte e Tecnologia no Brasil
Até a primeira década do século XX, a Arte Brasileira era dominada por uma série
de regras acadêmicas, que têm como origem a estética neoclássica, assim, o estilo e
a forma de representação dessas produções tinham um apelo ao gosto europeu, par-
ticularmente, ao gosto francês. Há dois momentos em que esse estado de coisas será
desafiado nesse início de século: a exposição do pintor lituano radicado no Brasil Lasar
Segall, em 1913; e a exposição de Anita Malfatti em 1917, que ia bem até receber
uma crítica mordaz de um dos maiores nomes da cultura brasileira: Monteiro Lobato.
A Semana de Arte Moderna, de 1922, apesar do impacto relativo à época, é vista hoje
como a ruptura para o período moderno nas artes plásticas brasileiras. Depois disso, o
Modernismo brasileiro teve outras fases, representadas, por exemplo, por nomes como
Candido Portinari e pelos artistas do “Grupo Santa Helena”, entre outros”. As técnicas
ainda eram bastante tradicionais – basicamente, esses artistas se utilizavam da pintura
ou da escultura.
Nos anos 1950 e nos anos seguintes, os artistas passam a se apropriar de novas ex-
periências, advindas de fora do País, a exemplo do que também fizeram os modernistas
da primeira fase, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Victor Brecheret, todos com
experiência internacional na bagagem. Porém, há diferenças marcantes no contexto ar-
tístico e cultural. Essa é uma das explicações para o gênero da geometrização como um
novo vocabulário, uma nova sintaxe que passou a nortear as produções artísticas, que
dão ênfase aos conceitos construtivistas, numéricos e matemáticos.
Há uma nova perspectiva para a Arte Brasileira. Para muitos críticos, esse é o exato
momento em que nossa arte ganha ares internacionalistas, pondo-se em linha com
as produções mais interessantes dos grandes centros de produção artística. Parte das
mudanças decorreu de um certo abandono das técnicas tradicionais, consagradas pela
tradição e pela utilização de novos materiais, muitos deles industriais. Além disso, co-
laborou o afastamento da ideia de arte como mercadoria e a reavaliação dos conceitos
artísticos fundados na representação das formas.
Os Bichos, de Clark, bem como seus “não objetos”, criados a partir dos anos 1960,
são objetos articuláveis em metal que podem ganhar várias formas. Os Parangolés, de
Oiticica, foram criados a partir de 1964 e eram um tipo de capa que reveste e comple-
menta o corpo. Tanto Lygia Clark como Hélio Oiticica integraram o Grupo Frente, do
Rio de Janeiro.
Vamos refletir rapidamente: se os Bichos devem ser manipulados pelo público para
que se tenha a experiência ideal, e os Parangolés de Oiticica são obras de arte que
podem, literalmente, ser vestidas, como poderia se dar a exposição desses itens? Como
uma instituição museológica tradicional poderia expor essas obras obtendo o melhor
delas, tal como foram pensadas por esses artistas?
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Outro movimento, que deu continuidade a essa mudança de rumo da produção ar-
tística, foi o da Arte Cinética. Ela abriu, certamente, uma nova gama de possibilidades
interessantes para os bravos artistas que estavam dispostos a continuar subvertendo
as velhas ordens estabelecidas. Esse tipo de produção, que pode evocar o movimento
de diversas maneiras, teve início no fim da década de 1940, início da década de 1950,
quando muitos artistas brasileiros aderiram a um “não figurativismo geométrico”.
No Rio de Janeiro, Ivan Serpa (1923-1953) foi um desses artistas, que aderiu ao “não
figurativismo geométrico”. Serpa começou a trabalhar as formas considerando-as em si
mesmas. O artista foi premiado na primeira edição da Bienal de São Paulo, realizada no
ano de 1951, como “melhor artista jovem”, em razão de sua pintura Formas.
