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Tópicos de História

da Arte Brasileira
Tecnologias nas Artes Visuais Brasileiras

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me Luiz Vicente de Lima Lazaro

Revisão Textual:
Maria Cecília Andreo
Tecnologias nas Artes
Visuais Brasileiras

• Conceito de Tecnologia nas Artes;


• O Processo de Produção da Arte e Tecnologia no Brasil;
• O Caminho para a Contemporaneidade Tecnológica.


OBJETIVOS

DE APRENDIZADO
• Discutir a Arte como objeto ou valor de culto, enfatizando, sobretudo, seu poder de comunicação;
• Entender o processo de transição da cultura material para a cultura imaterial, própria da
Arte Tecnológica, em que os artistas substituem artefatos e ferramentas por dispositivos em
múltiplas conexões de sistemas para as novas espécies de imagens, sons, circuitos eletrôni-
cos, interfaces e de formas geradas por equipamentos eletrônicos e seus dispositivos;
• Tratar da transição de uma Arte contemplativa a favor de uma Arte interativa.
UNIDADE Tecnologias nas Artes Visuais Brasileiras

Conceito de Tecnologia nas Artes


No decorrer da História, a radicalidade de alguns artistas, ou movimentos de grupos
de artistas, transformou o “fazer” e o “pensar” da Arte. Quando pensamos em um
processo de descontinuidade, ou seja, o surgimento de algo novo que refuta o estado
das coisas e promove efetivamente uma mudança de pensamento ou de procedimento,
estamos diante de uma ruptura.

Figura 1
Fonte: Getty Images

A passagem para a modernidade no final do século XIX é uma das grandes rupturas
que costumamos estudar quando o assunto é a história da Arte. Durante o século XX,
rupturas vão se suceder, durante o período que conhecemos como Modernismo, Mo-
dernidade ou, ainda, período das vanguardas “históricas” ou heroicas. Dessas rupturas
instauradas no início do século XX, podemos destacar movimentos que transformaram
o entendimento da obra de arte, sobretudo da pintura, como o Futurismo (1909), o
Expressionismo (1910) e o Cubismo (1907), o Dadaísmo (1916), entre tantos outros.
Esses movimentos, acabaram por criar formas de produção artística, inaugurando uma
revolução que, mais tarde, transcenderia a própria pintura. O ápice dessa revolução,
provavelmente, repousa sobre os readymade de Marcel Duchamp.

Na gênese desses movimentos modernos, as colagens cubistas, as performances


futuristas e os eventos dadaístas já começavam a desafiar o que Michael Archer (2001)
chama de “duopólio” composto da pintura e da escultura tradicionais. Até que esses
movimentos provocassem essas mudanças, ou essas pequenas rupturas, poderíamos
pensar que a Arte atuava somente em duas categorias: pintura ou escultura. Uma série
de fatores históricos ligados à Revolução Industrial desencadeou vários desdobramentos,
sobretudo com a fotografia, que reivindicava cada vez mais seu reconhecimento como
expressão artística. No entanto, ainda persistia a noção de que a Arte compreende,
essencialmente, aqueles produtos do esforço criativo humano manual, que nos acostu-
mamos a chamar de pintura ou escultura. Alguns artistas faziam aquilo a que se costu-
mava referir como escultura, mas já de um jeito diferente. As sementes para algo novo
já estavam plantadas.

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Aos poucos, as práticas tradicionais acabam por ceder espaço, bem como os concei-
tos instaurados e consagrados pela tradição, seja na forma, seja na comercialização da
Arte. A partir de meados do século XX, começa a ter lugar uma produção muito mais
participativa, voltada à comunicação e menos representativa do ponto de vista do culto
ao objeto como valor comercial. Os próprios formatos criados a partir da década de
1960 dificultam bastante a “mercantilização” de certas obras.

Podemos entender, assim, que, a partir desse ponto, a Arte se abre para fluxos mais
amplos, a partir do momento em que interage com outros formatos e deixa para trás a
resistência consolidada do passado. Amplifica-se até mesmo na maneira de lidar com o ine-
ditismo das informações, passando da cultura material para a imaterial. Diana Domingues
(2003), organizadora da obra A Arte no século XXI, acredita que as tecnologias passam
por um processo de humanização; antes ainda, não há retorno possível, diante a uma
tecnologia que demonstre seu poder transformador. Seria possível renegar o fogo depois
de sua descoberta ou, ainda, abrir mão do conforto proporcionado pela lâmpada elétri-
ca? Dificilmente isso seria possível para nós. Segundo a autora, as novas tecnologias que
surgem, o fazem a partir de um arcabouço traçado por outras criadas anteriormente, em
um processo contínuo do qual faz parte, inclusive, o próprio cérebro humano.

É preciso acreditar que o homem constrói seu presente e projeta um futuro


cada vez melhor. Sem impedir o fluxo da história e dispender energia inú-
til, precisamos entender a presença das tecnologias e seus efeitos na vida
mediada. Assim, longe de idealismos infundados, encontro uma série de
conceitos em artistas e teóricos cujas reflexões dão conta da humaniza-
ção das tecnologias. A história mostra que as civilizações nunca voltaram
para trás, que as descobertas e inventos são acumulados e servem de ba-
ckground para outros inventos. E como decorrência, a vida vem se trans-
formando, com uma série de tecnologias que amplificam nossos sentidos
e nossa capacidade de processar informações. E a mente humana, uma
vez que teve suas dimensões ampliadas, não volta mais a seu tamanho
original. (DOMINGUES, 2003, p. 15)

No momento atual, é possível constatar que a Arte é um campo de experimentação


no qual todos os cruzamentos entre o passado e o presente, bem como entre o fazer ma-
nual e as tecnologias, estão presentes. Certamente, o fato de vivermos em um ambiente
conectado por uma rede mundial de computadores, que nos oferece uma vasta gama de
referências, colabora fortemente para isso. Além desse fato, novos materiais, suportes e
formas diversas se tornam possíveis, pois as inovações tecnológicas não se restringem
apenas ao universo digital, como erroneamente poderíamos pensar a princípio. Em to-
dos os campos, seja na saúde, na engenharia, na aviação, na química, seja qual for a área
do conhecimento que possamos imaginar, há sempre uma grande revolução em marcha.

