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Capítulo 2. SEGURANÇA VIÁRIA E DE


TRÁFEGO

A complexidade da operação do tráfego é evidente a qualquer


O tráfego é uma das atividades mais observador atento. Sem mencionar a interação entre os usuários da
complexas e perigosas entre as via, que será objeto de todos os capítulos seguintes, a própria
realizadas cotidianamente pela maior interação de cada usuário da via com os demais elementos envolvidos
parte das pessoas. No estágio atual, e no tráfego é bastante complexa, a começar pela própria via e pelo
muito provavelmente nas próximas veículo utilizado, dois dos expoentes da tecnologia humana em
décadas (a despeito do constante evolução ao longo dos tempos.
desenvolvimento de novas tecnologias
de auxílio aos condutores e controle Como, na forma atual, o tráfego nas vias terrestres é caracterizado
autônomo dos veículos), o tráfego nas pelo movimento autônomo comandado pelos condutores dos veículos
vias terrestres é caracterizado pelo (usualmente motorizados), os usuários da via tem de lidar com uma
movimento autônomo comandado pelos razoável complexidade dos contextos viários (trechos retos e curvos,
condutores dos veículos (usualmente nivelados ou em rampa, interseções com faixa de transição ou
motorizados) e compartilha o espaço cruzamentos diretos, trechos com travessias de pedestres, com
adjacente à via com atividades sociais travessia da via ou compartilhamento da pista com ciclistas,
locais de interação importante com as estacionamentos na via ou entrada e saída de veículos, ...) e do
vias, expondo os usuários e os veículos desempenho veicular (aceleração e frenagem, efeito da suspensão
a diversas situações que desafiam seu veicular, da distribuição de pesos e da movimentação de carga, limites
limite de desempenho. de instabilidade por tombamento ou derrapagem em curvas, manobra
lateral para desvio ou mudança de faixas na via ...). A tarefa de
trafegar pelo sistema viário utilizando veículos motorizados tornou-se
uma das mais exigentes (e arriscadas) da vida cotidiana moderna. A
situação dos condutores de veículos não motorizados e dos pedestres,
em geral ligados às atividades locais adjacentes, é também bastante
difícil (e ainda mais arriscada, ponderando sua vulnerabilidade física).

Apesar do desenvolvimento de novas tecnologias, este ainda parece ser


o contexto do futuro previsível (pelo menos para as próximas décadas),
embora possa-se vislumbrar novos cenários. Diversos dispositivos de
apoio à condução ou sistemas de assistência aos condutores (DAS-
Driver Assistance Systems) têm sido concebidos e desenvolvidos para
auxiliar estas tarefas envolvidas no trânsito, notadamente nos veículos
mas também nas vias ou nos sistemas de integração de veículos e
infraestrutura (VIIS-Vehicle-Infrastructure Integration Systems), e tem
evoluído para transformar os veículos automóveis em autoguiados
(uma proposta ainda em maturação). O cenário com a presença de
veículos controlados pelos condutores mas com dispositivos cada vez
mais importantes (pelo menos para situações especiais ou de
emergência) pode ter participação crescente e significativa nos
próximos anos. Nas próximas décadas, pode ocorrer o mesmo com
formas mais automatizadas de controle do veículo. A presença de
veículos autoguiados (AV-Autonomous Vehicles) parece ter sido a
escolha predominante nos esforços de desenvolvimento de países
desenvolvidos, em detrimento de sistemas centrais de comando como
os sistemas integrados veículo-via (IVHS-Intelligent Vehicle-Highway
Systems), que eram desenvolvidos até o final do século passado e
podem ainda vir a ser propostos em contextos específicos, ou os
sistemas cooperativos de veículos e infraestrutura (CVIS-Cooperactive
Vehicle-Infrastructure Systems), que se propõem em substituição como
meio de coordenação dos elementos autônomos automatizados.

Toda esta discussão é particularmente relevante porque o tráfego


(tendo como causa os veículos motorizados em especial) enfrenta um
constrangedor flagelo cotidiano: os problemas de segurança no trânsito
traduzidos em particular pelos danos e sequelas decorrentes de
acidentes do trânsito mas também pela exigência de grande atenção e
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preocupação nos deslocamentos viários e pela eventual supressão de


usos do espaço urbano em decorrência dos riscos gerados pelo tráfego.

O objetivo da discussão a seguir é contribuir para a formação de uma


visão clara e objetiva para a análise dos fatores condicionantes para a
operação do tráfego, com foco especial para os fatores relacionados
com a segurança de trânsito. Este é um aspecto particularmente
relevante em função de dois aspectos principais: a complexidade dos
fatores envolvidos e sua interação e a grande influência de fatores que
contribuem para iludir o analista técnico. O segundo aspecto é muitas
vezes embotado pela disseminação de uma visão aparentemente
“ingênua” ou “exigente” dos problemas de segurança de trânsito, que
normalmente esconde (ou ao menos corrobora com) ações de grupos
específicos com suas motivações puramente mercantis ao invés de uma
preocupação social com a segurança do trânsito (evidenciada pela
justificativa de “grandiosos esforços”, mesmo sem exigir resultados
eficazes), ao contrário da ação efetiva que realmente produz melhoria
razoável da segurança de trânsito (considerada como elemento da
operação do tráfego em geral, promovendo sua eficiência em sentido
amplo, que tem de ponderar não apenas a fluidez e a segurança, como
também impactos ambientais ou equidade social, entre outros efeitos).

A autonomia dos usuários da via nas decisões referentes aos seus


Face ao grau atual de autonomia dos movimentos no tráfego faz com que os aspectos humanos ganhem
usuários nas decisões referentes aos relevância especial, sendo ainda o contexto usual (dadas as questões
seus movimentos no tráfego é fácil legais envolvidas, a situação pode perdurar por muito tempo e
concluir que a percepção e o persistir mesmo com uma significativa evolução dos dispositivos ou
comportamento humano são aspectos sistemas de automação embarcados nos veículos ou instalados nas
fundamentais para a operação e para a vias). Entre estes aspectos, existem dois campos principais: os
segurança de trânsito (talvez a relacionados com a percepção humana (normalmente limitados pela
automatização de decisões com capacidade sensorial, especialmente a visual, em condições normais
veículos autoguiados altere a condição). ou adversas) e os relacionados com o comportamento humano (seja os
relacionados com ações e decisões usuais no trânsito, seja os aspectos
No entanto, o projeto viário e o envolvidos com decisões de risco ou formas de comportamento
controle de tráfego definem a extremo ou aberrante).
organização da operação na via e as
características das tarefas exigidas dos No primeiro grupo, as exigências normais da tarefa de transitar pelo
usuários e seus veículos, em geral um sistema viário muitas vezes desafiam o limite da capacidade sensorial
aspecto bastante importante (até e mental dos seres humanos. Estão também incluídos os aspectos
determinante) do grau de eficiência da relativos à dependência da capacidade sensorial em relação a variáveis
operação em cenários plausíveis. ambientais (por exemplo a que diferencia a visibilidade diurna da
noturna ou a interferência decorrente de chuva ou neblina), que
facilmente podem gerar exigências excepcionais (muito superiores à
capacidade humana normal). Muitos dispositivos tradicionalmente
implantados nas vias e veículos buscam ampliar a capacidade de
percepção humana (por exemplo, a iluminação viária e veicular ou os
dispositivos de iluminação ou retro-refletividade incorporados nos
elementos de sinalização viária).

No segundo grupo, no entanto, estão os aspectos mais complexos,


especialmente por envolver o comportamento normal e o
comportamento de risco dos usuários da via. Mesmo as tarefas
normais envolvem decisões difíceis, diante dos tempos de reação
reduzidos usualmente disponíveis no tráfego. Entre as opções
disponíveis, muitas vezes existem alternativas de risco ou ações de
transgressão das regras de trânsito, que podem ser ponderadas por
reduzir os tempos de deslocamento e não implicarem em grande
potencial de punição. Este tipo de comportamento não ideal é
freqüente no trânsito (pelo menos nas violações menores ou ações de
risco reduzido, que ocorrem atualmente em quase todas as sociedades)
e pode atingir níveis de alta periculosidade e agressividade social que é
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normalmente referido como comportamento aberrante (dirigir em


velocidade absurda ou estando alcoolizado).

Anterior a estes aspectos, está a característica básica de desempenho


veicular nas vias de tráfego (e a sua dependência das condições
ambientais, previamente mencionada). Neste campo, mesmo antes de
considerar o desenvolvimento da tecnologia incorporada nos
elementos básicos via e veículo, a evolução recente da Engenharia de
Tráfego tornou a abordagem teórica bastante mais complexa. Primeiro
ao requisitar a atenção aos diferentes tipos de veículos (não apenas
automóveis, também veículos pesados simples ou articulados
destinados ao transporte de carga ou passageiros, as motocicletas e
motonetas de 2 ou 3 rodas, além dos ciclomotores, e as bicicletas ou
outros veículos de transporte com propulsão humana e eventualmente
apoiados por meios auxiliares de propulsão). Segundo ao considerar
contextos operacionais bastante diversos, tradicionalmente
distinguindo vias estruturais (arteriais, incluindo as vias expressas ou
rodovias) e complementares (coletoras e locais, incluindo vias de
circulação interna e as vias de pedestres e ciclistas), mais recentemente
compostas pela diferenciação no uso do espaço viário com a
introdução de faixas exclusivas ou preferenciais para usos específicos
(especialmente para favorecer modos de transporte de alta capacidade
em vias arteriais ou expressas, mas também para promover o uso de
modos não motorizados ou para permitir a cobrança pelo uso da via
como forma de gestão do tráfego).

Por fim, do ponto de vista social, o desempenho do tráfego adiciona


também diversos efeitos que não se resumem aos avaliados pelos
usuários da via enquanto tal, embora possam sensibilizar os indivíduos
mais conscientes como cidadãos. Estes são aspectos que incluem
algumas externalidades geradas pelo tráfego, mencionadas no capítulo
introdutório, como os relacionados com os acidentes de trânsito e/ou
com a poluição do ambiente. Em boa medida, seus determinantes
dependem mais de características intrínsecas dos elementos envolvidos
no tráfego (como as grandes distâncias de deslocamento diário e a
dependência de energia do petróleo) do que da eficiência da operação
do tráfego, em termos globais (embora o efeito adicional decorrente da
ineficiência da operação do tráfego seja também significativo).

Os pontos acima mencionados estão refletidos na variedade de


aspectos relevantes para a operação do tráfego, tradicionalmente
relacionados com os clássicos trinômios da Engenharia de Tráfego que
serão brevemente discutidos adiante. Em seguida, serão caracterizados
os aspectos mais relevantes para a operação do tráfego relacionados
com o fator usuário, o fator veículo e o fator via, necessários em
diversos pontos da análise da operação do tráfego, a ser realizada nos
capítulos seguintes. Naturalmente, o estudo de cada um destes fatores
constitui um campo próprio de investigação que será apenas tocado
aqui, de forma resumida. A interação entre os fatores usuário, veículo
e via importa mais que cada um deles separadamente e constitui um
campo adicional de investigação (especialmente relevante para o
projeto viário) também apenas tocado aqui, de forma sumária. Por
fim, são estudados os meios de comunicação com os usuários da via e
seus veículos existentes na sinalização viária e sua aplicação.

A tarefa dos capítulos seguintes é estudar o tráfego, isto é, o


movimento coletivo dos usuários da via, um fenômeno suficientemente
complexo para exigir algumas simplificações na representação de cada
um dos fatores mencionados e mesmo da sua interação elementar (isto
é, para cada um dos usuários). O ponto essencial, na discussão a ser
feita neste momento preliminar, é a de reter os condicionantes
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fundamentais a serem incorporados adequadamente adiante e entender


sua potencial contribuição para os problemas de segurança de trânsito.

2.1. CONCEITOS E MEDIDAS DE


SEGURANÇA NO TRÂNSITO
Talvez os aspectos mais notáveis em relação aos problemas de
segurança de trânsito são indicadores relevantes dos aspectos
contraditórios envolvidos na sua gênese. Ao mesmo tempo em que
pode ser notada a preocupação recorrente com a magnitude dos seus
efeitos na vida social (que pode ser aferida, por exemplo, pelo
aparecimento frequente da discussão sobre o problema na mídia em
geral ou na agenda de organismos dedicados ao estudo e análise de
políticas públicas), pode-se igualmente notar sua persistência e
renitência como desafio ainda a ser vencido (que pode ser comprovada
pelas estatísticas decenais mostrando a ocorrência das mortes em
acidentes de trânsito, evidenciando a dificuldade em reduzir o
problema nos países desenvolvidos e de evitar seu crescimento nos
países em desenvolvimento ou nos países mais pobres).

A contradição pode ser encontrada em diversos campos de atuação


As áreas de segurança em geral (e da (haveria a mesma tensão nos problemas de congestionamento que
segurança de trânsito em particular) afetam cotidianamente as cidades ou estradas importantes). Na esfera
enfrentam um problema comum que da segurança de trânsito, no entanto, existe um aspecto peculiar que
dificultam sua ação: merece ser destacado: independente da magnitude dos problemas
- mesmo quando os problemas sociais decorrentes, a insegurança no trânsito é predominantemente
decorrentes da insegurança percebido como um risco eventual e visto como uma manifestação
atinge níveis elevados (como rara para a maior parte dos usuários (exceto em poucas situações em
ocorre na área de trânsito), a que a situação existente coloca o usuário numa condição explícita de
percepção da importância do risco iminente de acidente, o que constitui exceção e normalmente
problema é embotada pela sua motiva a manifestação imediata dos usuários da via). Por este motivo,
frequência rara, cotidianamente; a percepção individual da magnitude dos problemas de segurança de
- a probabilidade individual de trânsito existentes no sistema viário é usualmente embotada ou
morte em acidentes de trânsito obscurecida pela sua visão como um problema potencial e raro. Um
em um ano é cerca de 0,025% indicador deste aspecto pode ser percebido quando é comparado o
ou uma vez em 40mil anos; a efeito da ocorrência de um acidente grave sobre o comportamento dos
probabilidade de envolver-se envolvidos. Normalmente, logo após a ocorrência os usuários da via
em um acidente de trânsito com sentem um risco muito maior nas mesmas situações em que
vítima é de cerca de uma vez anteriormente negligenciavam a probabilidade de ocorrência de um
em 57anos e mesmo a de acidente e comportam-se de forma muito mais conservadora ao tomar
envolver-se em um acidente de suas ações no trânsito. Ao longo do tempo, na ausência de novos
trânsito qualquer é de cerca de acidentes esta percepção de risco vai diminuindo progressivamente e
uma vez em 8,9anos o comportamento dos usuários volta a tomar com mais frequência
(ao contrário, outros problemas como decisões de risco relevante e, eventualmente, até retorna ao seu
os de congestionamento são comportamento anterior diante das mesmas situações (até mesmo nas
experimentados quase todos os dias). diretamente envolvidas no acidente ocorrido). Comparando com os
problemas de congestionamento, muitas vezes experimentados todos
os dias, entende-se porque a percepção relativa é viesada.

De fato, considerando os dados sobre ocorrência de acidentes de


trânsito (particularmente dos mais graves), vê-se que este tipo de
comportamento é natural e esperado. Tomando as estatísticas de um
país com bons dados sobre acidentes de trânsito, como os EUA, os
totais globais mencionam cerca 40mil mortes por ano (na verdade, o
total vem sendo reduzido de cerca de 46mil mortes por ano no final
dos anos 90 para cerca de 32mil mortes por ano no início deste século),
que correspondem aos eventos mais graves de cerca de 18milhões de
acidentes de trânsito por ano, dos quais 2,8milhões são de acidente
com vítima. Considerando que os EUA têm cerca de 160milhões de
condutores, estes dados representam um risco de 0,025% de ser vítima
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fatal no trânsito em um ano ou uma vez em 40mil anos em média).


Mesmo o risco de envolver-se em uma acidente com vítima seria em
média de 1vez a cada 57anos, mesmo ignorando que alguns acidentes
acometem mais de uma pessoa (muitos condutores passarão uma vida
sem envolver-se em um acidente com vítima), e de envolver-se em um
acidente mesmo leve, na mesma suposição, seria em média de 1vez a
cada 8,9anos (o que parece algo suficiente para formar a percepção de
evento raro na maior parte das pessoas).

Naturalmente, quando da ocorrência de um acidente, especialmente de


um acidente grave com efeito drástico sobre a vida de uma pessoa
próxima em algum sentido qualquer, não é a mesma percepção que se
forma e chocam-se julgamentos distintos sobre situações cotidianas.

Socialmente, tentando pesar os efeitos decorrentes dos acidentes de


Socialmente, no entanto, as fatalidades trânsito de uma forma mais isenta ou imparcial, os dados existentes
decorrentes dos acidentes de trânsito parecem deixar pouca dúvida de que o efeito decorrente dos acidentes
são uma das causas principais de de trânsito constitui um dos principais flagelos do nosso tempo (talvez
mortes (especialmente entre as mortes a maior chaga da civilização do automóvel). Não é simples obter uma
por causas externas mas também clara justificativa para esta conclusão porque a questão envolve
considerando causas internas), sendo: diferentes aspectos éticos, técnicos, econômicos, entre outros. A
- uma causa que afeta todas as percepção pode não ser um bom guia para avaliar a real relevância de
faixas etárias, em particular um problema social e a segurança de trânsito é disso um bom
jovens e adultos (em que é uma exemplo.
das causas mais frequentes) mas
também nas faixas extremas Um primeiro aspecto relevante pode ser a comparação do nível de
(crianças e idosos), de forma risco existente em diferentes atividades sociais. Entre modos de
disseminada que atinge grupos transporte, a comparação é normalmente feita usando taxas de
sociais menos expostos a outros acidentes por milhão de quilômetros percorridos mas esta comparação
fatores mais perversos; claramente favorecem os modos de transporte mais velozes (é comum
- uma atividade que representa ver-se a informação de que o avião seria o transporte mais seguro,
um nível de risco bastante apesar de ter-se certeza de que mesmo quem isso afirma ter muito
relevante, se comparado a mais medo ao viajar de avião do que em qualquer outra forma; pelo
outras atividades sociais mesmo efeito conclui-se que andar à pé é mais arriscado que a maioria
(similar a atividades de alto das demais formas de transportar-se; poucas conclusões parecem ser
risco que normalmente são claramente robustas neste tipo de comparação, entre estas a que
enfrentadas apenas por grupos demonstra que as motocicletas são os veículos de maior risco na
específicos), que grande parte circulação viária quando comparadas com modos de transporte de
das pessoas tem de realizar velocidade maior, menor ou similar!). Além deste viés, esta
cotidianamente e de forma comparação não permite analisar atividades que não envolvem
compulsória para manter suas deslocamentos. Neste caso, a comparação pode ser feita usando taxas
atividades sociais; de acidentes por milhão de horas envolvidas. É um indicador mais
- uma causa de fatalidades com próximo da percepção humana (por exemplo, diz que o avião é muito
perfil anti-natural (ao contrário mais arriscado que outros modos, apenas mais seguro do que uma
de muitos fatores ligados a motocicliceta) e permite identificar atividades sociais com risco
saúde que afetam comparável ao do deslocamento no trânsito de automóvel (i.e.
principalmente pessoas em envolvido de uma couraça metálica especialmente projetada para
faixas etárias mais avançadas) e proteger dos efeitos de acidentes, pelo menos para seus ocupantes).
que acarreta uma perda de anos Conclui-se que o deslocamento cotidiano por automóvel tem risco de
de vida de escala fatalidade similar ao do trabalho em extração de minério, por exemplo
correspondente a todas as (nas condições modernas, não nos períodos de servidão). Parece certo
doenças vasculares ou a todas as afirmar-se que poucas atividades sociais cotidianas tem um risco tão
neoplasias (somadas); relevante (especialmente considerando que as outras atividades de
- e, por fim, um fator com risco similar são específicos e não afetam a maior parte dos grupos
participação crescente (tanto em sociais). Mas observando estas taxas por atividade pode-se notar que
termos absoluto quanto relativo) há um risco relevante de fatalidade em casa (um local normalmente
em termos globais, considerado seguro, com razão, na grande maioria das situações). Na
principalmente em função do verdade, ao desagregar os dados de fatalidade em casa por faixa etária
crescimento nas nações que nota-se que a maior parte das ocorrências acomete as pessoas de
ainda experimentam um maior idade (no final da vida, como seria normal acontecer).
aumento relevante na taxa de
motorização ...
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Um segundo aspecto relevante, sugerido por essa informação, pode ser


relacionado com a naturalidade dos efeitos decorrentes dos acidentes
de trânsito: como causa de fatalidades os acidentes de trânsito são
claramente não-naturais e afetam todas as faixas etárias, sendo a causa
predominante de fatalidades entre jovens e adultos (salvo para grupos
sociais peculiares) e mantendo-se uma
causa relevante também nas faixas etárias
extremas (tanto crianças quanto idosos).
Esta característica pode provavelmente
ser associada a qualquer fator acidental
(ou mesmo a outras causas externas,
como as fatalidades relacionadas com uso
de armas de fogo, particularmente
relacionadas com atividades criminais)
mas parece mais disseminada no caso dos
acidentes de trânsito. Numa sociedade
desigual e racista, outros fatores podem
afetar somente pobres e negros mas os
acidentes de trânsito atingem igualmente
ricos e brancos (pode, neste caso, ser
equiparado ao consumo de drogas). Na
ordem natural das coisas, nunca afetariam
crianças e filhos ou seus prepostos
quando ainda provendo o amparo aos
seus dependentes mas esta é uma
circunstância que os acidentes de trânsito
frequentemente invertem. A incidência
não-natural entre as faixas etárias, típica
dos acidentes de trânsito, pode ser traduzida na afirmação de que seu
efeito é um dos principais em termos de perda de anos de vida (i.e.
ponderando cada fatalidade pela expectativa de vida menos a idade dos
acometidos), superando outros flagelos modernos mas mais naturais
(como todas as doenças vasculares ou todas as neoplasias).

Por fim, existe um preocupação particular com as fatalidades


decorrentes dos acidentes de trânsito por um aspecto específico: entre
as maiores causas de fatalidades humanas, os acidentes de trânsito são
a principal causa que tem se mostrado
renitente às políticas sociais de combate à
sua presença e existem claros sinais de
que a perspectiva provável é a de
crescimento da sua participação nas
estatísticas mundiais sobre fatalidades
humanas (tanto em termos absolutos
quanto relativos). A análise mais
detalhada dos resultados de estudos sobre
o tema mostra claramente que este efeito
é decorrente do crescimento persistente
nos países menos desenvolvidos e em
desenvolvimento, a despeito das reduções
havidas nas nações desenvolvidas (o que
revelaria um aspecto perverso da sua
evolução futura). Na verdade, em grande
parte este efeito é decorrente do estágio
atual e da evolução esperada nos níveis de
motorização (em particular da posse de
automóveis e motocicletas nos domicílios
mas também do uso crescente de veículos
motorizados em atividades econômicas).
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As nações mais desenvolvidas atingiram já um nível de saturação que


os países menos desenvolvidos e em certa medida também os países
em desenvolvimento ainda estão longe de alcançar. E a experiência
histórica tem mostrado que as etapas de crescimento de motorização
foram sempre, até agora pelo menos, fases de crescimento vertiginoso
na frequência de acidentes de trânsito (hoje exacerbado pelo acesso aos
veículos de duas rodas, intrinsicamente mais inseguros). Essa
constatação contraria a hipótese anteriormente aceita de que a
evolução da segurança de trânsito tendia
naturalmente a uma contínua melhora (a chamada
hipótese de Smeed: com o aumento da motorização
reduz-se o índice de fatalidade/habitante).
Especialmente pelo efeito nos demais usuários da
via, aparentemente, a evolução natural (que ocorre
nas condições usuais de operação viária e veicular)
tem uma fase de rápido crescimento (em que o
conflito no trânsito exacerba-se) que somente depois
é seguido de uma melhora progressiva (a chamada
hipótese de Oppe: com o aumento da motorização
reduz-se o índice de fatalidade/veículo). Pelo
menos nos países desenvolvidos, a fase de melhora
progressiva tem sido observada (embora não seja
seguro garantir que venha a ocorrer nos demais
países sem uma importante transformação
educacional e institucional ou sem o concurso das
melhoras técnicas nas vias e veículos).

Numa perspectiva mais técnica e econômica, a análise fria pode


A justificativa para um combate perguntar-se se estes dados seriam suficientes para justificar uma
preferencial ao flagelo dos acidentes de cruzada intransigente contra os acidentes de trânsito e seus efeitos.
trânsito exige, no entanto, que: Por mais que se interponham aspectos éticos a reduzir a discussão
- sejam identificadas formas sobre questões de segurança que acarretam riscos de fatalidades ou
efetivas para minorar sua sequelas graves a critérios técnicos e econômicos, é difícil objetar que
incidência e que preservem o faz sentido comparar a viabilidade de reduzir fatalidades neste campo
atendimento às necessidades de ação com outros campos em que a vida humana também é posta
sociais ou proporcionem formas em risco (em termos técnicos e econômicos). Quanto é viável reduzir
alternativas de atendê-las; mortes no trânsito em comparação com outras causas de fatalidade,
- sejam identificadas formas considerando formas que preservam o atendimento às necessidades
eficientes de atingir a redução sociais ou proporcionem formas alternativas de atende-las? Qual o
dos efeitos nas fatalidades gasto necessário para ter a eficácia exigida para cada fatalidade
(como outros efeitos) em reduzida? Há algum motivo para priorizar a redução de fatalidades
comparação com ações nos acidentes de trânsito em relação às mencionadas doenças
alternativas que priorizem vasculares e neoplasias ou, para colocar a discussão mais próxima ao
outras áreas (onde resultados contexto dos países em desenvolvimento, em relação às melhorias de
similares também podem ser condições sanitárias básicas ou de fatores que reduzem a
buscados) ... criminalidade? Há mecanismos sociais capazes de mobilizar recursos
adequados (eficientes e suficientes) para obter os resultados
desejados? Naturalmente, estas questões são colocadas para todas as
ações e podem beneficiar-se de uma visão integrada que pondere
outros efeitos além do impacto na segurança de trânsito.

Embora exista razoável base técnica e econômica para justificar o


esforço para redução de acidentes de trânsito, deve-se reconhecer que
esta discussão busca estabelecer critérios objetivos públicos para
decisões que são predominantemente tomadas com base em interesses
políticos e sociais privados. A informação técnica e econômica
permite balizar as decisões políticas e sociais. Há exemplos clássicos
que mencionam o desenvolvimento de dispositivos sofisticados de uso
militar (por exemplo, dispositivos de ejeção segura de pilotos de
aeronaves) que custaram milhões de dólares por fatalidade reduzida,
muito superiores ao custo correspondente em diversos outros campos
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de ação (como a segurança viária, entre outros). A comparação nem


sempre é simples porque em muitos casos o risco é mais diretamente
identificado e a intervenção pode ter outros efeitos além da redução da
fatalidade (como em um transplante renal ou um tratamento com
diálise). A ação efetiva é definida em função de proposições reais e
sua eficácia depende do grau de eficiência em que as tarefas técnicas e
econômicas são conduzidas (julgando pelos critérios objetivos e
públicos ao invés dos interesses privados envolvidos). O
questionamento tem a vantagem de não ser insensível às questões
técnicas e econômicas que certamente têm relevância social.

2.1.1. Conceito de (In)Segurança de Trânsito.

O estudo da segurança de trânsito é em muitos aspectos similar ao


estudo de aspectos relacionados à segurança em muitos outras áreas de
atividade social (e.g. a segurança do trabalho). As peculiaridades,
salvo por alguns aspectos metodológicos discutidos adiante, são fruto
da especificidade dos fenômenos envolvidos (e.g. a relação com
deslocamentos no sistema viário e a interação com seu entorno). De
forma geral, a operação do tráfego é um contexto bastante menos
controlado que qualquer ambiente de atividade formal (como nos
estabelecimentos em que são desenvolvidas atividades industriais,
agrícolas, de serviço, entre outros). O potencial de danos decorrentes é
em geral maior em frequência, embora não necessariamente em
gravidade (pelo menos é pouco usual ter eventos catastróficos). Há
uma divisão de responsabilidades na operação do tráfego que se traduz
na existência de responsabilidade compartilhada pela segurança de
trânsito e um grande potencial de conflito decorrente na esfera judicial.

Em geral descreve-se por segurança de trânsito o atributo mais geral e


decompõe-se a contribuição de diferentes fatores em atributos mais
específicos (parciais). Por exemplo, fala-se de segurança viária e
segurança veicular quando se quer referir aos fatores especificamente
relacionados com a via ou o veículo. Naturalmente, esta
decomposição não quer dizer que a contribuição de diferentes fatores é
totalmente separável, dado que a interação entre diferentes fatores é
um aspecto essencial, mas reflete a divisão de responsabilidades
mencionada. Um órgão gestor do sistema viário em geral concentra
sua atenção nos fatores relacionados com a via e toma todos os demais
fatores como externos (embora não seja raro que sua atuação inclua
uma ação suplementar sobre os outros fatores, por exemplo através de
fiscalização do comportamento de condutores e pedestres ou das
condições dos veículos ou condições de entrada e saída das
edificações). Neste sentido, seu campo de atuação restringe-se aos
aspectos relacionados principalmente com a via e seus dispositivos de
Segurança de Trânsito – conceito
segurança e de controle de tráfego. Mas, como enfatizado ao longo da
positivo:
discussão a seguir, a atuação não prescinde de uma compreensão
- é a possibilidade de realizar as
adequada da interação entre diferentes aspectos.
atividades humanas sem risco (e
sem a preocupação) de
De forma geral, a segurança de trânsito pode ser concebida como a
envolver-se em acidentes de
possibilidade de realizar as atividades humanas sem risco (e sem a
trânsito (e sem risco de ter os
preocupação) de envolver-se em acidentes de trânsito (e sem risco de
danos e sequelas decorrentes
ter os danos e sequelas decorrentes dos acidentes de trânsito).
dos acidentes de trânsito).
Acidente de Trânsito – conceito
Neste contexto, há diversas formas de conceituar os acidentes de
negativo:
trânsito. Admite-se aqui de forma mais adequada deve-se definir que
- evento inesperado e indesejado
os acidentes de trânsito são eventos inesperados e indesejados que
(em face do objetivo de
envolvem usuários da via (condutores de automóveis, motocicletas,
transitar) que envolvem
veículos pesados ou de transporte coletivo, pedestres ou ciclistas) que
usuários da via em circulação
estejam em circulação pelas vias (em percurso, em travessia, entrando
(pelo menos um) em que se
ou saindo da via, parando ou estacionando ou pondo-se em
produzem danos humanos ou
materiais (usualmente
decorrentes do impacto com
veículos em circulação ou
elementos da via).
(há diversas definições alternativas).
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movimento após a parada ou estacionamento). Na esfera do trânsito


em vias terrestres, em geral adiciona-se duas características ao
requisito geral: a de produzir danos humanos ou materiais e, mais
especificamente, a de ter danos produzidos pelo impacto com os
veículos em circulação ou elementos da via. Em outras áreas que se
interessam pela segurança, um ou outro requisito adicional podem ser
omitidos. Por exemplo, no transporte marítimo são considerados
acidentes marítimos os eventos que imobilizam as embarcações (e
produzem danos econômicos consideráveis) mesmo quando não
decorrem do impacto com as embarcações. No trânsito de veículos
terrestres, estes eventos seriam incidentes de trânsito (como a quebra
de veículos e sua imobilização na via) mas não acidentes de trânsito
(mesmo reconhecendo que possam gerar prejuízo econômico, seja
privado ou público). A peculiaridade é provavelmente decorrente do
contexto de conflito que pode envolver a circulação viária e da
eventual repercussão judicial decorrente de um acidente de trânsito (na
esfera cível, criminal ou mesmo administrativa).

