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3 A IMAGEM ELETRÔNICA DE SÍNTESE

O estágio atual de nossa civilização, pós-histórico, segundo Flusser (1985) é marcado


pelo colapso dos textos e pela hegemonia das imagens. O momento onde a “escritura” é
construída com ou por máquinas, consiste essencialmente numa articulação de imagens
digitalizadas, manipuláveis e facilmente distribuídas em rede. “A imagem, sem dúvida, e toda
arte não é mais o lugar da metáfora e sim da metamorfose”. Foi assim que Couchot (1985)
melhor traduziu a natureza da imagem na contemporaneidade. Assim como máquina
fotográfica no século XIX, a invenção dos computadores e seus periféricos no século XX
causou uma transformação profunda e radical na produção de imagens.

Uma reviravolta de grandeza maior operou-se no cenário da arte tecnológica com a


assimilação da informática pelos artistas de várias áreas. Cada vez mais atuantes e
imprescindíveis em ilimitados aspectos da sociedade moderna, os computadores
digitais logo foram assimilados e pesquisados com uso próprio pelo pensamento da
arte. As máquinas "cerebrais" tornaram-se instrumento de novas formas de
inventividade e também passaram a influir nas formas de arte em vigor. (ZANINI,
2003, p.319).

A imagem eletrônica se apresenta como uma matriz de números: a menor unidade


constituinte do display eletrônico, o pixel, pode ser criado e manipulado digitalmente antes de
ser traduzido na tela do vídeo. A virtualidade das imagens digitais casa com o conceito de
imaterialidade, justamente por não estarem presas a um suporte ou referente físico. A imagem
sintética gerada pelo computador se desloca ou se transforma de forma ilimitada, codificando
o simbólico, o real e o imaginário. Assim, o computador é utilizado para produzir imagens bi
ou tridimensionais, ou ainda manipular imagens digitalizadas oriundas de outras mídias
analógicas ou digitais. Por meio do computador, o artista desenvolve imagens de síntese ou
numéricas, e sua intervenção configura-se ambígua, pois tanto ele pode construir uma imagem
sem referencial externo como pode manipular e transformar a realidade capturada ou ainda
mesclar ambas as coisas. “A computação gráfica herdou caracteres plásticos da pintura e
evidentemente da fotografia e, simultaneamente, veio a produzir uma verdadeira revolução no
mundo da fotografia através das manipulações que possibilita.” (SANTAELLA, 2003, p.138).
Como aponta Machado (2007, p.46) “vivemos atualmente uma era de
indiferenciação fenomenológica entre imagens técnicas e artesanais, analógicas e digitais,
objetivas e subjetivas, marcada pela natureza híbrida da imagem.” As novas tecnologias
digitais podem criar imagens, produzindo sentido e sensibilidade ao se extrair o tecno-poético
do tecno-lógico. As imagens de síntese criam uma “realidade própria” colocando em crise a
noção de verdade e sobretudo de “referente”. Assim, o computador passa a ser dotado de
“uma inteligência matemática capaz de produzir imagens ‘irreais’ ou ‘imateriais’, posta a
serviço da imaginação científica, estética ou lúdica”. (LUZ, 1993, p.49). A imagem virtual
transforma-se num lugar “explorável”, um “espaço” coletivo onde acontece a experiência
interativa, simulação da realidade que nos ajuda a questionar e melhor compreender o real
com o uso dos mídias digitais.

A passagem da imagem produzida pelas máquinas ópticas para a imagem gerada


pelos processamentos numéricos constitui o fundamento de uma inédita condição de
realização da arte. Gerada pelas tecnologias digitais, a “imagem de síntese” ou de
“última geração” possui singularidades e a capacidade de uma transformabilidade
ilimitada. Ela resulta do diálogo que se estabelece entre o artista e colaboradores
científicos e técnicos e o computador. Determinante se torna o deslocamento da
criação individual e isolada da arte assentada em suportes físicos tradicionais –
artesanais ou industriais – para a atmosfera de forte investigação coletiva da criação
eletrônica. O universo da arte ganha a dimensão da interatividade. (ZANINI, 2009,
p.319).