Assim, a Arte Contemporânea utiliza (ou pode se utilizar) todos os recursos disponí-
veis de nosso tempo. Não restam muitas dúvidas de que a tecnologia digital, que nos dias
atuais se desenvolve a passos cada vez mais largos, é um desses recursos, cada vez mais
amplamente utilizados pelos artistas.

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Domingues (2003), ao explicar o livro que organiza, diz que a Arte do século XXI está
em sintonia com os avanços tecnológicos. Para a autora, a Arte seria ainda um suporte
para a humanização desses procedimentos, bem como um vetor de transformação cultural.

A Arte no Século XXI: a Humanização das Tecnologias coloca uma ques-


tão atual: a produção artística sintonizada com os avanços tecnológicos,
revelando os aspectos humanos das tecnologias. As considerações têm a
Arte como ponto de convergência e são pensados os efeitos das tecnolo-
gias na vida contemporânea, determinando traços da cultura deste final
de século [XX]. (DOMINGUES, 2003, p. 16)

Isso significa que os artistas estão esperando o poder dialógico das máquinas, sua
capacidade de entender e traduzir sinais emitidos num processo de aquisição e comuni-
cação de dados que acabam por gerar “trabalhos vivos”, como se fossem “objetos vivos”.
Não há dúvida de que, nos dias atuais, sequer arranhamos o verniz das possibilidades
que as ferramentas digitais nos oferecem. É claro que existem diferentes visões, algumas
mais tradicionais, outras mais entusiasmadas, sobre o uso de tecnologias na Arte; de
qualquer forma, uma coisa é certa, é impossível escapar totalmente do viés tecnológico
e talvez não seja mesmo o caso de negar tamanha gama de possibilidades.

Essas ferramentas podem ser entendidas como uma extensão das habilidades, uma
vez que as novas tecnologias põem à nossa disposição as mais diversas formas de exe-
cução a serviço da “criação”, para interação e manipulação.

Figura 2
Fonte: Getty Images

Novos materiais, impressoras 3D, inteligência artificial, interação como nunca antes
se viu. É certo que, daqui para a frente, o universo da Arte estará permeado dessas e de
outras questões tecnológicas. É provável, ainda, que, como aconteceu com gerações an-
teriores, sejamos levados a pensar se uma determinada ação constitui, de fato, uma obra
de arte ou não. Que estejamos preparados para tratar (novamente) dessas questões.

Mas como chegamos até aqui? Obviamente, a arte de viés tecnológico tem os seus precur-
sores dentro e fora de nosso País. No próximo item, vamos tratar um pouco dessa história.

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O Processo de Produção da
Arte e Tecnologia no Brasil
Até a primeira década do século XX, a Arte Brasileira era dominada por uma série
de regras acadêmicas, que têm como origem a estética neoclássica, assim, o estilo e
a forma de representação dessas produções tinham um apelo ao gosto europeu, par-
ticularmente, ao gosto francês. Há dois momentos em que esse estado de coisas será
desafiado nesse início de século: a exposição do pintor lituano radicado no Brasil Lasar
Segall, em 1913; e a exposição de Anita Malfatti em 1917, que ia bem até receber
uma crítica mordaz de um dos maiores nomes da cultura brasileira: Monteiro Lobato.
A Semana de Arte Moderna, de 1922, apesar do impacto relativo à época, é vista hoje
como a ruptura para o período moderno nas artes plásticas brasileiras. Depois disso, o
Modernismo brasileiro teve outras fases, representadas, por exemplo, por nomes como
Candido Portinari e pelos artistas do “Grupo Santa Helena”, entre outros”. As técnicas
ainda eram bastante tradicionais – basicamente, esses artistas se utilizavam da pintura
ou da escultura.

Nos anos 1950 e nos anos seguintes, os artistas passam a se apropriar de novas ex-
periências, advindas de fora do País, a exemplo do que também fizeram os modernistas
da primeira fase, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Victor Brecheret, todos com
experiência internacional na bagagem. Porém, há diferenças marcantes no contexto ar-
tístico e cultural. Essa é uma das explicações para o gênero da geometrização como um
novo vocabulário, uma nova sintaxe que passou a nortear as produções artísticas, que
dão ênfase aos conceitos construtivistas, numéricos e matemáticos.

Há uma nova perspectiva para a Arte Brasileira. Para muitos críticos, esse é o exato
momento em que nossa arte ganha ares internacionalistas, pondo-se em linha com
as produções mais interessantes dos grandes centros de produção artística. Parte das
mudanças decorreu de um certo abandono das técnicas tradicionais, consagradas pela
tradição e pela utilização de novos materiais, muitos deles industriais. Além disso, co-
laborou o afastamento da ideia de arte como mercadoria e a reavaliação dos conceitos
artísticos fundados na representação das formas.

Os Bichos, de Lygia Clark, são um exemplo disso, bem como os Parangolés, de


Hélio Oiticica.

Os Bichos, de Clark, bem como seus “não objetos”, criados a partir dos anos 1960,
são objetos articuláveis em metal que podem ganhar várias formas. Os Parangolés, de
Oiticica, foram criados a partir de 1964 e eram um tipo de capa que reveste e comple-
menta o corpo. Tanto Lygia Clark como Hélio Oiticica integraram o Grupo Frente, do
Rio de Janeiro.

Vamos refletir rapidamente: se os Bichos devem ser manipulados pelo público para
que se tenha a experiência ideal, e os Parangolés de Oiticica são obras de arte que
podem, literalmente, ser vestidas, como poderia se dar a exposição desses itens? Como
uma instituição museológica tradicional poderia expor essas obras obtendo o melhor
delas, tal como foram pensadas por esses artistas?

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Figura 3 – Um dos famosos Bichos, de Lygia Clark, escultura de 1960


Fonte: Wikimedia Commons

Havia, como já apresentamos, um grande interesse no abandono do objeto como ele-


mento fundamental, único e individual. Era mais importante para esses artistas enfatizar
o poder de comunicação e interatividade do objeto artístico. As obras apresentadas e,
sobretudo, representadas nas criações de Oiticica e Clark abriram um caminho impor-
tante, que descola a produção artística do “duopólio” pintura/escultura e trilha vários
outros rumos, nos quais não há limites para a expressão. Nesse sentido, a tecnologia,
que não é necessariamente digital (é sempre bom lembrar), entra como forte aliada des-
ses novos meios de expressão.