A classificação como acidente de trânsito, nesta visão, decorre da falta


de associação do evento com o objetivo usual da circulação viária (o
movimento de bens ou pessoas) e o evento é classificado como
inesperado e indesejado a partir deste ponto de vista social. Por
exemplo, se o condutor deliberadamente lançar o veículo contra um
obstáculo (mesmo se motivado pelo desejo de suicidar-se) haverá um
acidente de trânsito. Não cabe, portanto, a crítica usual de que a
terminologia isenta ou absolve os usuários da via da responsabilidade
sobre as ações que podem gerar o acidente de trânsito. Na esfera cível,
criminal ou mesmo administrativa não se afasta a responsabilidade
pelas ações que possam motivar o acidente de trânsito (por ação ou
omissão dolosa ou culposa, seja por imprudência, negligência ou
imperícia, dentro dos preceitos derivados do princípio da confiança ou
da ação razoável, entre outros aspectos que caibam na esfera judicial).
Se, por outro lado, um piano cair sobre a calçada ou um avião cair
sobre a via mas (por sorte) nenhum usuário da via em circulação vier a
ser envolvido no evento e tiver danos humanos ou materiais
(decorrentes do impacto com o objeto), então não haveria um acidente
de trânsito em vias terrestres (incluindo-se a circulação de pedestres).

Embora este conceito ou expressões alternativas possam ser


enunciados de maneira formal, não há claramente um acordo sobre o
assunto. Não que faltem definições “oficiais” (exemplos podem ser
encontrados na NBR10697/1989 e 2018 da ABNT-Associação
Brasileira de Normas Técnicas ou na D16.1-1996 e 2007 do Instituto
Nacional de Normas dos EUA, a ANSI-American National Standards
Institute, que serve ao mais organizado sistema de registro de dados de
acidentes de trânsito no âmbito internacional).1 É que falta a relação
entre a definição adotada e o entendimento da função essencial do
sistema social que se está considerando do ponto de vista da
Engenharia (o sistema viário), que a definição adotada utiliza para
1
NBR10697/1989,2018: “2.1.1. Acidente de trânsito: todo evento não premeditado
que resulte em dano ao veículo ou na/à sua carga e/ou lesões em pessoas e/ou
animais, em que pelo menos uma das partes esteja em movimento nas vias terrestres
ou áreas abertas ao público. Pode originar-se, terminar ou envolver veículo
parcialmente na via pública.” Entende-se que se refira apenas às áreas abertas ao
público para circulação (não áreas abertas ao público para lazer ou outra finalidade),
além de vias terrestres. ANSI-D161-1996,2007: “2.4.9. Acidente de transporte
(transport accident): é um acidente (1) que envolve um veículo (de transporte) em
transporte, (2) em que o primeiro evento com dano não é produzido pela descarga de
uma arma de fogo ou dispositivo de explosão, e (3) que não resulta diretamente de
um cataclisma (em que o momento de ocorrência do cataclisma é o momento do
acidente).” Inclui acidentes aéreos, aquáticos e ferroviários; exclui eventos com arma
de fogo, dispositivos explosivos e cataclismas (i.e. desastres naturais).
10

relacionar o conceito com a análise do sistema social em questão. Por


exemplo, os acidentes que envolvem a circulação de pedestres nas
calçadas (mesmo que não envolvam outros veículos motorizados ou
não) são claramente acidentes de trânsito. Pela integração usual entre
os espaços de circulação de pedestres junto à via (as calçadas) e os
espaços de circulação veicular (as pistas de tráfego) esta parece uma
conceituação adequada (o que não afastaria ampliar o conceito a
vias/caminhos públicos de pedestres, fora das edificações).

De um ponto de vista prático, os acidentes de trânsito que envolvem


veículos motorizados são certamente mais graves (especialmente
quando ocorrem com velocidades relativas elevadas ou envolvem
algum usuário vulnerável da via, denominação que normalmente é
utilizada para referir-se ao menos aos pedestres e ciclistas mas que
pode muitas vezes ser estendida a outros usuários não motorizados e
mesmo a ciclomotores ou até motocicletas, em certa medida) mas a
interação entre os usuários no uso de espaços adjacentes recomenda
pelo menos incorporar todos os acidentes que ocorrem nas vias ou nas
áreas adjacentes às vias (como calçadas para pedestres, eventualmente
compartilhadas com ciclistas, e caminhos de pedestres e ciclistas
próximos ou articulados com as pistas de tráfego).

As críticas feitas aos conceitos de segurança derivados das medidas de


acidentes de trânsito têm, entretanto, que considerar outras
Acidentes de trânsito são medidas de
ponderações. Naturalmente, dados acidentes de trânsito não permitem
(in)segurança de trânsito (inversa).
obter uma medida direta de segurança de trânsito. A frequência
absoluta de acidentes de trânsito ou taxas relativas de risco de
O intervalo médio entre ocorrência de
acidentes de trânsito em função de medidas de deslocamento (ou de
acidentes de trânsito (ou outro evento
necessidade de deslocamento) seriam pelo menos medidas de
que denota insegurança) é uma medida
insegurança de trânsito (medidas negativas de segurança de trânsito).
direta (é o inverso da frequência).
O intervalo médio entre acidentes de trânsito ou a quantidade média
de deslocamentos entre eventos de acidentes de trânsito (o inverso da
Dois outros aspectos são relevantes:
frequência e taxa mencionadas) são medidas diretamente relacionadas
- a insegurança pode interferir na
com a segurança de trânsito (neste sentido medidas positivas) mas
realização das atividades e, por
com conteúdo exatamente similar às frequências e taxas
esta via, suprimir o atendimento
correspondentes.
às necessidades sociais (ou
forçar sua relocalização) e até
Pelo menos dois aspectos poderiam ser ponderados para aprimorar a
reduzir os acidentes de trânsito;
medida de segurança com base em dados de acidentes de trânsito: a
- a insegurança percebida pode
frequência observada pode não refletir a supressão de necessidades
exigir uma preocupação e
eventualmente motivada pela própria insegurança (e.g. quando o
atuação constante por parte dos
tráfego intenso e rápido na ausência de dispositivos adequados de
usuários da via (ou seus
travessia geram um efeito barreira que reorientam ou desestimulam
recursos) para manter-se seguro
deslocamentos) ou a percepção magnificada dos problemas de
(mascarando o risco existente).
segurança pode exigir uma preocupação e atuação constante por parte
dos condutores ou pedestres (ou recursos de tecnologia veicular mais
Além disso, os acidentes tem grande
avançados e custosos) para manter-se seguro no trânsito.
aleatoriedade e frequência estatística
rara que impossibilita sua observação
Além disso, as medidas de segurança baseadas em acidentes de
direta. Mesmo quando há um sistema
trânsito padecem de um problema geral enfrentado em todas as áreas
de registro obrigatório (como o registro
de estudo da segurança: acidentes são fenômenos com grande
de ocorrências policial), deve-se
aleatoriedade e frequência estatisticamente rara que, em função disso,
esperar um nível de sub-registro
dificilmente podem ser diretamente observados e tem de ser
relevante e uma informação precária
analisados a partir de dados indiretos coletados das fontes de registro
(obtida de forma indireta, muitas vezes
existentes. No caso dos acidentes de trânsito, normalmente há um
baseadas em testemunhos dos
razoável registro de acidentes como ocorrência policial (embora
envolvidos ou terceiros).
padeça de um grande nível de sub-registro pelo menos para acidentes
menos graves mas também para acidentes em que os condutores
podem fugir da cena do acidente e fazem isso para evitar suas
implicações legais). No entanto, existe larga comprovação de que os
registros policiais são fontes de informação viesada (privilegiam
11

aspectos presentes na visão policial dos acidentes) e precária (as


informações são baseadas em testemunhos dos envolvidos ou terceiros
e as próprias circunstâncias dos acidentes, particularmente nas cidades
mais congestionadas, dificultam a coleta de dados sobre os acidentes).

Na verdade, existe normalmente a exigência de uma perícia


complementar (pelo menos para os acidentes que causam ferimentos
ou danos relevantes). O acesso à informação sobre as ocorrências
policiais é eventualmente tratado de forma limitada (apenas nos países
mais organizado a situação inverte-se e há a obrigação de processar e
informar os dados de maneira pública) mas é difícil atribuir-se a um
policial, ou mesmo perito, a tarefa de coletar dados relevantes sobre
acidentes de trânsito porque envolve a análise de danos múltiplos, de
difícil avaliação e que eventualmente exige o acompanhamento das
vítimas por longo período de tempo. Naturalmente, o registro de
ocorrências obtido das autoridades policiais é uma informação muito
útil pela ampla cobertura e pretensa universalidade (mesmo
imperfeita), especialmente por referir-se aos eventos mais graves. Mas
a necessidade de suplementá-los é quase inevitável na análise técnica.

Em função disso, em quase todos as áreas em que a preocupação com a


segurança é relevante, conceitos relacionados com a segurança mas
mais diretamente observados são também propostos e estudados. No
caso da segurança de trânsito existem conceitos de quase-acidentes
(eventos em que houve curso de acidente e ocorreram manobras
emergenciais para evitar acidentes), de risco iminente (eventos em que
a margem de segurança das trajetórias observadas ficaram próximas de
um curso de acidente e não haveria tempo hábil para manobras
evasivas), conflitos de tráfego (eventos em que houve curso de
acidente e ocorreu uma manobra evasiva com risco relevante e tempo
de reação reduzido) ou conflitos de tráfego potenciais (eventos em que
houve curso de acidente mas com ampla margem de
tempo para reação e ajuste das trajetórias para
eliminar o risco de acidente). Estas são medidas
alternativas de segurança, todas mais frequentes que
os acidentes em si mas igualmente menos graves,
progressivamente. A associação entre as medidas
mais graves é em geral mais forte e esta relação
diminui progressivamente (na medida em que as
variáveis são mais facilmente observáveis). Esta
propriedade corresponde à chamada Pirâmide de
Segurança de Hydén (um pesquisador sueco que
esteve entre os pioneiros dos estudos sobre conflitos
de tráfego em 1987 e recorreu a essa representação;
corresponde ao Triângulo de Heinrich, 1941, ou ao
Diagrama de Bird, 1961, de outras áreas). No caso
dos acidentes de trânsito, sua frequência tem escala
mensal ou semanal (ou menor), enquanto os quase-
acidentes e riscos iminentes podem ocorrer poucas
vezes ao dia ou por semana, o que também pode
ocorrer para conflitos de tráfego mais raros mas em
geral algumas horas de observação pode fornecer
uma amostra razoável de dados para análise (o que
também ocorreria para conflitos de tráfego
potenciais, com dados de menor qualidade).

As medidas menos adequadas de (in)segurança normalmente perdem


relevância porque sua ocorrência perde a influência de aspectos
importantes para determinar o nível de risco dos eventos (entendido
como a probabilidade de tornar-se um acidente) e o nível de perigo
envolvido (entendido como a probabilidade de gerar um dano humano
12

ou material maior). Por exemplo, sabe-se que fatores relacionados


com padrões de comportamento anti-social como dirigir sob a
influência de álcool ou drogas ou em atitude de risco incompatível
com o trânsito em via pública (e.g. praticando rachas ou ameaçando
pedestres) tem presença notável em acidentes fatais (de um terço a
metade). No entanto, dificilmente estarão igualmente presentes em
conflitos de tráfego por serem modalidades de comportamento
aberrante dificilmente observáveis em grupos sociais normais (embora
infelizmente frequentes em grupos sociais anormais em que normas
fechadas estabelecem-se como padrões aceitos internamente). A
conjunção de fatores que termina em transformar estes eventos menos
frequentes em acidentes também ocorre com menor frequência (o que
Na área de trânsito, como em outras é a razão de terem ou não ocorridos acidentes num ou outro caso).
áreas relacionadas com segurança, há
medidas alternativas de segurança mais Na área de segurança de trânsito, pelo menos uma medida foi
diretamente observáveis. proposta e extensamente estudada na década de 80: os conflitos de
tráfego (que serão discutidos adiante). Esta linha de análise tem pelo
Em particular define-se: menos uma vertente interessante que corresponde ao conceito de
- Conflitos de Tráfego: eventos medida operacional de segurança (chamadas de medidas de
em que os usuários da via estão oportunidades de manobras ou conflito, de potencial de acidentes ou
em curso de colisão e uma ação danos decorrente), em que a ocorrência de conflitos é derivadas das
evasiva (em geral frenagem ou medidas de operação do tráfego (que também se discutirá adiante).
desvio) é realizada para evitar o Ambas são medidas da atuação requerida dos usuários da via para
acidente, com risco relevante e manter a segurança na operação do trânsito (uma medida direta de
tempo de reação reduzido; segurança, portanto; este tipo de medida é chamada de Carga de
- Carga de Exigência: nível de Atuação ou workload). No entanto, a dificuldade de aplicação destas
atuação requerido do usuário da técnicas é relevante e depende de estudos científicos ainda em
via (ou de seus recursos) para evolução.
manter-se seguro no trânsito.
(geram Medidas Operacionais de Esta situação leva muitas vezes a buscar conclusões sobre a segurança
Segurança Viária se relacionadas com de trânsito a partir de medidas indiretas de segurança de trânsito, cuja
variáveis de operação do tráfego). relação com a (in)segurança de trânsito é menos válida ou dependente
de muitas variáveis intervenientes. Estas medidas são classificadas
Pode-se também considerar: em dois grupos principais: as medidas relacionadas com (in)segurança
- Medidas Relacionadas com (proxy measures of safety) e as medidas indicadoras de (in)segurança
(In)Segurança: normalmente (surrogate measures of safety). As medidas relacionadas referem-se a
aumentam o risco de acidentes variáveis cuja influência na segurança de trânsito é reconhecida (ou
(ex.: velocidade e transgressão). amplamente aceita, como é o caso da velocidade do tráfego veicular
- Medidas Indicadoras de ou a frequência de transgressões de trânsito). Muitas vezes há um
(In)Segurança: proporcionais a aparente consenso sobre a influência das variáreis utilizadas e um
frequência de acidentes (ex.: desconhecimento relevante sobre variáveis que alteram de forma
eventos com tempo de reação relevante o risco efetivo de acidente em cada local para a variável
reduzido ou distância mínima). observada, mesmo em contextos similares (por exemplo, a
visibilidade existente pode tornar uma dada velocidade excessiva ou
não). Por este motivo, seu uso é precário. As variáveis indicadoras
referem-se a variáveis que se supõe serem proporcionais ao risco de
acidentes, pelo menos para locais similares. Este seria o caso das
medidas de conflito de tráfego ou de oportunidades de conflito quando
consideradas medidas indiretas de (in)segurança (i.e. como preditores
da frequência de acidentes e não como medidas de exigência de
atuação dos usuários da via para manter a segurança na operação de
trânsito) mas pode corresponder a variáveis mais fáceis de observar
(como eventos em que os usuários tem tempo de reação reduzido, tem
de executar manobra brusca ou ficam a uma distância de separação
mínima). Portanto, sua utilização depende também dos estudos
científicos previamente mencionados.
13

2.1.2. Medidas de (In)Segurança de Trânsito.

Em princípio, a discussão a seguir será feita com base nas medidas de


Em geral, as medidas de (in)segurança (in)segurança de trânsito que utilizam a frequência de acidentes (mas
de trânsito (como os acidentes de a discussão será ajustada adiante também para conflitos de tráfego e
trânsito) tem de ser detalhadas em pelo oportunidades de conflito, pelo menos). Definida a forma de
menos duas dimensões relevantes: mensurar a (in)segurança de trânsito (como pela frequência absoluta
- Uma tipologia que distingue as de acidentes de trânsito), pelo menos dois aspectos mostram-se
diferentes configurações em que relevantes: os acidentes de trânsito são uma medida complexa (que
os eventos podem ocorrer ... normalmente tem de distinguir classes de eventos mais similares
- Uma escala de severidade que dentro de um amplo leque de configurações possíveis) com nível de
distingue os níveis de gravidade severidade variável (normalmente associado à gravidade dos
atingidos pelos eventos ... ferimentos produzidos nas pessoas envolvidas no acidente mas
(Terminologia e critérios podem variar também relacionado com a magnitude dos danos materiais
entre diferentes órgãos e países). decorrentes). Mesmo para acidentes de trânsito, não há uma
terminologia uniforme e detalhada (pelo menos internacionalmente).

No Brasil, a padronização da terminologia para acidentes de trânsito


proposta pela norma NBR10697/1989 e 2018 da ABNT-Associação
Brasileira de Normas Técnicas é adotada de forma bastante ampla
(pelo menos no que se refere aos acidentes com veículos motorizados),
tendo sido também incorporada na norma NBR12898/1993 relativa aos
Relatórios de Acidentes de Trânsito (RATs), proposta para unificar os
registros policiais referentes a acidentes de trânsito. Infelizmente, as
A tipologia usualmente adotada, no definições da ABNT a respeito não constituem um conjunto de
caso dos acidentes, distingue: conceitos claramente formulados e torna-se necessário adaptar seu
- Colisões: acidente entre conteúdo para poder obter uma informação adequada.
veículos em circulação
(classificados em função das De forma geral, os acidentes de trânsito devem ser inicialmente
manobras realizadas pelos classificados como eventos simples (quando envolvem apenas um
veículos em colisões frontais, evento que produz dano humano ou material) ou múltiplos
traseiras, laterais ou angulares); (compostos/complexos, quando envolvem uma série de eventos que
- Choques: acidente entre um se desenrolam em sequência e acarretam diversos eventos similares
veículo e um obstáculo na via ou díspares que produzem algum dano humano ou material). No caso
ou adjacente à via (classificados dos acidentes múltiplos, sua classificação pode ser assemelhada ao
pelo tipo de objeto envolvido); dos acidentes simples adotando um de dois critérios usuais:
- Atropelamentos: acidente entre classificar pelo primeiro evento que causa dano ou pelo evento que
um veículo e um usuário em causa dano mais grave. A terminologia da NBR 10697/1989, 2018
circulação (em geral pedestre ignora esta distinção inicial mas a NBR12898/1993 recomenda
mas eventualmente animal; registrar acidentes que envolvem eventos em sequência (o que
normalmente não inclui outros corresponderia a classificar os acidentes múltiplos em função do
veículos não motorizados e não primeiro evento que causa dano e detalhar adiante a série de eventos
classifica detalhes dos eventos); adicionais ocorrida). No entanto, uma categoria de acidente múltiplo
- Singulares: acidente que é distinguida: os engavetamentos (não especialmente distinto dos
envolvem apenas o veículo demais tipos de acidentes múltiplos).
(capotamento, tombamento, ...).
(São acidentes simples. Acidentes com Em princípio, os acidentes de trânsito simples podem ser
eventos em sequência são múltiplos). genericamente classificados em função dos tipos de usuário
envolvidos e das manobras e tipos de veículos envolvidos. Em geral,
A terminologia brasileira não é não é necessário adotar uma classificação prévia detalhada porque há
compatível com a internacional (por muitos recortes diferentes que podem ser decorrentes de diferentes
exemplo, não se distingue o significado interesses na análise dos dados de acidentes e qualquer classificação
de colisão e choque como acima e não específica pode ser feita posteriormente se os dados necessários
se adota o termo atropelamento). puderem ser obtidos dos dados anotados pelo registro de acidentes
(por exemplo, distinguindo acidentes diurnos/noturnos, em
Os acidentes veiculares podem ser pavimento seco/molhado, etc...). A definição de uma classificação
adicionalmente classificados pelo tipo padrão pode, entretanto, justificar-se para permitir a produção de
de veículo envolvido (motocicletas, dados sucintos sobre as ocorrências de acidentes de trânsito em cada
ciclomotores, caminhões, ônibus, ...). jurisdição, devendo então separar as categorias mais frequentes e
distintas. Neste caso, seria usual separar acidentes entre veículos
Os acidentes com usuários não
motorizados podem ser classificados
pelo tipo de usuário (pedestre, ciclista,
skatista, animal doméstico ou silvestre,
carro de tração humana ou animal, ...) e
movimento (na pista ou fora da pista).
14

motorizados, de veículos motorizados com obstáculos fixos ou


imobilizados, de veículos motorizados sem outro elemento, de veículos
motorizados com veículos não motorizados, de veículos motorizados
ou não com pedestres, de veículos motorizados ou não com animais,
além de outros acidentes (como quedas de carga, quedas de pessoas,
desprendimentos de rodas ou outras partes dos veículos). No caso de
pedestres e veículos não motorizados que podem circular em espaços
próprios ou compartilhados (as calçadas para os pedestres, os
acostamentos para ciclistas e para pedestres onde não há calçada), ao
longo da via ou na travessia das vias, ainda caberia distinguir o local
do acidente. No caso de veículos motorizados e não motorizados nas
pistas de tráfego, caberia também classificar os acidentes pela
ocorrência ao longo da via, em interseções, ou em travessias.

A NBR10697/1989 e 2018 classifica inicialmente os acidentes


veiculares em colisões entre veículos, choques com obstáculos fixos e
atropelamento de pedestres ou animais. Esta terminologia específica
que distingue colisões de choques é peculiar e não tem
correspondência com a terminologia internacional (onde os termos são
sinônimos) e a referência a obstáculos fixos pode ser generalizado para
incluir objetos imobilizados (como veículos estacionados). A
consideração dos veículos em geral ao invés da distinção de veículos
motorizados e não motorizados (assim como a não distinção dos
veículos de 2 rodas ou dos veículos pesados) é um aspecto criticável
mas usual na prática internacional. A referência aos acidentes com
pedestres ou animais por atropelamento é também peculiar, sem
repercussão relevante, exceto pela adoção de um termo que sugere
uma forma de acidente particular (em que o veículo passa sobre o
pedestre ou animal, felizmente uma exceção pelo menos para pedestres
adultos que mais frequentemente são lançados lateralmente ou
frontalmente ou eventualmente sobre o veículo). Note também que no
que se refere aos atropelamentos, a classificação é contra-intuitiva por
agregar uma categoria inesperada (os atropelamentos de animais) e não
agregar uma categoria esperada (os atropelamentos de usuários de
veículos não motorizados, muitos mais semelhantes aos pedestres que
aos veículos motorizados, como as bicicletas e os carros de tração
humana, e também seria o caso dos carros de tração animal).2

2
Há, na NBR10697/1989,2018, duas inovações interessantes que não lograram
maior disseminação: é introduzido um conceito para referir-se aos meios auxiliares
de transporte do pedestre (Veículo Pedestre, um termo esdrúxulo certamente,
enumerando cadeiras de rodas, carrinhos de bebês, patins e patinetes) e criada uma
categoria para acidentes de pedestres que não envolvem veículos ou ação criminosa
(denominado de Acidente Pessoal de Trânsito, talvez melhor chamado ao menos de
Acidente Pessoal de Pedestre). O conceito de meio auxiliar de transporte pode ser
definido referindo-se ao uso de acessórios utilizados para apoio ao deslocamento mas
que não alteram substancialmente seu desempenho e características básicas (como
dimensões e segurança), o que está no cerne de discussões recentes sobre a
equiparação entre uma infinidade de formas alternativas que tomam o espaço viário
(particularmente o skate e os patinetes ou as bicicletas elétricas). No conceito
enunciado como exemplo, cadeiras de rodas e carrinhos de bebê seriam normalmente
equiparados aos pedestres mas patins e patinetes provavelmente não (são mais
similares a ciclos), enquanto bicicletas elétricas poderiam ser equiparados a bicicletas
ou ciclomotores em função do desempenho atingido. A inclusão explícita de novas
categorias que não envolvem o impacto com os veículos como os acidentes pessoais
de trânsito ao invés de mantê-los na categoria residual Outros (que pode incluir
quedas de pedestres e de ocupantes dos veículos, ao entrar ou sair do veículo, ao
invés das quedas de pessoas ou de carga dos veículos em movimento, assim como
acidentes com animais sem concurso de veículos) pode apoiar a preocupação em
ampliar a atenção ao atendimento dos pedestres e outros usos, sem privilegiar os
veículos motorizados mas cabe relembrar a falta mais grave de categorias explícitas
para atropelamentos ou outros acidentes com veículos que invadem calçadas em
particular mas também outras áreas e imóveis adjacentes à via. Salta aos olhos que
parece justificar-se o uso conceitos mais gerais ou complementares.
15

As colisões veiculares são classificadas pela orientação das manobras


Segundo a prática usual no Brasil, as iniciais dos veículos envolvidos nos acidentes em colisões frontais
colisões veiculares são classificadas (veículos trafegando em sentidos opostos), laterais (veículos
pela orientação das manobras iniciais trafegando lado a lado), traseiras (veículos trafegando no mesmo
dos veículos envolvidos em: sentido na via) e angulares ou transversais (veículos trafegando em
- frontais (veículos trafegando em direções distintas, normalmente por vias distintas). Os acidentes
sentidos opostos), singulares (que envolvem não envolvem outro usuário ou elemento da
- laterais (veículos trafegando via) são classificados pela posição final do veículo em capotamento
lado a lado), (quando o veículo gira e toca o capô do veículo no solo), tombamento
- traseiras (veículos trafegando no (quando o veículo gira e toca apenas a lateral no solo) ou queda
mesmo sentido na via), e (quando o veículo sofre queda livre mas permanece na posição
- angulares ou transversais normal, mas estranhamente que inclui também quedas de carga e de
(veículos trafegando em pessoas). Não há detalhamento dos choques e dos atropelamentos. E,
direções distintas, normalmente como antes observado, é distinguido o engavetamento e incluída uma
por vias distintas). categoria residual (Outros, que normalmente inclui as quedas de carga
E os acidentes singulares em: e pessoas, o choque com a carga ou saídas de pista sem choques ou
- capotamento (quando o veículo algum dos acidentes singulares enumerados).
gira e toca o capô do veículo no
solo), Os dados sobre os veículos naturalmente permitem posteriormente
- tombamento (quando o veículo detalhar o tipo de veículo envolvido mas não deixa de ser relevante
gira e toca apenas a lateral no perguntar se esta característica não é mais importante do que as
solo), ou distinguidas, além de salta aos olhos o tratamento distinto dado às
- queda (quando o veículo sofre colisões veiculares em comparação com os atropelamentos
queda livre mas permanece na (especialmente notando que os pedestres e motociclistas são os
posição normal; pode incluir usuários mais vitimados pelas fatalidades no trânsito em quase todas
quedas de carga e de pessoas) longo da via, no acostamento ou na calçada parece essencial para
(Em geral não há detalhamento de diferenciar os atropelamentos (sem ignorar a diferenciação de
choques e atropelamentos). atropelamento, lançamentos laterais, frontais e sobre o veículo).
Dos acidentes múltiplos, apenas o Assim como a distinção entre acidentes veiculares em interseções e ao
engavetamento é especificamente longo da via são essenciais para diferenciá-los (eventualmente
anotado (mas identificam-se eventos também os acidentes em obras de arte, sem deixar de mencionar a
com sequência após o evento inicial). distinção dos tipos de obstáculos em elementos da via, elementos
estacionados junto à via, obstáculos fixos adjacentes à via e
obstáculos afastados da via).

Tipologias mais detalhadas são adotadas em outros países (como a


Austrália, citado por Ogden, 1996, e ilustrado no quadro abaixo).
16

É sempre possível, no entanto, adicionar detalhes na análise dos dados


se há informação disponível nos registros sobre os acidentes. A
proposta da NBR12898/1993 para o conteúdo do RAT-Relatório de
Acidente de Trânsito peca pela extensão, requisitando diversas
informações físicas que cabem melhor em levantamentos cadastrais
sobre as vias (pelo menos quando não relacionados com o acidente
relatado). Apenas condições temporárias, decorrentes de eventos
climáticos ou especiais, de serviços de obra ou manutenção viária, de
condições de tráfego não usuais mereceriam um registro específico no
RAT. Da mesma forma, muitos dados solicitados exigem uma
avaliação pericial e poderiam ser substituídos pelos testemunhos dos
envolvidos, de terceiros e do próprio policial (o levantamento pericial
ou de acompanhamento do DENATRAN poderiam suplementá-los).

No que se refere à severidade, há uma clara dificuldade de coletar


informações nos registros policiais de acidentes porque sua avaliação
exige um grau de especialização relevante na área médica ou mecânica
(considerando danos humanos e materiais). O aspecto mais importante
é a identificação da gravidade dos ferimentos sofridos pelas vítimas
envolvidas nos acidentes de trânsito e em geral admite-se que somente
médicos ou paramédicos teriam condição de prover uma adequada (há
casos em que falha até a avaliação média ou paramédica). A avaliação
da magnitude do dano material é menos importante, embora ainda seja
complexo avaliar o grau de avaria ao veículo sem a especialização
requerida). Em um e outro aspecto, a avaliação do policial no local
pode utilizar critérios simplificados e razoavelmente objetivos,
deixando-se a avaliação mais precisa e minuciosa para atividades de
acompanhamento dos acidentes, quando realizadas.