Segundo Plaza (1993) as imagens de terceira geração fundam a poética da distância


com a comunicação e transculturação de signos, eventos e efeitos estéticos a nível
internacional, transcendendo as formas de amostragem artesanais e industriais da arte, que
passa a operar com a simulação ou desvinculação do real no monitor eletrônico. Da
representação (imagem analógica) à simulação (imagem numérica), as técnicas ópticas
convidaram os artistas a representar e questionar o real, enquanto que as técnicas de síntese
(ou numéricas) os convidam a simulá-lo, numa realidade virtualizada. O artista muda a
destinação original dessas tecnologias criadas para produzir conhecimento e não arte, e as faz
trabalharem em prol de seu gozo estético, transformando as certezas das ciências em
incertezas da sensibilidade (COUCHOT, 1993).

3.1 DA REPRESENTAÇÃO A SIMULAÇÃO

Através da representação, o espaço físico sempre fora tema recorrente na produção


artística tradicional. A percepção visual sobre a espacialidade que nos cerca vem a descrever a
construção da ideia de paisagem, remetendo à noção de território geográfico. Como aponta
Bulhões (2011), a ideia de paisagem vem sendo trabalhada pelos artistas desde o
Renascimento, com o abandono da construção celestial idealizada e a inserção de aspectos do
mundo natural em suas obras. Assim, a adoção das paisagens como principal tema chega ao
seu ápice através da pintura dos paisagistas ingleses, que se lançam a traduzir na tela o olhar e
estado de espírito experimentados a partir do espaço físico real.
Com a invenção da fotografia, a temporalidade também passa a ser tema comum aos
trabalhos dos artistas, evocando a relação tempo-memória ao se capturar e manipular o tempo
através das lentes da câmera. A fotografia congela o tempo e espaço numa imagem estática, já
o cinema e o vídeo tornam visível a experiência do tempo em movimento, que ganha maior
velocidade com a virtualização da imagem gerada por computador.

O tempo e o espaço contínuos e assimiláveis (da cultura da imprensa) e sua estética


linear, sequencial ou histórica, cedem espaço para a criação de conexões temporais
fragmentadas e simultâneas. Em vista disso, podemos falar de um nova estrutura
“narrativa” do mundo – tanto no sentido de ficção como de não-ficção –, que já não
se atém aos parâmetros de linearidade, finalidade ou discursividade, mas aos de
interconexão simultânea e acelerada de fragmentos (audiovisuais). (GIANETTI,
2002, p.149).

Vive-se atualmente um cenário contemporâneo dominado pelo visual, pelo


imagético. Imagens que habitam nosso cotidiano e que são geradas de forma ilimitada pelos
meios técnicos. Para pensadores, como Vilém Flusser, vivemos ou habitamos as próprias
imagens, onde segundo Gianetti (2002), nossa compreensão e construção de mundo e da
realidade integram imagens internas presentes em nossas memórias, com informações e
imagens “externas” oriundas dos meios de comunicação. E é através do uso dos meios
técnicos que os artistas produzem imagens que parecem idênticas à realidade, indo muito
além da representação ou mimesis, que imperou durante séculos nos meios artísticos ditos
tradicionais como a pintura, a gravura e a escultura. O uso de técnicas para a geração de
simulações espaço-temporais visuais por artistas, marca progressivamente as estratégias de
criação e modelos de mundo virtual, ou seja, dos simulacros.

Enquanto a mimese centra-se na questão da aparência, a simulação trata da


identificação. Na mimese existe a consciência da ênfase na ficção, enquanto que a
simulação busca a duplicação artificial e a transformação da ficção numa possível
realidade. Porém, ambos compartilham um fundamento essencial: estão baseados na
ilusão. A capacidade mimética foi empregada, durante séculos, na experiência ou no
conhecimento da realidade humana. O princípio da simulação pretende proporcionar
ao observador o conhecimento do possível. (GIANETTI, 2002, p.150)