Outro movimento, que deu continuidade a essa mudança de rumo da produção ar-
tística, foi o da Arte Cinética. Ela abriu, certamente, uma nova gama de possibilidades
interessantes para os bravos artistas que estavam dispostos a continuar subvertendo
as velhas ordens estabelecidas. Esse tipo de produção, que pode evocar o movimento
de diversas maneiras, teve início no fim da década de 1940, início da década de 1950,
quando muitos artistas brasileiros aderiram a um “não figurativismo geométrico”.

No Rio de Janeiro, Ivan Serpa (1923-1953) foi um desses artistas, que aderiu ao “não
figurativismo geométrico”. Serpa começou a trabalhar as formas considerando-as em si
mesmas. O artista foi premiado na primeira edição da Bienal de São Paulo, realizada no
ano de 1951, como “melhor artista jovem”, em razão de sua pintura Formas.

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Figura 4 – Formas, pintura de 1951 que fez com que Ivan Serpa fosse agraciado
com o prêmio de Melhor Artista Jovem da mostra
Fonte: Wikimedia Commons

Na obra, que circula ainda no universo da pintura, mas que inspiraria novas experi-
mentações, podemos perceber a geometrização das formas, cuja “perfeição” realmente
se assemelha ao industrial e até ao produzido em série. Além disso, como em toda obra
abstrata, temos a quebra da correspondência entre o elemento da tela e o mundo real, já
que os signos ali dispostos não encontram no mundo real um elemento correspondente.

Nessa mesma primeira Bienal, outro artista chamou atenção. Ele se destacou por
uma estranha escultura (ou seria melhor dizer estranho “aparelho”?). A obra em questão,
Azul e Roxo em primeiro movimento, foi apresentada à época pelo artista Abraham
Palatnik (1928-2020), à época um jovem artista brasileiro, nascido no Rio Grande do
Norte, que havia recém-chegado de Israel, onde morou até 1948. Palatnik é conside-
rado um dos precursores da Arte Cinética no Brasil e até mesmo no mundo. O artista,
portanto, foi um dos primeiros a perceber as potencialidades das tecnologias aplicadas
à experiência estética.

Arte Cinética: Segundo o dicionário Aulete Digital, a palavra “cinético” (do grego kinetikós),
faz referência ou é inerente ao movimento.
A Arte Cinética é, portanto, aquela que se move, ou pode mover-se. É muito comum que esse
movimento seja impulsionado por eletricidade, mas também pode ser um movimento manual.

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Figura 5 – Polivolume: disco plástico, de Mary Vieira. Inúmeras combinações possíveis


Fonte: enciclopedia.itaucultural.org

Uma artista que também se interessou fortemente pelas possibilidades de uma arte
em movimento foi Mary Vieira (1927-2001), que produziu sua primeira escultura cinético-
-visual no ano de 1948. Seus Multivolumes, criados a partir de 1949, demandam a par-
ticipação do espectador, que pode movimentar as formas livremente. A artista mudou-se
para a Suíça no ano de 1951, quando começou a desenvolver a série Polivolumes, ainda
lidando com a possível interação do espectador, que pode criar combinações pratica-
mente infinitas, criando formas de beleza realmente notável.

Olhar a história em perspectiva pode dar a falsa impressão de que tudo aconteceu
de forma fácil e rápida. Não é assim. Esses valorosos artistas, tão talhados para a novi-
dade, à curiosidade e à pesquisa, não viviam – ao menos no Brasil – o melhor ambiente
para suas experimentações. O principal esforço desses artistas estava em libertar-se,
em eliminar as rígidas amarras da política da época, marcada por um triste período de
ditadura militar que se iniciou em 1964, com o golpe que derrubou o presidente João
Goulart, que assumira no lugar de Jânio Quadros, quando este renunciou, em 1961.
No lugar de Jango, como ele era conhecido, assumiu Ranieri Mazzilli, que, depois de
13 dias, passou o cargo ao general Humberto Castelo Branco, inaugurando, aí sim, o
regime militar, que duraria até 1985.

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O Brasil havia experimentado 19 anos de liberdade plena, do fim da ditadura Vargas
até o golpe de 1964, o que tornou tudo mais difícil no campo das artes. Tudo viria a piorar
com o mais terrível dos Atos Institucionais, o de número 5, assinado em 1968. O AI-5,
como ficou conhecido.

A ditadura no Brasil entrava em seu período mais sombrio. Nesse ano, de óbvio en-
durecimento do regime, aconteceu o esvaziamento, em 1969, da décima Bienal de São
Paulo, tanto de artistas brasileiros como de estrangeiros, em uma espécie de “grito mudo
das Artes”. Nesse contexto, é importante pensar em uma certa diferenciação que se veria
no âmbito social e político no fim dos anos 1960 e ao longo de toda a década de 1970.

Figura 6 – Cartaz da Décima Bienal de São Paulo


Fonte: bienal.org

O design de Maria Argentina Bibas demonstra inspiração na Op-art. Apesar do boicote


histórico, a estética se mostra em consonância com um pensamento progressista.
Mesmo com todos esses percalços, a Arte passa a ser uma composição de ideias e
as investigações sobre a materialidade nas produções é tomada por materiais e técnicas
industriais e até objetos industrializados comprados em lojas. A apropriação desse apa-
rato industrial é o que servirá de suporte para a utilização de diversas outras tecnologias
na Arte, inclusive a digital.

Artistas fora do centro dessas irrupções militaristas abstêm-se do sistema comercial


das galerias e propõem a possibilidade de criar a partir da diversidade. Na 14ª Bienal de
São Paulo, por exemplo, realizada no ano de 1977, destacam-se os artistas Ivald Granato
(1949-2016), com suas performances nas ruas (1964-1978), Arthur Barrio (1975-1982),
na performance Um estranho ser humano com fome de expressar-se, e José Rober-
to Aguilar, com seu Circo antropofágico.