Entretanto, nestes aspectos há uma prática internacional consolidada


(que pode ser adaptada em alguma medida, se for considerado
essencial, como pode ser visto nas propostas contidas na NBR10697
ou na NBR12989, discutidos adiante). Há duas escalas de severidade
dos acidentes de trânsito largamente utilizadas: uma escala
simplificada dirigida para o registro policial do acidente (a escala
K/ABC ou F/ABC, também chamada de K/ABCDO ou F/ABCDO) e
uma escada médica abreviada que normalmente exige a aplicação por
um profissional da área médica (a Escala Abreviada Mínima de
Ferimento ou MAIS-Minimum Abreviated Injury Scale, de 6 níveis,
proposta como simplificação da antiga AIS-Abreviated Injury Scale,
de 13 níveis, utilizada na avaliação de traumas na área médica).3

A escala K/ABC ou K/ABCDO classifica a gravidade dos acidentes


em função da gravidade do ferimento na vítima mais grave produzida
pelo acidente. O nível K corresponde à vítima fatal no local. O nível
DO corresponde ao acidente sem vítimas (i.e. com danos apenas
materiais, usualmente identificado pela sigla PDO-Property Damage
Only). Os níveis intermediários de gravidade são diferenciados em
função do grau percebido de risco à vida ou de produção de
incapacidade relevante e permanente e pelo menos da necessidade de
hospitalização ou de incapacitação temporária. O nível A corresponde
à vítima com risco relevante de morte ou incapacitação relevante e
permanente. O nível B corresponde à vítima média que exige pelo
menos hospitalização ou afastamento das atividades normais. O nível
3
As escalas foram originalmente propostas pela Associação pelo Avanço da
Medicina Automotiva dos EUA, a AAAM-Association for the Advancement of
Automotive Medicine, que ainda atualiza continuamente seus critérios de severidade.
Ao longo do tempo, a AAAM passou a denominar a escala abreviada mínima de
AIS-Abreviated Injury Scale e também propôs uma escala de ferimentos múltiplos
chamada ISS-Injury Severity Scale (a AAAM provê treinamento a profissionais da
área médica em relação à aplicação dos critérios recomendados).
17

C corresponde à vítima leve com ferimento superficial ou eventual e


que não exige hospitalização ou afastamento das atividades normais.
O critério comporta um certo grau de subjetividade, seja por parte do
avaliador policial ou da vítima que aceita ou não a hospitalização ou
afastamento mencionados (o que pode depender da proximidade dos
centros de atendimentos ou da natureza da atividade da vítima mais do
que da gravidade do ferimento propriamente dita) mas é considerada
viável para registro policial. Muitos órgãos decidem pela
simplificação dos níveis de gravidade intermediária, agregando os
níveis médio e leve (é o caso da NBR10697/1989 e 2018). Outros
órgãos preferem suplementar a orientação para classificação de
gravidade para atingir critérios mais objetivos (é, por sua vez, o caso
da NBR12989/1993). Não faltam também critérios peculiares.4

A escala MAIS é adotada principalmente nos EUA e existe uma ampla


Uma escala simplificada (KABC) de gama de informações técnicas e científicas relacionadas com a
severidade, para acidentes, distingue: gravidade dos acidentes expressa nessa escala de severidade. Salvo
- Acidente com vítima fatal (K); por este aspecto, existe pouca justificativa para utilizar uma escala
- Acidente com vítima grave (A, mais detalhada que exigirá o acompanhamento e avaliação das vítimas
produz risco de vida/sequela); de acidentes após o registro da ocorrência policial com o concurso de
- Acidente com vítima média (B, pessoal especializado na área médica. Na verdade, mesmo adotando
ainda exige hospitalização); escalas simplificadas, existe a necessidade de acompanhamento das
- Acidente com vítima leve (C, vítimas dos acidentes de trânsito porque os danos humanos
não exige hospitalização) decorrentes podem agravar-se de forma abrupta ao longo do tempo.
- Acidente sem vítima (DO, Em geral, admite-se que é necessário acompanhar as vítimas por
PDO-Property Damage Only). períodos entre 30dias e 1ano para ter uma avaliação correta da
Escalas detalhadas usualmente exigem gravidade dos ferimentos produzidos e das sequelas que venham
a aplicação por profissionais médicos acometer as vítimas. O aspecto mais relevante deste
ou paramédicos. Entre estas a mais acompanhamento corresponde a complementar os dados sobre
utilizada é a Escala Mínima Abreviada fatalidades decorrentes dos acidentes de trânsito das informações
de Ferimento (MAIS-Minimum colhidas no local e no momento do acidente de trânsito para critérios
Abreviated Injury Scale) que distingue: mais controlados e uniformes. O acompanhamento em geral permite
- 1 (MAIS 1): leve (eventual); estabelecer curvas de sobrevivência das vítimas dos acidentes de
- 2 (MAIS 2): médio (tratamento trânsito em função do nível de gravidade avaliado no local e no
simples, até fratura simples); momento dos acidentes de trânsito e obter a informação exigida (por
- 3 (MAIS 3): sério (tratamento exemplo, a NBR10697/1989 e 2018 requerem a consideração das
maior, sem risco à vida K<1%); fatalidades no período de até 30dias da ocorrência dos acidentes mas,
- 4 (MAIS 4): severo (complexo, em muitos países, o período é maior). O acompanhamento, no
até esmagamento ossos,K<8%); entanto, não exige neste caso uma especialidade médica e pode ser
- 5 (MAIS 5): crítico (intensivo, regularmente feito pelos órgãos de trânsito.
incapacitantes,K~50a60%);
- 6 (MAIS 6): irrecuperável A questão relevante é exatamente o fato de reconhecer que a
(sobrevivência difícil,K~100%); classificação usual é inadequada para mensurar a gravidade efetiva
(Severidade avaliada no local/hospital; dos ferimentos sofridos e das sequelas decorrentes. As escalas
Gravidade efetiva após 30a360dias!). médicas de gravidade buscam resolver este problema mas dificilmente
podem obter resultado adequado sem pessoal especializado. Por
exemplo, a NBR12989/1993 relaciona a vítima grave (não fatal, nem
leve ou ilesa) com a ocorrência de “ferimentos cranianos, as fraturas
em geral, os cortes profundos, grande extensão de ferimentos aparentes
(com vidros, fogo, abrasivos, etc.) e quaisquer outras lesões que exijam
tratamento médico mais prolongado”. Este critério substituiu uma
escala médica de 12níveis de gravidade das lesões sofridas por vítimas
de acidentes de trânsito anteriormente estabelecida pela
NBR6061/1980. Entretanto, é claramente impossível para um policial
4
Na cidade de São Paulo, a CET/Sp-Companhia de Engenharia de Tráfego da
Prefeitura do Município de São Paulo, adota um critério emanado da área de
engenharia de campo que tradicionalmente classificava os eventos decorrentes de
acidente na via em 01 para acidentes com fatalidade (K), 02 para acidentes veiculares
com vítima (ABC), 03 para os acidentes veiculares sem vítima (DO) e 04 para os
acidentes envolvendo pedestres!! A área de segurança de trânsito tentou aplicar uma
escala similar à K/ABCDO mas posteriormente abandonou o nível intermediário (B)!
18

ou outro profissional não especializado na área médica aplicar o


critério enunciado. Portanto, não parece razoável esperar a aplicação
de tais critérios na gestão do trânsito sem concurso de pessoal
especializado (em estudos ou atividades específicas). Para o objetivo
da discussão feita aqui, basta relacionar os níveis de gravidade da
MAIS com as escalas usuais de severidade (Evans, 2004). As vítimas
leves (MAIS 1) correspondem aos ferimentos superficiais ou
eventuais. As vítimas médias (MAIS 2) são as que exigem tratamentos
simples, até o nível correspondente a fraturas simples (o risco à vida é
menor que 0,1%). As vítimas sérias (MAIS 3) referem-se às que
exigem tratamentos maiores mas que não apresentam risco relevante à
vida (o risco à vida é cerca de 0,8%). As vítimas severas (MAIS 4)
exigem tratamento complexo, com danos relevantes até o nível do
esmagamento de ossos mas com baixa probabilidade de fatalidade (o
risco de vida é cerca de 7,9%). As vítimas críticas (MAIS 5) exigem
tratamento intensivo, com alto risco de sequelas decorrentes de
incapacitação permanente e alto probabilidade de fatalidade (o risco à
vida é cerca de 58,4%). As vítimas irrecuperáveis (MAIS 6)
correspondem basicamente às fatalidades no local (a chance de
sobrevivência é quase nula). Em geral admite-se que MAIS 4, 5 (e 6)
correspondem às vítimas graves.

Naturalmente, considerações correspondentes aplicam-se aos danos


materiais mas estes aspectos são considerados de forma menos
detalhada. Esta prática não é claramente justificada, particularmente
nos países mais pobres. Em geral, embora possa ser questionado do
ponto de vista ético, é usual reconhecer-se que o valor relativo dos
danos humanos e materiais é distinto nos países mais ricos ou mais
pobres. Não que valha menos a vida de cada um mas porque
claramente o acesso aos bens materiais é mais custoso. O julgamento
naturalmente admite uma primazia dos valores de mercado e não se
pode afastar o questionamento ético na comparação entre danos
humanos e materiais. Mas tem que se reconhecer que a comparação
dos danos materiais entre si revela discrepâncias muito grandes. A
prática geral seria simplesmente classificar os acidentes sem vítimas
em acidentes de pequena monta e de grande monta (pela avaliação dos
prejuízos decorrentes dos danos aos veículos). Nos países menos
desenvolvidos, no entanto, o valor de mercado dos veículos
(especialmente os veículos comerciais acrescidos de suas cargas) é
normalmente muitas vezes maior que a renda da população em geral
(decorrente dos níveis usuais de desigualdade de renda nesses países).

Embora os questionamentos éticos sirvam para evitar tal discussão e


manter a simplicidade na avaliação deste aspecto, deve-se observar que
a mesma distorção estará presente adiante, quando se buscará avaliar
os custos decorrentes dos acidentes de trânsito com a mesma lógica.

Antes de concluir esta discussão, dois comentários adicionais sobre a


questão da severidade merecem ser feitos.

O primeiro comentário diz respeito à necessidade e ao significado da


classificação da severidade para as outras medidas de (in)segurança de
trânsito anteriormente mencionadas (como os conflitos de tráfego). É
natural que não cabe neste caso a discussão direta com relação aos
danos humanos e materiais, dado que estes danos são resultados dos
acidentes de trânsito e não ocorrem quando se observam as medidas
alternativas de (in)segurança de trânsito. Neste caso, a medida de
severidade é em geral relacionada com o risco efetivo de acidente de
trânsito com cada nível de gravidade potencial conjecturável. Esta
medida é atribuída em função das circunstâncias observadas no tráfego
e sua estimativa está na gênese das medidas operacionais de segurança
19

de tráfego (as oportunidades de conflito e o potencial de acidente e


dano, pelo menos). A questão é traduzida em determinar de forma
empírica ou teórica quais são as condições que tornam o risco de
acidente derivado de uma oportunidade de conflito mais real e quais
são as condições que tornam o dano (humano ou material)
correspondente ao acidente potencial mais grave. Neste contexto,
distingue-se conflitos reais de conflitos virtuais e conflitos de maior
periculosidade de conflitos de menor periculosidade.

O segundo comentário diz respeito à falta de conteúdo elucidativo nas


medidas de gravidade utilizadas para acidentes de trânsito. Na
verdade, as medidas são meramente descritivas e não esclarecem ou
contribuem para esclarecer porque os acidentes de trânsito resultam
mais ou menos graves. Assim como as tipologias dos acidentes de
trânsito foram criticadas pela falta de associação com certos fatores
que condicionam sua probabilidade de ocorrência, as categorias de
gravidade dos acidentes não evidenciam os fatores que explicam a
produção de um dano (humano ou material) maior ou menor. Estes
fatores serão discutidos adiante, mas importa aqui sublinhar que num
certo contexto específico e diante da mesma condição de tráfego pode
mudar a gravidade dos acidentes observados se alterarem-se variáveis
importantes que causam a produção de um certo nível de dano. À
primeira vista, a gravidade dos acidentes é relacionada à velocidade do
tráfego ou pelo menos à velocidade relativa de impacto dos veículos
que se envolvem nos acidentes (decorrente da ineficácia ou eficácia
parcial das ações evasivas dos usuários da via). As condições de
impacto também decorrem, numa segunda avaliação, dos esforços
envolvidos nas bruscas variações de velocidade acarretadas pelos
choques ou colisões com os veículos (tão mais bruscas quanto menos
flexíveis forem os elementos estruturais envolvidos) e pela sua
transmissão aos componentes veiculares e usuários envolvidos nos
acidentes (envolvidos no impacto original com os veículos ou nos
impactos subsequentes motivados pelas bruscas reduções de
velocidade). Qualquer explicação integral tem de incorporar estes
aspectos adicionais para entender efetivamente a gravidade resultante.

Portanto, além da descrição, a tarefa a seguir é a de relacionar os


aspectos que condicionam ou determinam a segurança de trânsito.5

5
Parte das pesquisas feitas na EPUSP tiveram predominantemente esta orientação e
basearam-se no desenvolvimento das medidas operacionais de segurança viária. As
oportunidades de conflito (COs) medem a frequência prevista de eventos em que
existem precondições para um acidente (e.g. manobras em curso de colisão e tempo
de reação reduzido) e relacionam-se com modelos de previsão da ocorrência de
conflitos de tráfego (ignorariam, portanto, a influência de fatores aberrantes). As
medidas de potencial de acidentes (ACk por severidade k) adicional a probabilidade
de falha das manobras evasivas para o risco de acidentes e a previsão da severidade
com base na estimativa da velocidade de impacto pelo menos (ainda ignorariam as
propriedades de rigidez dos elementos envolvidos no impacto). O exemplo mais
desenvolvido neste esforço é correspondente aos métodos de análise de dispositivos
de proteção lateral que transformam um índice de severidade potencial
IS  M.VS .senS ou IS  M.VI .senI que pondera a massa do veículo, sua
velocidade e ângulo de saída de pista ou de impacto em um índice de severidade do
impacto SI (tabelado no caso) em função das características dos elementos
envolvidos no impacto (particularmente de dimensão e rigidez).
20

MEDIDAS OPERACIONAIS DE SEGURANÇA: AS TRAVESSIAS DE PEDESTRES


O desenvolvimento de medidas operacionais de segurança viária pode ser considerada uma necessidade
importante para incorporar adequadamente os aspectos relacionados com o projeto da via e seu controle e com a
operação do tráfego da análise tradicional na Engenharia de Tráfego. Não é um conceito totalmente maduro e
muito menos amplamente aceito e aplicado na prática profissional (que, como se verá adiante, passou a adotar
modelos estatísticos discutíveis, pelo menos após a recomendação do Manual de Segurança Viária dos EUA, o
U.S.Highway Safety Manual, cuja primeira edição foi publicada em 2011 e suplementada no adendo de 2014). A
crítica aos métodos recomendados é a falta de relação clara com a dinâmica do tráfego e dos acidentes de tráfego.

A título de exemplo, pode-se examinar o conjunto de medidas operacionais de segurança viária para travessias de
pedestres formulado e investigado na pesquisa recente desenvolvida na EPUSP. Inicialmente, as medidas
operacionais de segurança são relacionadas com dois conceitos que podem ser relacionados com as variáveis de
projeto viário e operação do tráfego e descrevem a ocorrência de certas pré-condições para a ocorrência de
acidentes com pedestres nas travessias da via:
- Oportunidade de Manobra: existência de certas pré-condições para realização da travessia com um nível de
segurança requerido (ou aceito numa visão descritiva) como brechas adequadas (incluindo uma margem de
segurança) ou estágios semafóricos (sem fluxo conflitante ou risco de violação à preferência do pedestre);
- Oportunidade de Conflito: existência de certas pré-condições para ocorrência de um conflito durante a travessia,
com nível de risco relevante (ou perceptível numa visão descritiva) como a chegada de veículos conflitantes.

Em princípio, a investigação realizada evidenciou que as medidas de Oportunidade de Conflito são mais
claramente relacionadas com a segurança nas travessias de pedestres, tanto na comparação com a avaliação
subjetiva de especialistas quanto com o histórico observado de acidentes. Diversas modelos para estimativa de
Oportunidades de Manobra ou Oportunidades de Conflito foram formulados e validados, destacando-se:
- MO I  q o .e qo .t cI , onde t cI  LcI Vped  seg é o tempo de travessia integral com margem de segurança seg ;

 
- CO I  q ped . 1  e qo .t cI , com o fluxo de travessias e a chegada de veículos conflitantes na travessia integral;
  qo . t LI sup  t LI inf   
- CO R  q ped .  e  , com margem inf a sup do tempo t LI  LcI Vped na chegadas de veículos;
 
(diversos outros aspectos foram examinados, como a existência de restrição de visibilidade do pedestre ou de
chegadas em fluxo livre ou sem filas). Por exemplo, se um fluxo de 400pedestres/hora tem de atravessar um
fluxo de 900veículos/hora com um tempo de travessia integral de 8seg, a frequência de oportunidades de
travessia será de MO I  900.e  400 3600.83  57,5 / hora (algo como 1 por minuto; a probabilidade poissoniana de
atravessar sem chegada conflitante é da ordem de Pso  e 400 3600.83  6, 4% ). Nas mesmas condições, a previsão
 
para a frequência de oportunidades de conflito seria de CO I  400. 1  e  400 3600.8  346 / hora na medida de

 
travessias aleatórias e de CO R  400. e  400 3600.118  211/ hora para brechas de risco (entre 8seg e 11seg). ...

Embora a investigação realizada também tenha sido capaz de concluir que as medidas com travessia integral e
brechas de risco foram mais adequadas, o estágio atual de desenvolvimento carece de incorporar um elemento
fundamental ainda omitido: a relação entre a probabilidade de ocorrência das pré-condições consideradas e a
probabilidade de eventos que podem produzí-las (erros humanos, comportamentos inapropriados ou aberrantes,
decisões de risco mais ou menos presente, falhas mecânicas, etc...). Por exemplo, a medida COI pode ser
relacionada com um erro de percepção da situação de conflito ou com a presença na pista de usuários incapazes
de identificá-los (como crianças ou embriagados) enquanto a medida COR pode ser relacionada com um erro de
avaliação das brechas seguras ou com a decisão de realizar uma manobra forçada (pelo perfil agressivo do
condutor, alguma vantagem física ou impaciência pela espera). A investigação incorporou, entretanto, um outro
conjunto de aspectos complementares entre os anteriormente mencionados: os que podem explicar a falha das
ações evasivas dos usuários da via (e materializar as oportunidades de conflito em potencial de acidentes) e os
que podem explicar a gravidade dos acidentes e ferimentos produzidos (em especial humanos mas também
materiais), destacando-se as medidas de potencial de acidentes decorrentes de visibilidade restrita e velocidade
excessiva e as medidas de potencial de acidentes com fatalidade ou ferimentos graves, em função da velocidade
de impacto no acidente com o pedestre na travessia (naturalmente, muitas outras variáveis relevantes podem ser
incorporadas de forma similar (a discussão adiante sobre reconstrução de acidentes será elucidativa a respeito).
21

2.2. CAMPOS E FORMAS DE AÇÃO EM


SEGURANÇA DE TRÂNSITO
O entendimento das interações fundamentais no tráfego começa pelo
estudo de cada um dos componentes básicos mas não pode ser
reduzido ao entendimento isolado de cada um dos elementos. Um
exemplo direto e simples desta afirmação pode ser encontrado na
discussão dos fatores que determinam a distância de visibilidade de
parada necessária para a segurança em um dado trecho de via e pela
forma como os fatores podem interagir na produção de um acidente de
trânsito em uma interseção ou travessia que termine por ser fatal.

Uma primeira parcela desta necessidade de visibilidade decorre do


tempo de decorrido entre a chegada do usuário ao trecho e a percepção
plena do perigo considerado (o que envolve a detecção dos demais
usuários ou elementos envolvidos e também uma tarefa de intelecção
capaz de avaliar a existência de uma situação de perigo e a
conveniência de iniciar uma manobra de frenagem). A distância
correspondente ao tempo de percepção decorre da velocidade praticada
na via antes da percepção do perigo, uma variável dependente de
diversas características físicas da via, no trecho considerado e nos
adjacentes, além do veículo e do condutor. Fatores de distração
existentes no entorno da via podem concorrer na chamada de atenção
do usuário e aumentar o tempo de percepção do perigo, o que também
pode decorrer do próprio estado de físico ou mental do usuário.

Uma segunda parcela desta necessidade de visibilidade corresponde ao


tempo necessário para a efetiva manobra de parar (ou pelo menos
reduzir a velocidade do veículo). O acionamento dos freios começa
logo após a decisão de parada ser tomada, envolvendo uma ação
muscular de pressionamento dos pedais de freio (ou algum sistema
equivalente) e a atuação do sistema de frenagem veicular na
transmissão de forças de frenagem às rodas do veículo. A
desaceleração das rodas é a responsável por mobilizar as forças de
atrito entre os pneus e o pavimento que serão as responsáveis últimas
por deter o veículo. A eficiência possível na frenagem decorre da
força de frenagem transmitida às rodas, que multiplica
convenientemente a força da ação humana inicial em função das
características do sistema de frenagem veicular, e das condições de
aderência entre pneu (dado tipo de composto, o desenho da sua
superfície e o seu estado de uso) e pavimento (dado o tipo de
superfície, sua macro-rugosidade e micro-rugosidade, o estado seco ou
a altura da lâmina de água existente). Mesmo desprezando a influência
de fatores menores, como a irregularidade do pavimento e o efeito da
suspensão veicular ou a instabilidade decorrente de freios não
ajustados, pode-se atingir uma maior ou menor desaceleração
(considerando a massa veicular e a declividade da via), eventualmente
determinada pelo limite de aderência do pavimento (com bloqueio das
rodas ou o acionamento dos sistemas anti-bloqueio).

Tem-se então que a simples distância de frenagem do veículo


(eventualmente parcial; eventualmente combinada com outra manobra
de desvio) é obtida como resultante de diversos fatores, imediatos ou
remotos, técnicos ou sociais. Parece claro que a distância de
visibilidade necessária resulta fundamentalmente de uma interação
entre características de desempenho dos diferentes elementos básicos e
de diversos fatores externos relevantes. Tanto o conhecimento sobre
os elementos básicos como sobre a influência da interação entre eles e
a interação com fatores externos tem de ser considerados para analisar
o grau de exigência das situações de tráfego usuais ou limites e obter
22

um projeto adequado. Mas, dada sua observação no projeto adotado,


como pode-se entender que um acidente fatal venha a ocorrer na via?

Inicialmente, num contexto em que os veículos movem-se no trânsito


autonomamente guiados pelos condutores e em que os usuários locais
(na maioria pedestres) tem ampla liberdade de permanência e
deslocamento na área adjacente à via, é fácil entender que a atuação
dos usuários da via é um fator preponderante para explicar a operação
do tráfego (similarmente, num contexto em que os veículos fossem
autonomamente guiados, deve-se esperar maior peso dos fatores
veiculares). Mas no caso dos acidentes de trânsito (um evento
indesejado que não contribui para o desígnio do trânsito e traz danos
humanos e materiais de razoável magnitude aos usuários da via e aos
ocupantes do seu entorno), é igualmente esperado que a ação
voluntária dos indivíduos busque evitar sua ocorrência, como risco e
ainda mais como fato (como é igualmente esperado de veículos
autoguiados ou teleguiados). Os acidentes e danos ocorrem então por
falhas de funcionamento de um elemento ou da interação no tráfego.

Dois aspectos naturalmente presentes no tráfego são a existência de


situações de conflito e de comportamentos de risco. A operação
normal do tráfego não exclui a ocorrência de eventos em que as
necessidades dos usuários da via são conflitantes e disso resulta um
risco de acidente de trânsito (i.e. impacto de que resultam danos
humanos ou materiais). Por exemplo, a necessidade de deter o veículo
pode resultar de uma manobra (regular ou irregular) do cruzamento em
uma interseção pelos veículos da via transversal ou pelo movimento de
travessia da via pelos pedestres (ou do acionamento dos dispositivos de
controle de tráfego que estabelecem o momento dessas manobras). A
O comportamento humano no trânsito é
viabilidade da parada normal do veículo a tempo de evitar um
uma tarefa com ritmo auto-regulado
acidente ou a intimidação dos pedestres depende de uma decisão de
pelo usuário da via e retro-alimentação
escolha de velocidade praticada na via pelo condutor que pondera o
no ajuste das ações, que envolve
risco à segurança e outros aspectos da viagem (como a exigência de
intrinsecamente decisões de risco.
atuação no controle do veículo ou a repercussão do tempo de viagem
na agenda de atividades do condutor ao longo do dia). O
É ingênuo/simplista associar acidentes
comportamento humano no trânsito é uma tarefa com ritmo auto-
de trânsito apenas a erros humanos ou
regulado pelo usuário da via e retro-alimentação no ajuste das ações
comportamentos inapropriados.
(closed-loop self-paced task) que envolve intrinsicamente decisões de
risco (i.e. que pondera o eventual aumento na probabilidade de
Mesmo reconhecendo a importância do
acidente ou dano diante de outras variáveis relevantes na operação,
comportamento humano, as condições
como conforto, qualidade, custo). A visão (usual) dos acidentes de
objetivas condicionam fortemente as
trânsito como eventos decorrentes de erros humanos ou
decisões e ações tomadas.
comportamentos inapropriados apenas parece ingênua e simplista
(mesmo se não se afastar a contribuição desses elementos e a
A previsão mais importante é relativa
responsabilidade do usuário da via).
ao entendimento e comportamento
efetivo dos usuários da via (em
Diante do potencial conflito envolvido no cruzamento de uma
particular na condução dos seus
interseção ou na travessia dos pedestres, em princípio nenhum dos
veículos) em relação aos aspectos que
usuários tem a pretensão de envolver-se num acidente de trânsito. O
afetam a operação e segurança, em cada
usuário da via com preferência no seu uso em um dado momento ou
configuração de projeto e controle.
condição pode agir na presunção de que pode seguir
despreocupadamente ou sem cautela excessiva, ao menos, no seu
trajeto até que perceba uma situação considerada discrepante. O
usuário da via que considera sua situação vantajosa em uma acepção
qualquer (por ter um veículo mais protegido ou enfrentar um usuário
mais débil) pode agir na presunção de força e intimidação e manter seu
trajeto diante do risco de conflito até decidir evitar uma repercussão
negativa inesperada ou inconveniente. O usuário da via sem
preferência no seu uso em um dado momento ou condição pode
aguardar uma situação favorável ou agir de forma intempestiva ou
inoportuna por impaciência, afronta ou equívoco que produz uma
23

situação de risco de acidente. O usuário da via que considera sua


situação desvantajosa em uma acepção qualquer (na condição inversa
dos usuários em vantagem ou na suposição de que os outros usuários
agem sem consciência plena da repercussão dos seus atos) pode buscar
uma ação segura mas falhar em avaliar o momento correto ou a
condição adequada, a forma correta ou o ritmo adequado, de maneira a
concluir sua manobra com segurança. Diante da situação normal e do
comportamento seguro, pode ocorrer um evento externo incontrolado
(a quebra de um componente mecânico, a perda de controle do veículo
realiza o percurso ou aguarda para a manobra em espera, a percepção
repentina de um elemento viário ou de outra natureza, real ou não, com
potencial de ofensa ao usuário, entre outros fatores) que exige ação não
usual e coloca a situação num contexto emergencial ou imprevisto.

A condição de ocorrência ou não de um acidente em qualquer das


situações ilustradas acima depende de decisões prévias tomadas pelos
usuários da via, em termos imediatos ou mediatos, próprios ou de
externos (i.e. não envolvidos na situação específica). A escolha de
velocidade dos condutores de veículo ou a aceitação da margem de
segurança diante do conflito com os outros usuários são exemplos de
aspectos diretos e imediatos. A decisão de aquisição de veículos com
dispositivos de proteção ou auxílio à condução potencialmente eficazes
em evitar acidentes ou seus danos ou de manutenção de condições
adequadas de circulação dos veículos e de funcionamento dos seus
dispositivos (o que também se aplica às condições dos próprios
usuários da via, desde suas condições de sanidade e médicas, sua
formação e compreensão do trânsito, seu estado físico e mental, e a
influência do álcool ou outras drogas). Nas condições dadas, as ações
tomadas podem ou não gerar risco de acidente e dano ou podem ou
não comprometer a eficácia de ações evasivas diante de um risco
manifesto. Por fim, no caso de acidente de trânsito (i.e. do impacto), a
gravidade dos danos humanos e materiais ainda dependerão das
condições de impacto (redirecionamento ou absorção do impacto,
deformação ou rompimento dos componentes mecânicos ou partes
humanas) e da forma de atendimento às vítimas e seus ferimentos (no
socorro ao acidente e no tratamento médico-hospitalar posterior). Nas
condições existentes, os acidentes podem ou não acarretar danos
humanos ou materiais de maior gravidade.

Essa descrição intencionalmente extensa busca exemplificar diversos


fatores que podem contribuir para a ocorrência dos acidentes e para
sua produção de danos humanos e materiais e diferentes campo de
ação que podem ser objeto de intervenção para redução dos problemas
relacionados, aspectos que serão discutidos a seguir. ...

2.2.1. Homem-Via-Veículo

É convencionar admitir que o trânsito deve ser estudado como um


sistema complexo (i.e. um conjunto de elementos distintos que podem
se interligar ou interagir, modificando seu comportamento e resultado).
No caso do que pode ser chamado então de “Sistema Trânsito”,
classicamente tem-se pelo menos três elementos básicos: o seu usuário
(genericamente, o homem), a via (a espaço utilizado, usualmente
especializado para a função) e o veículo (o meio de transporte,
motorizado ou não, se utilizado). Essas três variáveis são as
responsáveis pelos atributos quantitativos e qualitativos dos
deslocamentos (ou viagens), de pessoas ou cargas, realizados em uma
determinada região. O primeiro tripé clássico corresponde, portanto,
aos elementos internos do “Sistema Trânsito”: Homem-Via-Veículo.
A existência ou proposição de meios ou dispositivos diversos de
24

intervenção na operação viária é, neste sentido, vista como sofisticação


trazida pela incorporação de inovações a estes elementos básicos.

Os três elementos interagem continuamente no trânsito e, na forma


A existência de interação significativa atual da tecnologia de operação no tráfego, a interação usualmente
entre os fatores internos à operação do ocorre a partir da ação do elemento homem. A via fornece estímulos
tráfego é reconhecida pela discussão ao homem (algumas vezes imperativos), cuja relevância pode variar
sobre o trinômio Homem-Via-Veículo. em razão de desempenhar vários tipos de papel (motorista ou
pedestre, agente da autoridade de trânsito, ...). Enquanto condutor, o
O usuário da via (Homem) é o fator homem responde aos estímulos fornecidos pela via e age sobre seu
mais autônomo e complexo. A atuação veículo, que reage a cada comando do motorista. Por sua vez, veículo
sobre o fator humano muitas vezes e via interagem pelo menos mecanicamente, com o veículo
requer a ação conjunta nas dimensões absorvendo as condições da superfície viária e a via suportando o peso
de Engenharia-Educação-Exigência e ou a frenagem do veículo. Na forma usual, atualmente, a via e o
tem de prever comportamentos veículo têm elementos de controle que agem através da comunicação
aberrantes relevantes nos acidentes. com o usuário (mesmo quando a observância da sua mensagem deve
ser tomada como uma determinação, em vista das condições físicas ou
O ambiente da via (Via) é o fator mais legais envolvidas). A ação do homem é ainda o meio de efetivação de
estável mas pode incluir também o uma ação comandada. No entanto, meios e dispositivos de captura de
controle de tráfego e outros elementos informação sobre a operação na via e dispositivos de processamento
dinâmicos. Os fatores externos ao da informação obtida vem sendo progressivamente incorporados aos
tráfego podem ser incluídos ou veículos. Cada vez mais têm sido propostos (ainda que não
distinguidos (como feito adiante). implantados em amplitude relevante, até agora) elementos de controle
autônomos (ou auto-agentes) que prescindem em grande medida da
O meio de tráfego (Veículo) condiciona ação do homem (em alguns casos, o homem tem ainda a capacidade
as reações dos usuários da via e inclui de intervir e alterar o curso de ação do controle autônomo), sejam em
uma grande variedade de recursos sistemas centralizados (comandados para gestão das vias) ou em
(pedestres ou bicicletas, carros de unidades autônomas (comandados para condução dos veículos).
passeio ou utilitários, veículos pesados
ou coletivos, com equipamentos e Mesmo eventualmente vislumbrando um cenário alternativo, a
estado de conservação variados) que discussão atual ainda deve assumir o trânsito composto por unidades
pode ser distinta em cada trecho de via comandadas pelo homem (e assistidas por dispositivos de
e tem de ponderar sua presença real. comunicação diversos), pelo menos na(s) próxima(s) década(s).

Considerando cada um dos elementos básicos envolvidos no tráfego,


convém destacar previamente que:

a. O Homem

Dada a suposição de manutenção de um cenário tradicional com


unidades de trânsito comandadas pelo homem, a sua identificação
como um elemento fundamental é quase um silogismo. Normalmente,
além de ser responsável por adquirir boa parte da informação e
controlar grande parte das ações autônomas no tráfego, o homem é
também apontado como o maior responsável pela ocorrência dos
acidentes de trânsito. Por estes motivos, é provavelmente o elemento
mais importante do “Sistema Trânsito”. É também o mais complexo e
que oferece mais dificuldade de manipulação porque os usuários da via
respondem seguindo sua lógica e interesse próprios. Um cenário de
automação avançada pode naturalmente reduzir este papel crucial.