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Figura 4 – Formas, pintura de 1951 que fez com que Ivan Serpa fosse agraciado
com o prêmio de Melhor Artista Jovem da mostra
Fonte: Wikimedia Commons
Na obra, que circula ainda no universo da pintura, mas que inspiraria novas experi-
mentações, podemos perceber a geometrização das formas, cuja “perfeição” realmente
se assemelha ao industrial e até ao produzido em série. Além disso, como em toda obra
abstrata, temos a quebra da correspondência entre o elemento da tela e o mundo real, já
que os signos ali dispostos não encontram no mundo real um elemento correspondente.
Nessa mesma primeira Bienal, outro artista chamou atenção. Ele se destacou por
uma estranha escultura (ou seria melhor dizer estranho “aparelho”?). A obra em questão,
Azul e Roxo em primeiro movimento, foi apresentada à época pelo artista Abraham
Palatnik (1928-2020), à época um jovem artista brasileiro, nascido no Rio Grande do
Norte, que havia recém-chegado de Israel, onde morou até 1948. Palatnik é conside-
rado um dos precursores da Arte Cinética no Brasil e até mesmo no mundo. O artista,
portanto, foi um dos primeiros a perceber as potencialidades das tecnologias aplicadas
à experiência estética.
Arte Cinética: Segundo o dicionário Aulete Digital, a palavra “cinético” (do grego kinetikós),
faz referência ou é inerente ao movimento.
A Arte Cinética é, portanto, aquela que se move, ou pode mover-se. É muito comum que esse
movimento seja impulsionado por eletricidade, mas também pode ser um movimento manual.
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Uma artista que também se interessou fortemente pelas possibilidades de uma arte
em movimento foi Mary Vieira (1927-2001), que produziu sua primeira escultura cinético-
-visual no ano de 1948. Seus Multivolumes, criados a partir de 1949, demandam a par-
ticipação do espectador, que pode movimentar as formas livremente. A artista mudou-se
para a Suíça no ano de 1951, quando começou a desenvolver a série Polivolumes, ainda
lidando com a possível interação do espectador, que pode criar combinações pratica-
mente infinitas, criando formas de beleza realmente notável.
Olhar a história em perspectiva pode dar a falsa impressão de que tudo aconteceu
de forma fácil e rápida. Não é assim. Esses valorosos artistas, tão talhados para a novi-
dade, à curiosidade e à pesquisa, não viviam – ao menos no Brasil – o melhor ambiente
para suas experimentações. O principal esforço desses artistas estava em libertar-se,
em eliminar as rígidas amarras da política da época, marcada por um triste período de
ditadura militar que se iniciou em 1964, com o golpe que derrubou o presidente João
Goulart, que assumira no lugar de Jânio Quadros, quando este renunciou, em 1961.
No lugar de Jango, como ele era conhecido, assumiu Ranieri Mazzilli, que, depois de
13 dias, passou o cargo ao general Humberto Castelo Branco, inaugurando, aí sim, o
regime militar, que duraria até 1985.
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O Brasil havia experimentado 19 anos de liberdade plena, do fim da ditadura Vargas
até o golpe de 1964, o que tornou tudo mais difícil no campo das artes. Tudo viria a piorar
com o mais terrível dos Atos Institucionais, o de número 5, assinado em 1968. O AI-5,
como ficou conhecido.
A ditadura no Brasil entrava em seu período mais sombrio. Nesse ano, de óbvio en-
durecimento do regime, aconteceu o esvaziamento, em 1969, da décima Bienal de São
Paulo, tanto de artistas brasileiros como de estrangeiros, em uma espécie de “grito mudo
das Artes”. Nesse contexto, é importante pensar em uma certa diferenciação que se veria
no âmbito social e político no fim dos anos 1960 e ao longo de toda a década de 1970.
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Circo Antropofágico ambulante cósmico e latino americano apresenta esta noite: a transfor-
mação permanente do Tabu em Totem. Disponível em: https://bit.ly/3Bv12KK
O fator tecnológico, que sempre instigou os artistas desde a câmara escura, na medi-
da em que passa por um momento de radicais transformações, exercerá forte influência
sobre certos artistas. Assim, desajeitados e tímidos (pelo menos no princípio), os meios
eletrônicos e digitais abriram novos campos na sua própria “pré-história”, em que artistas
americanos e europeus passam a se utilizar da nova ferramenta e produzem as primei-
ras obras que têm na tecnologia (ainda rudimentar se comparada ao que temos hoje), as
primeiras obras baseadas, na medida do que era possível, na lógica da Computer Arts.