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Ivald Granato Obras disponíveis. Disponível em: https://bit.ly/2V2GARL

Circo Antropofágico ambulante cósmico e latino americano apresenta esta noite: a transfor-
mação permanente do Tabu em Totem. Disponível em: https://bit.ly/3Bv12KK

Certamente, as possibilidades que a Arte Contemporânea promove, sobretudo aque-


la que traz diferentes oportunidades e formas de expressão, libertando os artistas do já
citado “duopólio” pintura/escultura. A performance, o happening, a videoarte, a body
art, entre outras, passam a compor o dia a dia dos artistas, chegando a criar no mercado
tradicional de artes e mesmo nos museus e galerias certas dificuldades. Afinal de contas,
como expor uma performance, como vendê-la? O mercado e o universo dos museus
tiveram que lidar com essa inusitada situação. O mesmo se deu com obras do tipo site-
-specific e as de grandes proporções.

O fator tecnológico, que sempre instigou os artistas desde a câmara escura, na medi-
da em que passa por um momento de radicais transformações, exercerá forte influência
sobre certos artistas. Assim, desajeitados e tímidos (pelo menos no princípio), os meios
eletrônicos e digitais abriram novos campos na sua própria “pré-história”, em que artistas
americanos e europeus passam a se utilizar da nova ferramenta e produzem as primei-
ras obras que têm na tecnologia (ainda rudimentar se comparada ao que temos hoje), as
primeiras obras baseadas, na medida do que era possível, na lógica da Computer Arts.

No Brasil, mais precisamente na capital paulista, Waldemar Cordeiro (1925-1973),


teórico líder do Grupo Ruptura, realiza, em 1971, a exposição Arteônica, sobre a qual
falaremos mais adiante. Cordeiro era um entusiasta da arte computacional e fez diversas
experiências que, para nós, podem até parecer um pouco ingênuas, mas ele foi, na verda-
de, um grande artista e um desbravador. Em 1973, chegam também a São Paulo Regina
Silveira e Julio Plaza (1937-2003), vindos de Porto Rico. Os dois artistas são grandes
nomes de um tipo de arte que pode ser chamada de “multimedial”, entre vários outros
nomes. Julio Plaza era espanhol, mas passou a morar no Brasil a partir de 1973. Regina
Silveira também se tornaria uma artista interessada e muito importante para a Videoarte.

Na visão prospectiva da importância dos meios eletrônicos para a cultura


nacional, deve ser salientada a variável da extensão territorial. Para os de-
mais campos da atividade social, o sistema de telecomunicação, atualmente
em processo de expansão, constitui um fator de relacionamento, aproxima-
ção e integração. Essa mesma macroinfraestrutura da comunicação pode-
ria oferecer os meios para o desenvolvimento de uma cultura artística de
âmbitos nacional e internacional. A cultura enfrentou no passado dificulda-
des físicas provenientes de uma ocupação do território nacional por núcleos
de diferentes dimensões, separados por distâncias de milhares de quilôme-
tros, áreas essas com densidades populacionais baixíssimas, às vezes prati-
camente vazias. Por outro lado, no interior desses núcleos, a proximidade
excessiva chega a degradar as condições de vida, comprometendo as possi-
bilidades comunicativas. Os recursos eletrônicos de comunicação poderiam

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corrigir essas duas anomalias, permitindo melhor equilíbrio ecológico entre
o fator físico e o comunicativo. (CORDEIRO, 1971, documento on-line)

Waldemar Cordeiro entendia que os precedentes da linguagem digital estavam na


Arte Concreta e que a Arte tradicional estava aquém da demanda cultural quantitativa e
qualitativa da sociedade moderna.

A tecnologia, de forma rápida e ininterrupta, avança para dentro do universo artís-


tico, começa a concorrer com os procedimentos tradicionais e põe à disposição novos
recursos de suportes, ao mesmo tempo que agiliza todo o processo de produção.

Os artistas se apropriam dessas ferramentas e optam por happenings, videoarte,


videoinstalações; substituem seus artefatos e suas ferramentas por dispositivos em múl-
tiplas conexões de sistemas que envolvem telefone, modem, fax, xerox, computadores,
além, é claro, da fotografia.

As primeiras obras realizadas de videoarte são de Wolf Vostell (1932-1998) e de Nam


June Paik (1932-2006), por volta de 1960, em Nova York, entre outros grandes pionei-
ros, como o grande mestre da Pop Art Andy Warhol, um experimentador por natureza.

Figura 7 – Nam June Paik, Electronic Superhighway: Continental U. S., Alaska, Hawaii, 1995
Fonte: sites.lafayette.edu

Conheça mais da instigante obra de Nam June Paik no link abaixo, da revista digital Arte &
Multimídia. Disponível em: https://bit.ly/3zzmTjk

No Brasil, no entanto, não era fácil trabalhar com videoarte. Os artistas precisavam
burlar uma série de dificuldades para conseguir os equipamentos necessários e não era
fácil conseguir locais para exibir os resultados obtidos. Isso pode parecer absurdo para
nós, que temos no bolso um fantástico dispositivo que pode fotografar, filmar e editar
um produto audiovisual em poucos minutos. Cabe, aqui, no entanto, um exercício no
sentido de percebermos que não era fácil no Brasil das décadas de 1970/1980 produzir

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e finalizar um produto audiovisual, sobretudo uma obra não comercial. Essa era uma
tarefa, segundo Walter Zanini (1983, p. 788), para “apenas alguns mais obstinados”.

A XIII Bienal de São Paulo, em 1975, dá oportunidade às produções de videoarte, que


se manifesta de maneira bastante forte pelas obras de artistas como Andy Warhol, Bill Viola
e o próprio Nam June Paik. O evento ficou conhecido como a “Bienal dos videomakers”.

Apesar do fato de que as novas tecnologias já estavam sendo utilizadas por artistas
em diversos locais, no Brasil, somente na década de 1970 foi possível trabalhar com os
recursos tecnológicos; mesmo assim, eram poucos os artistas que conseguiam viabilizar
financeiramente os equipamentos necessários. Não havia a menor hipótese de realizar
uma série de trabalhos, estudos e experimentações de maneira aleatória.