Um componente básico que condiciona as ações do homem é a


percepção do meio externo. Este primeiro componente já é, em si,
complexo, combinando capacidades sensoriais, em grande parte físicas
ou fisiológicas pelo menos, com motivações volitivas, por sua vez
afetados por condicionamentos pessoais e sociais (para citar aspectos
imediatos do universo relacionado com a personalidade humana).
Existe uma interação entre a habilidade sensorial e os aspectos de
comportamento (ou pelo menos atitudes) que, por exemplo, podem
traduzir-se maior atenção e cuidado na tarefa de condução. Além
disso, como foi anteriormente mencionado, a capacidade sensorial é
25

bastante afetada por variáveis ambientais externas. Este efeito


condiciona a comunicação com os usuários e limita as condições de
projeto ou operação que podem ser consideradas seguras.

O componente fundamental que representa as ações do homem é o


comportamento, entendido como uma manifestação externamente
observável (ou com repercussões no meio externo), que é também
determinado por vários fatores pessoais, entre eles sua herança
cultural, sua personalidade e o seu estado físico e mental. Algumas
dessas condições podem variar ao longo de um único dia, o que mostra
quanto difícil é considerar esta variável. Além disso, pelo menos o
contexto social é também uma fonte de interferência no
comportamento do homem. Ambientes instáveis ou frágeis afetam as
reações do homem aos estímulos do tráfego (como afetam o
comportamento diante de muitas outras situações). Como
anteriormente mencionado, manifestações de comportamento não
ideais (como decisões de risco e mesmo transgressões das regras
disciplinares e/ou legais) são freqüentes no trânsito e afetam a sua
operação. O entendimento sobre os fatores que precipitam ou
eliminam estas formas de comportamento, especialmente as mais
inseguras, é importante e deve substituir posições de cunho normativo
(que idealizam ou condenam mas não evitam tais comportamentos
dissonantes). Isto não significa admitir uma atitude cínica diante de
violações importantes das regras de trânsito (pelo contrário, violações
de maior perigo devem até ser impedidas fisicamente). No entanto,
supor um comportamento ideal efetivamente inexistente seria
igualmente cínico e o projeto de engenharia deve tentar tornar as
violações menos inseguras e/ou menos prováveis. A exceção, parcial,
a esta ponderação está relacionada com comportamentos extremos,
anteriormente referidos como aberrantes, dado que o nível de
exigência sobre o projeto de engenharia decorrente seria certamente
excessivo. A exceção é parcial porque, mesmo nestes casos, deve-se
tentar tornar seus efeitos menos danosos (por exemplo, com
dispositivos de amortecimento que tornem um eventual acidente
menos grave). O estudo do comportamento aberrante é, no entanto,
também influenciável, embora provavelmente não responda na mesma
medida às ações modificadoras de violações menores (por exemplo,
multas podem influenciar o transgressor normal mas a probabilidade
de prisão em flagrante pode ser o único antídoto ao uso de álcool).

A necessidade e a dificuldade de interferir, modificando, o


comportamento do homem, é a principal motivação para a aplicação de
estratégias integradas, que será discutida adiante (e.g. as contidas no
clássico tripé de atuação dos 3 E´s: Educação, Engenharia, Exigência).

b. A Via

A via é o elemento mais estável do “Sistema Trânsito” e o que oferece


maiores condições de intervenção por parte da Engenharia de Tráfego.
Esta permanência no tempo é um aspecto importante pois garante sua
operação contínua ao longo de todo o tempo, exceto quando alguma
condição ambiental adversa anule seu efeito (não se excluem estes
aspectos variáveis das condições externas aos usuários e veículos). No
entanto, pode também limitar a adaptação das suas características a
condições variantes no espaço ou no tempo. Para o usuário em
movimento, a via corresponde a uma sucessão de elementos viários
percorridos no deslocamento, o que pode constituir um contexto
bastante dinâmico (ao invés de estático, como poderia ser
erroneamente associado à idéia de estabilidade enunciada acima). A
consistência dos elementos viários entre si e, ainda mais importante,
26

com as expectativas dos usuários da via é, por isso, um aspecto


essencial buscado no projeto viário.

De forma geral, devemos entender a via como todo o panorama que se


apresenta aos olhos do usuário e ao percurso do seu veículo. Deste
modo, além da via propriamente dita, fazem parte deste elemento
também a sinalização de trânsito, a iluminação, os edifícios, a
publicidade, a vegetação, a paisagem e, até mesmo, os demais
veículos, considerados como um fluxo (o Tráfego) e as condições
gerais em que se encontra a via (o Entorno e o Clima). Incluindo-se o
controle de tráfego, mesmo os elementos técnicos passam a ser mais
dinâmicos (e potencialmente responsivos às condições momentâneas
da operação do tráfego). Naturalmente, este conjunto amplo e variado
de elementos adicionais que pode ser associado à via é facilmente
esquecido quando se pronuncia o termo com uma visão mais física ou
estrutural, motivando a definição de um outro tripé de fatores externos,
Tráfego-Entorno-Clima, que será também discutido adiante.

As possibilidades de intervenção na via são muitas, seja através de


correções geométricas (traçado, sobre-elevação inadequados), de
pavimento (buracos, atrito insuficiente), de sinalização (pontos
críticos, dúbios ou confusos), de visibilidade (obstrução por árvores ou
desvio de atenção por propagandas) e de concepção (condição de
acesso, compartilhamento ou segregação do espaço viário). Pelo efeito
sobre a eficiência de percepção e sobre a consistência dos elementos
viários, entre si e com a expectativa dos usuários, a via afeta de forma
muito importante o comportamento dos usuários e o atendimento às
suas necessidades. Pode-se desenvolver padrões de projeto
conscientemente direcionados a construir ambientes operacionais
consistentes, que promovam subliminarmente adaptações
comportamentais desejadas (ou, no sentido contrário, aplicar padrões
de projeto que subliminarmente induzem comportamentos indesejados,
com a prática de velocidades inseguras). No entanto, um conflito entre
projeto viário e necessidades dos usuários normalmente resulta em
uma forma de operação inadequada e, eventualmente, insegura.

c. O Veículo

Se incluirmos aqui o deslocamento como pedestre, este é o elemento


complementar básico do tráfego. O meio de transporte pode se
apresentar nas mais variadas formas, além do automóvel, indo de
frágeis bicicletas a ônibus e caminhões de alta capacidade. Neste
campo, a atuação da Engenharia de Tráfego não é direta, pois
raramente ele terá oportunidade de participar de um projeto de um
veículo (objeto da Engenharia Veicular e outros campos). Porém, as
características usuais dos veículos são um dado fundamental para o
projeto viário, assim como as condições usuais das vias são um dado
fundamental para o projeto veicular. As críticas e sugestões para
acomodar ambas as partes podem, a médio e longo prazo, promover
mudanças que melhorem a operação e segurança do trânsito. Os
veículos tem sido o grande palco das inovações tecnológicas
recentemente propostas (embora existam propostas de sistemas
centralizados e de elementos integrados às vias, pelo menos desde o
final do século passado as inovações tem privilegiado os recursos dos
veículos, seja no auxílio da condução humana ou na ação autônoma).

Atualmente fabricam-se automóveis muito mais seguros do que na


década passada. Contudo, também são mais possantes e velozes.
Veículos motorizados, em particular, são elementos bastante
complexos e diversos dos seus componentes são de interesse para a
Engenharia de Tráfego. A legislação ou regulamentação de diversos
27

países estabelecem classes de veículos, normas gerais de uso,


equipamentos necessários, procedimentos de identificação, registro e
licenciamento dos veículos. No Brasil, o CTB/1997 e as Resoluções
do CONTRAN regulam muitos dos aspectos mencionados mas os
fabricantes de veículos, em geral, seguem disposições muitas vezes
ainda mais rigorosas de qualidade (as exigências de segurança veicular
no Brasil são incipientes e os padrões internacionais suplementam
amplamente a tênue regulamentação nacional, muitas vezes uma cópia
das exigidas no exterior). Além disso, o risco dos danos decorrentes
de acidentes (incluindo o potencial de responsabilização por
indenização a terceiros) e aspectos mercadológicos diversos (que dão
valor econômico ao desejo de segurança de trânsito dos usuários) têm
induzido um amplo desenvolvimento de tecnologias de segurança
veicular cada vez incorporadas e em maior número aos veículos.

Boa parte do desenvolvimento da tecnologia veicular tem sido voltada


aos componentes de segurança, incluindo os dispositivos orientados a
evitar os acidentes (como os sistemas de iluminação veicular e os
freios com sistema anti-bloqueio, ou ABS-Anti-Blocking Systems, por
exemplo) e os dispositivos orientados a reduzir os danos decorrentes
de acidentes (como os cintos de segurança e os sistemas de
amortecimento com bolsa de ar inflável, ou Air-Bag, por exemplo).
Não se deve deixar de mencionar, entretanto, desenvolvimentos
voltados a outros aspectos relevantes para o mercado automobilístico
que podem ser irrelevantes ou mesmo prejudiciais em termos de
segurança (sistemas de informação embarcada, ou simples sistemas
embarcados com capacidade de entretenimento) podem competir com
a tarefa de condução e introduzir fatores de distração diversos,
aumentando o risco de acidentes de trânsito. Existem também outros
meios ou dispositivos que podem ser definidos como suplementares
(como meios de comunicação automática de acidentes ou de melhoria
do seu atendimento). Tradicionalmente, a Engenharia Veicular
classificava seus dispositivos com critérios próprios (por exemplo,
como elementos ativos, que se auto-aplicam nas situações pertinentes,
e passivos, que dependem de acionamento humano para atuar) que
foram sendo progressivamente abandonados ou equiparados aos
conceitos usuais da Segurança de Trânsito, apresentados adiante.

Os sistemas e dispositivos desenvolvidos pela Engenharia Veicular


devem, em geral, ser vistos como elementos potenciais. O estado dos
veículos da frota circulante e a sua utilização pelos condutores podem
afastar-se significativamente, no entanto, das condições
regulamentadas ou recomendadas pelos fabricantes. O custo
envolvido na melhoria dos veículos é um importante óbice à sua
evolução, visto individualmente ou socialmente. Em geral as melhorias
na tecnologia veicular ascendem através da renovação da frota (um
processo lento e demorado, dada a longa vida útil dos veículos) ou
exigem um investimento bastante significativo para adaptação da frota
existente, um aspecto que limita bastante sua transformação. Há um
enorme investimento em tecnologia veicular que tem trazido resultados
perceptíveis em alguns campos e que parece alimentar a imaginação de
muitos visionários da tecnologia. O desenvolvimento de tecnologias
tem, no entanto, um grande percurso a fazer até atingir seu potencial de
efetividade e o estágio atual parece ser de observação e avaliação.
28

A TECNOLOGIA NO CONTROLE E SEGURANÇA DE TRÁFEGO


Poucas áreas são tão abertas às novas tecnologias quanto a Engenharia de Tráfego, particularmente ponderando a
magnitude dos problemas existentes na operação viária nas grandes cidades (efetivamente um mercado atraente).
É bem verdade que também existem entraves importantes à sua utilização, seja decorrente da dimensão da frota e
da rede viária ou da necessidade de compatibilizá-los com os usuários da via. Quanto menos interferentes com o
comportamento dos usuários e mais seletivas forem as possibilidades de implantação, provavelmente maiores
serão a facilidade de adoção das tecnologias e, desde que efetivas, seu potencial de utilização. Pode-se citar
como exemplos tradicionais o uso dos semáforos, inicialmente equipamentos eletromecânicos que rapidamente
incorporaram flexibilidades e recursos proporcionados pela eletrônica digital, incluindo a implantação de
sistemas de controle de redes semafóricas operadas por computador ou, pelo menos, programados de forma
sincronizada. As dificuldades de implantar e manter sistemas mais sofisticados não é pequena, especialmente
considerando um ambiente de operação contínua e alta exigência como ocorre na operação viária.

A indústria da tecnologia da informação e comunicação é atualmente um ramo bastante forte de atividade em


diversos países e exerce considerável pressão para implantação de novas tecnologias em diversos setores (muitas
vezes mais por promessas do que realizações efetivas). Um exemplo atual vem do impulso de desenvolvimento
de sistemas sofisticados, reunidos sob a denominação abreviada de ITS, que é a sigla para a denominação em
inglês dos “Sistemas Inteligentes de Transporte” (Intelligent Transportation Systems). Em geral, um ITS busca
contribuir para a integração entre os três elementos básicos (homem, via, veículo) através do uso de sistemas
fortemente apoiados em tecnologia de informação e comunicação, tendo como meio o uso de dispositivos como
computadores de bordo, sensores de passagem de veículos, painéis de mensagem variável, comandados por
sistemas em tempo real, com recursos de geoprocessamento, sejam os embarcados nos veículos ou os
implantados em centrais de monitoração e controle de tráfego. De forma mais ampla, sistemas similares para
“Cidades Inteligentes” (Smart Cities) propõem escopos mais amplos, que atingem atividades essenciais nas
cidades (mas não apenas nelas) além do transporte ou tráfego (mas sem excluí-los). Estes sistemas não se
definem por objetos ou escopos específicos (se necessário novas denominações podem ser criadas, sem permitir
restrições) mas apenas pela determinação de explorar o potencial de aplicação de novas tecnologias. Os óbices
usuais são os custos de implantação e manutenção envolvidos, além da real eficácia obtida nos resultados.

Uma situação ilustrativa da amplitude aberta ao futuro de sistemas de ITS ou similares pode ser visualizada em
diversas aplicações.

O motorista pode necessitar viajar para outra cidade onde nunca esteve antes. Durante o percurso na estrada, ele
pode comunicar-se com o gestor do sistema de controle da rodovia e receber mensagens sobre as opções de
trajeto e as condições de trânsito à frente. Até pouco tempo, a informação teria de ser colhida de câmeras de TV,
de Sistemas de Atendimento a Incidentes (viaturas em campo, rede de telefonia de emergência com cabine de
chamada ou call-box, detectores de incidentes ou observadores de campo), de sensores instalados nas vias para
detecção dos veículos (os atuais, instalados sob o pavimento e baseados em radares ou sensores que utilizam
processamento de imagem). A disseminação da informação e sua utilização poderia depender da comunicação
por rádio entre agentes da operação viária ou por meios de difusão por rádio aberto (sintonizados nas estações de
AM e FM existentes na maioria dos veículos motorizados). Atualmente pode-se adicionar a obtenção e
disseminação de informações pelo processamento dos sinais de GPS e redes de telefonia celular e aplicativos
para telefones móveis. Mas, em grande parte, toda a nova tecnologia afeta somente o nível informacional da
operação viária (interfere pouco na operação real). No entanto, em certas aplicações a necessidade informacional
tem grande valor e mesmo mercados reduzidos podem viabilizar sistemas sofisticados.

Os gestores das rodovias podem manter a informação sobre o trajeto selecionado para o usuário e operar um
sistema de cobrança automática de pedágio que registra a passagem do veículo, sem que haja necessidade da
parada em uma cabine, providenciando o débito na conta mensal de uso das vias do condutor. Trechos especiais
da rodovia (ou de artérias urbanas mais importantes) tem faixas dedicadas, de alta velocidade, onde o controle da
operação dos veículos é assumido pela via, sendo comunicado e efetivado automaticamente pelos dispositivos de
comando automático dos veículos (sensores de posicionamento e de distância e comandos de aceleração e
frenagem controlados pelo computador de bordo). Estes sistemas complementares, quando implantados (e
normalmente custosos para implantar) permitem afetar de forma significativa o comportamento dos viajantes.
29

No entanto, nem sempre produzem um impacto significativo de melhoria da operação (por exemplo, cenários de
congestionamento mudarão pouco na maior parte dos casos). Se o financiamento de sua operação puder ser
repartido em um mercado amplo, novamente pode-se viabilizar aplicações interessantes.

Chegando à cidade destino, o sistema local baseado nas informações do geoprocessamento é solicitado e,
considerando dados sobre o carregamento do tráfego no sistema viário, que é obtido de sensores de passagem nas
vias da cidade, avalia automaticamente a melhor rota e indica progressivamente ao motorista o percurso e as
manobras a realizar até seu destino, enviando suas indicações ao computador de bordo e ao dispositivo de
visualização do veículo. Seu deslocamento pela cidade é feito com o menor atraso possível. Os sistemas de
controle semafórico ajustam continuamente os tempos de operação conforme a demanda do tráfego e podem
responder a solicitações especiais de veículos de emergência ou de linhas prioritárias de transporte coletivo. No
destino, uma série de painéis eletrônicos indica ao motorista onde existem vagas nos estacionamentos, em tempo
real, e o valor a pagar em cada um. Provavelmente, os aplicativos de auxílio na identificação de rotas e locais são
razoavelmente eficazes em fornecer a informação requerida pelos viajantes. Eventualmente podem auxiliar
também na identificação de melhores alternativas de deslocamento ou estacionamento que podem representar
uma significativa economia nos tempos de viagem (isso mesmo em rotas conhecidas, em cenários com
incidentes, quando adequadamente considerados). No entanto, os problemas de congestionamento em redes
viárias de cidades de porte razoável têm, em geral, um forte condicionante na capacidade restrita do seu sistema
viário e os sistemas informacionais ou de controle em tempo real têm pouca eficácia na redução dos problemas
(mesmo que realizem seu ótimo).

Todos esses controles e equipamentos integrados para gestão do tráfego e uma série de outros compõem o que é
tratado atualmente como ITS (ou um conjunto deles). Em boa parte dos casos, onde a carência ou deficiência
existente está na esfera informacional é possível esperar um impacto relevante, muito maior do que o efeito em
problemas que decorrem de aspectos mais operacionais ou estruturais. Este estágio é bastante rudimentar e
acanhado. No entanto, há um considerável esforço para ir além dos resultados atuais. Outro risco considerável
da pressão das novas tecnologias é direcionar o esforço para problemas em que sua aplicação é mais imediata
mas eventualmente menos relevante ou prioritária (pense nos sofisticados sistemas com luzes piscantes que
podem ser implantados em cidades miseráveis do terceiro mundo ou de países em desenvolvimento).

O que seria possível esperar de sistemas de controle desta natureza? A discussão acima não afirma nem nega a
eventual eficácia de sistemas “modernos” (uma “qualidade” em si irrelevante) mas somente assinala a
importância de avaliar se obtém-se uma eficácia final relevante (ou trata-se simplesmente de trocar espelhos por
ouro como os indígenas).

Existem duas observações que podem merecer menção especial a respeito do impacto de novas tecnologias sobre
a interação no tráfego:
- a difusão das novas tecnologias exige um tempo razoavelmente longo; normalmente, a tecnologia veicular
é aprimorada ao longo dos anos (pode desenvolver-se para a aplicação em automóveis e depois aplicada
aos veículos pesados, cuja exigência de desempenho é bastante maior); em alguns casos, são necessários
dispositivos específicos de segurança para certos tipos de veículos (por exemplo, em motocicletas, os
freios com sistemas anti-bloqueio similares ao dos automóveis podem ser usados mas os sistemas de
amortecimento com bolsas de ar não tem aplicação direta); as tecnologias viárias também precisam atingir
uma extensa rede mas, neste caso, a implantação pode selecionar as vias mais importantes;
- a melhoria do nível de segurança básico incorporado aos veículos ou às vias pode motivar adaptações
comportamentais (por exemplo, o aumento das velocidades praticadas) capazes de reduzir, anular ou
mesmo reverter os ganhos iniciais; este efeito é similar ao observado até aqui, em que a melhoria do
projeto da via e do veículo não produziu resultados proporcionais na fluidez ou segurança do tráfego e
chama a atenção para a ação sobre o fator humano ou sobre a dinâmica social, como componentes
essenciais de uma estratégia voltada para colher resultados realmente efetivos; não se deve esperar que os
sistemas automatizados sejam inumes a pressões dessa natureza porque muitas delas vem do conflito
entre objetivos de segurança e fluidez, por exemplo, que são ambos essenciais.

Outra observação interessante é relativa ao impacto destas tecnologias sobre as variáveis de tráfego. Supondo
que os sistemas consigam atingir níveis de desempenho similares aos humanos (uma tarefa em si bastante árdua,
pelo menos em certas áreas de percepção e intelecção, mas provavelmente acessível para dispositivos dedicados),
os sistemas automatizados tem de ser cuidadosamente calibrados para atingir um grau de desempenho que reflita
um adequado compromisso entre velocidade e segurança que seja bem avaliado, ao mesmo tempo, pelos
indivíduos e pela sociedade. Os sistemas operados pelo homem são bastante flexíveis e adaptativos e ajustam
continuamente o compromisso entre velocidade e segurança, batendo facilmente os sistemas automatizados que
30

formulam de forma rígida os requisitos de operação. Quando existem restrições rígidas (por exemplo, restrições
físicas ou de segurança), os dispositivos automáticos podem trazer “ganhos” decepcionantes (ou mesmo perdas)
quando comparados com sistemas operados por humanos. Por exemplo, o Controle Automatizado de Marcha
dos veículos (conhecido por ACC, sigla para Automatic Cruise Control) com restrições rígidas de espaçamento
entre veículos (normalmente determinadas por requisitos de segurança na frenagem diante de incidentes) podem
obter velocidades e capacidades de tráfego menores que as obtidas na operação hoje usual (muitos dispositivos
produzem apenas um tráfego mais estável). É difícil imaginar que um dispositivo dedicado adequadamente
calibrado não atinja um desempenho similar ao humano, mesmo não sendo algo trivial, mas seu custo deve
produzir melhor resultado em alguma dimensão importante para justificar seu uso em uma escala relevante.

Portanto, mesmo vislumbrando um amplo espectro de inovações na tecnologia de controle de tráfego, as


observações feitas acima tentam mostrar que é preciso avaliá-las e utilizá-las de forma crítica e cuidadosa. Não
se deve deixar de mencionar também que os dispositivos automáticos trazem aspectos legais relevantes para a
circulação dos veículos na via que tem perturbado seus propositores.

2.2.2. Tráfego-Entorno-Clima

O clássico trinômio Homem-Veículo-Via é muitas vezes utilizado para


notar que Via refere-se também a todos os demais elementos que
A importância dos condicionantes condicionam a operação do tráfego, além do Homem e do Veículo.
externos à operação do tráfego pode ser Esta ponderação não é totalmente satisfatória por tratar um conjunto
reconhecida pela discussão sobre o de aspectos muito importantes, especialmente do ponto de vista da
trinômio Tráfego-Entorno-Clima. segurança de trânsito, de forma muito sumária e acessória. Por este
motivo, destaca-se este conjunto de aspectos adicionais mencionando
A utilização da via (Tráfego) é bastante o trinômio Tráfego-Entorno-Clima, que se refere aos principais
variável e estabelece períodos de elementos do ambiente imediato da via que afetam a operação e a
operação típicos em que as condições segurança do tráfego. De certa forma, este trinômio pode ser visto
de interação com o tráfego (outros como intermediário entre os elementos diretamente envolvidos no
usuários) são distintas. tráfego (Homem-Veículo-Via) e outros aspectos que estabelecem algo
como o ambiente social mediato (com o considerado pelo trinômio
A área lindeira à via (Entorno) varia Educação-Engenharia-Exigência, que será discutido adiante).
espacialmente, em especial, em termos
de ocupação (e atividade) adjacente à O primeiro fator, o Tráfego (em sentido restrito), refere-se aos
via, às condições dos seus dispositivos condicionantes derivados do nível de utilização da via em um dado
laterais ou características físicas que momento (que pode ser mensurado através do volume ou fluxo de
podem interferir na operação. tráfego em dado instante, para veículos, pedestres, etc...) e das suas
características de operação (tipo de veículo, de manobra, velocidade,
A variação climática (Clima), além das etc...). Este aspecto busca enfatizar a influência dos outros usuários
mudanças usuais de condições diurnas da via sobre o movimento e a segurança de cada um, incluindo a
e noturnas, inclui condições que afetam circunstância que corresponde à maior liberdade de movimento (isto
a visibilidade (como neblina ou é, de menor influência). Como é fácil notar, durante a operação do
nevoeiro) e outras condições para tráfego nas vias, sucedem-se ao longo do dia contextos bastante
manter segurança na via. Em especial e diferentes no que diz respeito ao nível de interação com outros
com mais frequência, a chuva torna o usuários. Uma mesma via, operando congestionada nos períodos de
pavimento molhado (reduzindo a pico ou com ampla liberdade de manobra nos horários extremos dos
aderência, como a neve) e pode formar dias, apresenta características de operação e de segurança distintas (às
lâminas d´água que favorecem a vezes extremamente distintas), com maior ou menor interação com
ocorrência de aquaplanagem, além de outros veículos, diferentes velocidades de tráfego, maior ou menor
afetar a visibilidade. importância da sinalização viária, maior ou menor presença de
pedestres, maior ou menor freqüência de manobras interferentes
Estes condicionantes são também causa (estacionamentos, paradas de coletivos, entrelaçamentos ou mudanças
de condições extremas na via. de faixa, ...), diferentes parâmetros de controle de tráfego, entre outras
características facilmente notáveis. Estas diferentes características
manifestam-se claramente, por exemplo, na tipologia distinta de
acidentes mais comuns em cada período, e revelam a importância de
considerar a variação produzida pelo fator Tráfego. Eventualmente
formam-se filas de veículos em congestionamento que podem motivar
conflitos específicos (decorrentes do movimento de motocicletas e
31

bicicletas entre as filas de veículos do congestionamento, tanto com


veículos que buscam mudanças de faixa quanto com pedestres que
atravessam a via em meio às filas congestionadas). A abrupta
transição junto ao final das filas, especialmente onde o tráfego normal
tem maior velocidade e há trechos com restrições à visibilidade,
também traz um potencial para acidentes de trânsito.

O segundo fator, o Entorno da via (e as atividades locais), refere-se às


características lindeiras das vias. O primeiro conjunto de aspectos, em
geral dos mais importantes, ocorre em função da densidade de
atividades em cada área atravessada pela via, quando há acesso direto à
via, ou da freqüência de acessos e egressos, quando há controle de
acesso, e acarreta a interferência dos fluxos de entrada e saída da via
veicular ou de cruzamento veicular e travessia de pedestres. O
segundo conjunto de aspectos corresponde aos elementos construídos
na área lindeira à via, muitas vezes constituídos por elementos de
apoio da própria via (canaletas de drenagem, postes de iluminação,
pilares de viadutos, muros de contenção, etc...) que podem representar
obstruções à visibilidade ao longo da via e transversalmente à via (para
veículos e pedestres) ou constituir-se em obstáculos que podem sofrer
choques de veículos em saída de pista descontrolada (além das
repercussões desse tipo de acidente de trânsito). O terceiro conjunto
de aspectos, especialmente relevante onde a área lindeira à via não é
ocupada, corresponde ao relevo e à vegetação no entorno da via, que
assume um papel correspondente ao dos elementos da via e acarretar
os mesmos efeitos de obstrução visual ou obstáculo passíveis de
choque em saída de pista (mesmo na falta de obstáculos laterais, o
entorno da via pode oferecer risco aos veículos desgovernados ao
impedir a volta ao curso normal na via, quando o terreno tem declive
não recuperável e arrasta o final da área adjacente à via, ou causar o
tombamento ou capotamento do veículo em desníveis ou ressaltos).

O terceiro fator, o Clima (ou mais propriamente as condições


climáticas momentâneas), refere-se a um conjunto de fenômenos
ambientais que interferem no desempenho do homem ou do veículo na
via. Os fatores mais simples são os que afetam apenas a visibilidade
na via, normalmente descritos como neblina (leve, haze) ou nevoeiro
(espesso, fog), usualmente causados pela concentração de água
gotículas de vapor na atmosfera que dispersam os raios de luz e
impedem vislumbrar elementos dentro do campo visual (em geral
admite-se que a visibilidade pode ser restrita pode ser compensada
pelos condutores pela redução de velocidade, em certa medida, para
recuperar a condição de operação segura). Naturalmente há outros
fenômenos e compostos que causam efeito semelhante (como as
queimadas adjacentes à via que geram fumaça ou outros fatores que
geram névoa). O fator mais comum é, entretanto, a chuva que, além
de um efeito sobre a visibilidade (em geral menor que o da neblina ou
névoa mas eventualmente também relevante), torna a pista molhada
prejudicam a aderência entre pneu e pavimento e pode gerar lâminas e
correntes de água que podem favorecer a ocorrência de aquaplanagem
(o borrifamento da água no pavimento também pode produzir um
efeito adicional de redução de visibilidade). Em países mais frios há
um efeito similar mas bastante mais acentuado causado pela neve e
pelo gelo. Em todos estes casos, além da redução dos tempos de
reação disponíveis para as manobras dos condutores decorrentes da
redução de visibilidade, a dificuldade de manter-se seguro na via
aumenta a Carga de Atuação (workload) exigida dos condutores e a
dificuldade de realizar cada manobra (o que se traduz em maior
propensão a erro e maior risco de acidente). O nível de visibilidade
também tem o efeito da condição diurna (incluindo o risco de
ofuscamento pelo sol) ou noturna (com ou sem iluminação viária).
32

A interação destes elementos externos com os elementos internos ao


tráfego é sempre mais difícil e complexa quando as condições do
Tráfego-Entono-Clima são piores mas nem sempre a relação direta
pode ser a regra adequada para prever adequadamente seu impacto
final sobre a operação na via. Os usuários da via (pelo menos os mais
experientes e prudentes) normalmente compensam a maior dificuldade
para transitar nas condições mais desfavoráveis com uma redução da
velocidade praticada na via, o que se traduz num maior intervalo de
tempo entre eventos que requerem sua atenção e intervenção. Se esta
adaptação é efetiva, provavelmente os riscos podem manter-se em
níveis aceitáveis, pelo menos para evitar acidentes de trânsito. É um
exemplo de interação relacionado com a variação relativa de risco
percebido e risco objetivo, que tem certo grau de autonomia. No
entanto, deve-se observar que estes condicionantes podem muitas
vezes produzir condições extremas na via, difíceis de enfrentar.

A interação destes fatores externos com os relacionados com a


capacidade de percepção dos usuários da via parece óbvia, dado que
muitos dos fatores mencionados são redutores diretos da capacidade
sensorial ou incluem fatores de distração que podem aumentar o tempo
de percepção (ou a falha de percepção no tempo disponível), ao
contrário dos fatores físicos e estruturais que mais claramente
determinam variáveis como a capacidade e velocidade de tráfego ou o
nível de segurança da via operando em condições normais. No
entanto, parte dos fatores classificados como externos na visão acima
pode também ser visto como componente essencial da operação do
tráfego numa interpretação mais adequada. O trinômio clássico
Homem-Via-Veículo foi originalmente proposto no contexto das
disciplinas de projeto viário, em que a definição das características das
vias muitas vezes era relacionada com o desempenho a ser oferecido a
um único usuário e seu meio de transporte (basta revisar os modelos
teóricos de análise para analisar conceitos como distância de
visibilidade de parada ou raio mínimo para curvas horizontais). A
visão da Engenharia de Tráfego, ao destacar o trinômio complementar
Tráfego-Entorno-Clima pode ser visto como uma interessante adição
ao enfoque adotado na análise da operação do tráfego em geral.

2.2.3. Os Diferentes Campos de Ação

Em face da multiplicidade de fatores envolvidos na operação do


trânsito e na segurança de trânsito, em geral reconhece-se que existem
diferentes campos (ou formas) de ações possíveis para sua promoção.

