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http://dx.doi.org/10.1590/0103-166X2015000100013

Da alteridade à práxis libertadora: a construção


de métodos para a consciência

Da alteridade à práxis libertadora: a construção de


métodos para a consciência

Maritza MONTERO1

Resumo

Nesta conferência são apresentadas as bases analíticas dos modos de produzir na práxis mudanças conducentes à
consciencialização: isto é, à transformação da consciência em termos de formas consideradas como modos únicos e
quotidianos de produzir a vida social. Nesse sentido, são definidos e analisados quatro modos que fazem parte do
cotidiano: a habituação e a naturalização, bem como a ideologização e a alienação, cujas bases são afirmadas nos
primeiros modos mencionados. Da mesma forma, são apresentadas as características do método analítico construído na
práxis, indicando a possibilidade de aplicação da ação a outras formas de interpretar a vida cotidiana, igualmente alienantes.
Palavras-chave: Alienação; Habituação; Ideologia; Psicologia comunitária.

Abstrato

Nesta conferência, apresentamos os métodos analíticos das formas de produzir, na práxis, mudanças contundentes na
consciência: isto é, a transformação do consciente no que diz respeito, por exemplo, às maneiras únicas e cotidianas de
produzir situações sociais. Nesse sentido, são definidas e analisadas quatro formas, cada uma parte da vida cotidiana:
habituação e naturalização, bem como ideologização e alienação, cuja base é afirmada nas primeiras formas acima
mencionadas. Ao mesmo tempo, são apresentadas as características do método analítico, construído na práxis, indicando
a possibilidade de aplicação das ações a outras formas de interpretar a vida cotidiana, igualmente alienantes.
Palavras-chave: Alienação; Habituação; Ideologia; Psicologia comunitária. ALTERIDADE, PRÁXE LIBERTADORA E CONSCIÊNCIA

Entre a Psicologia Comunitária (CP) e a teve muitos psicólogos, com ambos os ramos da
Psicologia da Libertação (PL) existe uma relação Psicologia, mas também porque, na América Latina,
de construção de teoria e práticas que até agora a PC começou a desenvolver-se tardiamente (se
tem sido muito benéfica. A CP foi talvez o primeiro compararmos com o Canadá ou os Estados Unidos
ramo da Psicologia a abraçar ideias libertadoras, da América na segunda metade da década de 60).
não só pela relação que a América Latina tem No nosso caso isso não aconteceu como

ÿÿÿÿÿ

1 Universidade Central da Venezuela, Faculdade de Ciências Humanas e Educação, Conselho Acadêmico do Doutorado em Psicologia.
Av. Los Ilustres, Cidade Universitária, CEP 1051, Los Chaguaramos, Caracas, Venezuela. E-mail: <mmonteroster@gmail.com>. 141

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um acto espelhado de imitação ou de seguimento - não como o as ações de transformação que partem desse Outro e de sua
que se fazia naquelas regiões do mundo, mas como uma necessidade. Ações que vão desde a palavra que ele pronuncia
reacção crítica
-, à psicologia social praticada nos nossos países até as ações faladas.
que, como já referi muitas vezes, não permitia trabalhar com
aqueles que eram os que mais necessitavam de serviços
O que é a Alteridade, quem é o Outro?
psicossociais e os que menos os recebiam. Os resultados
obtidos pela nossa ciência não chegaram às classes mais
Isso nos leva a definir quem é o Outro e o que é a
pobres e necessitadas, e a sua divulgação apenas ocorreu em
Alteridade, aquele lugar e sentido que se considera típico do
algumas revistas científicas cujos leitores não eram
Outro e que Levinas (1970/1995, p.60) definiu como: “A
particularmente abundantes.
alteridade, a heterogeneidade radical do Outro”. O Outro só é
possível se o Outro for outro em relação a um termo cuja
Psicologia Comunitária baseada na participação, que trabalha
essência é permanecer como no ponto de partida.
não com sujeitos de pesquisa, mas com pessoas com nome e sobrenome,