Na segunda metade da década de 1970, em São Paulo, Walter Zanini conseguiu


recursos financeiros para criar no Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC) um
pequeno setor de vídeo.

Mais detalhes sobre as experiências dos artistas no setor vídeo do MAC-USP de 1977 a 1978
podem ser conferidas no link. Disponível em: https://bit.ly/3sZn9Wy

A videoarte ganhou maior visibilidade em 1978, no I Encontro Internacional de Video-


arte, realizado no Museu da Imagem e do Som (MIS) em São Paulo. Marilia Saboya de
Albuquerque e novamente Walter Zanini trouxeram artistas renomados das mais diversas
partes do mundo; dos brasileiros, participaram Anna Bella Geiger, Carmela Gross, José
Roberto Aguilar, Julio Plaza, Regina Silveira, Roberto Sandoval, entre outros.

É certo que havia carência da tecnologia necessária no Brasil. Artistas (somente os


realmente obstinados, como vimos) entendiam a correspondência entre os processos
de desenvolver a arte e as técnicas mais avançadas disponíveis. A despeito de todas as
dificuldades, artistas como Gabriel Borba Filho, Artur Matuck, Regina Silveira e Regina
Vater­, em São Paulo, e Luis Gleiser e Letícia Parente (nascida na Bahia), no Rio de Janei-
ro, realizaram trabalhos que até hoje são referência para a videoarte brasileira.

Para saber mais sobre o tema, assista ao programa Brasil Visual: videoarte no Brasil.
Disponível em: https://bit.ly/3jvEeUG
Assista, no link a seguir, a obra Morfas, de Regina Silveira – 1981 Câmera de Roberto Sandoval.
Disponível em: https://youtu.be/C6IyY97mkyw

O Caminho para a
Contemporaneidade Tecnológica
Talvez tenha causado certa surpresa a demora para finalmente chegarmos ao uni-
verso da informática e sua aplicação ao universo das artes. De fato, o computador e

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uma série de dispositivos que poderíamos chamar de computacionais hoje ocupam uma
posição muito especial em nossa sociedade. Tais dispositivos entraram em nossa vida e
substituíram diversas atividades, passando, inclusive a simular outras tantas. Um progra-
ma de desenho, por exemplo, pode, com facilidade, simular (ou emular, na linguagem
da informática) uma série de técnicas tradicionais de ilustração. É possível, inclusive,
testar, depois do desenho pronto, qual a técnica a ser “emulada”. Sem dúvida, os atuais
sistemas de informação constituem um grande avanço.

Sabemos que o universo da arte sempre esteve atento às novidades. Foi assim com
a fotografia, com as novas formas de expressão a partir da década de 1960, com o fax,
a fotocópia. Enfim, é mesmo difícil separar as técnicas artísticas das tecnologias, sobre-
tudo na Arte Contemporânea, universo no qual coexistem todas as técnicas, das mais
tradicionais às mais digitais e mais recentes. De fato, segundo Arantes (2005, p. 87),
no final da década de 1960, Waldemar Cordeiro entendia que na arte concreta residia a
base para uma arte computacional e introduziu o computador (que ele considerava um
vetor para a democratização da arte) no processo de criação de suas obras.

Figura 8 – Derivadas de uma imagem, 1969


Fonte: Wikimedia Commons

A obra de Waldemar Cordeiro e do professor Giorgio Moscatti, realizada em um com-


putador IBM 360, é considerada a primeira obra de arte computacional do País.
Traçando um paralelo histórico, nos anos 1960 – a mesma década em que se con-
solidou uma série de novas formas de representar e de registrar a obra de arte – Harold
Cohen desenvolveu, já no final da década, algoritmos que permitem a um computador
executar obras de arte. Um braço mecânico produzia desenhos que, segundo Arantes
(2009), “poderiam ser atribuídos aos homens”. Essa técnica já era superior àquela utili-
zada pela Computer Arts, do final dos anos 1950.

Como também já vimos, o início da década de 1970, mais particularmente o ano de


1971, marca o início de uma série de experimentações da videoarte no Brasil, um tipo
de realização muito difícil para os artistas brasileiros que enveredaram por esse caminho.
No entanto, é importante lembrar que os processos de captação e edição desses mate-
riais ainda não eram realizados por meio dos computadores e da editoração eletrônica.

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Ainda na década de 1970, o artista multimídia Paulo Bruscky (1949-2018) foi reco-
nhecido como um dos mais importantes contemporâneos do Recife, com seus projetos
inovadores de Arte Postal, Fotolinguagem e Arte Xerox, entre outras experimentações
em que o artista se apropria de radiografias, eletroencefalogramas e eletrocardiogra-
mas. Bruscky expõe seu trabalho de Arte Postal na 16ª Bienal Internacional de São
Paulo, sob a curadoria de Julio Plaza no Setor Mail Art, entre outros 474 artistas, de 33
países. O suporte ativo era o Correio ao qual se vinculava uma série de mídias.

A Arte Correio surgiu numa época em que a comunicação, apesar da


multiplicidade dos meios, tornou-se mais difícil, enquanto a Arte oficial,
cada vez mais, achava-se comprometida pela especulação do mercado
capitalista (...) A Arte Correio (Mail Art), Arte por Correspondência, Arte
a Domicílio ou qualquer outra denominação que receba não é mais um
“ismos”, e sim a saída mais viável que existia para a Arte nos últimos anos
e as razões são simples: antiburguesa, anticomercial, antissistema etc.
Esta Arte encurtou as distâncias entre povos e países, proporcionando
exposições, intercâmbios com grande facilidade, onde não há julgamen-
tos nem premiações dos trabalhos, como nos velhos salões e nas caducas
bienais. Na Arte Correio, a Arte retoma suas principais funções: a infor-
mação, o processo e a denúncia. (BRUSCKY, 2006, p. 374)