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corrigir essas duas anomalias, permitindo melhor equilíbrio ecológico entre
o fator físico e o comunicativo. (CORDEIRO, 1971, documento on-line)
Figura 7 – Nam June Paik, Electronic Superhighway: Continental U. S., Alaska, Hawaii, 1995
Fonte: sites.lafayette.edu
Conheça mais da instigante obra de Nam June Paik no link abaixo, da revista digital Arte &
Multimídia. Disponível em: https://bit.ly/3zzmTjk
No Brasil, no entanto, não era fácil trabalhar com videoarte. Os artistas precisavam
burlar uma série de dificuldades para conseguir os equipamentos necessários e não era
fácil conseguir locais para exibir os resultados obtidos. Isso pode parecer absurdo para
nós, que temos no bolso um fantástico dispositivo que pode fotografar, filmar e editar
um produto audiovisual em poucos minutos. Cabe, aqui, no entanto, um exercício no
sentido de percebermos que não era fácil no Brasil das décadas de 1970/1980 produzir
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e finalizar um produto audiovisual, sobretudo uma obra não comercial. Essa era uma
tarefa, segundo Walter Zanini (1983, p. 788), para “apenas alguns mais obstinados”.
Apesar do fato de que as novas tecnologias já estavam sendo utilizadas por artistas
em diversos locais, no Brasil, somente na década de 1970 foi possível trabalhar com os
recursos tecnológicos; mesmo assim, eram poucos os artistas que conseguiam viabilizar
financeiramente os equipamentos necessários. Não havia a menor hipótese de realizar
uma série de trabalhos, estudos e experimentações de maneira aleatória.
Mais detalhes sobre as experiências dos artistas no setor vídeo do MAC-USP de 1977 a 1978
podem ser conferidas no link. Disponível em: https://bit.ly/3sZn9Wy
Para saber mais sobre o tema, assista ao programa Brasil Visual: videoarte no Brasil.
Disponível em: https://bit.ly/3jvEeUG
Assista, no link a seguir, a obra Morfas, de Regina Silveira – 1981 Câmera de Roberto Sandoval.
Disponível em: https://youtu.be/C6IyY97mkyw
O Caminho para a
Contemporaneidade Tecnológica
Talvez tenha causado certa surpresa a demora para finalmente chegarmos ao uni-
verso da informática e sua aplicação ao universo das artes. De fato, o computador e
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uma série de dispositivos que poderíamos chamar de computacionais hoje ocupam uma
posição muito especial em nossa sociedade. Tais dispositivos entraram em nossa vida e
substituíram diversas atividades, passando, inclusive a simular outras tantas. Um progra-
ma de desenho, por exemplo, pode, com facilidade, simular (ou emular, na linguagem
da informática) uma série de técnicas tradicionais de ilustração. É possível, inclusive,
testar, depois do desenho pronto, qual a técnica a ser “emulada”. Sem dúvida, os atuais
sistemas de informação constituem um grande avanço.
Sabemos que o universo da arte sempre esteve atento às novidades. Foi assim com
a fotografia, com as novas formas de expressão a partir da década de 1960, com o fax,
a fotocópia. Enfim, é mesmo difícil separar as técnicas artísticas das tecnologias, sobre-
tudo na Arte Contemporânea, universo no qual coexistem todas as técnicas, das mais
tradicionais às mais digitais e mais recentes. De fato, segundo Arantes (2005, p. 87),
no final da década de 1960, Waldemar Cordeiro entendia que na arte concreta residia a
base para uma arte computacional e introduziu o computador (que ele considerava um
vetor para a democratização da arte) no processo de criação de suas obras.