de locais cujo endereço é conhecido e produz efeitos visíveis; quem leu


Sirva de entrada para o relacionamento, seja o Mesmo não
Freire, Fals Borda, Marx e os pós-marxistas das Escolas de Praga,
relativamente, mas absolutamente.” Nosso conceito de alteridade
Budapeste, Frankfurt e Paris, não para repetir, mas para discutir, fez uma
se origina daí e da filosofia de libertação latino-americana. Em
rápida ligação com a ideia que Ignacio Martín em 1986 Baró (IMB ) foi
breves palavras apresentarei uma definição gerada a partir da
proposto em El Salvador e, após a sua trágica morte em 1989, foi
obra “Totalidade e Infinito”, de Levinas (1970/1995), que
desenvolvido por numerosos psicólogos no nosso continente, bem como
apresenta as bases do que hoje orienta nossa psicologia da
em África, Europa, Oceânia e Ásia. O IMB propôs a criação de um PL,
libertação e que também influenciou os dois filósofos latino-
cujo assassinato impediu seu desenvolvimento. Esse desenvolvimento
americanos que construíram a Filosofia da Libertação que é
ocorre desde o final da década de 1980 e incorporou não apenas as ideias
usada hoje no mundo: Juan Carlos Scannone e Enrique Dussel.
freireanas, mas também aquelas produzidas na Filosofia da Libertação de
Ambos vieram do mesmo lugar: Córdoba, Argentina, e
Enrique Dussel e também outras provenientes da Teologia da Libertação,
trabalharam e publicaram ao mesmo tempo, no início da década
ambos movimentos gerados em nossa América.
de 1970.

A contribuição de Levinas é muito importante porque


dá origem a uma concepção baseada não na unidade do ser,
mas na condição relacional fundamental de todo ser humano.

No processo de construção de uma LP, o PC não só Não nascemos como indivíduos autoconscientes e capazes;

foi pioneiro como também contribuiu para a criação de métodos Somos seres de relações num mundo de relações (como já dizia
desenvolvidos a partir das ideias de Dussel, bem como de ideias Paulo Freire na década de 1960): ninguém pode ser se não

desenvolvidas na prática participativa. A problematização e a houver outros que, para o bem ou para o mal, estejam com cada
conscientização (ideias freireanas) são um exemplo. Na CP não pessoa.
se trata apenas de palavras, mas de formas de práxis, ou seja,
prática que gera teoria e teoria que gera prática. O que a CP Isto significa que o ser da ontologia não é um Um, como tem
busca é produzir transformações realizadas na comunidade por sido tradicionalmente considerado, mas uma díade. Um está
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aqueles que dela fazem parte e por psicólogos que trabalham junto com os outros e não pode estar se não houver outro.
em conjunto com essas pessoas. Trata-se de fazer, de Levinas acrescenta a esta condição sine qua non outra de
transformar com o Outro, incluindo natureza ética: a responsabilidade que todos temos a priori, pelo
outro (Levinas, 1974), e que faz parte da racionalidade da razão.

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Esta inclusão do outro dá origem ao conceito de A alteridade é exterioridade. Uma exterioridade que

alteridade (o conceito mais importante na psicologia da libertação está fora da totalidade dos detentores do poder. Dussel propõe
e em toda a psicologia), fundamental em qualquer serviço social, então ampliar a totalidade dialética, que vem de Aristóteles e
e que também faz parte da condição humana. Tanto é que tudo que Hegel definiu como o produto de um triângulo: aquele ou
o que nos rodeia faz parte da realidade histórica em que vivemos aqueles que propõem uma tese, aquele ou aqueles que
e que foi e é construída pelas pessoas em relação. Portanto, questionam essa tese propondo algo contrário a ela, mas, por
quando segregamos os outros, quando consideramos certas esse mesmo motivo, relacionado com ele: a antítese e um
categorias de pessoas superiores ou inferiores a outras, estamos terceiro elemento, a síntese que gera novos conhecimentos que
deixando de lado essa alteridade, que, por não ser definida se baseiam nos dois anteriores. Dussel mostra que é preciso
como igual e com os mesmos direitos, é excluída, definida como ampliar a dialética incluindo um quarto elemento, a alteridade,
diferente, inferior ou até mesmo é eliminado, por não ser como gerando assim a libertação do Outro, que não pode e não tem o
Um. que alguns consideram como o que deveria ser e ter, mas que
possui outros saberes, outra cultura., outras ideias.