Paulo Bruscky. Enciclopédia Itaú. Disponível em: https://bit.ly/2Y7dZM5

Depois de a Bienal de São Paulo trazer uma tímida seção de Arte e Tecnologia, muito
em razão do boicote sofrido pelo evento por causa da ditadura militar, em 1971, Waldemar
Cordeiro organiza a exposição Arteônica (arte + eletrônica), uma das primeiras inicia-
tivas no mundo a mostrar essa interface entre a arte e a tecnologia digital. O evento
teve lugar na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). “No catálogo da exposição,
ele destacava o aspecto democratizante das artes telemáticas, colocadas em prática no
país principalmente a partir da década de 80” (ARANTES, 2005, p. 88). Além disso,
a autora traz outra questão importante na obra de Cordeiro, uma questão social que
aparece em plena ditadura militar. Um exemplo disso é uma versão computacional da
fotografia de uma menina queimada por napalm durante a Guerra do Vietnã. A obra é
intitulada A mulher que não era B. B. Segundo Arlindo Machado (2015), B. B. seria
Brigite Bardot, famosa estrela francesa do cinema. A escolha do título comprova esse
posicionamento crítico do artista. A boca da atriz também apareceria (supostamente) na
obra cinética O Beijo, de 1967.

Outros eventos surgiriam ao longo da década de 1970, como Prospectiva74 e Poé-


ticas Visuais, realizados em 1974 e 1977, propostas apoiadas por Walter Zanini, então
diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC-USP.
O professor Walter Zanini, grande nome das artes brasileiras, dirigiu o museu de 1963
a 1978.

Os anos 1980 são um importante período de experimentações. A década traz, ainda,


em definitivo, o computador, assim como outros dispositivos da informática que chega-
ram definitivamente no começo da década.

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O videotexto, assim como iniciativas de SSTV (Slow Scan TV), ou Televisão de Var-
redura Lenta, passam a ser outras formas muito utilizadas para a expressão artística.
O videotexto praticamente anuncia a WEB, sobretudo no que diz respeito à transmissão
de imagens e texto.

Julio Plaza organiza a exposição Arte por Telefone, no MIS; sobretudo, é na 17ª
Bienal chamada Interart que tanto o videotexto com as outras tecnologias feitas por
computadores são selecionados por uma parcela bem particular de produção artística,
considerada underground e marginal.

Figura 9 – Você é o crítico, Julio Plaza


Fonte: bienal.org

Não assumimos atitudes de restrição estética no universo dos relaciona-


mentos entre a Arte e as técnicas, e não partimos para soluções que enfa-
tizam determinadas classes de problemas – como por exemplo a questão
temática -, a Bienal, em seu núcleo 1, demarcado em dois vetores, abriu
duas intenções para as energias da modernidade, onde melhor elas pu-
dessem ser encontradas. Neste sentido a Bienal difere frontalmente das
últimas versões de suas congêneres europeias. (ZANINI, 1983, p. 5)

Ainda nessa década, no Brasil, o que menos se discute nas produções artísticas são
a “matéria” e as “formas” em estados permanentes. Entretanto, o “lugar geográfico e o
espaço” se ampliam como um organismo vivo que circula nas redes comunicantes, entre
elas: xerox, fax, scanners, videotexto, conexões múltiplas e multiplicadores formam uma
rede planetária de leitura eletrônica. A nova geração de artistas tecnológicos já dispunha
de equipamentos mais viáveis de comunicação, o que possibilitou trabalhar com recursos
diferenciados de sonorização e vídeo.

No Brasil, o campo da Arte Tecnológica era restrito; porém, o horizonte dos video-
makers estava voltado para a televisão e se desenvolvia rapidamente.

Entre as principais interfaces, a que se desenvolveu também foi a holografia, que con-
tou com a sofisticação do trabalho gráfico do artista Moysés Bausmstein (1931-1991).

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Hologramas são registros de objetos que, quando iluminados de forma conveniente, permi-
tem a observação dos objetos que lhe deram origem. Ao contrário da fotografia, que ape-
nas permite registrar as diferentes intensidades de luz proveniente da cena fotografada, os
hologramas registram, também, a fase da radiação luminosa proveniente do objeto. Nessa
fase, está contida a informação sobre a posição relativa de cada ponto do objeto iluminado,
permitindo reconstruir uma imagem com informação tridimensional.
ARTE Holográfica. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3zzobea

Para que se possa ter real noção dessa revolução, em 1983, a revista americana
Time elegeu o computador como a “máquina do ano” de 1982; em vez de eleger o “ho-
mem do ano”, como era de costume. No ano anterior, o destaque foi Lech Walesa, líder
do sindicato Solidariedade, da Polônia, que ganharia o Nobel da Paz em 1983 e assu-
miria a presidência de seu país logo após a derrocada do comunismo. Essa é a prova de
que o cenário começou a mudar e que as tecnologias computacionais tinham realmente
chegado para modificar a estrutura da sociedade.

As tecnologias não são exclusivamente digitais, mas é inegável que naturalmente


associamos os termos. É importante destacar, no entanto, que a tecnologia nos oferece
diversas interfaces, inclusive a digital; daí a importância de termos passado pela descons-
trução do “duopólio” pintura/escultura e a instituição de novas abordagens para a obra
de arte, como as já citadas, até que se chegasse às interações realmente digitais.
O computador é um sonho antigo. Segundo Arantes (2005, p. 61-62), Blaise Pascal,
matemático e filósofo francês do século XVII, desenvolveu calculadoras mecânicas. Mais
tarde, já no século XIX, Charles Babbage “construiu uma máquina de cálculos que mui-
tos consideram a ‘mãe’ dos computadores modernos” (ARANTES, 2005, p. 62).
Nos anos 1950, o potencial do computador já havia sido percebido e, a partir do final
de década de 1970, inclusive com os esforços de empresas como a Microsoft, de Bill
Gates, e a Apple, de Steve Jobs e Steve Wozniak, que em muito colaboraram para que
o computador figurasse como “máquina do ano” na capa da revista Time, é claro que os
artistas estavam atentos a esses desdobramentos.
Obviamente, os primeiros trabalhos, baseados em algoritmos simples, provavelmente
hoje nos parecem “envelhecidos”. O smartphone mais modesto tem, nos dias atuais, muito
mais capacidade de processamento que as grandes e dispendiosas máquinas do passado.
A arte e a tecnologia têm um importante ponto em comum: não se cansam de testar
limites. De seu lado, a arte rompe com frequência com o que é considerado belo ou
correto, muito talvez em razão da utilização que faz do novo, daquilo que aparece, geral-
mente, como inovação tecnológica.
Assim, os suportes artísticos têm também se modificado e, em alguns casos, são subs-
tituídos por uma ação de Arte Multimídia que, geralmente, se interessa por uma ação de
interação ou resposta do público. No final dos anos 1980, a fax-arte, um tipo de intera-
ção que se utilizada dos aparelhos de fax, tão comuns em uma época em que os e-mails
não circulavam entre o grande público, ganhou certa notoriedade. A impressão contínua
do papel térmico sensível (em rolo) dos aparelhos criava efeitos bastante interessantes.