A apropriação dos meios audiovisuais e seus dispositivos para as produções em arte


consistiu não apenas em representar a realidade, mas de construí-la e reconstruí-la. Com a
imagem eletrônica, artistas capturam fragmentos do mundo real e os inserem num mundo
virtual, ao trabalharem com seu público através da obra, processos perceptivos, sinestésicos e
cognitivos onde a virtualidade busca não mais apenas representar a realidade, mas revelar-se
como um modelo de realidade própria. O digital abre-se como o novo palco da experiência
artística, tendo seu espaço virtual, assim com o físico, habitado pelo espectador.
No regime digital, a paisagem ganha a característica da imersão, proporcionada pelas
tecnologias interativas onde o espectador, elevado a usuário, passa a mergulhar na mesma e
transformá-la com a sua presença. Com a web, os artistas vêm se dedicando a refletir e a
investigar as novas relações espaço-temporais da cultura contemporânea e seus impactos
sobre nossas percepções. Bulhões (2011) descreve o ciberespaço como um espaço
desnacionalizado e agreográfico, um lugar onde o tempo real e os fluxos contínuos são de fato
seus referenciais. E é neste mundo virtual, onde os artistas constroem novos mapas cognitivos
através das novas tecnologias que acabam por introduzir o conceito de “desterritorialização
mundializada dos espaços”, ou seja, a perda de referenciais permanentes com o mundo
externo.
Nas propostas artísticas interativas com o uso da internet, artista e espectador passam
a ser coautores na criação de novas geografias. O mundo se dilui através do uso das novas
mídias que exploram novos conceitos de paisagem. Através da imagem virtual captada ou
produzida pelos aparatos tecnológicos, o artista cria sua experiências de paisagem a ser
habitada e manipulada pelo espectador, numa relação complexa “decorrente da transação
entre o olhar do artista, que elabora as proposições, e do internauta, que toma decisões sobre
os percursos a seguir no contexto das interfaces que geram as imagens no computador”
(BULHÕES, 2011, p.110). Estes trabalhos abrem novas possibilidades interpretativas e
criativas, através de memórias compartilhadas em rede com o suporte dos recursos
tecnológicos do hipertexto multimídia e das conexões online.

A memória é utópica, não está em lugar nenhum, é uma construção intelectual, seu
local são as imagens que lhe dão existência. [...] Os processos de rememoração
necessitam para se efetivarem de uma manifestação que pode ser de origem, visual,
olfativa ou qualquer outra. [...] O passado refaz-se constantemente num devir de
imagens. (BULHÕES, 2011, p.68-69).

Cada vez mais acessíveis, os computadores começam a ser utilizados por um amplo
espectro de artistas, impulsionando a arte computadorizada em obras que requerem o
envolvimento do participante através de comandos e movimentos, rotinas pré-programadas e
disponíveis ao usuário por meio de interfaces gráficas, um instrumento de comunicação que
fornece a interação humano-máquina, atuando “como uma espécie de tradutor, mediando
entre as duas partes, tornando uma sensível para outra”. (JOHNSON, 2002, p.17).

3.2 INTERFACES GRÁFICAS

O computador é um sistema de comunicação bidirecional, onde humano e máquina


conversam por meio de uma interface gráfica do usuário (GUI), constituída pela combinação
do uso de dispositivos periféricos de entrada (teclado, mouse, microfone, câmera) que
selecionam e controlam de forma instantânea os elementos visuais presentes no dispositivo de
saída (monitor de vídeo). Os elementos gráficos dispostos na tela do computador (como
menus, ícones e palavras) oferecem possíveis indicações de múltiplos caminhos a serem
percorridos pelo usuário no ambiente virtual. É ele quem toma as rédeas e define o percurso,
tendo total controle sobre o acesso à informação que deseja ter.
A interatividade proporcionada pelos meios digitais surge como a sua forte
característica, estabelecendo novas dinâmicas no regime de arte e gerando grandes
transformações na visualidade contemporânea. Tais produtos multimídia compostos de
recursos textuais, fotográficos, sonoros, imagéticos (imagens estáticas ou animadas)
trabalham processos perceptivos e cognitivos através da visualidade de uma interface,
fornecendo uma estrutura conceitual para os vastos contingentes de informação que nos
rodeiam. Como aponta Santaella (2003) a interface gráfica refere-se à conexão humana com
as máquinas, dividindo e conectando dois mundos através um sistema interativo não-linear,
tecido de nós e conexões: o hipertexto. Autores como Venturelli e Maciel (2008) usam os
termos interator ou usuário para designar o sujeito que passa a interagir com tais sistemas
digitais e que se apropria da informação de forma interativa por meio da navegação, da
maneira que lhe convém.
Segundo Johson (2001) a criação ou o design de interfaces gráficas seria a arte de
representar zeros e uns na tela do computador e um tipo de arte inovadora e genuína do nosso
tempo, onde a mente criativa e a mente técnica coabitam de longa data. O primeiro pintor das
cavernas pode ser considerado tanto artista como engenheiro, “mas temos o hábito cultivado
de muito tempo, de imaginá-los como separados, em dois campos: os que habitam nas
margens da tecnologia e os que habitam nas margens da cultura” (JOHSON, 2001, p.7). E é
no regime de produção contemporâneo que uma nova fusão entre arte, cultura e tecnologia é
promovida, dando a obra um caráter interdisciplinar.
4 A ARTE DO CIBERESPAÇO