O Outro tem sido visto como aquele que não é igual a um,

que é menor que aquele e que, portanto, está condenado a habitar as

margens da sociedade, a receber os restos e migalhas e cujos direitos

são reduzidos, quando não são totalmente privado deles. O indivíduo


Apresentar gráfico de todos
não é a primeira e última residência do Ser. É por esta razão que
Assim, para Dussel, a alteridade é o primeiro movimento
precisamos trabalhar para alcançar uma verdadeira democracia em que
racional, anterior a qualquer outro exercício da razão, através
a alteridade não esteja além do social positivo; É por isso que precisamos

gerar métodos para a consciência. Pois é a consciência que nos permite


do qual a experiência ou presença atual do Outro se realiza

perceber os direitos e a sua ausência. antes de qualquer decisão, compromisso, comunicação ou


expressão linguística relativa ao Outro (Dussel, 1985 ).

E a sua proposta é negar a negação produzida pela exclusão,


rejeitando-a juntamente com a opressão. Dessa forma, podem
ser construídos um Eu e um Outro que produzem conhecimento,
Enrique Dussel lança as bases para um método
unidos na relação.
filosófico que leva a trabalhar com o Outro, descobrindo na
Relação que constrói ambos os sujeitos que por sua vez a
alteridade dos Outros a de nós mesmos: a analética, um método
constroem, ou seja, é a criação dialética do social. A singularidade
que aponta e inclui a alteridade ou alteridade naquilo que na
está na reciprocidade de cada parte, o que a torna diferente,
ontologia e na epistemologia tradicional tem sido considerado

ALTERIDADE, PRÁXE LIBERTADORA E CONSCIÊNCIA


embora igual na sua possibilidade de ser. A dimensão subjetiva
como aquilo que é externo ao núcleo que foi entendido como
é então recíproca e plural, bem como singular. O Eu não pode
pertencente ao Um, sempre central: isto é, dos muitos Uns que
existir sem o Tu, pois para que existam ambos os modos de ser
assumem o poder de deixar de fora, fechar ou abrir a entrada
é necessária aquela dualidade que une e também distingue.
para "sua totalidade" apenas para aqueles como ele ou ela, e
não aqueles que se qualificam como Outros, estranhos,
diferentes. O ser reside e está na relação. O relacionamento é o
que acontece entre os elementos que existem devido à conexão
entre eles. O sujeito se constrói na relação, ao mesmo tempo É evidente que a igualdade dos Outros considerados

em que é parte ativa dela. A singularidade da pessoa reside na diferentes de Nós é o maior problema da humanidade. As

sua alteridade, o que a torna diferente, diversa, externa. guerras, a segregação, a opressão, a exclusão derivam de
diferenças raciais, religiosas, de género e ideológicas. O método
analítico começa com uma concepção de mundo que
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diz-nos que “o mundo é uma totalidade instrumental de significado”; não Métodos para a consciência; analética
um agregado de seres, mas a totalidade de todos aqueles que têm em ação
significado para cada pessoa. E é nessa proximidade que será gerada

a distância, que serve de justificativa para a exclusão da Alteridade, A práxis que aqui apresentarei refere-se a quatro
daqueles para quem não temos sentido. É por isso que a totalidade fenômenos que ocorrem no cotidiano e que, tanto na CP
inclusiva da dialética dusseliana supõe a passagem de um horizonte a quanto na LP como em outros ramos da psicologia (social,
outro maior, mais claro, que supõe um mundo em movimento, em clínica, ambiental, por exemplo), são objeto de análise e
mudança, que flui e se transforma com a inclusão. causa de frequentes problemas nesta vida. Refiro-me à
habituação, à naturalização, à ideologização e à alienação.

Vou tratá-los com o mesmo método, embora estes aspectos


não respondam necessariamente da mesma forma, nem
Isso faz da exterioridade a categoria mais importante utilizem as mesmas ferramentas da mesma forma, nem
na psicologia da libertação. O método cujo método atuem em uníssono, embora estejam relacionados entre si.
apresentarei sua técnica e seu significado busca ampliar o As duas primeiras, Habituação e Naturalização, podem ser
horizonte do conhecimento ao incluir pessoas pertencentes condições inofensivas na vida cotidiana; Por seu turno, e
àqueles que são vistos como outros diferentes e, portanto, embora as duas segundas, Ideologização e Alienação,
não pertencentes a uma visão específica do mundo possam ter as suas bases nas duas primeiras, existem
predominante. E isso é feito através da práxis.
factores externos que podem gerar problemas profundos
nessa mesma vida. Vou começar com os segundos.