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A rede mundial de computadores, disponível a partir dos anos 1990, cada vez mais
tem servido de suporte para interações de telepresença, teleobservação e teleinter-
venção (Arantes, 2005, 99-105). O suporte, antes físico, agora é virtual. Isso não signifi-
ca, devemos lembrar, que o suporte não seja real, ele apenas não mais o físico como nós
o imaginamos. Usando a lógica de Nicholas Negroponte, o pesquisador do Massachu-
setts Institute of Technology (MIT) que previu muitas das questões atuais relacionadas ao
trânsito de dados por vias rápidas de informação, trata-se da transformação dos átomos
em bits (NEGROPONTE, 1995, p. 17). No final dos anos 1990, a internet rápida (de
banda larga) começou a ganhar espaço, abrindo margem para experimentações e inte-
rações mais complexas.

No final do século XX, centros de pesquisas, universidades e empresas de tecnologia


continuam a viabilizar novas linguagens para a arte, sobretudo explorando os aspectos
imateriais e de interação promovidos pela tecnologia que, é claro, não cessará de evoluir.

Estamos entrando na terceira década do século XXI e as inovações tecnológicas que


não param de se desenvolver parecem manter sua influência em todas as áreas do conhe-
cimento humano, e com as artes não é diferente. As primeiras gerações de artistas que
começaram a lidar com a tecnologia, com destaque especial para Palatnik e Cordeiro,
legaram às gerações posteriores um pensamento aberto ao novo, assim como deve ser.

Diferentes iniciativas (pelo mundo todo, é bom que se diga), se utilizam das tecnolo-
gias (inclusive as digitais, claro) para produzir arte e cada vez mais integrar o público, que
muitas vezes interage com essas obras.
No Brasil, em particular, o Projeto Arte/Cidade, desenvolvido a partir de 1994 – um
projeto de arte revolucionário que leva a obra de arte ao encontro do público, muitas
vezes diretamente para os seus locais de passagem –, trouxe algumas obras bastante
integradas ao circuito das tecnologias.
Uma em especial chama atenção. Trata-se de um painel, instalado na avenida Radial
Leste, em São Paulo, uma grande avenida que cruza a cidade e tem um vigoroso fluxo
de veículos.
Giselle Beiguelman, professora livre-docente da FAU/USP, é uma artista brasileira
pioneira da arte digital, sobretudo no que diz respeito ao uso da internet para interven-
ções artísticas. O uso de painéis eletrônicos faz parte da poética da artista, como é o
caso da obra “Leste o Leste?”, instalada por ocasião do Arte Cidade Zona Leste, de
2002. Na obra em questão, o próprio público escolhia e enviava aos painéis grafites
digitais criados pela artista e que dialogavam com o contexto da região, em um exemplo
de teleintervenção razoavelmente orientado, já que as imagens eram pré-produzidas.
O envio era feito de forma remota e o público podia conferir o resultado, pois uma
câmera instalada no local mostrava o painel em contexto. Em pelo menos uma outra
obra da artista, essa interação se deu sem filtros. Além dos painéis eletrônicos, a artista
trabalha, entre outras questões, o glitch, uma espécie de “erro” de exibição (emulado ou
provocado) que acaba por resultar em um efeito gráfico de linguagem própria.

Conheça mais sobre a artista Giselle Beiguelman. Disponível em: https://bit.ly/3sZtFMS

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A artista participou, em 2015, do Arquinterface, uma mostra de cultura digital que


aconteceu em São Paulo (a artista também participou da curadoria do evento). A mostra
teve lugar na fachada da sede da Fiesp, na avenida Paulista, e foi considerada “a maior
galeria de arte digital a céu aberto da América Latina” pelos organizadores.

Figura 10 – #QR-Comms, projeto de Giselle Beiguelman para o Arquinterface.


Os códigos “distribuem os 10 mandamentos da criação artística na época das redes”
Fonte: Reprodução

Assista ao vídeo que mostra a interação do público com a obra.


Disponível em: https://bit.ly/3DAhqv2
Veja mais fotos da mostra. Disponível em: https://bit.ly/3BB8T9g

A galeria de arte digital a céu aberto tem mais de 90 m de altura e uma tela de
quase 4 mil m2 e mais de 100 mil lâmpadas de LED. A programação é anual, segundo
os organizadores.

Como foi dito, o futuro nos reserva um sem-número de possibilidades. Eduardo Kac
é um artista carioca em contato frequente com o universo da tecnologia digital. Para a
exposição Arte Suporte Computado, de 1997, o artista implantou no próprio corpo um
microchip, iniciativa integrante da obra Time Capsule. Segundo o site do artista, “a obra
levanta problemas sobre ética na era digital, sobre interfaces úmidos para elementos
eletrônicos, e sobre a relação entre identidade e memória artificiais armazenadas dentro
do corpo humano”. Desde 1997, o artista tem desenvolvido obras no campo da bioarte.

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Figura 11 – O momento de colocação do implante, para posterior leitura
Fonte: ekac.org

Figura 12 – Imagem de Raio-X que mostra o implante de Eduardo Kac (canto superior esquerdo)
Fonte: ekac.org

As propostas apresentadas são bastante radicais no uso da tecnologia e da interação


com o público. No processo de produção da arte em geral, no entanto, acabou-se por
incorporar ao menos em suas etapas intermediárias algo da tecnologia digital. Nas produ-
ções essencialmente digitais e interativas, o artista não é mais um sujeito solitário pensan-
do individualmente sobre sua poética; ao contrário, por meio da construção de interfaces
estreitam-se os laços com cientistas, técnicos e público, em uma fértil rede de colaboração.