Em princípio, a distinção mais usual poderia distinguir a intervenção


sobre cada um dos diferentes elementos envolvidos no trânsito. É, por
exemplo, muito usual falar-se de segurança viária e de segurança
veicular como campos especializados de ação para segurança de
trânsito, orientados para dois dos seus elementos básicos (a via e os
veículos). No entanto, a discussão anterior tentou também destacar
que há outros diversos campos de ação possíveis relacionados com o
elemento humano envolvido nos acidentes, que vão de ações prévias
A ampla variedade de fatores de formação e educação para o trânsito a ações imediatas voltadas
envolvidos na operação e segurança de para suporte à operação do tráfego como a informação sobre o trânsito
trânsito leva naturalmente a distinguir ou a fiscalização do trânsito (entre outras formas de repressão e
diferentes campos de ação que estão punição de comportamentos anti-sociais ou das normas de circulação
baseados em especialidades que viária).
utilizam conhecimentos específicos e
desenvolvem formas alternativas de Claramente não há uma segurança em cada componente (se qualquer
intervenção na operação do tráfego. dos aspectos falhar será comprometida a segurança de trânsito como
um todo). Não deixa, entretanto, de haver medidas que se aplicam a
O reconhecimento de especialidades
como a Segurança Viária ou a
Segurança Veicular não permite supor,
no entanto, que se possa tratar destes
aspectos de forma independente.
33

diferentes aspectos da segurança de trânsito. Da mesma forma que se


pode promover um dispositivo viário (como o semáforo de meio de
quadra acionado por botoeiras), pode-se promover um dispositivo
veicular (como o cinto de segurança) ou uma prática comportamental
(como sinalizar a intenção de iniciar uma travessia quando se utilizar
uma faixa de pedestres). Em cada ação, a intervenção busca adaptar
ou inovar componentes de áreas técnicas distintas (aplicando
conhecimentos desenvolvidos em cada área), sem afastar a
possibilidade de buscar sinergia (até de forma prioritária). Este é o
sentido da distinção destes campos de ação técnica. Ao longo do
tempo, aprendeu-se a buscar ações efetivas em diferentes áreas de
conhecimento porque percebeu-se que diversas práticas tinham efeito
relevante no risco de acidentes e de danos humanos ou materiais. Um
exemplo histórico foi a percepção da importância dos serviços de
atendimento aos acidentados, para reduzir os efeitos dos acidentes.

Uma outra distinção interessante as ações voltadas para a segurança de


Uma outra distinção interessante é trânsito em ações primárias (destinadas a evitar os acidentes),
especificamente relacionada com a secundárias (destinadas a reduzir o dano imediato produzido pelos
estratégia adotada para minorar os acidentes) ou terciárias (destinadas a reduzir o dano mediato ocorrido
problemas de segurança de trânsito: durante o atendimento das vítimas). Inicialmente a grande maioria
- ação primária refere-se ao conjunto de das ações eram primárias mas a persistência dos problemas e a
medidas orientadas para o objetivo de dificuldade de implantar certas medidas destinadas a eliminar a
eliminar ou reduzir a ocorrência de ocorrência dos acidentes de trânsito demonstrou a importância das
acidentes de trânsito (i.e. sua frequência ações complementares. Exemplos de ações secundárias amplamente
na vida cotidiana das pessoas); disseminadas nos dias de hoje é a utilização de barreiras de concreto
- ação secundária refere-se ao conjunto ou defensas metálicas como dispositivos de proteção lateral nas vias
de medidas orientadas para o objetivo (para tornar os acidentes com saída de pista menos graves) e a
de tornar os acidentes de trânsito menos utilização de cintos de segurança ou bolsas infláveis (air bags) como
graves (i.e. de reduzir os danos dispositivos para amortecer os choques dos ocupantes internos aos
humanos e materiais decorrentes dos veículos (para reduzir a gravidade de seus ferimentos potenciais). As
acidentes de trânsito); ações terciárias são um caso inicialmente restrito ao atendimento
- ação terciária, especificamente para os médico aos acidentados mas há atualmente diversos dispositivos
acidentes de trânsito com vítimas, veiculares e viários voltados à detecção automática de acidentes de
refere-se ao conjunto de medidas trânsito e utilizados para acionamento imediato dos serviços de
orientadas a melhorar o atendimento às atendimento que seriam dispositivos de segurança veicular e viária.
pessoas envolvidas nos acidente de
trânsito e evitar ou reduzir as sequelas Pode-se ver que em certa medida foram definindo-se campos de ação
decorrentes (e seus efeitos pessoais). (ou formas de ação) basicamente a partir da experiência prática que
progressivamente demonstrou a dificuldade em manter apenas as
Em geral, cada campo de ação inclui formas de intervenção então usuais e a potencialidade de obter
diferentes tipos de medidas. resultados adicionais para a segurança de trânsito pela extensão da
atuação a outros campos (ou formas) de ação. Na mesma evolução, a
Pode-se também agir de forma mais segurança de trânsito incorporou novas formas de ação mais
ampla, no controle de exposição, estruturais e voltadas a promover alternativas intrinsecamente mais
favorecendo a utilização dos meios de seguras. Por exemplo, percebeu-se que os modos de transporte
tráfego intrinsecamente mais seguros público coletivo são sistematicamente mais seguros em todas as
(ou desfavorecendo os inseguros). cidades e que as estruturas viárias com maior segregação das áreas
com preferência para os usos e fluxos locais são sempre mais seguras
em todas as cidades. Ao invés de adaptar as formas existentes, a ação
destinada a promover a implantação ou incentivar o uso das
alternativas intrinsecamente mais seguras é uma medida tão ou mais
eficaz. Estas ações são usualmente associadas com a estratégia de
Controle de Exposição (na verdade, exemplificou-se pelo apoio à
opção favorável mas é mais comum sua utilização pela restrição à
opção desfavorável, de controle de risco).

Pode-se ver que, mesmo em um campo de ação específico como a


segurança viária mas especialmente para a segurança de trânsito como
um todo, normalmente existem muitas formas de ação alternativas
34

disponíveis e uma razoável evidência que apoia a ação sinérgica que


possa integrar de forma adequada as ações de outros campos de ação.

2.2.4. Ação Integrada na Segurança de Trânsito

A identificação das áreas de especialização é interessante porque cada


uma delas baseia-se em um conjunto distinto de teorias e práticas de
ação que se desenvolveram em cada uma das respectivas áreas de
conhecimento. Normalmente, são atividades refletidas e
desenvolvidas por pessoas diferentes, com formação distinta, que
apenas suplementarmente encontram-se e articula suas ações. A esfera
do trânsito, no entanto, evidenciou a importância de considerar a
integração destes pontos de vista complementares. Por exemplo, a
prática na área de segurança de trânsito (mas também a operação de
trânsito) classicamente difundiu a idéia de que as intervenções mais
eficazes de obter melhorias devem combinar simultaneamente ações
conjuntas de Engenharia, Educação e Exigência (os “três Es” da ação
do trânsito, traduzido de Education, Engineering, Enforcement)6, como
reconhecimento da potencial sinergia existente entre estes campos de
ação. Muitas vezes a eficácia de uma medida de Engenharia (por
exemplo, um semáforo de meio de quadra acionado por botoeiras) é
potencializado por um trabalho de Educação voltado a promover seu
funcionamento efetivo (no exemplo, campanhas informativas
explicando sua necessidade e eventualmente esclarecendo a forma
adequada para sua utilização) e de Exigência com a fiscalização da
obediência às normas de conduta devida (por exemplo, a fiscalização
da obediência do condutor à indicação semafórica e do atendimento do
pedestre à orientação de buscar a travessia apenas no semáforo).

Há considerável evidência empírica suportando a necessidade de ação


Há razoável suporte (e evidência integrada para melhoria da segurança viária (como o apoio aos 3 E´s)
empírica) para promoção da idéia de mas não é evidência claramente científica. Na verdade, em grande
que os resultados na área de segurança medida o suporte vem da dificuldade de obter os resultados desejados
de trânsito são mais eficazes quando com ações simples. No entanto, esta frustração vem muitas vezes de
são utilizadas estratégias de ação ações mal concebidas ou de expectativas que ignoram a resposta
integrada (como no trinômio comportamental dos usuários da via (por exemplo, a pavimentação ou
Engenharia-Educação-Exigência). iluminação de uma via favorece naturalmente a prática de velocidades
maiores, o que pode acarretar num aumento da frequência de
Engenharia refere-se aos distintos acidentes de trânsito particularmente graves se a via tiver elementos
sistemas técnicos empregados na desfavoráveis como curvas acentuadas ou taludes desprotegidos).
operação do tráfego (notadamente nas Seria necessário demonstrar que ações eficazes e bem concebidas que
vias e nos veículos) e sua utilização combinam ações em mais de um campo tem um efeito final que é
pode certamente ser influenciada de
6
forma relevante pelo comportamento O terceiro E, que corresponde a Enforcement, na expressão em inglês, e pode ser
dos usuários da via. ... traduzido por Exigência ou Atuação (seria também traduzido por Fiscalização, em
sentido mais restrito). Para manter a simplicidade e os “três E´s”, diversas outras
traduções têm sido usadas: Esforço, Execução, além de Exigência. O termo busca
Educação e Exigência (Enforcement) enfatizar que algumas medidas de promoção da melhoria da segurança no tráfego não
referem-se ambos ao componente são auto-aplicáveis e exigem um esforço complementar de atuação para torná-la
comportamental e distinguem as ações eficiente/eficaz, caso típico das leis de trânsito e da sinalização viária. Note-se que o
de formação/informação prévia para os sentido mais amplo do termo em inglês, fora do sentido restrito de Fiscalização,
também é vago. Por exemplo, coloca-se normalmente a atividade de policiamento
usuários da via das ações de controle no seu escopo mas pode-se discutir se também está incluído o rigor da justiça em
social (disciplinar ou policial) do seu penalizar as infrações no trânsito ou punir os crimes de trânsito dentro desta mesma
comportamento efetivo. Em sentido classe de preocupações. O termo Esforço seria uma boa tradução, não fosse a
amplo, a sociedade como um todo predominância em português da sua associação ao sentido físico, ausente no termo
configura estes componentes. ... original em inglês. Por isso, preferiu-se Exigência. A literatura acadêmica tem sido
fértil em ampliar os “E´s” para além desse trinômio tradicional, propondo diversas
visões complementares (Exposure ou frequência da exposição a situações de risco,
Há, no entanto, ações independentes Examination ou exames de avaliação da capacidade ou habilidade dos usuários da
efetivas e ações integradas inefetivas, via, Emergence Response ou eficiência dos serviços de atendimento de emergência
devendo-se avaliar o efeito final das às vítimas de acidentes de trânsito, Evaluation ou monitoração da operação do
ações pelo seu efeito na vida social. ... trânsito, são outras ações complementares citadas; outros E´s anglicistas abundam:
Energy, Economy, Environment, External Effects, Efficiency, Efficacy, ...).
35

superior em relação às contribuições independentes das respectivas


ações isoladas, uma avaliação raramente tentada.

Deve-se também notar que o trinômio clássico que constitui os 3 E´s


tem dois campos que se referem ao fator humano e um campo que trata
indistintamente dos fatores viários e veiculares. A Educação pode
compreender as ações relacionadas com a formação/informação prévia
(através iniciativas propriamente educativas ou campanhas de
publicidade ou outras ações midiáticas). É difícil circunscrever
claramente o limite das ações educativas e a identificar a natureza das
práticas educativas realmente efetivas. Em particular, campanhas de
publicidade e outras ações midiáticas são muito simpáticas aos
gestores menos zelosos com resultados reais do que com a ação
aparente mas existe pouca evidência suportando a eficácia final da sua
aplicação (ou determinando a magnitude e persistência da ação
necessária para obter um nível adequado de eficácia). A Exigência
pode ser entendida como a atuação de controle social envolvida no
próprio funcionamento normal da intervenção e normalmente
associada ás ações disciplinares de fiscalização (infrações e multas),
não havendo a menor sombra de dúvida sobre a sua eficácia em
promover os comportamentos mais idiossincráticos que se venha
conceber e também obter ganhos relevantes na segurança de trânsito,
pelo menos durante o período em que se fizer presente e/ou ostensiva.
No entanto, há um razoável questionamento sobre quanto dos seus
efeitos são temporários e sobre quanto da sua obstinação pode ser
mantida de forma permanente. Felizmente, exceto para os que buscam
resultados superlativos e imediatos, a ação exigente também é
estabelecida pelos mecanismos convencionais de atuação policial e
judicial existentes no dia a dia da vida social. Facilmente, o rigor ou
desleixo de um e outro somam-se ou, se opostos, cancelam-se ao longo
do tempo (e a atuação policial e judicial normal é então mais longeva).

Com base na discussão feita até aqui, percebe-se que o suporte à ação
integrada na segurança de trânsito não pode ser traduzida numa crença
cega na eficácia de ações de Engenharia, Educação e Exigência (os 3
E´s clássicos ou qualquer outra extensão da idéia original). A análise
cuidadosa deve buscar identificar as situações em que as ações
pontuais ou concertadas são potencialmente eficazes para melhorar a
segurança de trânsito, dentro de uma perspectiva de longo prazo (em
que ações voluntaristas são temporárias e devem ser substituídas pelos
mecanismos sociais permanentes para consolidar os resultados).

Esta discussão é particularmente atual porque algumas visões recentes


trazem a mesma visão refraseada. Em particular, a Visão Zero ou a
Abordagem do Sistema Seguro costumam ser associados a quatro
pilares: condutores seguros (ou mais genericamente usuários da via
conscientes dos riscos no tráfego), velocidades seguras (ou mais
genericamente condições de operação adaptadas a uma interação
segura no tráfego, destacando a regulamentação e fiscalização
adequada do comportamento no trânsito), veículos seguros e vias
seguras (ou mais genericamente projeto dos elementos envolvidos no
tráfego com consideração adequada do seu impacto na segurança). Em
uma ou outra versão, outros pilares são adicionados (assim como os
E´s multiplicavam-se na discussão clássica). É algo em si insuficiente
e propõe uma generalidade que não pondera os diferentes contextos.
36

OS E´S DA AÇÃO NO TRÂNSITO

A complexidade das interações no trânsito e a renitência dos problemas de fluidez e segurança gerados logo
destacou a importância da ação simultânea em diversos elementos envolvidos. As ações contidas no clássico
tripé formado pela Engenharia, Educação e Exigência podem influir consideravelmente na operação do tráfego,
especialmente estabelecer requisitos para agir de forma efetiva sobre o comportamento humano e veicular.

A Engenharia atua através do desenvolvimento de projeto viários que proporcionem deslocamentos mais
seguros, confortáveis, rápidos e econômicos, de forma compatível com os requisitos operacionais dos veículos e
comportamentais dos usuários da via. A Educação pode contribuir para o desenvolvimento do sentido de
segurança viária através do ensino das normas e condutas corretas aos usuários do Sistema Trânsito e do
constante reforço a essas atitudes. As ações de Exigência, que requisitam uma presença constante, orientando o
usuário e fiscalizando seu comportamento ou removendo ou dificultando ações que representam interferências
na operação ou riscos à segurança (entre outras atividades), apoiam a conformidade do comportamento humano,
a partir do momento que informam e impõem penalidades pelo não cumprimento da conduta esperada, e podem
gerar novos hábitos de respeito e civilidade (que a impunidade torna menos presentes).

Deve-se ressaltar que em geral essas três ações devem ter presença continuamente para surtirem efeito no
comportamento do homem, particularmente quando há estímulos e motivações outras para comportamentos
indesejados. Ações isoladas na área de Educação (por exemplo, campanhas esporádicas ...) ou intervenções de
Engenharia sem apoio de fiscalização efetiva, normalmente não surtem efeitos em relação à segurança e nada
acrescentam em termos de alteração do comportamento real. Por este motivo, deve-se avaliar o grau de
Exigência necessário para que cada medida funcione efetivamente. Algumas intervenções podem ser
classificadas como auto-exigíveis (por exemplo, obstruções físicas) enquanto outras medidas podem exigir
esforços significativos de orientação na fase de implantação e fiscalização permanente na fase de operação.

Para ilustrar, vejamos o caso de uma via saturada, cuja capacidade não atende mais à demanda de veículos que
busca utilizá-la. Esta deficiência pode gerar filas que atrasam o deslocamento de centenas de pessoas todos os
dias e bloqueiam certos cruzamentos. Todas as intervenções possíveis podem beneficiar alguns e prejudicar
outros. Mas, selecionando-se uma medida adequada, os resultados dependem de obter-se sua eficácia final.

Uma ação, de Engenharia, poderia proibir o estacionamento em um ou ambos os lados da via, para aumentar o
número de faixas de tráfego e ganhar em capacidade (eventualmente essa proibição poderia ser restrita apenas
aos trechos mais saturados ou aos horários de maior demanda). Uma medida educativa ou informativa seria
comunicar e explicar aos usuários da futura mudança, com antecedência suficiente, através de folhetos e faixas
(especialmente os usuários de passagem ou clientes eventuais, visto que a comunidade local provavelmente
participaria da discussão sobre a conveniência/necessidade de proibir o estacionamento). Entretanto, se não
houver fiscalização, alguns usuários continuarão a estacionar como antes, privilegiando sua própria
conveniência. Com isso, o projeto perde o efeito (basta um veículo estacionado para diminuir em uma faixa a
oferta viária). Desse modo, a educação e fiscalização (aplicação de multa e remoção do veículo) são os
instrumentos necessários para garantir a eficiência do projeto de Engenharia. Alternativamente, a ampliação
física da via teria efeito similar e seria auto-exigível mas pode ter custo muito maior ou ser impossível (dada a
largura disponível ao longo do trecho considerado).

Outra ação, de Educação, seria realizar uma campanha para que as pessoas evitassem bloquear os cruzamentos
(um comportamento inapropriado em que, com muito mais probabilidade, todos perdem ao final, mesmo que
um ou outro usuário ganhe alguns segundos em um ou outro cruzamento). A ação educativa pode ser apoiada
por placas educativas advertindo sobre a irregularidade e inconveniência do ato de bloquear os cruzamentos,
pela sinalização de demarcação da área de conflito no cruzamento, por alterações de defasagens entre os tempos
de verde dos semáforos adjacentes de forma a ter vermelho na aproximação quando a fila adiante está
totalmente parada e, principalmente, de medidas destinadas a reduzir (se possível, eliminar) a saturação
existente. Estas ações de Engenharia tornam a obediência mais plausível e a transgressão menos provável. Por
fim, a fiscalização novamente será essencial (especialmente nas fases iniciais da campanha e, provavelmente, de
forma intermitente após sus implantação total) para exigir a obediência às normas divulgadas. Dispositivos
eletrônicos de fiscalização podem ser utilizados para tornar a ação auto-exigível. Se o comportamento
inapropriado persistir, como infração, os ganhos de capacidade do ajuste semafórico podem ser comprometidos
e a operação do tráfego será pior para toda a cidade (usualmente até para os infratores).

Como visto, a educação de trânsito deve se concentrar na tentativa de modificar os aspectos do comportamento
humano que mais comprometem sua segurança e a dos demais usuários do trânsito, pois a redução dos acidentes
37

de trânsito (em boa medida relacionados com falhas, erros ou transgressões, humanas) é um objetivo de ordem
superior. No entanto, é enganoso ver as iniciativas no campo de educação como esforços pontuais e imediatos
(como os utilizados nos exemplos anteriores). É também enganoso ver conteúdo formativo apenas nas ações
ensejadas com foco educativo (com objetivos desta natureza). O processo educativo é em geral muito mais
amplo, gradual e lento. Mas ao mesmo tempo firme ao inscrever valores e normas na cultura dos cidadãos.

Uma das formas de combater os problemas do trânsito é o ensino às pessoas, tanto aos motoristas quanto aos
pedestres, sobre o comportamento adequado. Esta educação geral para o trânsito ocorre de diversas maneiras e
permeia o dia a dia das pessoas, através dos exemplos observados na operação do tráfego (dos pais condutores,
dos motoristas ao lado), das diversas formas de comunicação social (incluindo-se aí a propaganda educativa),
além das instâncias institucionalizadas de educação (no ensino formal universal ou na formação de condutores).
É, então, uma ação geral e não específica. E é formadora em um nível fundamental (da educação infantil).

Em que pese a reiterada preocupação manifestada com a educação de trânsito no Brasil, em particular no texto do
novo CTB de 1997 (que criou diversos mecanismos orientados a promovê-la), a situação ainda é bastante
deficiente. A ausência de ações positivas neste campo não é pior, no entanto, que a convivência cotidiana com
exemplos negativos. Particularmente a inoperância dos órgãos responsáveis pela fiscalização do trânsito e pela
ministração da justiça nas esferas disciplinares, cíveis e criminais relacionadas com o trânsito são igualmente
importantes (e aparentemente insubstituíveis, dada a experiência demonstrada nos países mais desenvolvidos).

Para que a Educação seja realmente efetiva, a Exigência deve ser vista como complemento essencial de ações na
área educativa, normalmente associada à fiscalização presente e atuante, mas que também deve incluir o rigor na
responsabilização legal dos infratores (especialmente nos casos mais graves, que produziram acidentes de
trânsito), como extensão da ação educativa através da norma socialmente exigida. Neste aspecto, entretanto, a
esfera judicial é tão ou mais importante do que a ação fiscalizadora, numa perspectiva formadora dos cidadãos. É
possível afirmar, com base na experiência dos países mais desenvolvidos, que o rigor da justiça é um fator
essencial e a ação disciplinar da fiscalização do trânsito é complementar (nenhum grau aceitável de furor
fiscalizatório é um antídoto suficiente para a inépcia da justiça em punir ações irresponsáveis no trânsito).

A necessidade de ter base técnica e científica para orientar as ações da Educação e da Engenharia, antes do
recurso a ações de Exigência, não pode ser menosprezada. Na medida em que exista mais rigor na exigência de
obediência às normas de trânsito, a sua adequação é naturalmente muito mais importante. O exemplo recente da
implantação de dispositivos de fiscalização eletrônica de velocidade é uma ilustração clara. Neste contexto, é
preciso ter uma base técnica adequada para estabelecer os limites de velocidade regulamentada, com critérios
justificadamente exigidos pela necessidade de ter um tráfego seguro, inclusive ponderando o impacto da redução
de velocidade sobre o aumento dos tempos de deslocamento das pessoas. Muitas vezes, os limites de velocidade
pretensamente definidos em favor da segurança podem apenas alimentar o furor arrecadatório de multas, em
prejuízo dos cidadãos. A justificativa da preocupação com a instituição de uma indústria de multas (como estes
esquemas tem sido chamados), por outro lado, não pode servir para gerar a impunidade e a decorrente
insegurança. Portanto, a Engenharia é a responsável por situar-se em um saudável meio termo (sem deixar de dar
peso preponderante à segurança de trânsito, particularmente para os usuários vulneráveis).

Não seria justo dizer que faltaram preocupações com diversos aspectos relacionados com o trinômio da ação no
trânsito, embora possa-se questionar se os resultados têm sido adequados. Pode-se considerar que preponderante
parece ter sido a ação fiscalizatória. A Exigência veio sendo considerado um importante aspecto complementar
da aplicação da Engenharia ou Educação de trânsito, cuja principal ferramenta vendo sendo novamente a
fiscalização de trânsito, mas parece ter havido uma expectativa exagerada de que sua atuação fosses suficiente,
quando muito suplementada por ações episódicas de orientação dos usuários. Neste campo, o CTB de 1997
trouxe importantes avanços em relação à legislação anterior (como a criação do sistema de pontuação ou a
elevação do valor das multas) e sucessivas ações têm sido tomadas para agravar as penalidades impostas aos
usuários da via através da fiscalização. Entretanto, os novos mecanismos só teriam efeito para a segurança do
trânsito se fossem acompanhadas de um esforço contínuo de atuação na Exigência, com uma fiscalização efetiva
sobre as infrações cometidas e na criteriosa aplicação de regras de trânsito adequadas, que parece distante da ação
viável com os recursos existentes. Pior, o foco prioritário na Exigência parece ter minado a ação na Educação e
na Engenharia (ao invés de ter sido integrada a elas). Resultado: a persistência dos problemas por décadas.

No Brasil, a educação de trânsito ainda não é matéria regular nos currículos escolares. O alvo principal da
educação de trânsito considerou muitas vezes a criança, que além de oferecer-se como ser em formação com seus
poderes sensoriais e intelectuais ainda em desenvolvimento, merece atenção por ser o mais vulnerável dos
agentes do trânsito. As escolas, como formadoras de comportamento, podem ser as divulgadoras das primeiras
noções de educação de trânsito. Muitas atividades nesse campo ficam restritas às campanhas governamentais (e
38

normalmente resumem-se às Semanas do Trânsito, que ocorrem anualmente no mês de setembro) e iniciativas
esparsas de instituições públicas e privadas (com presença parcial em termos de cobertura espacial ou temporal).
Isto ocorre em que pese o CTB trazer um esforço no sentido de melhorar a aplicação dos conceitos de educação
de trânsito no Brasil. Seu CapítuloVI trata exclusivamente do assunto e estabelece atividades variadas para todos
os componentes do SNT. Há até uma destinação de receita. O Parágrafo único do seu Artigo 78 diz que “o
percentual de dez por cento do total dos valores arrecadados destinados à Previdência Social, do Prêmio do
Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre - DPVAT, de que
trata a Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, serão repassados mensalmente ao Coordenador do Sistema
Nacional de Trânsito para aplicação exclusiva em programas de que trata este artigo” (no caso, programas
destinados à prevenção de acidentes).

Existem outras frentes de trabalho na educação de trânsito, além das campanhas populares e do ensino nas
escolas e a principal delas certamente o estágio formativo constituído pelo ensino nas auto-escolas. O
CONTRAN vem procurando modificar o papel que antigamente as auto-escolas no Brasil cumpriam:
praticamente se limitavam a uma instrução mínima de como passar no exame de habilitação. Muitos
conhecimentos importantes não eram abordados, deixando de formar motoristas capazes de transitar pelas ruas e
rodovias com segurança. Com a publicação da Resolução 33/1998, o Contran estabeleceu as regras para o
funcionamento dos Centros de Formação de Condutores – CFC, exigindo qualificação técnica de seus instrutores
e obrigando aos candidatos à habilitação a passarem por um treinamento multidisciplinar, com noções de direção
defensiva, primeiros socorros, manutenção do veículo, cidadania, entre outros.

Naturalmente ações complementares são exigidas para atingir os pedestres, além dos estágios escolares.
Conforme diz Charles Zeeger, um dos mais renomados pesquisadores americanos entre os dedicados à melhoria
da segurança, em particular dos pedestres, “a relativa liberdade direcional, embora lenta, movimentação do
pedestre, quando comparada com a direcionalmente confinada, mas muito mais rápida, movimentação dos
veículos motorizados, resulta em um grande número de locais conflituosos, com alto potencial de acidentes”.
Assinala também que ”a maioria dos motoristas foi treinada e testada para a observação das ‘regras da estrada’ e
dos equipamentos de controle de trânsito” mas que “entretanto, os pedestres - que representam uma larga faixa de
idades e capacidades físicas - não são bem treinados”.

Não seria justo ignorar esforços mais integrados, embora muitas vezes episódicos ou limitados. Alguns
exemplos podem ser tomados da experiência da CET/Sp-Companhia de Engenharia de Tráfego da Prefeitura do
Município de São Paulo. A CET/Sp vem desenvolvendo a anos em São Paulo um programa inovador na
educação de trânsito para escolares. São os “Espaços Vivenciais”, unidades especialmente construídas,
equipadas, entre outras coisas, com auditório e um circuito que reproduz um sistema viário, com ruas, sinalização
de trânsito e ponto de ônibus. Durante uma visita, os alunos são acompanhados por monitores que explicam o
procedimento correto na travessia das vias, o respeito à sinalização e o uso correto do semáforo de pedestres. Os
pré-adolescentes podem circular pela pista do Espaço Vivencial dirigindo mini-carros, acompanhados pelos
monitores que durante o percurso vão informando as regras básicas de trânsito. A visita se encerra com uma
gincana sobre trânsito, disputada no auditório, com a exibição de videoclipes educativos especialmente
desenvolvidos para a situação. Muito pouca eficácia foi observada neste considerado esforço quando conduzido
como ação isolada. Em outras iniciativas, a ação concomitante de campanhas de fiscalização e intervenção nas
vias tornou o cenário aparentemente distinto. Como exemplo, pode-se tomar dois casos: o uso do cinto de
segurança nos automóveis (emblemático pelo menos ao redor de 1992) e o respeito à preferência nas travessias
de pedestres (mais recentemente priorizada por volta de 2010). Pesquisas mundiais indicavam que o uso do cinto
e o respeito aos pedestres reduzia significativamente a intensidade dos ferimentos em vítimas de acidentes e, por
correspondência direta, no número de mortos no trânsito. Na cidade de São Paulo, essas medidas foram
motivadas pela evidência científica existente e foram delimitados contextos e áreas em que seu potencial de
redução de acidentes era maior. A medida inicial foi a da Educação. Em 1992, uma grande campanha de
divulgação baseada em faixas de pano, folhetos, out-doors e rádio por seis meses alertou os motoristas sobre a
necessidade do uso do cinto. Um esforço similar, incluindo a ação mais massiva na televisão, divulgou a
intenção do esforço de proteção aos pedestres. Após as campanhas, foi iniciada a fiscalização. No caso do cinto,
com valor alto das multas (próximo do equivalente a U$ 200,00 à época), o índice de utilização do cinto pelos
motoristas passou de 18% em maio de 1994 para 91% em novembro do mesmo ano). Esses índices permanecem
até hoje, tornando São Paulo uma das cidades onde essa medida é mais obedecida. Como comparação, temos que
esse índice é de 70% no Estado da Florida, EUA. No caso dos pedestres, no final do mandato municipal de
2006-2012, um novo presidente da CET/Sp encarou com determinação o desafio de aumentar o respeito às
normas de circulação que estabelecem a preferência dos pedestres em diversas situações do trânsito, dando
especial atenção a áreas com histórico relevante de atropelamentos, onde foram instituídas as ZMPP-Zonas de
Máxima Proteção ao Pedestre e pode-se complementar a ação pela revisão parcimoniosa de alguns tratamentos
dados às travessias (ilhas de refúgio, tempos de semáforos, etc ...). Uma mudança notável manifestou-se na
39

redução de atropelamentos que acentuou uma tendência histórica que a cidade vem vendo nas últimas décadas
(os atropelamentos tem sido a principal forma de fatalidade no trânsito na cidade, demonstrado pelas estatísticas
oficiais desde que implantou um sistema independente de apuração em 1976, mas tem sido uma inflexão absoluta
e relativa na fatalidade dos pedestres pelo menos a partir de 2000, o que ocorreu antes com a participação de
condutores e passageiros de automóveis e tem sido desafiada pela tendência oposta no que se refere aos
condutores e passageiros de motocicletas). A ação foi abandonada após a transição para o novo mandato
municipal de 2013-2016 e os ganhos obtidos no período anterior esvaneceram-se como plumas (logo a nova
gestão elegeu uma ação voluntarista da mesma natureza mas auto-financiada, o aumento da fiscalização
eletrônica de velocidade, que tem resistido ao tempo e igualmente ignora ações técnicas ou educação de trânsito).

Conclusão: a aplicação dos “3 E´s” não garante a mudança efetiva de comportamento dos usuários da via e a
eficácia de intervenções necessária para melhorar a segurança de trânsito. Não há substituto para a ação
criteriosa na seleção das formas de intervenção e na avaliação do resultado normal esperado após as etapas
temporárias de divulgação, implantação e monitoração das intervenções. A ação criteriosa, além de mais eficaz,
é mais respeitosa com os cidadãos. A aplicação dos “3 E´s” pode produzir a mudança efetiva de comportamento
dos usuários da via e melhorar a segurança de trânsito mas pode não ser necessária (para ações comuns e auto-
exigíveis) ou suficiente (se não atingirem uma escala relevante ou não selecionarem ações efetivas). Por outro
lado, em alguns casos podem ser imprescindíveis (como no enfrentamento do uso do álcool ou outras drogas por
condutores e pedestres ou da prática de velocidades extremas em rachas e richas ou outras ações delinquentes)
mas dependente da seleção de formas de atuação realmente eficazes no longo prazo (como a integração de
educação escolar e controle social, especialmente a promoção do funcionamento efetivo da Justiça). ...