O uso de novas tecnologias como o computador e a internet têm sido marca


registrada na produção contemporânea. A World Wide Web (WWW), lançada oficialmente em
1989, foi projetada pelo cientista inglês de informática Timothy Berners-Lee com o objetivo
inicial de auxiliar a comunicação internacional entre pesquisadores acadêmicos. Apesar de
atualmente os web sites serem um produto industrial voltado para o atendimento de demandas
publicitárias, mercadológicas ou ideológicas, diversos artistas têm dado novas destinações a
mesma através de trabalhos publicados na rede, reinventando o próprio meio. As produções
em web art ou web arte dizem respeito a obras criadas a partir e para a internet, e têm atraído
um grande número de pessoas, como artistas e designers. Tal produção, por sua vez, circula
em um meio específico, que é a web, se posicionando à margem do circuito artístico
tradicional e permitindo a extensa troca de informações entre autor e público.

No caso da arte, o ciberespaço evidencia-se como uma possibilidade de subverter as


hierarquias de poder tradicionais do circuito de arte – bastante elitista, dominador e
excludente.[...] Cada ponto da rede é a rede total e estar nela garante a capacidade de
produzir arte e, como se pode observar, no ciberespaço todos estão capacitados a
participar. (BULHÕES, 2011, p.34)

Neste novo cenário, segundo Bulhões (2011) há a exploração do mundo online por
artistas e instituições de arte, que utilizam a internet de duas principais formas: (I) como
veículo de divulgação de suas ações e projetos, como por exemplo na disseminação de
portfolios; (II) como um novo tipo de espaço no qual possam intervir artisticamente,
desviando a internet de seu modelo comercial e do entretenimento, e na produção de obras
que tiram proveito da interação comunicativa hipermidiática. Na web arte desenvolve-se uma
estética da transitoriedade, onde nenhuma imagem é permanente e está sempre em devir,
funcionando como fluxos de informação sempre em circulação e controlados pelo usuário.
Acerca da visualidade da produção em web arte, Rush (2008) aponta a existência de
duas importantes tipologias visuais, num regime visual híbrido: (I) as imagens desenvolvidas
fora do computador e posteriormente digitalizadas; (II) as imagens geradas pelo computador
através de seus recursos tecnológicos. Existe ainda um terceiro tipo, apontado por Bulhões
(2011) que são as interfaces gráficas, uma linguagem visual constituída de signos, como
palavras, botões e ícones que tratam e determinam a forma de navegação do participante. “Na
medida em que o usuário clica sobre eles, intercalam-se páginas e imagens. A leitura dessas
orientações surge como elemento essencial da comunicação na experiência interativa”.
(BULHÕES, 2011, p.45). O sujeito da web passa de espectador (puro consumidor de
imagens) a usuário (interagindo com as imagens através de comandos de computador),
inserindo-se no mundo virtual das imagens de terceira dimensão, que operam num espaço-
tempo simulado.

No contexto das novas artemídias, nas quais a intenção é converter os espectadores


em atores, entende-se que boa parte da operação deve ser feita por meio de
interfaces, dispositivos que conectam humanos e máquinas.[...] É por meio desses
‘aparatos’ que a interatividade é estabelecida e em que são distribuídos os papéis
entre os artistas que iniciaram o processo e os demais participantes. (POISSANT,
2009, p.79).

As três tipologias visuais descritas podem se articular em diferentes combinações,


gerando um regime visual híbrido bastante explorado pelos artistas em projetos online. Como
aponta Gianetti (2002) o hyperlink dá à obra uma configuração de estrutura descontínua, não-
linear, permitindo lançar mão de princípios indefinidos e finais que acabam por gerar um
estilo de características peculiares ao meio.