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Ainda na década de 1970, o artista multimídia Paulo Bruscky (1949-2018) foi reco-
nhecido como um dos mais importantes contemporâneos do Recife, com seus projetos
inovadores de Arte Postal, Fotolinguagem e Arte Xerox, entre outras experimentações
em que o artista se apropria de radiografias, eletroencefalogramas e eletrocardiogra-
mas. Bruscky expõe seu trabalho de Arte Postal na 16ª Bienal Internacional de São
Paulo, sob a curadoria de Julio Plaza no Setor Mail Art, entre outros 474 artistas, de 33
países. O suporte ativo era o Correio ao qual se vinculava uma série de mídias.
Depois de a Bienal de São Paulo trazer uma tímida seção de Arte e Tecnologia, muito
em razão do boicote sofrido pelo evento por causa da ditadura militar, em 1971, Waldemar
Cordeiro organiza a exposição Arteônica (arte + eletrônica), uma das primeiras inicia-
tivas no mundo a mostrar essa interface entre a arte e a tecnologia digital. O evento
teve lugar na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). “No catálogo da exposição,
ele destacava o aspecto democratizante das artes telemáticas, colocadas em prática no
país principalmente a partir da década de 80” (ARANTES, 2005, p. 88). Além disso,
a autora traz outra questão importante na obra de Cordeiro, uma questão social que
aparece em plena ditadura militar. Um exemplo disso é uma versão computacional da
fotografia de uma menina queimada por napalm durante a Guerra do Vietnã. A obra é
intitulada A mulher que não era B. B. Segundo Arlindo Machado (2015), B. B. seria
Brigite Bardot, famosa estrela francesa do cinema. A escolha do título comprova esse
posicionamento crítico do artista. A boca da atriz também apareceria (supostamente) na
obra cinética O Beijo, de 1967.
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O videotexto, assim como iniciativas de SSTV (Slow Scan TV), ou Televisão de Var-
redura Lenta, passam a ser outras formas muito utilizadas para a expressão artística.
O videotexto praticamente anuncia a WEB, sobretudo no que diz respeito à transmissão
de imagens e texto.
Julio Plaza organiza a exposição Arte por Telefone, no MIS; sobretudo, é na 17ª
Bienal chamada Interart que tanto o videotexto com as outras tecnologias feitas por
computadores são selecionados por uma parcela bem particular de produção artística,
considerada underground e marginal.
Ainda nessa década, no Brasil, o que menos se discute nas produções artísticas são
a “matéria” e as “formas” em estados permanentes. Entretanto, o “lugar geográfico e o
espaço” se ampliam como um organismo vivo que circula nas redes comunicantes, entre
elas: xerox, fax, scanners, videotexto, conexões múltiplas e multiplicadores formam uma
rede planetária de leitura eletrônica. A nova geração de artistas tecnológicos já dispunha
de equipamentos mais viáveis de comunicação, o que possibilitou trabalhar com recursos
diferenciados de sonorização e vídeo.
No Brasil, o campo da Arte Tecnológica era restrito; porém, o horizonte dos video-
makers estava voltado para a televisão e se desenvolvia rapidamente.
Entre as principais interfaces, a que se desenvolveu também foi a holografia, que con-
tou com a sofisticação do trabalho gráfico do artista Moysés Bausmstein (1931-1991).
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Hologramas são registros de objetos que, quando iluminados de forma conveniente, permi-
tem a observação dos objetos que lhe deram origem. Ao contrário da fotografia, que ape-
nas permite registrar as diferentes intensidades de luz proveniente da cena fotografada, os
hologramas registram, também, a fase da radiação luminosa proveniente do objeto. Nessa
fase, está contida a informação sobre a posição relativa de cada ponto do objeto iluminado,
permitindo reconstruir uma imagem com informação tridimensional.
ARTE Holográfica. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3zzobea
Para que se possa ter real noção dessa revolução, em 1983, a revista americana
Time elegeu o computador como a “máquina do ano” de 1982; em vez de eleger o “ho-
mem do ano”, como era de costume. No ano anterior, o destaque foi Lech Walesa, líder
do sindicato Solidariedade, da Polônia, que ganharia o Nobel da Paz em 1983 e assu-
miria a presidência de seu país logo após a derrocada do comunismo. Essa é a prova de
que o cenário começou a mudar e que as tecnologias computacionais tinham realmente
chegado para modificar a estrutura da sociedade.