2.2.5. Condições Extremas com Dano Provável

Há uma outra peculiaridade dos problemas de segurança de trânsito


que é decorrente da excepcionalidade de alguns fatores envolvidos,
particularmente nos acidentes de trânsito e especialmente nos de maior
gravidade. Naturalmente por serem eventos que causam danos
humanos e materiais relevantes e que tem a ação contínua dos usuários
da via na sua ocorrência é óbvio que os indivíduos aplicam razoável
atuação para evitar sua manifestação (e a produção dos seus resultados
indesejáveis). A ocorrência dos acidentes é, portanto, uma clara
demonstração de falha da diligência humana (e de seus recursos) na
tarefa de evitar os acidentes e os danos decorrentes (teriam o interesse
de evitá-los sendo ou não seus causadores).

A observação empírica sobre as circunstâncias dos acidentes de


trânsito mostra que parte razoável da falha na diligência humana,
especialmente nos acidentes mais
graves, decorre da presença dos
fatores excepcionais acima
mencionados. Por exemplo, os dados
sistematicamente coletados pela
Administração Nacional da
Segurança de Tráfego Rodoviário
dos EUA (o NHTSA-National
Highway Traffic Safety
Administration, órgão responsável
pela sistematização dos dados sobre
os acidentes de trânsito no país,
incluindo o FARS-Fatality Analysis
Reporting System, o Sistema de
Informação de Análise de Fatalidades
que considera dados censitários e
inclui o acompanhamento de todos
acidentes fatais de trânsito) mostram
que metade a um terço das
fatalidades ocorrem em situações em
40

que um condutor do veículo tem sinais significativos de ingestão de


álcool (aferido pela concentração de álcool na corrente sanguínea no
momento do acidente ocorrido) e que o problema vem persistindo ao
longo dos últimos 30anos ou mais (apesar de uma redução decorrente
do ação policial e judicial cada vez mais rígida existente nos EUA).

Esse caso importante (relativo ao uso de álcool e outras drogas pelos


A presença de fatores excepcionais é condutores de veículo) é apenas um dos exemplos da presença muito
maior nos acidentes de trânsito do que superior à ocorrência no trânsito normal de fatores extremos que
ocorre na vida social, em especial nos representam um efeito significativa na produção de situações de risco
acidentes mais graves, incluindo de acidente grave e na redução significativa da capacidade de evasão
comportamentos humanos aberrantes das condições de risco pelos usuários da via. Grande parte destes
mas também condições climáticas fatores extremos são relacionados com o comportamento humano,
adversas e falhas veiculares. Em podendo-se adicionar pelo menos certas práticas anti-sociais de
princípio, estes fatores excepcionais direção perigosa (como a transgressão extrema dos limites de
devem ser ponderados e a segurança de velocidades, muitas vezes parte de rachas e richas praticadas nas vias
trânsito deve considerar a possibilidade normais de trânsito, ou a direção agressiva contra usuários
de ocorrência de condições extremas vulneráveis, pedestres e ciclistas em geral mas especialmente
com dano provável. andarilhos e outros indivíduos em situação de exclusão social). É
forçoso reconhecer que o comportamento do usuário real da via, além
Dois problemas notáveis, neste aspecto, de afastar-se de um padrão ideal prudente e preciso (e improvável),
são a renitência da presença do uso de não pode ser entendido apenas considerando um comportamento real
álcool e outras drogas (em que pese a normal que considera deficiências e falhas (ou erros) comuns ou
grande importância atribuída ao seu mesmo violações intencionais corriqueiras (ambos frequentemente
combate na maioria dos países) e a observados na operação do trânsito, em comparação com a frequência
existência de formas aberrantes de de acidentes). Esse comportamento pode ser classificado como
comportamento de risco relacionadas aberrante por conter um grau de negligência/irresponsabilidade ou
com a prática de velocidades excessivas desígnio de agressão social que dificilmente é visto nas ações comuns
nas vias e outras formas de direção e corriqueiras e constitui uma forma de conduta social claramente
perigosa que particularmente ameaçam presente em proporção excepcional nos acidentes de trânsito graves.
os demais usuários da via.
O estudo do comportamento aberrante é particularmente relevante
Há amplo consenso sobre a importância porque a evidência mostra que sua ocorrência e seu efeito são
de combater estes problemas distintos do correspondente aos fatores normais. Por exemplo, um
particulares mas há grande variedade de condutor alcoolizado é muito menos sensível à fiscalização
ações com eficácia discutível. Parece convencional que apenas registra infrações e aplica multas de trânsito
que o rigor da Justiça na prossecução (pode ser apenas sensível ao risco de prisão e à intimidação decorrente
dos crimes decorrentes dessas práticas é da ação policial) e tem um comportamento na via que dificilmente
a forma mais eficaz de combatê-las pode ser tornado seguro com um projeto mais benevolente com as
(sendo as demais ações mitigadoras). necessidades de tempo de reação e decisão dos condutores normais
(na verdade, é praticamente impossível projetar um sistema viário
para um usuário alcoolizado no controle dos potentes veículos atuais).

Os fatores excepcionais não se restringem, no entanto, apenas aos


relacionados com o comportamento humano. É forçoso também
admitir que certas condições adversas na via e certas falhas bruscas
nos veículos são muito difíceis de controlar pela ação compensatória
dos usuários da via, seja pela sua ocorrência repentina ou pela
dificuldade em adaptar prontamente o comportamento na via a um
limiar capaz de restaurar um nível adequado de segurança no trânsito.
Entre as condições adversas na via predominam as climáticas e/ou
temporárias (chuva intensa, neblina ou nevoeiro, óleo ou sujeira na
pista, situações imprevistas de incidentes ou obras na via) mas há
outras situações similares. Entre as falhas bruscas nos veículos
predominam quebras que produzem a instabilidade do veículo em
curso normal e defeitos nos componentes de segurança como freios (e
auxílios à direção e frenagem) que se revelam nas situações de uso
normal mas em condições imprevistas. São claramente fatores raros
na operação normal do tráfego. No entanto, sua proporção expressiva
nos acidentes de trânsito grave mostra que merecem atenção especial.
41

Coletivamente, estes fatores excepcionais configuram o que pode ser


identificado como a presença de condições extremas com risco de
acidente e dano provável, de razoável magnitude (ou resumidamente
condição extrema com dano provável). Normalmente estes fatores
excepcionais requerem (e justificam) intervenções especiais que
afetem de forma drástica o comportamento dos usuários da via (para
reduzir de forma igualmente drástica o risco elevado de acidente) ou
adotem a estratégia complementar de tornar o acidente (provável)
menos grave. A grande dificuldade, no entanto, reside no fato de que o
risco trazido não é em geral localizado, exigindo formas de ação que
atinjam extensões consideráveis do sistema viário (embora possam ser
mais justificadas onde a gravidade dos acidentes provável é mais
grave). Os acidentes com saída de pista são um exemplo frequente de
situação em que estes fatores excepcionais estão presentes (e os
critérios de segurança aplicáveis neste contexto segue em linhas gerais
o delineamento de proteger locais de risco). Outro contexto usual onde
estas estratégias são viáveis são aqueles em que o risco elevado
decorre da concentração de tipos de usuário da via com características
ou necessidades especiais (como os idosos e crianças, comumente, mas
também em áreas onde concentram deficientes visuais ou físicos).

No entanto, entre estes fatores há pelo menos dois que assumem


participação alarmantes nos acidentes de trânsito graves, como
demonstrado à exaustão nos estudos técnicos: o uso do álcool pelos
usuários da via (predominantemente os condutores mas também os
pedestres) e a prática de altas velocidades na via (speeding, associado
ou não a prática de rachas ou richas nas vias normais de tráfego).

O reconhecimento da importância do uso de álcool (e outras drogas)


nos acidentes de trânsito mais graves é ampla e tem sido demonstrada
desde muito tempo. Os estudos sobre os efeitos comportamentais do
uso do álcool, em particular (a droga mais comum neste campo), são
abundantes e pode-se escolher entre diversas fontes com conclusões
similares. Como resultado, a existência de normas restritivas para a
condução sob influência de álcool, pelo menos, são regra na grande
maioria dos países (em níveis que comportam alguma flutuação mas,
principalmente, com variação relevante na tolerância social às
transgressões ou no rigor da aplicação de punições). Não há dúvida
sobre a importância das normas de controle social baseadas na
fiscalização de trânsito, na ação de contenção policial e na prossecução
de crimes decorrentes do uso de álcool no trânsito (salvo alguma
exceção pouco conhecida, não há país onde não haja restrição à prática
de dirigir sob a influência de álcool e, na maior parte dos países como
no Brasil, a lei eleva o uso de álcool a crime ao invés de tratá-lo como
uma contravenção penal ou uma infração disciplinar). Não há
igualmente dúvida sobre a renitência do uso do álcool na sociedade
atual e da prática de dirigir sob a influência do álcool mesmo nos
países onde seu tratamento é mais duro (os dados acima apontados
sobre os EUA são um exemplo claro disso).
42

EVIDÊNCIAS SOBRE O USO DO ÁLCOOL E A SEGURANÇA DE TRÂNSITO


Os estudos comparativos sobre o enfrentamento da questão do uso do álcool (um problema em si) e da prática de
dirigir sob a influência do álcool são diversos e suas conclusões são variadas. Qualquer síntese dos resultados
observados pode certamente ser acusada de ser seletiva e destacar alguns aspectos em detrimento de outros. O
apoio à necessidade de ação policial em apoio à fiscalização de trânsito em relação à prática de dirigir sob a
influência do álcool parece um aspecto sempre considerado essencial. É da natureza da infração o fato de ser
necessário deter os veículos na via para inquirir os condutores, aplicar testes de alcoolemia ou examinar fatores
manifestos de embriaguez. É da natureza do infrator (pelo menos em sua condição momentânea e eventualmente
circunstancial) a necessidade de aplicar sanções mais graves como a prisão preventiva e outras complementares
(como a suspensão ou cassação do direito de conduzir). São práticas adotadas em algum grau em todos os países
(mesmo sujeitas a grande pressão e contestação social). Aceitando a insuficiência destas ações (por serem
insuficientes em si ou por serem apenas parcialmente aplicáveis em termos sociais), há ainda uma ampla variedade
de estudos sobre ações adicionais. Os EUA, em particular, são um grande laboratório social nesse aspecto, devido
à ampla variação da lei entre as unidades da sua federação. E ainda pode-se dizer que a maior controvérsia é sobre
aplicabilidade das ações complementares eficazes (normalmente medidas que estabelecem a responsabilidade civil
compartilhada dos estabelecimentos que comercializam bebidas com álcool para consumo local). É, portanto, um
bom caso de discussão sobre a ação em segurança de trânsito. ...

Os efeitos do álcool, pelo menos no que diz respeito ao condutor de automóveis (que em boa medida podem ser
estendidas aos pedestres e condutores de veículos pesados ou de duas rodas até de forma conservativa), são
inúmeros e consistentes. Um resumo das conclusões dos estudos
da Administração Nacional da Segurança de Tráfego Rodoviário dos
EUA (o NHTSA-National Highway Traffic Safety Administration)
pode ser visto ao lado (Evans, 2004), com base na concentração de
álcool na circulação sanguínea (conhecido pela sigla internacional
BAC-Blood Alcohol Concentration). Apesar de reconhecer-se que
há grande variação interpessoal na absorção e na destruição do álcool
ingerido e nos efeitos sobre os indivíduos, o quadro descrito pode ser
considerado típico da maior parte das pessoas. Há um baixo limiar que
já produz redução perceptível da inibição e na frequência de erros em
tarefas simples que incluem as estimativas de distância e velocidade no
trânsito. O nível seguinte piora o desempenho e diminui o nível de
atenção, de forma geral, produzindo em particular um aumento
significativo dos tempos de reação nas decisões usuais no trânsito. Há um nível com risco bastante grave
(considerado intolerável pela grande maioria das pessoas em condições normais mas em que os indivíduos
afetados normalmente ainda consideram-se aptos) porque a capacidade de julgamento e raciocínio são muito
afetadas e pode haver um início do aumento da agressividade exposta no comportamento. Por fim, o nível
seguinte basicamente impossibilita a ação normal ao afetar seriamente os sentidos e o comando das ações
corriqueiras (podendo levar a perda de consciência e até a um estado de coma alcoólico).

As métricas de avaliação do álcool existente no corpo humano são diversas e amplamente estudadas, existindo
também diversas relações conhecidas entre a quantidade ingerida e o conteúdo residual no corpo humano que
explica os efeitos mencionados acima. Por exemplo, definindo uma dose como o conteúdo equivalente a um copo
de cerveja (com cerca de 200ml com 5% de álcool em volume), sua ingestão corresponde a 10ml=0,010litros ou
0,0079gramas, considerando a densidade do álcool como sendo 0,79kg/l) e seu tempo de absorção varia entre
indivíduos e com a quantidade consumida, ficando ao redor de 1hora (uma dose normalmente corresponde a
340ml de cerveja com teor de 5% ou 140ml de vinho com teor de 12%). A concentração de álcool na corrente
sanguínea (5a10% da massa corporal) corresponde basicamente à concentração no líquido corporal
(predominantemente água), que representa algo por volta de 60a80% da massa corporal para homens e 50a70% da
massa corporal para mulheres (diminui com a obesidade). Admitindo um homem de 100kg (cerca de 60kg de
líquido corporal), a dose inserida corresponde a uma concentração 0,0079/60=0,000132 ou 0,0132% no instante da
absorção total. A mesma concentração pode ser expressa em densidade aparente, considerando a densidade do
sangue de cerca de 1,05kg/l, como 0,000132/1,05=0,000125Kg/l ou 0,000125g/ml ou mais comumente expresso
como 0,125g/l ou 1,25g/dl (a unidade mais usual é g/l; prefere-se aqui a forma percentual). Em geral, a mesma
quantidade de álcool em um litro de sangue aparece em 210a230ml de ar exalado pela respiração (em um
analisador de respiração, a mesma ingestão representaria cerca de 0,125/0,220=0,568g/l ou 5,68g/100ml como é
mais comumente expressa, no instante de absorção total)
43

A destruição do álcool no sangue (uma reação de quebra enzimática à qual deve-se somar as perdas pela
respiração, suor ou urina) também é bastante estudada e em geral pode-se admitir uma taxa de redução linear.
Por exemplo, a chamada lei de Widmark estabelece uma taxa de redução da concentração de álcool na corrente
sanguínea de 0,017%/hora (0,17g/l/h) para homens e de
0,015%/hora (0,15g/l/h) para mulheres, permitindo obter
o valor residual em um momento posterior ao instante de
absorção máxima. No exemplo anterior, admitindo um tempo
de absorção total de 1hora, a presença de álcool (e seu efeito)
desapareceria após menos de 2 horas da ingestão. A aplicação
da lei de Widmark em geral resulta em estimativas de
concentração de álcool na corrente sanguínea 10a30% maiores
que os valores observados (como regra assume-se que a absorção total ocorre 90minutos após a ingestão e a
proporção de líquido corporal é 0,7 para homens e 0,6 para mulheres, desprezando outras formas de destruição).

O primeiro limiar dos efeitos do álcool sobre o condutor é normalmente relacionado com 0,02% ou 0,2g/l de
concentração de álcool na corrente sanguínea (cerca de 0,85mg/l ou 8,5g/100ml de ar expelido). O segundo
limiar dos efeitos do álcool sobre o condutor é usualmente estabelecido entre 0,06% e 0,08% ou 0,6 e 0,8g/l
(representando cerca de 0,26a0,35mg/l ou 26a35g/100ml de ar expelido). Estes são os valores em geral
adotados como limite legal em diferentes países (mesmo nos países que instituíram a tolerância zero, como no
Brasil pela Lei 6488 de 2008, a tolerância inferior é normalmente reestabelecida como critério de aplicação da
lei). Há uma clara evidência de maior rigidez nos limites fixados pela legislação recentemente revisada em
diversos países (o que seria um aspecto positivo, dada a clara importância do seu efeito para a segurança de
trânsito) mas os resultados obtidos da ação legal e da sua exigência real (predominantemente de fiscalização de
infrações e repressão policial) são pelo menos dúbios ou cambiantes. Essa é mais uma demonstração de que o
furor fiscalizatório não é substituto da inoperância da justiça e de que questões comportamentais dessa natureza
são melhor discutidas como necessidade de formação de contrato social maduro ao invés da atuação espetaculosa
de marketing político ou até meramente eleitoral dos governantes de ocasião.

Não há dúvida que o hábito de consumo de álcool e outras drogas é arraigado à cultura atual (em graus variados
entre os diferentes países) e ligado a uma ampla gama de atividades sociais e econômicas que constituem a vida
cotidiana dos indivíduos. Não há dúvida, igualmente, das suas repercussões negativas e os acidentes de trânsito
são apenas uma parte que não tem magnitude superior aos demais prejuízos familiares, sociais e econômicas. Na
esfera de trânsito, aliás, é onde esta manifestação parece mais diluída e incerta. Pode trazer um risco potencial ou
configurar-se em dolo eventual de produzir danos a si próprio e a terceiros, como diversas outras ações sociais a
que as pessoas respondem pelo resultado decorrente dos seus atos. Em algum nível certamente cabe a prevenção
mas esta ação não pode trazer a noção predominante de interferência com a liberdade pessoal ou punição a um
hábito cultural que, em si, não traz incômodo ou dano so indivíduo ou a terceiros. Não se entende também que
um aparente rigor preventivo conviva com a negligência em punir os fatos correspondentes às repercussões
negativas reais (decorrente dos acidentes de trânsito efetivamente ocorridos), que seria exemplar a respeito da
intolerância com a irresponsabilidade no trânsito.

Claramente não há política de segurança de trânsito séria sem um combate real ao problema gerado pelo uso do
álcool sobre a produção de acidentes de trânsito e seus dados. Mas há de ser real e efetivo.
44

A questão do controle da velocidade (e seus impactos na segurança)


tem aspectos similares. É bastante mais presente mas pode ser
facilmente transformado em uma ação de zelo duvidoso pela
prevenção discutível quando estendido de forma injustificada em grau
ou amplitude. No que se refere aos efeitos da velocidade sobre a
ocorrência dos acidentes de trânsito novamente há um reconhecimento
geral sobre sua relevância e uma especial importância nos acidentes de
trânsito mais graves. As preocupações correspondentes têm hoje cerca
de um século (as primeiras ações contra velocidades “excessivas”
datam do início da motorização mais disseminada, que nos países
desenvolvidos aconteceu na década de 20 do século passado). o
princípio as preocupações eram decorrentes dos conflitos entre
veículos motorizados e usuários não motorizados das vias
(particularmente os pedestres). Ao longo do tempo este conflito
ampliou-se em face do grande aumento das velocidades veiculares e as
preocupações passaram a considerar o efeito nos acidentes veiculares e
nos acidentes decorrentes de saídas de pista (choques com obstáculos,
quedas, tombamentos e capotamentos, além dos atropelamentos). Mas
o segundo pós-guerra parece ter trazido um componente adicional: a
prática de altíssimas velocidades nas vias (normalmente transgressão
extrema dos limites de velocidades estabelecidos), frequentemente
associado com a direção sob influência de álcool (mas não sempre).

Estas questões são especialmente importantes pela recente


disseminação dos dispositivos de fiscalização eletrônica de velocidade,
que são hoje um elemento cotidiano da vida no trânsito para a maioria
dos cidadãos. Da mesma forma que para o uso de álcool, o excesso de
velocidade também é demonstradamente relevante para a segurança de
trânsito e também tem sido diferenciado entre um nível de transgressão
dos limites instituídos que corresponde a simples infrações e um nível
de transgressão extrema que configura um crime de trânsito (como
crime formal por uma ação que coloca em risco grave de acidente o
próprio condutor e os demais usuários da via). O impacto na vida dos
cidadãos é, portanto, igualmente importante. Mas existe uma clara
distinção entre o excesso de velocidade como comportamento
aberrante (normalmente associado ao uso de álcool e outras drogas, a
fatores fortuitos diversos como fugas policiais ou ações suicidas, ou a
práticas de delinquência juvenil como rachas e richas nas vias) e como
comportamento desinformado ou negligente com o risco de acidente
(aspectos que a sinalização de limites de velocidade adequados e sua
fiscalização policial ou com dispositivos de fiscalização eletrônica
prioritariamente buscam corrigir). Aparentemente não há suporte para
ações indiscriminadas de redução dos limites de velocidade nas vias
que não se justifiquem pela impossibilidade de torná-las mais seguras
com mudanças viáveis na via ou sua condição. Há suporte para o
controle draconiano do excesso de velocidade extremo e para o recurso
à fiscalização de limites de velocidade definidos de forma cuidadosa,
para promover a ação responsável na escolha da velocidade de trânsito.

Em ambos os aspectos, parece certo afirmar que as ações recentes


voltadas ao aumento do rigor da lei elegem a ação mais fácil em
detrimento das mais eficazes. Parece certo também afirmar que não se
pode esperar a eficácia final de nenhuma ação cuja implementação
dependa de uma intensa vigilância e repressão (incluindo as
implantadas por mecanismos de fiscalização eletrônica que mesmo
auto-financiáveis são difíceis de sustentarem-se socialmente). O
aprimoramento das normas parece necessária e justificável mais no
que se refere à sua aplicação e cobrança judicial, calma e firme, do que
na presença fiscalizadora e policial (que, no longo prazo, também
parecem mais viáveis na forma calma e firme que no furor frenético).
45

EVIDÊNCIAS SOBRE O EFEITO DA VELOCIDADE NA SEGURANÇA DE TRÂNSITO


No que se refere ao impacto da velocidade, há dois efeitos de natureza distinta que vale destacar: o impacto na
frequência de ocorrência dos acidentes de trânsito e impacto na gravidade dos acidentes de trânsito ocorridos.

O primeiro aspecto, o impacto da velocidade na frequência dos acidentes de trânsito, é mais discutível e pode ser
situado em três teses distintas (em parte complementares mas em parte também contraditórias): a idéia de que a
frequência dos acidentes de trânsito (particularmente os acidentes com vítima e ainda mais os acidentes graves e
fatais) sempre cresce com a velocidade de tráfego nas vias; a idéia de que a frequência dos acidentes de trânsito,
mesmo sendo sensível à velocidade média praticada, tem maior relação com os diferenciais de velocidade
existentes nas vias; e a idéia de que existe um limiar de velocidade segura em cada via, em função das suas
características e das condições de tráfego, a partir do qual a ocorrência de acidentes é fortemente afetada (mas
não abaixo desse limiar). Todas estas posições foram amplamente estudadas ao longo do tempo e existem
estudos e argumentos que suportam cada uma das visões.

A idéia de que a frequência de acidentes de trânsito sempre cresce com a velocidade na via parece ser a mais
amplamente difundida (fora do campo técnico, pelo menos) e pode ser exemplificada pela chamada Lei de
Potência formulada inicialmente por Goran Nilsson, um pesquisador sueco (na década de 80) segundo a qual a
frequência de acidentes de trânsito cresce na mesma proporção do aumento das velocidades e os acidentes com
vítimas, vítimas graves e vítimas fatais crescem em proporção a segunda, terceira e quarta potência da razão das
velocidades, respectivamente. Esta relação é uma justificativa usual para iniciativas indiscriminadas de redução
dos limites de velocidade nas vias (i.e. de reduções que não resultam de estudos criteriosos que examinaram as
condições de segurança da via).

Nos anos recentes, esta relação foi extensamente estudada, em particular pelo pesquisador norueguês Rune Elvik
(internacionalmente reconhecido por ser o principal organizador do Manual de Medidas de Segurança Viária, The
Handbook of Road Safety Measures, produzido
principalmente no TÆI-TransportÆkonomisk Institutt,
o Instituto de Economia de Transportes da Noruega,
com base em estudos sistemáticos de meta-análise
do conjunto de estudos empíricos existentes no mundo
sobre o efeito da velocidade nos acidentes de trânsito).
Os estudos de Elvik foram inicialmente publicados em
relatórios do TÆI e revisados mais de uma vez em
resposta a questionamentos recebidos (com resultados
consistentes). Foram posteriormente incorporados ao
manual de segurança viária norueguês e
amplamente divulgados internacionalmente
e reiterados em publicações posteriores nos
meios de divulgação científica. Do estudo
original ao mais recente, o total de estudos
empíricos utilizados chegou a mais de 500 e
os resultados mantiveram-se consistentes,
como pode ser visto nos quadros ao lado.
Incrivelmente, os resultados obtidos por Elvik em todos os estudos são claramente consistentes com a Lei de
Potência formulada por Nilsson, que à época da proposta podia ser vista como evidência anedótica ou folclórica.
Mais recentemente, Elvik concluiu que a relação é mais forte para altas velocidades (uma relação exponencial
ajusta-se melhor aos dados) e então uma dada redução de velocidade tem efeito maior em vias de maior
velocidade inicial. Mas ao realizar um estudo empírico próprio sobre uma experiência de redução de do limite de
velocidade em uma importante via arterial da capital norueguesa (de 80km/h para 60km/h, portanto uma redução
potencial de 25% nas velocidades máximas praticadas), concluiu que a redução nos acidentes com vítima foi
moderada (de 25a35%) e que não podia ser seguramente atribuída à redução no limite de velocidade (embora
considerasse possível afastar diversas das fontes de confundimento).

Contra as conclusões dos estudos que afirmam a relação geral entre redução de velocidade (em particular dos
limites de velocidade) nas vias e a redução de acidentes, poucos estudos afirmaram-se mas existem dois grupos
de estudos que vale a pena discutir).
46

O primeiro grupo de estudos precedeu os trabalhos de Nilsson e Elvik e


ilustra a conclusão clássica anterior, particularmente nos EUA, com base
no estudo de Solomon, que obteve uma curva U entre a frequência de
acidentes e a velocidade de tráfego, além de uma relação igualmente
significativa entre frequência de acidentes e a variação da velocidade
contra a velocidade média na via. Ambas as relações eram bastante
simpáticas à cultura dos EUA nas décadas de 60 e 70, onde a defesa da
mobilidade dos veículos motorizados é parte da identidade nacional e a
adoção de limites de velocidades é baseada nas velocidades praticadas
pelos condutores (a recomendação usual é adotar um limite de velocidade
compatível com o percentil 85 da distribuição de velocidades praticadas
em condições de fluxo livre, a menos de haver uma clara razão justificada
com base nas condições locais de segurança na via). Embora sejam
conclusões difíceis de relacionar com o conhecimento usualmente
aceito sobre o projeto viário e a operação do tráfego, foram conclusões
baseadas em dados reais e que foram sendo repetidas durante muitos
anos na área técnica. Se não são totalmente convincentes como guia geral
de ação sobre o controle de velocidade nas vias, não deixam de ser uma
contestação relevante à idéia de uma relação simples e direta entre a
frequência de acidentes e as velocidades (e limites de velocidade) nas vias,
como a adotada pelo Lei de Potência ou uma versão exponencial
correspondente. Como indicador da persistência destes pontos de vista,
pode-se consultar os gráficos ao lado no Relatório Especial 254 de 1998,
publicado pelo TRB-Transportation Research Board, a Direção de Pesquisa
em Transportes dos EUA, sobre Gestão da Velocidade (Managing Speed).

O segundo grupo de estudos é mais esparso e menos orgânico mas pode ser exemplificado por um estudo
australiano realizado na década de 90 sob a liderança de Kloeden. Ao invés de correlações estatísticas, o estudo
examinou detalhadamente as condições de ocorrência dos acidentes
de trânsito observados nas vias e buscou determinar em que medida
as velocidades praticadas nas ocorrências diferenciavam-se das
praticadas pelos demais veículos nas mesmas condições de tráfego
(i.e. nas mesmas condições de clima, luminosidade, horário do dia
e dia da semana, entre outras diversas condições). A obtenção dos
dados utilizou técnicas detalhadas de reconstrução de acidentes
(definindo os dados do acidente, os veículos envolvidos e suas
manobras, as prováveis velocidades de impacto e as velocidades
praticadas antes da ocorrência dos acidentes) e a análise dos dados
utilizou os métodos aplicados em estudos de caso-controle (os
acidentes eram os casos e a observação sobre os demais veículos
proveram os controles). Deve-se admitir que a quantidade de
estudos com este tipo de metodologia detalhada é bastante reduzida.
Mas sua conclusão é bastante mais próxima do conhecimento o
projeto viário e a operação do tráfego: as velocidades somente são
um fator contribuinte importante para a ocorrência dos acidentes de
trânsito quando são superiores a um limiar dado (que pode ser
associado a um nível de velocidade segura na via), como ilustrado
no gráfico ao lado, a partir do qual a relação entre velocidade e
acidentalidade é fortemente crescente. A redução de velocidade
(e dos limites de velocidade, em particular) somente seriam eficazes
se corrigissem a velocidade praticada para colocá-la dentro do limiar
seguro de velocidade na via e somente seriam eficientes se este tipo
de ação fosse mais razoável do que eliminar as deficiências viárias
47

que explicam o limiar de velocidade reduzido em relação às velocidades praticadas, pelo menos onde a
frequência de acidentes de trânsito é considerável (denotando uma presença considerável de velocidades
praticadas acima do limiar de velocidade segura, em eventos que não podem ser atribuídos a casos fortuitos que
evidenciam a presença de fatores aberrantes).

Por este ponto de vista, os acidentes de trânsito em uma via devem ser cuidadosamente estudados para determinar
as velocidades praticadas pelos envolvidos na ocorrência dos acidentes e identificar o limiar de velocidades
praticadas que indica uma relação excepcional com a ocorrência de acidentes na via (que identificaria um limiar
de velocidade segura na via). Complementarmente, deve-se determinar formas de tornar as velocidades
praticadas compatíveis com o limiar de velocidade segura, incluindo a alternativa de reduzir o limite de
velocidade na via ou a alternativa de eliminar ou amenizar fatores que reduzem o limiar de velocidade segura na
via. Esta visão é próxima da idéia incorporada no conceito de velocidade de projeto e na sua aplicação na prática
do projeto viário, o que a torna reconfortante para a Engenharia (mesmo quando a disciplina de Segurança Viária
admite que é muitas vezes necessário ir além dos critérios usuais de projeto aceitos em um dado momento para
garantir projetos seguros).