O tipo de deslocamento que o leitor/usuário/interator deve realizar pelo hipertexto


para acessar os vários níveis de informação confere à obra um caráter espacial,
temporal e dinâmico [...] Uma parte fundamental da significação da obra recai no
dinamismo, na flexibilidade e na navegação que propõe, e não exclusivamente em
seu conteúdo. (GIANETTI, 2002, p.133).

Autores como Santaella (2003) apontam que o termo ciberarte torna-se o mais correto
a ser adotado, sendo mais abrangente do que os demais (web art, net art, arte das redes) e o
adjetivo “interativo” o mais apropriado afim de caracterizar a arte na era digital, pois os
artistas interagem com máquinas para criar uma interação subsequente com seu público. Na
rede, meio de transmissão e palco de toda interatividade surgem também as instalações
interativas ou ciberinstalações (chamadas ainda de webinstalações) que levam ao limite as
hibridizações de meios que sempre foram a marca registradas do gênero instalação. “As
ciberinstalações hoje se constituem elas mesmas em redes encarnadas de sensores, câmeras e
computadores, estes interconectados às redes do ciberespaço”. (SANTAELLA, 2003, p.178).

4.1 PRODUÇÃO EM WEB ARTE

A produção em web arte está ligada as suas especificidades técnicas onde, segundo
Nunes (2010), tal produção está calcada na efemeridade, já que a tecnologia permanece em
atualização constante, deixando os trabalhos sujeitos a especificidade de cada equipamento
receptor ou versão de programa de computador. Já quanto à participação do
espectador/usuário nestes espaços virtuais navegacionais:

O tempo simultâneo e coletivo da rede viabiliza a existência de espaços


colaborativos de participação mútua e conjunta entre os visitantes, seja através de
dispositivos em espaços fisicamente distantes, seja em instalações tais quais espaços
virtuais, onde o visitante pode ter indícios da presença de uma coletividade ativa –
ou, em alguns casos, a telepresença instaurada. Há uma presença condicionada na
poética do artista que pode tanto limitar-se a simplesmente oferecer caminhos
múltiplos de navegação ou estabelecer convites para ações mais complexas, criativas
e efetivas. (NUNES, 2010, p.120-121).

Em outras palavras, as produções de arte para o ciberespaço evocam um processo de


imersão através da interação com seu usuário, participando ativamente da obra por meio de
uma interface gráfica controlada por aparatos tecnológicos como o mouse, teclado, touch
screen, câmeras de foto ou vídeo, sensores de movimento, entre outros, que captam dados
necessários ao funcionamento e obtenção das respostas de um programa algorítimico de
computador. Apesar da interatividade configurar-se intrínseca ao meio virtual, Gianetti (2002)
aponta a diferença entre as obras interativas e que devem ser complementadas pelos usuários,
daquelas que não permitem a intervenção direta do público na obra e cuja ação resume-se a
participação em rotinas pré-programadas anteriormente pelo artista. Apesar de tirar proveito
da navegação hipertextual, diversas obras na web seguem fazendo uso de formas mais
convencionais, considerando seu usuário não mais como um simples leitor passivo, e assim
transformando as potencialidades do meio digital em meros atrativos jogos visuais. Ao
contrário, os projetos interativos dependem da rede e da atuação do usuário para que
funcionem ou se desenvolvam conceitualmente. São obras abertas, que provocam a
participação ativa do público e aproveitam esse potencial colaborativo do meio virtual.

A partir dos anos 1990, segundo Canton (2009), a memória, condição básica de nossa
humanidade, tornou-se uma das grandes molduras da produção artística contemporânea. E
graças ao desvio subjetivo de tecnologias comunicacionais como a internet, provocado pelos
artistas, a nova rede que ali nascia passou a apresentar-se de forma potencial como um infindo
livro de memórias, “um testemunho de riquezas afetivas que o artista oferece ou insinua ao
espectador, com a cumplicidade e a intimidade de quem abre um diário”. (CANTON, 2009,
p.21-22).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“A arte provoca, instiga e estimula nossos


sentidos, descondicionando-os, reiventando a
ordem natural das coisas, desafiando limites e
ampliando seus horizontes”. (Katia Canton)