Sobre práxis

Ideologização e alienação: uma reflexão


Como me referirei a um método que provém e
tardia no tempo
aplica a práxis, é necessário definir o que se entende por
tal. A práxis é uma prática material que produz teoria e, ao
Esses conceitos passaram pelas ciências sociais
mesmo tempo, uma teoria que gera modos de agir na
desde o final do século 19. As ciências sociais nos falaram
prática, gerando conjuntamente um movimento dialético. O
muito sobre seus efeitos na vida social durante o século 20.
conhecimento é produzido na ação refletida, levando por
sua vez à transformação das circunstâncias sociais com a Assim, os primeiros a apontar os efeitos sociais adversos
incorporação de atores sociais comprometidos com essa da alienação foram Marx e Engels, seguidos quase

transformação. imediatamente pelos seus primeiros discípulos e, ao longo


do século XX, pelos marxistas, pós-marxistas e neo-
Uma primeira condição é agir com o outro, para conseguir marxistas.
mudanças tanto na alteridade desse Outro excluído quanto Inicialmente eu iria começar definindo cada conceito
na alteridade daqueles que excluem, daqueles que são e depois explicando como tratar cada um separadamente;
diferentes deles. Como diz Dussel, ao falar de práxis: é
Aí pensei que, ao chegar à prática, ela se tornaria
“uma abordagem à proximidade”
redundante, pois, ao utilizar a analética, eu estava passando
(Dussel, 1985, p.17). Nesse sentido, aponto que Dussel
de algo compartilhado da teoria para algo vivenciado no
pensa a práxis como algo que vai do praticante ao Outro,
cotidiano e nele produzido. No entanto, alguns clássicos do
atravessando o limiar do horizonte da exterioridade. Mas
M.

MONTEIRO
século XX serão úteis para nós.
isso não acontece apenas do lado daqueles que querem
libertar; Acontece também, inevitavelmente, quando esse
Outro nos recebe e entra em contacto connosco.
Portanto, no método analítico a participação é fundamental; Foi Marx quem atribuiu à alienação o significado
algo que, em sua versão participativa e libertadora, o PC que ainda persiste até hoje: um sistema de ideias e
144 latino-americano conhece. representações que domina o

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espírito de uma pessoa ou de um grupo social, o que gera viver normal, habitual e natural, sem saber a origem dessa
consequências negativas. No caso da ideologia, Althusser forma, a quem beneficia e a quem prejudica, e porquê.
(1970) destacou que não existem ideologias específicas e
que ela corresponde a uma representação produzida na
relação que existe entre a pessoa e suas condições de
Sobre desideologização e desalienação
existência, pois é nelas que está a causa da ideologização.
influenciada por “aparatos” materiais e rituais da vida social
O oposto de ideologizar e alienar é desideologizar
cotidiana vivida pelas pessoas (Althusser, 1968/1980). Não
e desalienar. A deideologização é definida como a
vou voltar aos debates do século XX, mas quero citar uma
reconstrução ou construção de um
afirmação de Althusser que considero interessante para a
consciência integral não fracionada por meio da qual se
psicologia:
produz uma compreensão do mundo em que se vive e das
circunstâncias da vida, como um todo. Envolve um processo
de produção de conhecimento que leva ao estabelecimento
A relação vivida dos homens com seus
de causas e conexões, dissipando a ignorância necessária
mundo... não aparece como consciente, mas na para manter um determinado estado de coisas,
condição de ser inconsciente, da mesma forma, desenvolvendo uma consciência diferente (Montero, 2004).
da impressão de não ser simples, mas na condição
de ser complexo, de não ser uma relação simples,
A desalienação é o processo pelo qual se
mas uma relação de relações, uma relação relação
estabelece a relação entre a consciência e as condições
de segundo grau."
históricas e sociais de vida das pessoas, depois de
(Althusser, 1968/1980, p.20).
analisadas para conhecer e compreender a forma como
O que é interessante aqui é o jogo da consciência
suas relações foram estabelecidas.
e da inconsciência. E o que estamos gerando são métodos
Nessa vida, geram no sujeito não apenas a consciência de
para a consciência.
si mesmo, da situação e de suas causas, mas também
Dessa forma, no que diz respeito à ideologia e à induzem a produção de novas formas de vida e de ação; Ou
alienação, interessa-nos o fato de que, ao tratar de aspectos seja, utiliza a práxis para mobilizar a consciência.
sociais e políticos, estes afetam diretamente as pessoas ao
mesmo tempo em que são produzidos por elas mesmas na
Como você pode ver, qualquer um dos conceitos
sociedade. A ideologia e a alienação são construções
pode ser a base do outro. Da mesma forma, e à semelhança
humanas e, embora numa visão macrossocial nos sejam
dos outros dois conceitos que são objecto desta conferência
apresentadas como condições sociais que podem abranger
(habituação e naturalização), podem indicar a forma como
grandes massas e ter efeitos na estrutura social, também