O segundo aspecto, o impacto da velocidade na gravidade dos acidentes de trânsito, é mais simplesmente
estabelecido e preponderantemente relacionado com a física do impacto nos acidentes de trânsito (um aspecto
amplamente incorporado nos princípios de reconstrução de acidentes discutidos adiante). A obtenção de relações
gerais e a exploração da sua importância nas políticas de segurança
parece ter sido iniciada por Ashton na Inglaterra, no início dos anos 80
(embora a referência clássica seja o estudo de Pasaden divulgado no
início dos anos 90) no que se refere ao efeito da velocidade de impacto
sobre o risco de fatalidade nos atropelamentos de pedestres (e na
gravidade dos acidentes com vítimas não fatais). Para acidentes
envolvendo pedestres, diversos estudos seguiram estas iniciativas
originais e obtiveram reformulações equivalentes (pelo menos em
termos qualitativos) que confirmaram o efeito importante. Em seguida,
relações gerais da mesma natureza foram buscadas para outros tipos de
acidentes obtendo-se relações menos simples mas similares através do
uso da velocidade relativa de impacto (VRI) ou da variação produzida
na velocidade durante o impacto (DeltaV). Ao lado estão mostrados o
exemplo da curva de probabilidade de morte para pedestres obtida por
Pasaden na revisão da análise dos dados de Ashton e exemplos de
relações similares obtidas em estudos para acidentes veiculares com
base em dados dos EUA. A variedade de configurações de acidentes
veiculares (frontais, angulares, laterais ou traseiras, incluindo os
choques com obstáculos) e a influência da variação das massas e
rigidezes relativas dos diferentes tipos de veículos (no caso dos choques
similarmente, considerando as massas, velocidades e ângulos de impacto
dos veículos e as rigidezes de veículos e obstáculos) tornam as relações
mais complexas mas igualmente físicas em grande parte (incluindo as
tolerâncias ao impacto do corpo humano).

Estas relações tiveram maior notoriedade a partir do final dos anos 90, a partir da disseminação da chamada
Visão Zero com relação às fatalidades e ferimentos graves nos acidentes de trânsito, originada na Suécia. Os
estudos mencionados foram utilizados para identificar velocidades na via que poderiam ser relacionadas com
menores probabilidades de ter acidentes graves ou fatais. Boa parte desta análise prática utilizou critérios
excessivamente simplificados que ignoraram o efeito de variações essenciais nas características do sistema viário.
Este aspecto é relevante porque estabelece a influência destes fatores na relação entre a velocidade praticada na
via e as velocidades de impacto, relativas de impacto ou à variação de velocidade no impacto (para manter-se a
referência às variáveis dos estudos originais). Na verdade, a relação é ainda mais complexa porque envolve os
esforços produzidos durante o impacto (em que aparece o efeito da rigidez dos elementos envolvidos e seu efeito
no atingimento dos limiares de tolerância humana ao impacto).
48

A análise mais criteriosa incluiria fatores veiculares (que se relacionam com a grande evolução recente na
incorporação de dispositivos de proteção ao impacto e na seleção de materiais mais flexíveis na fabricação dos
veículos modernos), viários (que se relacionam com a evolução similar nos dispositivos viários de proteção para
choques laterais ou frontais, além do uso de elementos colapsíveis quando necessário e possível). Estes são
dispositivos de segurança secundária explicitamente desenvolvidos para reduzir o potencial de danos humanos e
materiais nos acidentes. Da mesma forma, a análise incluiria elementos de segurança primária porque além de
interferir na probabilidade de acidente (seu objetivo original) acabam também influindo na velocidade de impacto
(que normalmente resulta de uma ação evasiva parcial, em grau proporcional à eficácia dos elementos de
segurança primária), como os tempos de acionamento e a eficiência dos dispositivos de frenagem veicular ou as
condições de visibilidade e a previsibilidade das situações (i.e. consistência com a expectativa do usuário)
existentes nas vias. Como regra, a relação direta entre velocidade praticada e gravidade dos acidentes de trânsito
é observada somente considerando cada contexto e a influência das condições viárias e veiculares (que
determinam a física do impacto).

Portanto, existem três aspectos fundamentais a considerar: a questão de dissociar a contribuição das velocidades
excessivas como fator aberrante do excesso de velocidade praticada pelos usuários em condições normais de
operação do tráfego; a questão de examinar se existe um nível seguro de velocidade em uma dada via, em função
das suas características de projeto e das suas condições usuais (de tráfego, do entorno, e do clima), que torna
improdutivo e ineficiente reduzir os limites de velocidade abaixo de limiares de segurança na via; a questão de
examinar qual limite de velocidade torna improvável uma velocidade de impacto entre os usuários da via que
represente risco relevante de ferimento grave ou fatalidade.

2.2.6. Os Custos Decorrentes dos Acidentes de Trânsito


Os custos decorrentes dos acidentes de
trânsito são muito heterogêneos, com: Um outro aspecto polêmico da discussão sobre segurança viária
- custos diretos (A), de gastos relaciona-se com os custos associados aos acidentes de trânsito. Face
adicionais decorrentes dos acidentes à relevante magnitude do problema, uma questão fundamental é
para recomposição do seu patrimônio e avaliar qual o esforço é justificável para combater o flagelo dos
da sua saúde; acidentes de trânsito (em face de outros flagelos que igualmente
- custos indiretos (B), de gastos afetam a vida social contemporânea). Além disso, a resposta pode ser
realizados por outras pessoas e usada para avaliar tecnicamente a eficiência das intervenções
entidades (notadamente o Estado) para realizadas para melhorar a segurança de trânsito ao permitir comparar
responder às repercussões sociais dos o custo das intervenções com o benefício decorrente da redução dos
acidentes de trânsito no nível atual; custos dos acidentes de trânsito, ponderando sua gravidade.
- custos econômicos imputados (C), de
perda de contribuição à produção Existem componentes muito heterogêneos e princípios também
durante sua expectativa de anos de diversos envolvidos nas estimativas usuais de custos associados aos
vida, em função de morte, acidentes de trânsito. Em princípio, os custos podem ser avaliados em
incapacitação temporária ou pelo menos quatro óticas distintas que correspondem à diferenciação
permanente gerada pelo acidente; dos componentes de custo em quatro grupos diferentes:
- valor correspondente à dor e ao - os custos diretos, que correspondem aos gastos adicionais realizados
sofrimento pessoal decorrente dos pelos envolvidos nos acidentes para recomposição do seu patrimônio
acidentes de trânsito (D), interpretada e da sua saúde (ou manutenção de um nível de qualidade de vida
como a perda de qualidade de vida. similar, caso a restauração plena da condição original for impossível);
- os custos indiretos, que correspondem aos gastos realizados por
Os valores atribuídos ao custo dos outras pessoas e entidades (notadamente o Estado) para responder às
acidentes, normalmente como efeito repercussões sociais dos acidentes de trânsito no nível atual;
não identificado (i.e. como risco - os custos econômicos imputados, que correspondem à perda de
potencial às pessoas), podem utilizar contribuição à produção que seria feita pelos indivíduos afetados pelo
estes componentes de forma distinta: acidente durante sua expectativa de anos de vida, em função da morte
- na ótica do custo direto considera-se o ou incapacitação temporária ou permanente gerada pelo acidente;
primeiro componente (CD=CA); - o valor correspondente à dor e ao sofrimento pessoal decorrente dos
- na ótica do custo total estariam todos acidentes de trânsito, em especial da perda de vida ou da perda de
os custos monetários (CT=CA+CB); capacidade de usufruí-la ou buscar condições para usufruí-la
- na ótica do custo econômico (ou (eventualmente interpretada como a perda de qualidade de vida).
capital humano) inclui-se a perda de
produção potencial bruta ou líquida No primeiro grupo (A) estão os danos aos bens e propriedades
(CE=CA+CB+CC ou CEL=CE-RCF); danificadas, os gastos pessoais decorrentes dos acidentes, as despesas
- na ótica integral (ou da qualidade de
vida) adiciona-se também o valor
imputado ao sofrimento e à dor (como
disposição a pagar pela redução do
risco CI=CE+CPQ ou CIL=CI-RCF).
49

com medicamentos médicos e hospitais de tratamento, a perda de


carga dos veículos, despesas judiciais. As despesas com seguro não
são computadas mas são consideradas as despesas decorrentes do
acidente mesmo quando cobertas por cláusula de seguro.

No segundo grupo (B) estão as despesas não cobradas dos envolvidos


referentes à atendimento policial, de ambulâncias e reboques, de
serviços hospitalares de urgência, do aparato de justiça, da
administração das empresas de seguro (que correspondem ao gastos de
segurados que não acionaram a cobertura e o lucro normal das
empresas seguradoras, sem considerar despesas com acidentes de A).
Podem ser também computados os custos gerais dos programas de
segurança de trânsito decorrentes da existência dos acidentes e os
gastos monetários devidos ao congestionamento gerado por acidentes.

No terceiro grupo (C) estão custos imputados referentes à perda de


produção durante os dias não trabalhados em função de ferimentos,
durante os dias imobilizados de bens e veículos avariados e durante os
anos de vida perdidos devidos às fatalidades, eventualmente também a
perda de produtividade decorrente de incapacitação permanente. Se
for possível estimar são também adicionados os custos decorrentes dos
atrasos e efeitos de poluição adicionais gerados pelos acidentes.

No quarto grupo (D) estão os valores referentes à dor ou sofrimento


pessoal e de familiares dos envolvidos em acidentes de trânsito,
particularmente decorrente de fatalidades e ferimentos graves. Dada a
impossibilidade de mensurar adequadamente este componente do custo
social dos acidentes de trânsito, seu valor é em geral medido pela
disposição a pagar pela redução no risco de fatalidade e dos efeitos
duradouros dos acidentes graves (em adição aos custos médicos) como
efeito não identificado (i.e. custo “estatístico” relacionado ao risco).

A transformação destes custos componentes em custos econômicos ou


sociais decorrentes dos acidentes de trânsito é sujeita a diversas
considerações e deve ser diferenciado pela severidade do acidente. Os
componentes A e B são custos efetivamente monetários (teriam apenas
de ser eventualmente ajustados para custos econômicos). Os
componentes C e D são custos imputados (que podem ser entendidos
como custo econômico ou medida de perda de qualidade de vida a
partir de certas hipóteses sobre o comportamento das pessoas).

A ótica do custo direto estima os custos decorrentes dos acidentes por


CD=CA (apenas o componente A) e foi uma visão inicial rapidamente
deixada de lado. A ótica do custo direto e indireto estimaria os custos
decorrentes dos acidentes por CT=CA+CB mas nunca foi
propriamente recomendada. A ótica econômica ou do capital humano
foi a primeira visão largamente difundida e estima os custos
decorrentes dos acidentes pelo valor bruto CE=CA+CB+CC ou pelo
valor líquido CEL=CE-RCF, deduzindo o valor consumido pelas
vítimas fatais. A ótica social/integral ou da qualidade de vida é a visão
mais recentemente recomendada e estima os custos decorrentes dos
acidentes pelo valor bruto CI=CE+CPQ (ou pelo valor líquido
CIL=CI-RCF eventualmente). Nos países desenvolvidos, em função
da alta renda (ou produtividade) na economia, os
HCC-Co
componentes A e B são normalmente muito menores que os
componentes C e D, exceto naturalmente nos acidentes sem
10%
vítimas ou com vítimas leves. Para acidentes fatais, tomando
HCC (NHTSA)
como exemplo os EUA, o custo na ótica dos custos diretos
25% são cerca de 10% do custo integral e o custo na ótica do
65%
PQ capital humano são cerca de 35% do custo integral.

RC
50

Um resumo dos resultados típicos de estudos desta natureza


feitos nos países em desenvolvimento pode ser visto no
quadro ao lado (referente à revisão mais recente da
Administração Nacional da Segurança de Tráfego
Rodoviário dos EUA, o NHTSA-National Highway Traffic
Safety Administration, publicada em 2015, com dados
relativos a 2010), considerando todas as fontes consolidadas
nos dados censitários de 32999 vítimas fatais do Sistema de
Informação de Análise de Fatalidades (o FARS-Fatality
Analysis Reporting System) e a expansão dos dados
amostrais para acidentes sem fatalidade do Sistema de
Informação Amostral de Colisões (o CRSS-Crash Report
Sampling System), que sucedeu o anterior Sistema Nacional
de Amostragem de Acidentes (originalmente NASS-
National Accident Sampling System), para 13,6milhões de
acidentes de trânsito (60% sem registro policial, de menos
gravidade), 3,9milhões de vítimas feridas
(em 3,0milhões de acidentes com vítima,
24% sem registro policial), sendo 270mil
não ocupantes de veículos (na maior parte
pedestres ou ciclistas), e 23,9milhões de
veículos danificados. Pode-se ver que o
custo associado às fatalidades chegam a
US$1,4milhão por morte na ótica
econômica e US$9,1milhão por morte na
ótica social (o custo por acidente fatal tem
de somar todas as vítimas e danos
produzidos no acidente). É um fato recente
que os acidentes mais graves, não fatais,
atingem valores similares (pela incidência
das despesas médicas, em especial). Para o
acidente sem vítimas (i.e. apenas com dados materiais), o
custo é estimado em US$1,9mil por veículo, tanto na ótica
econômica quanto social (o custo por acidentes sem vítima
tem de somar os danos a todos os envolvidos). Avaliados
pela ótica econômica, os custos totais decorrentes dos
acidentes de trânsito são da ordem de 1,6% do PIB dos
EUA, enquanto pela ótica do custo social são da ordem de
5,6% do PIB dos EUA (o Produto Interno Bruto
contabilizado apenas os valores monetários a preços de
mercado e não considera todos os componentes descritos).

A variação destas estimativas entre países é bastante grande e pode ser


principalmente relacionada com a variação da renda ou produção per
capita e dos níveis de acidentalidade em cada país (expresso nos dados,
mesmo precários, de suas estatísticas de acidentes de trânsito). Aliás,
o estabelecimento da relação entre estes custos unitários e os valores
per capita é uma forma expedita frequentemente utilizada para obter
uma estimativa preliminar da magnitude destes custos totais em um
país que não possui estudos detalhados a respeito. Um exemplo está
apresentado na tabela ao lado, incluído nos estudos sobre impacto de
políticas de saúde elaborados em 1998 para o IPEA-Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada brasileiro e obteve um valor entre
US$835mil e US$2,3milhões para o Brasil (VSL-Value of Statistical
Life, que corresponde ao custo por morte como risco à vida, não
específico do trânsito, em função da relação com a renda do país com
base no valor de US4milhões assumido para os EUA em 1995). Nos
estudos da área de saúde, o Valor da Vida Estatística é obtido a partir
da agregação dos valores de anos de sobrevida ajustados pelo efeito de
diversas incapacitações (DALY-Disability Adjusted Life Year) ou por
escalas de qualidade de vida (QALY-Quality Adjusted Life Year).
51

MENSURAÇÃO DOS CUSTOS ASSOCIADOS AOS ACIDENTES DE TRÂNSITO


Existe razoável falta de compreensão sobre a existência de diferentes óticas de avaliação dos custos decorrentes
dos acidentes de trânsito. A Administração Nacional da Segurança de Tráfego Rodoviário dos EUA (o NHTSA-
National Highway Traffic Safety Administration) ainda divulga seus dados na ótica do capital humano (em geral
apresentando também o valor na ótica integral como suplementar). Nos países menos desenvolvidos ou em
desenvolvimento os estudos são raros mas aparentemente diversos (como discutido adiante). Em particular, a
discussão sobre os métodos de valoração econômica (ou valoração social) dos componentes imputados é bastante
difícil. Em geral predominam métodos de estimativa direta que obtém os valores a partir de suposições
consideradas adequadas sobre o comportamento das pessoas e da economia em geral.

A ótica econômica ou do capital humano distingue-se por incorporar um custo imputado correspondente à perda
de produção potencial decorrente dos ferimentos sofridos pelas vítimas dos acidentes de trânsito (eventualmente
fatais) ao longo da sua expectativa de vida. Para a perda de produção em geral admite-se que a produtividade
marginal do trabalho é adequadamente medido pela renda bruta do trabalhador (um cânone da Teoria Econômica
Marginalista tradicional). No caso das fatalidades pelo menos, o fluxo de valores anuais tem de ser descontado e
transformado em valor presente adotando uma taxa de desconto apropriada (medida de preferência intertemporal
pelo consumo presente, pelo menos), que afeta de forma importante a estimativa para mortes prematuras (como
usual no trânsito). A partir da curva típica de contribuição à
produção mostrada ao lado (mostrando o período de investimento
educação das crianças e o período final de vida dos aposentados)
são apresentadas as mudanças que representam uma morte
precoce ou uma incapacitação permanente. A diferença é a perda
de produção (não é difícil imaginar as questões éticas decorrentes
da extensão desse princípio para a avaliação de fatalidades que
afetam crianças e idosos). Nos países desenvolvidos, as rendas e
expectativas de vida são maiores e as taxas de desconto
recomendadas são menores (da ordem de 3%). O oposto faz este
termo ser menor nos demais contextos econômicos. Por outro lado, há uma hipótese implícita de utilização plena
dos fatores humanos (emprego da força de trabalho) que é menos defensável nos países com escassez de capital.

A ótica integral ou da qualidade de vida distingue-se por adicionar mais um custo imputado correspondente ao
sofrimento e dor produzido pelos ferimentos sofridos pelas vítimas dos acidentes de trânsito (eventualmente
fatais), em si ou em pessoas próximas, ao longo da sua expectativa de vida. Para o impacto na qualidade de vida
também aplicam-se métodos diretos mas com procedimentos muito mais frágeis, em geral baseados em estudos
de preferência declarada ou valoração contingencial para escolha entre cenários de risco de acidentes fatais ou
dano à saúde (excluídas as repercussões financeiras). Estes métodos obtém estimativas dos valores estatísticos da
mortalidade ou morbidade medidos como disposição a pagar por reduções de risco (ou a aceitar compensação
pelo aumento de risco), de forma condizente com a avaliação ex ante da incidência dos danos correspondentes
(como um dano não identificado previamente, portanto, ao invés da avaliação ex post que consideraria a
valoração da vítima ou seus familiares e amigos). A avaliação da disposição a pagar é naturalmente limitada pela
renda (e patrimônio) das pessoas e este método de valoração pode sofrer a mesma crítica geral feita a todos os
métodos baseados em dados de mercado (por exemplo, a qualquer outro método que utilize os preços de mercado
como base da avaliação de valor) mas num efeito mais sujeito a questionamentos éticos. Esta crítica é muitas
vezes contornada pela utilização de valores equitativos (i.e. de valores médios independentes da renda dos
envolvidos). Apesar de obter valores bastante significativos, estes métodos em geral obtém estimativas muito
inferiores aos métodos alternativos existentes, tanto diretos (como avaliar efeitos identificados e disposição a
aceitar compensação) quanto indiretos (como a valoração baseadas nos diferenciais monetários aceitos como
compensação em atividades ou localidades de risco ou nos valores pagos em seguros ou em indenizações
judiciais, entre outros comportamentos diante do risco).

O impacto de diversos efeitos externos que manifestam-se de forma embotada nos mercados econômicos (como
os efeitos de poluição do ar ou sonora ou dos tempos gastos em congestionamentos) podem utilizar métodos
similares mas em geral podem preferir utilizar os métodos indiretos com mais facilidade (examinando escolhas
de mercado na compra de imóveis ou na utilização de modos de transporte).

Anteriormente, alguns estudos nacionais obtiveram estimativas iniciais de custo dos acidentes baseadas em dados
limitados, podendo-se mencionar um estudo pioneiro do DER/SP, feito em 1976, e um estudo mais detalhado do
52

antigo DNER-Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, divulgado em 1992 e atualizado pelo atual
DNIT-Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes, em 2004. Mais recentemente, o IPEA contratou
dois estudos complementares, um sobre os custos decorrentes dos acidentes de trânsito urbanos, em 2003 (parte
de um estudo mais amplo sobre deseconomias urbanas), e outro sobre os custos decorrentes de acidentes
rodoviários, em 2006 (que corresponde aos estudos do DNER e DNIT). Outros valores menos documentados
foram utilizados, particularmente em manuais de avaliação de projetos viários eventualmente adotados no Brasil.

Os valores recomendados no estudo pioneiro do DER/SP, de 1976, eram bastante simplificados. Os danos
materiais eram estimados como uma porcentagem do valor dos veículos novos em função do montante de danos
materiais classificados em pequena monta, média monta, grande monta e perda total, adotando-se os respectivos
percentuais em 1%, 8%, 15% e 32% (em relação ao veículo novo). Os danos humanos eram estimados em
função da gravidade dos ferimentos e expresso em salário mínimo, em razão de despesas médicas e hospitalares
ou funerárias, distinguindo ferimentos leves, médio, grave ou fatalidade, adotando-se valores correspondentes a
17/30, 3, 33 e 39 salários mínimos. A perda de produção também era avaliada, tomando como base o salário
médio acrescido dos encargos sociais, estimando o tempo de produção perdida também em função da gravidade
de ferimento, adotando-se 1dia, 1mês, 4meses ou 32anos para feridos leves, médios, graves ou fatalidades (sem
taxa de desconto). São critérios de custo direto, simples mas elucidativos (não necessariamente adequados).

Os resultados do estudo original do DNER, de 1992, estão resumidos na tabela abaixo para acidentes com morte,
com vítima (não fatal) e sem vítima (expressos em US$ de 1992). A perda de renda futura considerou a renda
média sem encargos sociais (na época avaliada em 4,78salários-mínimo, 386,50US$/mês ou 4648US$/ano), com
perda de 15dias para feridos leves e de 1ano para feridos graves, além de uma categoria adicional associada aos
casos de invalidez (incapacitação total) para a qual assumiu uma perda de produção igual ao da fatalidade. Para
as fatalidades, foram distinguidos os adultos (85,6% com idade média de 36anos) e as crianças (14,4% com idade
média de 10anos), admitindo-se uma expectativa de vida de 60anos e a incorporação à produção aos 19anos.
Adotou-se a taxa de desconto correspondente a uma taxa de crescimento anual da renda g=3% e uma taxa de
preferência pelo consumo presente i=12% (portanto os valores são trazidos a valor presente por um fator anual
1  0, 03
igual a    0,92 , que corresponde a uma taxa de desconto anual superior a 8,7%), sendo a perda total
1  0,12
1   NE  n  1   NE  n 1   NI  n 
obtida de CHA  RA..  9,91.RA por adulto e de CHc  RA..     5, 21.RA por
1   1  1  
 
criança, considerando a renda média anual RA ,
a idade média n , a incorporação à produção N I
e a expectativa de vida N E , ou CH  9, 21.RA ).
As despesas médicas e hospitalares consideraram
o custo de 1 consulta para ferido leve (US$16,79/c),
5,83dias internados e 2horas de cirurgia para ferido
grave (US$98,60/d e US$440,00/h), 42,0dias de
internação e 2horas de cirurgia para ferido com
invalidez (US$110,00/d e US$440,00/h) e, para os
35,92% dos acidentes fatais com morte em hospital,
2,86dias de internação e 2horas de cirurgia
(US$110,00/d e US$440,00/h), dado que os 64,08%
restantes das fatalidades ocorrem no local. As
despesas com danos aos veículos e perda de carga
foram estimados em função do tipo de veículo e
do preço do veículo novo típico correspondente:
VWGol para veículo de passeio (US11mil),
MB1214 para veículo de carga (US$74mil);
MBO400 para veículo coletivo (US$139mil). A
composição por tipo de acidente envolveu:
para acidente com morte 1,2174mortes,
0,6742veículos de passeio, 0,5597veículos de carga
e 0,0759veículos coletivos mais uma perda de carga de US$666,00; para acidente com vítimas não fatais
0,0469vítimas com invalidez, 0,5436vítimas graves, 1,4953vítimas leves, 0,5749veículos de passeio,
53

0,2952veículos de carga e 0,0368veículos coletivos mais uma perda de carga de US$742,00; para acidente sem
vítima 0,5282veículos de passeio, 0,3960veículos de carga e 0,0542veículos coletivos mais uma perda de carga
de US$460,00 (foram feitas correções posteriores para ajustar a gravidade dos acidentes).

O estudo do DNIT de 2004 atualizou o estudo de forma relevante (seguindo o método aplicado em revisões então
recentes do UK e dos EUA), dando atenção especial a incorporar os custos sociais decorrente dos
congestionamentos gerados pelos acidentes (atrasos, consumo de combustível e emissão de poluentes) e os custos
decorrentes dos processos judiciais, além de revisar as estimativas anteriores para os demais componentes de
custo associados aos acidentes. Foram usados dados mais detalhados (diferentes tipos de veículos e de feridos,
distinção de danos materiais ao patrimônio do DNIT e das despesas relativas aos sistemas de atendimento a
incidentes) e introduzidas algumas correções para aproximar as estimativas do conceito de custo econômico
adotado na avaliação econômica de projetos (por exemplo, os preços dos veículos excluiram impostos que são
considerados transferência
monetárias aos governos).
Os dados resultantes estão
sumarizados na tabela ao lado,
para o ano de referência de
2000 (adotado no estudo),
mantendo a ótica do custo
econômico e o método de
estimativa da perda de
produção (o fator de desconto
foi reduzido para
1  0, 015
  0,91 , que
1  0,12
corresponde a uma taxa de
desconto anual superior a
10,3%, a expectativa de vida
elevada para 65anos e a
incorporação à produção para
20anos, com rendas detalhadas por sexo e faixa etária das vítimas). Algumas análises específicas usaram
métodos discutíveis ou não puderam ser ampliados para o Brasil por falta de melhores dados.

Pode-se perceber com clareza o valor relativo maior do componente que corresponde aos danos materiais
(mesmo considerando a ótica do custo econômico), comparado com os resultados apresentados para os EUA,
embora o efeito tenha diminuido no estudo revisado (principalmente por avaliar os danos com custos
econômicos). Boa parte do efeito decorre da diferença na renda per capita e na taxa de desconto anual (de 3% na
estimativa dos EUA). Com a ótica integral, o efeito seria ainda mais exacerbado. Deve-se notar que a lógica
econômica é bastante discutível. Por exemplo, não corresponde ao senso comum atribuir a uma fatalidade de
crianças um valor inferior ao custo de uma fatalidade de adultos. Esta divergência normalmente não ocorreria na
ótica integral, o critério hoje mais recomendado.

A título de exemplo, o Manual de Avaliação de Projetos de 1981, da antiga EBTU-Empresa Brasileira de


Transportes Urbanos, não mencionava os benefícios de melhoria da segurança de trânsito mas sua revisão de
1987 incluiu um exemplo em que os custos de acidentes eram compostos com US$6860/vítima fatal,
US$150/vítima não fatal, US$450/automóvel, US$1000/ônibus, US$1540/caminhão e US$90/outros veículos
envolvidos (que sugerem valores baseados na ótica do custo direto). O Manual do Programa PARE de Redução
de Acidentes, formulado pelo Ministério dos Transportes em 2002, recomendou os valores fornecidos em Gold
(1998), atribuídos a estudos (não detalhados) da CET/Sp-Companhia de Engenharia de Tráfego da Prefeitura do
Município de São Paulo, que adota custos médios de US$141000/acidente com vítima fatal, US$5460/acidente
com vítima em veículo, US$8460/acidente com vítima pedestre, e US$1410/acidente com danos materiais apenas
(adota também o método de ponderação com base em UPS-Unidades Padrão de Severidade com pesos 1, 4, 6 e
13, embora os custos relativos adotados correspondam a pesos 1, 4, 6 e 100, que sugere uma transição parcial da
ótica do custo direto para a ótica do custo econômico).
54

Os resultados dos estudos mais recentes do IPEA para o Brasil estão


resumidos nos quadros mostrados ao lado (para rodovias há também
dados sobre rodovias estaduais e municipais
não exibidos). No estudo sobre acidentes
urbanos, os dados foram extrapolados para as
49 aglomerações urbanas do Brasil a partir de
dados de 4 cidades (Belém, Porto Alegre,
Recife, São Paulo). Foram considerados
custos diretos (atendimento médico-
hospitalar e reabilitação, atendimento policial e de agentes
de trânsito, danos ao equipamento urbano, danos à
propriedade de terceiros, danos à sinalização de trânsito,
danos aos veículos, perda de produção/impacto
familiar/outro transporte), indiretos (gastos
previdenciários, de processos judiciais, remoção de
veículos, resgate de vítimas), custos de congestionamento,
e perda de produção futura (adotando g=2,05% e i=12%).
Os custos humanos (perda de qualidade de vida e sofrimento, ...) não
foram relatados (para São Paulo foram também considerados os custos
dos acidentes pessoais). No estudo sobre acidentes rodoviários, foram
estudadas rodovias federais policiadas e seus dados extrapolados para
parte das rodovias estaduais e municipais. Foram considerados custos
diretos das pessoas (pré-hospitalar, hospitalar, pós-hospitalar, perda de
produção, remoção/translado, além do previdenciário), dos veículos
(danos materiais, perda de carga, remoção, reposição), da via/ambiente
(danos à propriedade pública/privada), indiretos institucionais
(judiciais, atendimento/policiamento), além da perda de renda futura.
As sequelas humanas e danos ambientais não foram avaliados (foi feito
um estudo inicial de valoração contingencial). Os valores de ambos os
estudos foram atualizados monetariamente pelo IPEA, em 2015, como
também mostrado nas tabelas (para os acidentes rodoviários há
também atualizações para rodovias estaduais e municipais não
exibidos). A apresentação dos estudos do IPEA é muito imprecisa,
tornando muito difícil avaliar a adequação dos seus resultados. A
Custo/Acidente-US$2014 Urbano Rodoviário
AcMorte 101.124,33 248.838,37 comparação com os resultados do DNIT, de 2005, é direta para o caso
AcVítima 12.220,76 36.212,07 das rodovias federais e mesmo assim não é possível explicar a
AsVítima 2.283,06 8.795,44 discrepância observada. Com os resultados globais atualizados para
IPEA, com R$2,6717/US$ em dezembro2014. 2015, os custos totais associados a acidentes de trânsito no Brasil,
estimados conservativamente, chegariam a cerca de
R$10bilhões em áreas urbanas, R$30bilhões em
rodovias federais e R$10bilhões em rodovias
estaduais e municipais, referidos a dezembro de
2014 (o que representa cerca de 1% do PIB do
Brasil, de R$5,8trilhões em 2014).

Além da análise da magnitude global dos custos decorrentes dos


acidentes de trânsito e da estimativa dos custos unitários dos danos
humanos e materiais por vítima, por veículo e por acidente, segundo
seu nível de gravidade, os estudos sobre custos de acidentes são
relevantes para a avaliação da eficiência econômica (eventualmente
socio-econômica) dos recursos aplicados em segurança de trânsito.

A discussão sobre a forma de utilizar as estimativas dos custos


associados aos acidentes de trânsito nos métodos de avaliação
econômica (ou avaliação social) de intervenções é extensa e polêmica,
além de ser sujeita a questões práticas importantes. Como pode ser
percebido da discussão anterior, boa parte dos custos decorrentes dos
acidentes de trânsito são imputados (como a perda de produção futura)
ou subjetivos (medidas do impacto na qualidade de vida) e devem ser
avaliados em conjunto com outros efeitos igualmente complexos e
55

heterogêneos (por exemplo, ponderar mudanças em tempos de viagem


ou na emissão de poluentes, além das alterações em diversos custos
monetários). Na discussão econômica, os custos monetários também
podem ter de ser revisados para obter medidas efetivas do custos de
oportunidade na utilização dos recursos (os preços-sombra ou shadow
prices), por exemplo, corrigindo diferenças de tributação ou
imperfeições de mercado. A própria perspectiva econômica é criticada
por aceitar implicitamente que os consumidores e produtores tem
informação perfeita ou que não se deve questionar a distribuição de
renda que influência os preços de mercado (uma avaliação distributiva
pode analisar e obter efeitos de forma desagregada e tentar
explicitamente uma análise dos efeitos de ou na distribuição de renda).