O surgimento do computador e da internet traz consigo novas possibilidades para a


produção e fruição artística, numa arte: (I) em trânsito, devido aos fluxos de comunicação em
rede; (II) mais participativa, ao promover o acesso livre à obra; e (III) coletiva, implicando a
perda do controle do artista sobre sua criação a partir da intervenção do usuário sobre a
mesma. Uma arte da intercomunicação que revela processos subjetivos interativos entre
pessoas e máquinas em um determinado contexto, onde o receptor ou espectador eleva-se a
condição de interator ao manipular interfaces que o transporta para o interior da imagem
eletrônica, habitando-a e constituindo incessantes conexões em rede.
Com os novos meios computacionais, o imaginário ganha novos horizontes, num
constante e ininterrupto devir de imagens em tempo real, e o ponto de partida para tais
experiências contemporâneas é a internet, espaço mental aberto ao pensamento coletivo e
instrumento central da era da informação em que hoje vive-se, onde os atores invertem seus
papéis e efetuam trocas, inscrevendo as obras de arte numa rede de signos e significações.
Uma estética cibernética que provoca no público uma experiência semiótica, de percepção e
compreensão dos conteúdos hipermidiáticos apresentados e/ou ativados pelos dispositivos e
tecnologias digitais.
A ideia de participação imprime às produções de arte para a web, uma perspectiva
avançada de “obra aberta” e não mais acabada. Com a web art, ambientes eletrônicos
interativos podem revelar situações programadas (mas não menos importantes e lúdicas) ou
até mesmo convocar uma participação mais efetiva do usuário para a sua plena realização,
quebrando a inércia da pura contemplação estética e equilibrando a importância de papéis
entre o autor e o receptor da mensagem. Como disse Abraham Moles, “um objeto de
comunicação”, que vai além da relação receptiva para seu público, que aqui toma as rédeas e
interfere de forma ativa e participante na rede.
Na era da reprodutibilidade técnica, cada vez mais facilitada pelos meios digitais, a
web arte surge como uma tessitura de códigos e elementos audiovisuais, a fim de serem
explorados e revelados no momento da interação com o público. A áurea da obra-de-arte tão
presente nos cânones clássicos, volta a existir através da unicidade provocada pela experiência
particular de cada sítio eletrônico, de cada interface gráfica apresentada para o usuário, em
projetos multimídias autorais menos pasteurizados e homogêneos, que ao assumir uma
identidade própria passam a qualificar ou desqualificar o conteúdo ali veiculado.
Por se tratar de um campo ainda em expansão, onde constantemente os artistas
esbarram em leis de propriedade intelectual e de direitos autorais, muitos deles buscam a
adoção de modelos alternativos tanto de produção com distribuição de conteúdo na
plataforma online, através da adoção de licenças como as do software livre e creative
commons1, disponibilizando abertamente o material para a comunidade artística que queira
colaborar em tais projetos. O ciberespaço caracteriza-se não apenas pelo acesso e pela
interatividade, mas também pela cultura da cópia, que é a capacidade de dar nova destinação
ao conteúdo nela veiculado. No vocabulário das artes hoje, podemos encontrar termos como
apropriação e hibridização, copiar e colar, que vão caracterizar as obras resignificadas. Neste
cenário, o artista é comparado ao DJ, podendo selecionar e programar os objetos culturais
disponíveis e os inserir em novos contextos através do processo de edição e de montagem
proporcionado pelos dispositivos digitais (BOURRIAUD, 2005).
O conceito de não-linearidade ou descontinuidade, típico da hipermídia, permeia
nossa cultura e é homóloga aos modos contemporâneos de viver, mudando nossa forma de
pensar e perceber a realidade. O salto proporcionado pelo hipertexto ilustra bem a nossa
capacidade atual de passarmos de uma mídia para outra sem nos darmos conta disto,
penetrando na tela do vídeo eletrônico e constituindo experiências visuais de maneira fluida,
passando a interagir com qualquer ponto ou nó do ciberespaço. Logo, a arte cumpre assim o
seu papel e nos ensina justamente a desaprender os princípios das obviedades que são
atribuídas às coisas, parecendo esmiuçar o funcionamento dos processos da vida, desafiando-
os e criando novas possibilidades.

1
Licenças que permitem a cópia e compartilhamento com menos restrições que o tradicional todos direitos
reservados, mantidas e organizadas por uma organização não governamental sem fins lucrativos.
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