ALTERIDADE, PRÁXE LIBERTADORA E CONSCIÊNCIA


os conceitos recentemente mencionados produzem os seus
atuam sobre cada indivíduo. Sua raiz está na mente e seu
efeitos nas pessoas.
poder reside na sua aparência social, típica de muitas
pessoas. Quando uma determinada forma de interpretar o
mundo se torna coletiva e da qual muitos se apropriam, não Sobre habituação e naturalização
se tem consciência do seu caráter externo e induzido. Torna-
se social o que se faz todos os dias e, portanto, sólido e A habituação e a naturalização são dois processos
válido. A pessoa vivencia sua alienação e representa sua vivenciados sem pensar, pois fazem parte do cotidiano,
ideologia como parte da vida cotidiana, fazendo o que é além de serem necessários para poder viver. A vida
feito como parte da vida cotidiana. A força do que chamamos cotidiana é uma rede de relacionamentos em que
de ideologia e alienação reside em viver a vida de uma Eles inserem e elaboram esses processos habituais,
forma considerada como a forma aparentemente nada a ver com a ciência, sua prática e seu
conhecimento. Pierre Bourdieu (1972) nos deu uma definição
ótima de habituação. 145

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apontando seus elementos. Bourdieu parte da noção de Certamente, se tivéssemos que pensar sobre
habitus, ou seja, hábito: um comportamento estruturado e muitas das nossas ações habituais, perderíamos um tempo
estruturante que não é discutido nem conscientemente considerável hesitando entre várias opções ou decidindo o
assumido, mas que produz padrões sistemáticos ajustados que fazer; mas, ao mesmo tempo, há momentos em que é
aos já existentes e que se adapta às regulações coletivas necessário tomar novas decisões, usar outras palavras,
de uma sociedade sem a necessidade de executar diferentes ações necessárias para a nossa vida e
a de outras pessoas. Se a nossa alienação for tão profunda
instruções específicas, razão pela qual constitui uma ou tão ampla que não nos permita ver a natureza duvidosa,
resposta social codificada e esperada, desprovida de perigosa, negativa ou injusta de certas ações e ideias,
intenções estratégicas, pois permite que as pessoas somos vítimas dessas circunstâncias alienantes. A alienação,
enfrentem diversas situações. O hábito antecipa as tal como a ideologia, quando se torna factos da vida
consequências dessas situações e tende a reproduzir as quotidiana, tem dois modos de habituação e naturalização
estruturas sociais existentes, mantendo-as (Tabela 1). que lhe permitem expandir ideias e ações negativas para
as pessoas e o seu ambiente.

A base da habituação está na

comportamentos cotidianos e é definido como um


comportamento diário e mecânico, que não é pensado ou A naturalização, que por sua vez pode ser causa e
planejado e que é feito quase automaticamente. A ajuda da habituação, é definida como o processo social
habituação incorpora padrões sociais e culturais implícitos, através do qual certos fenômenos ou padrões de
bem como expectativas sociais, facilitando a vida social ao comportamento são considerados o modo essencial de ser
libertá-la da necessidade de pensar e planear os atos das coisas, um processo baseado em razões ligadas à
diários, tendo de refletir e tomar decisões. O que parece cultura e à história e , com eles, as distinções de classe,
tão confortável pode, no entanto, levar as pessoas, em gênero, religião e tradição como crenças derivadas de
determinadas circunstâncias, a envolverem-se situações criadas a partir desses aspectos. Ou seja, são
involuntariamente em situações que lhes são impensadas, como os percebemos e acreditamos que sejam, em

acríticas e prejudiciais. determinados momentos,

tabela 1
Base de habituação

Regularidade associada a um ambiente socialmente estruturado e duradouro.

Comportamento estruturante que é ao mesmo tempo estruturado.