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A rede mundial de computadores, disponível a partir dos anos 1990, cada vez mais
tem servido de suporte para interações de telepresença, teleobservação e teleinter-
venção (Arantes, 2005, 99-105). O suporte, antes físico, agora é virtual. Isso não signifi-
ca, devemos lembrar, que o suporte não seja real, ele apenas não mais o físico como nós
o imaginamos. Usando a lógica de Nicholas Negroponte, o pesquisador do Massachu-
setts Institute of Technology (MIT) que previu muitas das questões atuais relacionadas ao
trânsito de dados por vias rápidas de informação, trata-se da transformação dos átomos
em bits (NEGROPONTE, 1995, p. 17). No final dos anos 1990, a internet rápida (de
banda larga) começou a ganhar espaço, abrindo margem para experimentações e inte-
rações mais complexas.
Diferentes iniciativas (pelo mundo todo, é bom que se diga), se utilizam das tecnolo-
gias (inclusive as digitais, claro) para produzir arte e cada vez mais integrar o público, que
muitas vezes interage com essas obras.
No Brasil, em particular, o Projeto Arte/Cidade, desenvolvido a partir de 1994 – um
projeto de arte revolucionário que leva a obra de arte ao encontro do público, muitas
vezes diretamente para os seus locais de passagem –, trouxe algumas obras bastante
integradas ao circuito das tecnologias.
Uma em especial chama atenção. Trata-se de um painel, instalado na avenida Radial
Leste, em São Paulo, uma grande avenida que cruza a cidade e tem um vigoroso fluxo
de veículos.
Giselle Beiguelman, professora livre-docente da FAU/USP, é uma artista brasileira
pioneira da arte digital, sobretudo no que diz respeito ao uso da internet para interven-
ções artísticas. O uso de painéis eletrônicos faz parte da poética da artista, como é o
caso da obra “Leste o Leste?”, instalada por ocasião do Arte Cidade Zona Leste, de
2002. Na obra em questão, o próprio público escolhia e enviava aos painéis grafites
digitais criados pela artista e que dialogavam com o contexto da região, em um exemplo
de teleintervenção razoavelmente orientado, já que as imagens eram pré-produzidas.
O envio era feito de forma remota e o público podia conferir o resultado, pois uma
câmera instalada no local mostrava o painel em contexto. Em pelo menos uma outra
obra da artista, essa interação se deu sem filtros. Além dos painéis eletrônicos, a artista
trabalha, entre outras questões, o glitch, uma espécie de “erro” de exibição (emulado ou
provocado) que acaba por resultar em um efeito gráfico de linguagem própria.
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A galeria de arte digital a céu aberto tem mais de 90 m de altura e uma tela de
quase 4 mil m2 e mais de 100 mil lâmpadas de LED. A programação é anual, segundo
os organizadores.
Como foi dito, o futuro nos reserva um sem-número de possibilidades. Eduardo Kac
é um artista carioca em contato frequente com o universo da tecnologia digital. Para a
exposição Arte Suporte Computado, de 1997, o artista implantou no próprio corpo um
microchip, iniciativa integrante da obra Time Capsule. Segundo o site do artista, “a obra
levanta problemas sobre ética na era digital, sobre interfaces úmidos para elementos
eletrônicos, e sobre a relação entre identidade e memória artificiais armazenadas dentro
do corpo humano”. Desde 1997, o artista tem desenvolvido obras no campo da bioarte.
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Figura 11 – O momento de colocação do implante, para posterior leitura
Fonte: ekac.org
Figura 12 – Imagem de Raio-X que mostra o implante de Eduardo Kac (canto superior esquerdo)
Fonte: ekac.org
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nesses espaços tradicionais de exposição. Em 1982, Regina Silveira exibiu Dígito, uma
interação artística em um painel eletrônico que ficava instalado no centro de São Paulo,
no Anhangabaú. A galeria de arte digital a céu aberto do SESI/SP leva essa iniciativa
pioneira da artista a consequências e visibilidade muito maiores.