Os artistas intensificam suas produções de imediação tecnológica e acabam sendo


a hegemonia do momento, abrindo espaço em galerias e museus, mas não somente

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nesses espaços tradicionais de exposição. Em 1982, Regina Silveira exibiu Dígito, uma
interação artística em um painel eletrônico que ficava instalado no centro de São Paulo,
no Anhangabaú. A galeria de arte digital a céu aberto do SESI/SP leva essa iniciativa
pioneira da artista a consequências e visibilidade muito maiores.

Tudo isso faz aumentar, também, o interesse desses artistas por laboratórios científi-
cos, ou seja, a obra é coproduzida com a ajuda de especialistas. A Ciência, assim, vira
também munição estética, abrindo possibilidades.

Produções de robôs, vídeos com temáticas sociais, microchip dentro do corpo, en-
fim, rápida e ininterruptamente, as possibilidades se ampliam com a evolução tecnológi-
ca e criam, nesse momento da história, um grande impacto visual.

Segundo Arlindo Machado (2010), o Brasil se conecta com fibra óptica e a Arte se
apropria dos computadores em bits e buts, ferramentas, plataformas, meio, mensagem
interativa e o admirável mundo novo digital (1995-2000). É importantíssimo ressaltar
que o surgimento das tecnologias digitais e a sua evolução constante faz uma mistura,
um rearranjo de todos os outros meios, o que possibilitou o aparecimento de produções
de obras híbridas. O artista começa, assim, a transitar em uma grande variedade de pos-
sibilidades, como o Cinema, o Vídeo e a Computação Gráfica, entre outras, que podem
convergir, de diferentes maneiras, para o virtual.

O resultado é uma mistura de todas as especialidades que se consubstanciam em uma


nova cultura, a chamada “Cultura Digital”, abrindo espaço em conexão com o mundo
(MACHADO, 2010).

Essa foi uma pequena amostra de um cenário em constante construção, em que a


única certeza é a mudança, que chega de forma cada vez mais rápida. Como nunca an-
tes, é necessário estar atento ao que o futuro e ao que o presente nos oferece.

Figura 13
Fonte: Wikimedia Commons

Para saber o que está acontecendo no universo da tecnologia e os seus novos usos no
campo das artes plásticas, vale a pena conhecer o Festival Internacional de Linguagem

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Eletrônica (FILE), um evento que trata da cultura contemporânea, sobretudo de tecnolo-
gia, e que conta com a participação de artistas do Brasil e do mundo. A primeira edição
do evento, que já tem vinte anos de existência, aconteceu em São Paulo no ano 2000 e,
desde então, o evento tem acontecido também em outras cidades do Brasil e do mundo.
Trata-se do maior evento de arte e tecnologia do País.

Figura 14 – Capa do catálogo da edição de 2018 da FILE, realizada em São Paulo


Fonte: FILE São Paulo 2018

São diversas categorias, como a de Arte Interativa, que apresenta “instalações, per-
formances, projetos de internet, realidade virtual, realidade aumentada, mesas multito-
ques, objetos digitais, projeções outdoors, projetos para celulares, grafites eletrônicos,
vrml, etc.”

O site oficial do FILE é bem completo. Lá você vai encontrar mais detalhes sobre o festival, as
edições anteriores e os artistas envolvidos. Disponível em: https://bit.ly/3jsdiW2

Podemos concluir, nesta unidade, que as novas tecnologias puseram à disposição re-
cursos infinitos de suportes, ao mesmo tempo que agilizaram todo o processo de feitura
das obras de artistas que dela se apropriam.

Seja a Arte Digital, Arte Tecnológica, seja lá qual for o procedimento empregado,
estamos, desde o século passado vivenciando fenômenos que nos tiraram de um mundo
“linear”, sobretudo nessa “era da conexão”, para pensar em um outro modelo de expres-
são artística e de vida.

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UNIDADE Tecnologias nas Artes Visuais Brasileiras

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
Arte postal enquanto acervo
LEIRNER, S. Arte postal enquanto acervo. Arte e seu tempo. São Paulo: Perspectiva, 1991.

Arte contemporânea
ACHER, M. Arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2001

 Vídeos
Circo Antropofágico ambulante cósmico e latino americano apresenta esta noite: a transformação
permanente do Tabu em Totem
https://bit.ly/3Bv12KK

 Leitura
Holopoesia
https://bit.ly/3Dz0hBR
Paulo Bruscky
https://bit.ly/2Y7dZM5

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Referências
ARCHER, M. Arte contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

ARTE Holográfica. Enciclopédia Itaú Cultural de arte e cultura brasileiras. São


Paulo: Itaú Cultural, 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ter-
mo333/Arte-holografica>. Acesso em: 16 ago. 2018. Verbete da Enciclopédia.

BRUSCKY, P. Arte Correio e a grande rede: hoje a Arte é este comunicado. In:
FERREIRA, G.; COTRIM, C. (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro:
J. Zahar, 2009.

CORDEIRO, W. Arteônica. São Paulo. Universidade de S. Paulo, 1971. Disponível em:


<https://www.visgraf.impa.br/Gallery/waldemar/>. Acesso em: 03 jul. 2021.

DOMINGUES, D. A humanização das tecnologias pela arte. In: DOMINGUES, D. (org.).


A arte no século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: UNESP, 2003.

MACHADO, A. 1949. Arte e mídia. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.

________. Waldemar Cordeiro: o brasileiro precursor da arte mediada por compu-


tadores. Disponível em: <http://www3.eca.usp.br/sites/default/files/form/biblioteca/
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MANUEL, P. (Sup. geral). Arte no Brasil. São Paulo: Editora Abril, 1979. 2 v.

NEGROPONTE, N. A vida digital. Trad. Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das
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ZANINI, W. Introdução. 17ª Bienal de São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São
Paulo, 1983. p. 5 (Catálogo de Exposição).

________. (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles:
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Site Visitado
EDUARDO KAC: site do artista. Disponível em: <https://www.ekac.org/>. Acesso em:
20/02/2021.

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