Um padrão de comportamentos estabelecidos e estáveis.

Prática e representação de uma condição regulamentada e regular.

Não tem uma direção escolhida conscientemente, nem um domínio explícito do

operações necessárias para atingir seus objetivos

Ajustado à regulamentação colectiva, sem receber instruções específicas.

Permite que as pessoas enfrentem situações inesperadas.


M.

MONTEIRO
Ajustado à regulamentação colectiva, sem receber instruções específicas.

Antecipação implícita das consequências de tais situações.

Resposta socialmente codificada e esperada.

Tende a reproduzir estruturas sociais objetivas das quais é efeito, mantendo-as.

Falta intenção estratégica, pois atua como um elo conjuntural.

146 Fonte: Pierre Bourdieu (1972).

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ou ao longo de nossas vidas. A naturalização leva à crença situações que levam as pessoas a reverem suas ações e
de que tais práticas e crenças são uma parte essencial da opiniões sobre acontecimentos habituais de suas vidas”

natureza da sociedade e do mundo em geral e, portanto, (situações e fatos), que são percebidos como “inevitáveis

são defendidas e podem ser difíceis de mudar. Este ou essenciais para o ser dessas coisas” (Montero, 2009,

processo mantém e também facilita a vida cotidiana, o que p.80). A problematização faz parte da construção de uma
por sua vez a fortalece. Da mesma forma, é responsável consciência crítica produzida simultaneamente pela ação e

pela aceitação de aspectos negativos por parte das pessoas, pela reflexão, razão pela qual necessita desnaturar e romper

o que pode tornar determinadas situações difíceis e até com as práticas habituais, conhecendo as suas origens e

insuportáveis para elas ou para grupos. efeitos alienantes. Por isso é necessário gerar uma práxis
que desabitue, desnaturalize, deideologize e desalienhe,
como submétodos do processo problematizador, que conduz
A desnaturação, o processo de garantir que algo
à tomada de consciência.
naturalizado seja compreendido em sua condição e origem,
é um exame crítico das crenças e procedimentos que
sustentam os modos de fazer e compreender a vida
Embora este último processo seja iterativo e abranja todos
cotidiana, de modo que o que foi naturalizado seja
os anteriores, cada um deles pode gerar práticas específicas
desprovido de sua “naturalidade” atribuída. ”, mostrando
dependendo das situações.
assim seu caráter construído. Começa por problematizar o
aspecto essencial e natural atribuído a determinados factos
e relações, revelando as suas contradições, bem como a
Um método analítico para obter uma
sua ligação com interesses sociais ou políticos (Montero,
práxis libertadora através da
2004), para o que é necessário recorrer a exemplos
transformação do sujeito
contrastantes que nos obrigam a pensar sobre contradições,
não por imposição de agentes externos, mas em um
Para trabalhar a habituação, a naturalização, a
processo que ocorrerá na mente da pessoa.
alienação e a ideologia precisamos ter consciência de sua
existência e de seus efeitos negativos nas pessoas – como
considerar que elas não são capazes de aprender ou
Mais uma vez vemos neste processo, complementar modificar um tipo de ação que seja perigosa, negativa ou
ao anterior, como a ideologia e a alienação podem fazer inútil para elas , ou bem que, por serem quem são, nunca
parte do que é habitual e naturalizado, ocorrendo a nível poderão mudar de posição ou modificar o seu mundo de
individual, uma vez que ocorrem em cada pessoa de acordo vida -, e que é um trabalho que deve ser realizado por
com as suas características pessoais. E vemos como isso quem está vivenciando a situação.
acontece no nível social, uma vez que se naturalizam
práticas que são aceitas, copiadas, induzidas e às vezes Nossa tarefa é facilitar essa transformação, que será
impostas, até que as vítimas se apropriem delas (ao mesmo executada por cada pessoa no seu ritmo e da sua maneira,