Por estes motivos, a avaliação econômica (ou mesmo avaliações


ampliadas que possam ser chamadas de socio-econômicas) não são
amplamente aceitas em áreas com a segurança de trânsito. No caso
específico de analisar dados de acidentes de trânsito, existem
dificuldades adicionais decorrentes da alta aleatoriedade nos dados de
frequência de acidentes que tornam discutíveis utilizar dados
observados (pelo menos se não se pode utilizar dados homogêneos
para períodos superiores a 3 ou 5 anos com totais de acidentes
superiores a pelo menos 4 acidentes por nível de gravidade) e muitas
vezes é recomendada a análise baseada em estimativas de frequência
estimada (com correção para vieses de observação) e gravidade
correspondente ao acidente típico em cada tipo de local (que usa a
distribuição típica por gravidade dos acidentes, como no exemplo
australiano ao lado, citado por Ogden, 1996). Há também críticas
“éticas” a uma análise que atribui valores monetários aos ferimentos e
à vida humana (ainda que não identificadas e medidas como risco).

De qualquer forma, deve-se ponderar que há outros princípios


utilizados na análise de decisões de risco que podem ser combinadas
ou aplicadas como alternativa em relação a análise Benefício/Custo de
(ver tipologia na pg.15) inspiração econômica. Em outras áreas, o ímpeto para usar estas
outras técnicas é maior porque a probabilidade de eventos catastróficos
é maior (o que corresponderia a colisões múltiplas ou ruinas estruturais
ou incêndios que afetassem muitos usuários da via ao mesmo tempo).
Os critérios que se aplicam a estes casos (como o Princípio da
Segurança Praticável ou ALARP-As Low As Reasonably Practicable
para o nível de risco aceito ou o Princípio da Precaução para aceitação
de riscos incertos mas irrecuperáveis, e preveníveis de forma razoável)
então seriam aplicadas também na segurança de trânsito e ainda seriam
provavelmente combinadas com a análise Benefício/Custo tradicional.

Na verdade, a utilização de qualquer critério racional provavelmente


seria muito difícil de criticar porque normalmente levaria a um
investimento muito maior em segurança de trânsito (ou outras áreas
correlatas) do que é usualmente observado.
56

AVALIAÇÃO ECONÔMICA DE INTERVENÇÕES – EXEMPLO DE GOLD (1994)

Um exemplo de aplicação dos custos unitários de acidentes


na avaliação de alternativas de intervenção pode ser visto
no quadro ao lado, que ilustra uma análise para
seleção entre a instalação de um semáforo
ou um projeto de canalização de tráfego em uma interseção
com problemas de segurança viária.

O fluxo de tráfego no local corresponde a um VDM


(Volume Diário Médio) de cerca de 8000veículos, com
5% de caminhões, e 1000 pedestres. Os efeitos em
relação à situação atual estão apresentadas para cada uma
das intervenções (de operação para o dia útil médio).

As alternativas podem ser consideradas excludentes (não


foi considerada a possibilidade de intervenção incremental).

A avaliação econômica pode considerar 250dias úteis/ano.


Em princípio, são usados os dados de acidentes do local, com
custo de $2000/acidente não fatal e $80000/acidente fatal.
Assumir um valor do tempo de $2/h (veículo ou pedestre).

Resultados da Avaliação Econômica

Para a alternativa A, em comparação com a situação existente tem-se:


 Benefício (da Redução) de Acidentes = +4*2000+1*80000 = +88000 $/ano
 Custo (da Redução) de Fluidez = (-12*8000+-40*1000)/3600*2*250 = -18889 $/ano
 Custo (Adicionais) de Operação e Manutenção = -500-0,04*8000*250= -80500$/ano
O fluxo de benefícios líquidos é negativo (o custo anual líquido de 11398$/ano), apesar de eficaz em reduzir
mortes no local. A intervenção é economicamente ineficiente independentemente do investimento requerido,
principalmente pelo impacto desfavorável na fluidez e no custo de operação dos veículos.

Para a alternativa B, em comparação com a situação existente tem-se:


 Benefício (da Redução) de Acidentes = +7*2000+2*80000 = +174000 $/ano
 Custo (da Redução) de Fluidez = (-120*0,05*8000+-5*1000)/3600*2*250 = -7361 $/ano
 Custo (Adicionais) de Operação e Manutenção = -1000$/ano
O fluxo de benefícios líquidos é positivo (o benefício anual líquido de 169639$/ano) e mais eficaz em reduzir
mortes no local. Além disso, o investimento requerido é bastante maior ($90000) que o exigido pelo semáforo
($20000), alternativa já preterida na análise anterior. O fluxo de benefícios tem de ser avaliado ao longo da vida
útil da intervenção mas, neste caso, a intervenção é economicamente eficiente porque apenas o retorno do
primeiro ano ($169639) já justifica o investimento requerido (R1= 169639/90000 = 188,5% e a taxa de retorno
líquida no primeiro ano é r1=88,5%). Senão teriam de ser obtidos índices econômicos (VPL=Valor Presente
Líquido, Razão B/C a valor presente, TIR=Taxa Interna de Retorno, ou Tempo de Retorno ou pay-back). Por
exemplo, salvando apenas uma morte o retorno viria no segundo ano (com qualquer taxa de desconto razoável).

É fácil ver que o resultado é bastante sensível aos custos unitários dos acidentes e à eficácia das intervenções em
reduzir acidentes (especialmente os mais graves). Com os valores unitários atualmente adotados ambas as
intervenções seriam potencialmente eficientes e a decisão poderia ponderar critérios diversos (sendo sensível ao
valor adotado para a taxa de desconto anual ou a restrições orçamentárias para investimento). A estimativa da
eficácia (que será discutida adiante) é bastante difícil e o resultado também pode ser influenciado pelo histórico
recente de acidentes (por este motivo, eventualmente utilizam-se critérios estatísticos mais sofisticados).
57

2.3. ANÁLISE DE FATORES CONTRIBUINTES


NOS ACIDENTES DE TRÂNSITO
A análise dos acidentes de trânsito e a integração do conhecimento
obtido pelo estudo da segurança de trânsito normalmente requer um
detalhamento maior do entendimento sobre os fatores envolvidos na
operação do tráfego e da sua interação do que usualmente utilizado nas
disciplinas de projeto viário e engenharia de tráfego (que na maior
parte podem supor a operação normal dos veículos mesmo quando
considerando condições de projeto que representam limites de
segurança, como nas frenagens, curvas, interseções, etc...). Esta
característica decorre de dois desenvolvimentos paralelos às
disciplinas clássicas que se manifestaram historicamente: no contexto
social, os conflitos judiciais decorrentes dos acidentes de trânsito (e
suas repercussões cíveis e criminais) ensejaram o surgimento e
evolução da disciplina de reconstrução de acidentes (que são aplicados
por peritos em investigações de acidentes de trânsito); no contexto da
engenharia, a renitência dos acidentes de trânsito e a necessidade
decorrente de agir suplementarmente para prover a segurança de
trânsito (além da preocupação prioritária que recebe no projeto)
motivou o surgimento de uma disciplina de segurança de trânsito que
construiu seu objeto a partir da análise dos acidentes e da necessidade
de diagnóstico sobre suas causas e da seleção/previsão das
intervenções capazes de reduzir sua ocorrência e/ou gravidade.

Na reconstrução de acidentes, a análise considera cada evento


individual e as peculiaridades de cada acidente são aspectos
fundamentais a serem considerados (nas condições em que ocorrem
ou, na falta de informação precisa, podem ter ocorrido). Não podem
ser assumidas condições ideais ou normais (nem situações que
representam limites de segurança que não ocorreram) e tem de ser
considerada a circunstância exata de cada ocorrência. Importa a
análise de produção do acidente (evitabilidade) nas condições em que
ocorreu, tanto no que se refere ao condutor ou à via (incluindo
aspectos defeituosos ou imperfeitos) quanto aos fatores externos que
possam ter influenciado a dinâmica do evento (fortuitos ou normais).
Importa igualmente a análise da produção dos danos (severidade) no
acidente da mesma forma nas condições ocorridas, ponderando os
aspectos adicionais que determinam a gravidade dos ferimentos (e
eventual fatalidade) e o montante dos dados materiais. A análise dos
fatores contribuintes tem um grau relevante de avaliação judicial (i.e.
baseada no comportamento devido e na ação razoável) mas é
predominantemente física e objetiva (na medida do possível).

Na segurança de trânsito, normalmente examinada em cada


especialidade (como a segurança viária, veicular, etc...), a análise em
geral considera o conjunto de acidentes ocorridos no campo de
influência do elemento em análise (um trecho viário, um modelo de
veículo, etc...) e investiga mais agregadamente os fatores recorrentes
que acarretam a maior parte dos acidentes ou os acidentes mais graves
(embora mantenha o interesse complementar nos fatores mais raros ou
mesmo fortuitos que expliquem eventos menos comuns). O
diagnóstico sobre deficiências (ou características que mesmo não
sejam deficientes manifestam-se como contribuintes nos acidentes) a
identificação de intervenções com potencial de correção ou prevenção
das ocorrências observadas são o escopo fundamental da análise. A
análise dos fatores contribuintes é menos técnica e minuciosa mas a
visão da interação entre os fatores e dos condicionantes para a
operação segura no tráfego é peculiar (aspectos que se espera virem a
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ser incorporados aos princípios de projeto quando evidenciados e


estudados convenientemente na segurança de trânsito).

A análise da segurança de trânsito, especificamente no caso da


segurança viária será o objeto fundamental do estudo feito adiante. A
seguir, como componente da visão teórica a ser utilizada adiante, são
analisados os fatores principais que afetam o comportamento dos
veículos e sua operação na via com base no conhecimento usualmente
incorporado na reconstrução de acidentes. Como produto parcial, a
discussão mais detalhada sobre os fatores contribuintes dos acidentes
servirá para estabelecer uma visão preliminar sobre a participação
relativa de cada fator na produção dos acidentes de trânsito,
agregadamente, sobre o potencial de redução de acidentes e/ou de sua
gravidade decorrente da ação em cada campo da segurança viária
(além de entender certos condicionantes para cada tipo de ação). Esta
será a conclusão buscada nesta apresentação específica.

Antes de iniciar, vale discutir um conceito preliminar que representou


uma inflexão importante dos estudos de segurança de trânsito (como
em quase todas as áreas dedicadas ao estudo dos acidentes): a idéia de
fator contribuinte. Basicamente, sua formulação reconhece a
complexidade da interação existente entre os diferentes fatores
presentes nos eventos que resultam em acidentes e contextualiza o
conceito de causa para a explicação dos acidentes de trânsito. Quando
se estuda os eventos individualmente é frequente observar que os
mesmos fatores presentes nos acidentes, como causas potenciais da sua
ocorrência ou gravidade, são observados também em outras ocasiões
em que a operação normal foi recuperada ou o risco de acidente nem
se evidenciou de forma clara. Esta característica leva a conjecturar
que, como regra, os acidentes não tem causas simples individuais mas
resultam principalmente de uma configuração de fatores simultâneos
que contribuíram para a produção de uma situação de risco, para a
falha das ações de evasão e para a produção dos danos observados.

Um exemplo clássico é utilizado por Gold (1998) para ilustrar a idéia


de fator contribuinte e pode ser estendido para introduzir o conteúdo
eventualmente adicionado pela análise de reconstrução de acidentes.
O evento corresponde a um acidente que ocorreu com chuva, em
que um carro aproximou-se de uma curva a cerca de 60km/h
(segundo testemunhas, incluindo o condutor) e, no meio da curva,
o carro começou a derrapar, saindo da pista e vindo a chocar-se
com um poste de iluminação (ao lado da via). O resultado do
acidente foi um passageiro morto, o motorista e outro passageiro
feridos. Qual a causa do acidente? É fácil concordar que é difícil
responder com precisão mas pode-se pensar que isto ocorre por
falta de informação. No caso, mais informação pode ser obtida
dos sobreviventes. O condutor era um funcionário executivo
sobre pressão no trabalho, que encontrou velhos amigos após o
expediente e ingeriu alguma bebida em meio a uma conversa
descontraída. Ao saírem para casa estava chovendo e o condutor
ofereceu carona aos amigos. O trajeto percorrido não era
previamente conhecido pelo condutor e, no evento que levou ao
acidente, sua ação de frenagem pode ter sido tardia (algo mais
forte e surpreendida do que a frenagem dos usuários habituais do
trajeto). O carro tinha saído recentemente da oficina e os freios
haviam sido revisados e, eventualmente, não tenham sido bem
ajustados (sem, no entanto, causar para o condutor uma impressão de
urgência de verificação). A curva tinha uma sobre-elevação levemente
inferior ao padrão de projeto e a superfície do pavimento apresentava
um razoável desgaste pela utilização do tráfego normal. Havia
sinalização de advertência da curva adiante e sinalização de
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regulamentação indicando um limite de velocidade de 30km/h,


transgredido por grande parte dos motoristas no local (a vegetação
adjacente encobria parcialmente as placas de trânsito). O poste de
iluminação estava posicionado na calçada, aproximadamente no ponto
central da curva, a uma distância de cerca de 1m do limite da pista de
tráfego. Os limites de velocidade trechos adjacentes era levemente
superior (cerca de 40km/h) e não havia fiscalização policial frequente
no local (ou dispositivo de fiscalização eletrônica).

Conclusão: mais informação em geral significa inicialmente maior


dúvida e mais fatores potencialmente causadores ou contribuintes para
o acidente e seus danos ou, do ponto de vista peculiar da segurança de
Em geral, um acidente (de trânsito em trânsito, para a eventual ação de redução do risco de acidente e sua
particular) tem diversos fatores gravidade. A perspectiva da Polícia pode restringir-se a determinar se
contribuintes, ao invés de causas houve no acidente indícios (ou clara evidência) de atos de
simples, e a ocorrência decorre da transgressão às normas de trânsito ou de ação dolosa ou culposa que
presença simultânea dos fatores. Em possa ter produzido os danos ocorridos ou representar ofensa à ordem
princípio, na maioria dos casos, a social. A perspectiva da Justiça é em geral mais detalhada e é
ausência de um ou de outro fator normalmente praticada no contexto de um contencioso judicial em
poderiam igualmente evitar o acidente que as partes envolvidas disputam por estabelecer interpretações
ou seus danos, seja considerando particulares sobre as circunstância dos fatos e é preciso verificar a
aspectos imediatos quanto mediatos verossimilidade dos argumentos apresentados (este é o contexto no
(não diretamente produzidos na qual é invocada a atuação dos peritos e a análise de reconstrução dos
ocorrência). Estes fatores contribuintes acidentes). As respostas buscadas podem tentar aferir o grau em que
que, com razoável probabilidade, cada contribuição corrobou para produzir os danos ocorridos e
evitariam o acidente ou seus danos se naturalmente aceita a idéia de fatores intervenientes e
estivessem ausentes são os principais, e responsabilidade compartilhada. A perspectiva da Engenharia pode
podem ser divididos pelo menos em ser mais fundamental (entender como o projeto dos elementos
primários (evitariam o acidente) e envolvidos pode melhorar a segurança de trânsito) ou pragmática
secundários (evitariam os danos). (entender como as ações práticas disponíveis para projetistas,
construtores, gestores, fiscalizadores, etc..., podem ser reduzir o risco
de funcionamento inadequado dos elementos e sua interação) mas
preocupa-se mais com a correção ou prevenção dos problemas
observados pela ação sobre os elementos técnicos (embora pondere os
demais fatores). A perspectiva da Sociedade é naturalmente mais
ampla e complexa, não necessariamente focalizada nos objetivos
diretamente relacionados com os problemas em análise mas
eventualmente comandada por interesses mais gerais ou transversais
(guiada por outros interesses).

Do ponto de vista da discussão que será feita aqui (e na apresentação


sobre a análise de reconstrução de acidentes), o foco será o
entendimento da contribuição dos fatores envolvidos e da sua interação
na produção do acidente e seus danos. Adiante (na apresentação sobre
análise da segurança viária), o foco será direcionado para o diagnóstico
sobre os problemas de segurança e para a análise e previsão dos efeitos
de intervenções de correção e prevenção dos problemas observados.

2.3.1. Análise dos Fatores Contribuintes nos Acidentes de Trânsito

Em função da ampla gama de fatores potencialmente contribuintes


para a ocorrência dos acidentes de trânsito (e sua gravidade), diversos
estudos tentaram avaliar a importância relativa de diferentes grupos de
fatores e, eventualmente, apontar as áreas prioritárias de ação para o
esforço de redução dos flagelos associados à (in)segurança no trânsito.

Infelizmente a discussão tem sido bastante superficial na maior parte


dos casos, apesar de envolver extensos e trabalhosos levantamentos de
campo e contar com diversos profissionais especializados em equipes
multidisciplinares. Em que pese o concurso de especialistas, as
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avaliações são parcialmente subjetivas e não há uma clara definição de


conceitos e critérios de análise. No entanto, nos estudos mais isentos e
orientados por objetivos científicos há uma grande concordância nos
resultados preliminares (estes resultados mudam de forma significativa
somente em estudos interessados, i.e. em estudos normalmente
conduzidos por equipes que tem algum viés de interpretação
decorrente da formação específica ou do interesse nos resultados).

Os primeiros estudos estão adequadamente resumidos em Rozestraten


(1988), um pesquisador holandês que se tornou um dos pioneiros nos
trabalhos em Psicologia de Trânsito no Brasil, tendo inclusive
realizados estudos nacionais sobre o assunto. São citados dois
trabalhos seminais, o primeiro publicado por Sabey e Staughton em
1975, realizado pelo Laboratório de Pesquisa em Transporte e Vias
inglês, o TRRL-Transport and Road Research
Laboratory (anteriormente RRL-Road Research
Laboratory e hoje TRL-Transport Research
Laboratory), com dados de 1164 dos 2130 acidentes
observados em uma região próxima a Londres entre
1970 e 1974, e o segundo publicado por Shinar em
1978, realizado pela Universidade de Indiana por
convênio com o Departamento de Transportes dos
EUA, o DOT-Department of Transportation, com
dados de 2258 dos 13568 acidentes observados no
Estado de Indiana entre 1972 e 1977. Os resultados globais
produzidos por ambos os estudos estão resumidos ao lado. Os dados
obtidos no estudo nacional não foram apresentados no mesmo formato
mas foram similares em boa medida (o que também pode ser
observado em estudos similares em diversos outros países).

Estes estudos de acidentes (uma abordagem de pesquisa que teve


ampla disseminação nos anos 70 e início dos anos 80, chamado de
Estudo de Detalhado ou Detailed Study, Estudo Aprofundado ou In-
depth Study, e eventualmente de Estudo na Via ou On the Road Study)
normalmente constituía equipes multidisciplinares de observação e
análise dos dados sobre a cena e a ocorrência dos acidentes
comunicados à polícia (em alguns casos com a observação direta nos
locais durante o atendimento aos acidentes para coleta de dados
complementar ao registro policial). O interesse nestes estudos
reiterou-se diversas vezes ao longo do tempo.
61

Parece justo dizer que pelos menos nos EUA e no Reino Unido estes
estudos foram institucionalizados (o FARS-Fatal Accident Reporting
System, o Sistema de Informação sobre Acidentes Fatais, foi iniciado
em 1975 pela Administração Nacional
da Segurança de Tráfego Rodoviário, o
NHTSA-National Highway Traffic
Safety Administration, complementado
pelo Sistema Nacional de Amostragem
de Acidentes, não fatais, o NASS-
National Accident Sampling System, do
NHTSA dos EUA, baseado em dados
de reconstrução dos acidentes, e o
STATS19-Roadway Safety Data, o
Sistema de Dados sobre Segurança
Viária, foi iniciado em 1979 pelo
Comitê Permanente sobre Estatísticas
de Acidentes Viários, o SCRAS-
Standing Committee on Road Accident
Statistics, suplementado pelo
STATS20-Contributory Factors
System, o Sistema de Fatores
Contribuintes, do SCRAS inglês, que
são censitários mas ainda baseados em
dados dos boletins policiais, como
mostrado ao lado).

Em geral, apesar da dificuldade de obter dados adequados sobre os


acidentes, não se discute o valor descritivo dos dados obtidos desses
estudos detalhados. Neste sentido, seus dados constituem uma fonte
de informação preliminar sobre as causas de acidentes de trânsito. Em
geral, não é simples a tarefa de identificar fatores contribuintes
relevantes, primários (sem os quais a ocorrência dos acidentes seria
improvável) ou secundários (sem os quais a existência de vítimas fatais
ou graves seria improvável). Mas mesmo que sejam aceitos os
critérios utilizados para identificação dos fatores contribuintes, a
discussão posterior mostrou que é preciso analisá-los da melhor forma.

A crítica que se faz ao uso ingênuo da informação obtida nos estudos


mencionados foi desenvolvida pelos próprios autores dos trabalhos
pioneiros, como pode ser exemplificado por pelo menos um
desenvolvido clássico na sequência dos primeiros estudos. Em 1980,
Sabey publicou um trabalho examinando quais conclusões poderiam
ser retiradas dos seus estudos preliminares para orientar intervenções
para melhoria da segurança de trânsito, com preocupação particular
sobre dois aspectos fundamentais: em qual campo de ação existem
políticas efetivamente eficazes para redução de acidentes pela ação
sobre fatores contribuintes identificados e qual a eficiência econômica
de políticas de ação sistemáticas para implantar tais ações efetivas.
Apesar de antigo, as observações do estudo são ainda relevantes e
aparecerão também nos métodos mais recentes (discutidos a seguir).

A primeira observação é referente ao fato de que os resultados


apresentados nos estudos sobre a presença de fatores contribuintes
diversos na produção de acidentes de trânsito evidenciam somente a
frequência de cada fator, ponderando que em diversos acidentes há
interação importante entre os fatores. Por este prisma, claramente o
fator humano é preponderante na produção dos acidentes de trânsito
(uma conclusão corroborada amplamente pelos estudos similares).
Pode-se constatar normalmente que mais de 95% dos acidentes de
trânsito tem um fator contribuinte importante (que provavelmente não
teria produzido o acidente na sua ausência). Para os fatores viários e
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veiculares estas participações são normalmente da ordem de 30% e


10%, numa proporção de 10:3:1 grosseiramente. Esta avaliação é
usualmente desfavorável à avaliação da contribuição da importância do
fator veicular por tratar principalmente de aspectos de segurança
primária (que evita os acidentes), ao invés de outros aspectos (que
evitam ferimentos ou sequelas), e considerar o cenário com os recursos
e condições existentes (na verdade, ponderando mudanças, é mais
usual citar alterações de condições viárias locais do que dispositivos ou
normas gerais que tem eficácia difícil de avaliar).

A segunda observação corresponde a verificar em que medida existem


intervenções aplicáveis e potencialmente eficientes para eliminar a
contribuição dos fatores identificados e ter eficácia relevante na
redução de acidentes. Este aspecto foi considerado através da
avaliação de um painel de especialistas que enumerou as intervenções
de baixo custo disponíveis para minorar a influência dos fatores
contribuintes listados para cada acidente e estimou a fração dos
acidentes ou ferimentos de cada tipo que poderiam ser eliminados. As
ações sobre o fator humano, neste ponto, foram consideradas muito
menos eficazes ou incertas quando se limita a intervenção à ações
usuais de baixo custo (mesmo sem incluir o importúnio para os
usuários da via). Os resultados obtidos estão sumarizados no
quadro ao lado, por intervenção e para o conjunto total de acidentes
(removendo dupla contagem para acidentes que podem ser
eliminados por mais de uma intervenção do mesmo grupo) e
concluíram que as medidas de segurança de baixo custo e eficácia
comprovada aplicadas a fatores do usuário, da via, ou do veículo
poderiam reduzir cerca de um terço (33%, por restrição ao uso de
álcool, limites de velocidades mais apropriados, propaganda e
informação, fiscalização e presença policial, educação e
treinamento e medidas legais), um quinto (20%, por melhoria do
projeto geométrico, especialmente de projeto e controle em
interseções, melhoria da aderência do pavimento, melhoria da
iluminação, e medidas em áreas urbanas de uso do solo, projeto
viário e administração do tráfego), ou um quarto (25%, por ações
primárias de melhoria da manutenção veicular, uso de ABS e pneus
seguros em neve e melhoria da conspicuidade dos motociclistas, e
por ações secundárias de uso efetivo de cintos de segurança e
outros dispositivos de proteção aos ocupantes) dos acidentes ou
ferimentos decorrentes, numa proporção de 1:1:1 grosseiramente
(ou 7:4:5 para exagerar a contribuição da ação sobre o fator
humano, sem deixar de reduzí-la).

A terceira observação é relativa à análise da eficiência econômica das


intervenções ponderando pelo menos o investimento necessário para
sua implantação para eficácia plena ou parcial. No que se refere às
intervenções sobre os fatores humanos, pondera-se que é muito difícil
avaliar o nível de gasto realmente necessário para obter a eficácia
conjecturada para as intervenções (admitindo-se que grande parte das
medidas exigiria uma ação sentida como contínua para garantir sua
eficácia, mesmo quando implantada de forma parcial). Um efeito
similar ocorre para as ações sobre os fatores veiculares: para realizar
seu potencial pleno de redução de acidentes é necessário que as
intervenções veiculares atinjam toda a frota de veículos (com o valor
então admitido para o Valor da Vida Estatística, de L$64mil, a
realização plena do potencial de 25% de redução de acidentes ou seus
ferimentos limitaria o gasto eficiente em L$578 por veículo no total).
Ao contrário, as ações sobre os fatores viários podem eventualmente
ser pontuais (pelo menos nos casos em que os problemas de segurança
de trânsito tem uma incidência espacial também pontual, configurando
a existência de pontos críticos notáveis na ocorrência de acidentes) e
63

atingem com facilidade os critérios de eficiência econômica (desde que


sejam selecionadas intervenções efetivamente eficazes na redução dos
problemas de segurança de trânsito observados).

Pode-se ver que as observações de Sabey são totalmente pertinentes às


Dado o papel principal do usuário da condições atuais e correspondem basicamente às questões
via no controle das ações no tráfego, incorporadas nos métodos recentes de avaliação (socio-)econômica de
não é surpreendente observar que os intervenções, por exemplo como consideradas na avaliação de cada
fatores principais mais frequentemente intervenção nas revisões do Manual de Medidas de Segurança Viária,
presentes na produção dos acidentes The Handbook of Road Safety Measures, que serão apresentadas e
são humanos (a proporção típica é discutidas adiante (com base na meta-análise dos estudos existentes
10:3:1, em relação a fatores viários e são obtidas estimativas da eficácia de cada intervenção e os resultados
veiculares). Disso não se pode concluir potenciais são comparados com o custo da intervenção para os
que a ação sobre o fator humano é a usuários da via e para a comunidade (incluindo o custo de
mais recomendada para evitar os investimentos necessários e de repercussões sobre a operação do
acidentes de trânsito ou seus danos. tráfego ou outros componentes da vida social).

Examinando a eficácia potencial de Cabem diversas ponderações relevantes, entretanto. Por exemplo, a
ações de baixo custo de eficácia concentração espacial dos acidentes de trânsito é uma característica
reconhecida para reduzir os acidentes e predominante no sistema viário de regiões menos estruturadas e passa
seus danos, o estudo de Sabey (1980) a ser substituída por um padrão de distribuição espacial mais disperso,
concluiu que a contribuição dos fatores na medida em que as medidas corretivas ou os padrões de projeto
de cada área é aproximadamente igual mais adequados disseminam-se na região. No entanto, mesmo neste
(1:1:1 ou 7:4:5 para fatores humanos, caso há normalmente a possibilidade de intervenção pelo menos por
viários e veiculares). Adicionalmente corredor ou por área e prevalece a característica de atingir todos os
examinando também a eficiência usuários da via com as intervenções localizadas (mesmo em maior
econômica, Sabey (1980) concluiu que escala). Outro aspecto interessante é o fato de terem-se estabelecido
as ações sobre fatores viários podem mais recentemente diversas inovações nas formas de intervenção para
ser favorecidas por uma incidência melhoria da segurança de trânsito inexistentes na época do estudo. Os
imediata de intervenções mais locais dispositivos de fiscalização eletrônica são uma dessas inovações
(pelo menos quando os acidentes têm assim como são os diferentes dispositivos embarcados nos veículos
concentração espacial) que trazem (ABS, Airbags, VSC, ...). Os dispositivos de fiscalização eletrônica
retorno econômico maior (as ações seriam normalmente classificados como parte dos fatores viários
veiculares teriam de atingir toda a frota (embora tenham efeito sobre o comportamento dos usuários da via
para ter eficácia plena enquanto as como ocorre para diversos outros dispositivos viários como redutores
ações sobre o fatores humanos teriam de velocidade) e, neste caso, tornariam a vantagem econômica da
de manter-se por longos períodos, intervenção sobre a via ainda mais pronunciada. Os dispositivos
eventualmente serem permanentes). veiculares mencionados são claramente similares aos considerados no
estudo original (por exemplo, os cintos de segurança), notando-se que
Os estudos atualizados devem examinar embora o custo dos novos dispositivos seja muito superior é
questões similares de cada intervenção importante observar que é também bastante superior o Valor da Vida
para buscar uma conclusão ponderada. Estatística atualmente aceito na grande maioria dos países.

A conclusão geral de Sabey parece, portanto, ainda válida: deve-se


avaliar de forma criteriosa a eficácia real das diferentes intervenções e
o nível de atuação requerido para atingir o potencial viável de redução
de acidentes, o que normalmente favorece ações tão focalizadas quanto
for possível na implantação ou de baixo custo e eficácia comprovada
(aspectos que em princípio favorecem as ações de segurança viária,
pelo menos onde as deficiências são “pontuais”). As conclusões foram
obtidas a partir da análise de medidas de baixo custo mas podem ser
igualmente aplicadas às medidas que exigem maior investimento.
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Um exemplo claro pode ser usado como ilustração concreta: a questão


dos acidentes em rodovias de pista simples. Ao lado estão justapostas
as curvas de frequência de
acidentes esperada
(eventualmente divididos em
acidentes graves e acidentes
totais) existente no Manual de
Segurança Viária dos EUA (o
U.S.HSM-Highway Safety
Manual) para 3 contextos
básicos: rodovias de pista
simples com uma faixa por
sentido, rodovias de pista
única com duas faixas por
sentido e rodovias de pista
dupla com duas faixas por
sentido e separador central (as
escalas estão deformadas para
manter a proporção gráfica para os fluxos de tráfego e para as
frequências de acidentes). É claro que as rodovias de pista simples
têm o maior risco de acidentes graves relacionada com colisões
frontais em ultrapassagens (grande parte irregulares, em trechos de
proibição) e que há necessariamente um fator humano envolvido na
quase totalidade desses acidentes. No entanto, vê-se com igual clareza
que as rodovias com duas faixas por sentido tem menor frequência de
acidentes nos mesmos fluxos de tráfego e permitam duplicar os fluxos
de tráfego acomodados, reduzindo particularmente a gravidade dos
acidentes (os acidentes graves passam a ser cerca de um terço dos
acidentes totais), enquanto as rodovias de pista dupla com separador
central reduzem os acidentes a cerca de metade (embora agora os
acidentes graves representem cerca de dois terços dos acidentes totais)
e permitam facilmente acomodar mais que outra duplicação do tráfego.

Onde a duplicação e/ou separador central puder ser aplicado de forma


“pontual” (i.e. em trechos reduzidos) esta certamente será uma medida
muito mais eficaz e eficiente para minorar os problemas de segurança
de trânsito. Onde a duplicação e/ou separador central tiver de ser
aplicado de forma geral (i.e. em trechos extensos) haverá uma
exigência maior para os fluxos de tráfego que justificam a intervenção.
Em ambos os casos, dificilmente ações sobre os fatores humanos
seriam viáveis e mesmo o uso extensivo de dispositivos de fiscalização
eletrônica de velocidade seria ineficiente se forem comparados os
custos da intervenção e os custos sociais para os usuários da via.

...

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