Tudo isso faz aumentar, também, o interesse desses artistas por laboratórios científi-
cos, ou seja, a obra é coproduzida com a ajuda de especialistas. A Ciência, assim, vira
também munição estética, abrindo possibilidades.
Produções de robôs, vídeos com temáticas sociais, microchip dentro do corpo, en-
fim, rápida e ininterruptamente, as possibilidades se ampliam com a evolução tecnológi-
ca e criam, nesse momento da história, um grande impacto visual.
Segundo Arlindo Machado (2010), o Brasil se conecta com fibra óptica e a Arte se
apropria dos computadores em bits e buts, ferramentas, plataformas, meio, mensagem
interativa e o admirável mundo novo digital (1995-2000). É importantíssimo ressaltar
que o surgimento das tecnologias digitais e a sua evolução constante faz uma mistura,
um rearranjo de todos os outros meios, o que possibilitou o aparecimento de produções
de obras híbridas. O artista começa, assim, a transitar em uma grande variedade de pos-
sibilidades, como o Cinema, o Vídeo e a Computação Gráfica, entre outras, que podem
convergir, de diferentes maneiras, para o virtual.
Figura 13
Fonte: Wikimedia Commons
Para saber o que está acontecendo no universo da tecnologia e os seus novos usos no
campo das artes plásticas, vale a pena conhecer o Festival Internacional de Linguagem
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Eletrônica (FILE), um evento que trata da cultura contemporânea, sobretudo de tecnolo-
gia, e que conta com a participação de artistas do Brasil e do mundo. A primeira edição
do evento, que já tem vinte anos de existência, aconteceu em São Paulo no ano 2000 e,
desde então, o evento tem acontecido também em outras cidades do Brasil e do mundo.
Trata-se do maior evento de arte e tecnologia do País.
São diversas categorias, como a de Arte Interativa, que apresenta “instalações, per-
formances, projetos de internet, realidade virtual, realidade aumentada, mesas multito-
ques, objetos digitais, projeções outdoors, projetos para celulares, grafites eletrônicos,
vrml, etc.”
O site oficial do FILE é bem completo. Lá você vai encontrar mais detalhes sobre o festival, as
edições anteriores e os artistas envolvidos. Disponível em: https://bit.ly/3jsdiW2
Podemos concluir, nesta unidade, que as novas tecnologias puseram à disposição re-
cursos infinitos de suportes, ao mesmo tempo que agilizaram todo o processo de feitura
das obras de artistas que dela se apropriam.
Seja a Arte Digital, Arte Tecnológica, seja lá qual for o procedimento empregado,
estamos, desde o século passado vivenciando fenômenos que nos tiraram de um mundo
“linear”, sobretudo nessa “era da conexão”, para pensar em um outro modelo de expres-
são artística e de vida.
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UNIDADE Tecnologias nas Artes Visuais Brasileiras
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Livros
Arte postal enquanto acervo
LEIRNER, S. Arte postal enquanto acervo. Arte e seu tempo. São Paulo: Perspectiva, 1991.
Arte contemporânea
ACHER, M. Arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2001
Vídeos
Circo Antropofágico ambulante cósmico e latino americano apresenta esta noite: a transformação
permanente do Tabu em Totem
https://bit.ly/3Bv12KK
Leitura
Holopoesia
https://bit.ly/3Dz0hBR
Paulo Bruscky
https://bit.ly/2Y7dZM5
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Referências
ARCHER, M. Arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
BRUSCKY, P. Arte Correio e a grande rede: hoje a Arte é este comunicado. In:
FERREIRA, G.; COTRIM, C. (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro:
J. Zahar, 2009.
MACHADO, A. 1949. Arte e mídia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
MANUEL, P. (Sup. geral). Arte no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 1979. 2 v.
NEGROPONTE, N. A vida digital. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
ZANINI, W. Introdução. 17ª Bienal de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São
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________. (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles:
Fundação Djalma Guimarães, 1983. 2 v.
Site Visitado
EDUARDO KAC: site do artista. Disponível em: <https://www.ekac.org/>. Acesso em:
20/02/2021.
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