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tempo em que elas mesmas são apropriadas por esses e mais ou menos rápida ou lentamente.
fenômenos). A pressão é contraproducente. E pensar que um grupo, em
uníssono, alcançará os mesmos resultados é uma ilusão
que pode levar a efeitos negativos (tédio e/ou desconfiança
Os quatro processos cujo método específico
por parte das pessoas com quem se trabalha).
apresento, bem como o seu possível resultado, podem
conduzir à tomada de consciência, e têm na sua base um
processo cujo método já apresentei em ocasiões anteriores: No entanto, quando uma ou mais pessoas de um
a problematização (Montero, 2006; 2007; 2009). A grupo têm consciência de que aquilo que acreditavam ser
problematização é o ponto de partida para começar a impossível é possível abandonando certas práticas ou
questionar ideias e modos de ser, pensar, viver e agir. mudando as suas ideias, elas próprias tornam-se agentes
de mudança com as suas ações e palavras. Porém,
Problematizar é mobilizar a consciência de inevitavelmente, cada pessoa tem seu ritmo.
conhecimento. Sua práxis consiste em “colocar 147

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Geralmente, as pessoas se apegam ao que vida quotidiana. Exemplos próximos e suas soluções ou
conhecem como “o modo como as coisas são”, então a melhor dificuldades de resolução também são úteis, assim como a
forma de iniciar um diálogo que alcance uma abertura para análise de contrastes entre duas situações.
outra realidade não é a contradição, a zombaria ou a
degradação da opinião do outro. Como já disse outras vezes
Resumindo, as características desses métodos são
(Montero, 2007; 2009), o melhor método é a maiêutica
as seguintes:
(método socrático).
1. Quem vai trabalhar com analítica precisa conhecer
muito bem o ambiente e o(s) grupo(s) com os quais a práxis
Ou seja, questões que confrontam uma ideia estabelecida
será realizada.
com uma realidade diferente e que nos levam a pensar a
contradição a partir da própria posição da pessoa. 2. A condição básica é trabalhar com pessoas e não
com pessoas de fora do seu círculo.

Um segundo aspecto é que não devem esperar 3. Na sua condição maiêutica, é necessário estar
imediatamente uma resposta desalienada ou deideologizada; atento ao que se diz e como se diz, para criar, a partir do que
o hábito percebido como tal e a irracionalidade de sua se ouve e se vê, as questões e/ou situações que estimulem a
existência, ou a percepção de que certas práticas e ideias mobilização da consciência em relação com um fato, caso ou
não são nada naturais. As pessoas refletem e isso pode levar situação.
tempo, embora seja possível ajudá-las por meio de práticas
como as perguntas problematizadoras, que são aquelas em
4. O agente externo ajuda a gerar situações
que perguntam se algo está acontecendo, ou consideram
contrastantes, mas não as impõe. É necessária uma situação
seus efeitos como bons ou ruins ou justos ou injustos e, após
participativa e de confiança na qual os agentes internos e
ouvir as respostas – se são afirmativas e ao mesmo tempo
externos estejam interessados. A psicóloga faz sua pergunta
apresentam aspectos negativos; ou não se sabe por que algo
ou comentário com base no que é dito no grupo.
ocorre, ou deve fazer parte de suas vidas continuar
investigando até que não haja razão para que aquilo exista
É direcionado a quem disse algo, embora qualquer pessoa
ou deva ser observado, ou estar na vida das pessoas. -,
do grupo possa responder ou complementar o que está sendo
Quando há silêncio e não há mais explicações para o uso,
dito.
começam a surgir questionamentos e observações a partir
das mudanças em cada consciência. 5. Se para cada questão problemática existe uma
resposta defensiva, uma forma simples - que no entanto só
deve ser utilizada de acordo com as circunstâncias - é
perguntar “Porquê?”

sucessivamente, até que haja silêncio.

Também é possível utilizar outros métodos auxiliares 6. O silêncio produzido pela ausência de razões que
como dramatização ou criação sustentem algum hábito, naturalização ou crença, deve ser
coletivo de uma história alusiva a uma situação problemática seguido de um convite a procurar novas evidências ou
e ao mesmo tempo considerada básica na vida das pessoas. exemplos diferentes e refletir sobre eles.
A dramatização é uma representação alegórica e a posterior
discussão e interpretação do que é dito ou representado. O
7. A contradição deve ser questionável
roteiro da peça deve ser trabalhado com muito cuidado e
(por quê?) mas não persecutório. É preciso deixar tempo para
deve partir de situações específicas de cada grupo, de forma
a consciência de cada pessoa.
que as pessoas possam reconhecer, na peça, o que está
M.

MONTEIRO

acontecendo em suas vidas. A separação entre a cena e o 8. Você também pode apresentar perguntas a um
público permite um distanciamento em que é possível se grupo para que eles pensem e depois, em outra reunião, ou
reconhecer e ao mesmo tempo falar com o personagem, e os mais tarde, reflitam sobre elas como grupo. As perguntas
personagens podem mostrar o que não se vê na cena. devem dizer respeito ao que o grupo ou uma pessoa está
trabalhando ou dizendo.
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9. A tarefa dos agentes externos exige deles grande cidadãos. A consciência é o campo de batalha da libertação,
atenção, pois as suas questões ou exemplos a serem porque é ela que conduz à liberdade, ao conhecimento e ao
contrastados devem surgir no momento, de acordo com o autoconhecimento e é para ela, em cada pessoa e grupo,
clima do grupo e com base nos seus interesses. que a Psicologia deve trabalhar.

10. Em todos estes processos é sempre necessário Os agentes internos ou externos, seja no trabalho
fazer um resumo ao final da ação ou tarefa, indicando o que comunitário ou nas intervenções sociais, devem partir de

foi alcançado, o que foi bem feito ou pensado ao fazer aquela uma base ética, cuja expressão é o respeito pelos outros.
Nesse sentido, devem indicar por que, para quê, para quem
coisa. Este encerramento não tem necessariamente de ser
estão e compreender que as ações a serem realizadas
realizado pelo agente externo, mas sim como um
devem ser geradas a partir da participação e não da imposição.
encerramento do próprio grupo.

11. Todos os métodos de consciência criados até


agora são também métodos participativos. Todos eles

também levam à consciência.


Referências

Althusser, L. (1980). Polêmica sobre marxismo e humanismo. Em L.


Althusser, J. Semprun, M. Simón e M.
Conclusão Verret (Coords.), Marxismo e humanismo (pp.34-48).
México: século XXI. (Publicado originalmente em 1968).

As circunstâncias ideologizantes e alienantes, bem Althusser, L. (1970). Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado.
Medellín: Edições PEPE.
como as habituais e todas as fórmulas que as representam,
Bourdieu, P. (1972). Esboço para uma teoria da prática. Ginebra:
bem como o que se considera óbvio e natural, não são
Droz.
abandonadas rapidamente. Portanto, os exemplos
Dussel, E. (1985). Filosofia da libertação. Eugênio: Wipf
apresentados deverão surgir nos grupos e ser relevantes. & Estoque.

Levinas, E. (1995). Totalidade do infinito. Salamanca: Siga-me.


Da mesma forma, todas as pessoas que participam, internas (Publicado originalmente em 1970).
e externas, devem estar conscientes dos seus próprios Levinas, E. (1974). Além de ser ou além
preconceitos e tendências e não usar o seu relacionamento Gasolina. O Haya: Martinus Nijhoff.

com as pessoas com quem trabalham para influenciá-las com Montero, M. (2004). Introdução à psicologia comunitária. Buenos
Aires: Paidos.
base nas suas crenças. Isso poderia ajudar a manter o que
deveriam ajudar a superar. Montero, M. (2006). Fazer para transformar: o método em psicologia
comunitária. Buenos Aires: Paidos.

Montero, M. (2007). A problematização como aspecto crítico no


Tenho trabalhado conceitos que respondem a factos

ALTERIDADE, PRÁXE LIBERTADORA E CONSCIÊNCIA


processo de libertação. Em I. Dobles Oropeza, S. Baltodano
que fazem parte da vida quotidiana e cujas bases estão Arroliga, & V. Leandro Zúñiga (Eds.), Psicologia da Libertação

também nessa vida e na sua natureza político-social; No no contexto da globalização neoliberal (pp.216-229). San José:
Universidade da Costa Rica.
entanto, existem mais conceitos e situações deste tipo: por
exemplo a deshistoricização, que consiste na manipulação Montero, M. (2009). Método de libertação: consciência crítica em
dos factos históricos para os apresentar positiva ou ação. Em M. Montero & C. Sonn (Eds.), Psicologia da libertação

negativamente a favor de determinados grupos e ideias; ou (pp.73-92). Nova York: Springer.

despolitização, o que leva a considerar que a política é um


assunto para políticos profissionais (geralmente
Recebido: 24 de janeiro de 2014
autoproclamados) e não para Versão final: 11 de abril de 2014
Aprovado: 28 de abril de 2014

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Estudos de Psicologia I Campinas I 32(1) I 141-149 I janeiro - março 2015


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M.

MONTEIRO

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