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Há, na NBR10697/1989,2018, duas inovações interessantes que não lograram
maior disseminação: é introduzido um conceito para referir-se aos meios auxiliares
de transporte do pedestre (Veículo Pedestre, um termo esdrúxulo certamente,
enumerando cadeiras de rodas, carrinhos de bebês, patins e patinetes) e criada uma
categoria para acidentes de pedestres que não envolvem veículos ou ação criminosa
(denominado de Acidente Pessoal de Trânsito, talvez melhor chamado ao menos de
Acidente Pessoal de Pedestre). O conceito de meio auxiliar de transporte pode ser
definido referindo-se ao uso de acessórios utilizados para apoio ao deslocamento mas
que não alteram substancialmente seu desempenho e características básicas (como
dimensões e segurança), o que está no cerne de discussões recentes sobre a
equiparação entre uma infinidade de formas alternativas que tomam o espaço viário
(particularmente o skate e os patinetes ou as bicicletas elétricas). No conceito
enunciado como exemplo, cadeiras de rodas e carrinhos de bebê seriam normalmente
equiparados aos pedestres mas patins e patinetes provavelmente não (são mais
similares a ciclos), enquanto bicicletas elétricas poderiam ser equiparados a bicicletas
ou ciclomotores em função do desempenho atingido. A inclusão explícita de novas
categorias que não envolvem o impacto com os veículos como os acidentes pessoais
de trânsito ao invés de mantê-los na categoria residual Outros (que pode incluir
quedas de pedestres e de ocupantes dos veículos, ao entrar ou sair do veículo, ao
invés das quedas de pessoas ou de carga dos veículos em movimento, assim como
acidentes com animais sem concurso de veículos) pode apoiar a preocupação em
ampliar a atenção ao atendimento dos pedestres e outros usos, sem privilegiar os
veículos motorizados mas cabe relembrar a falta mais grave de categorias explícitas
para atropelamentos ou outros acidentes com veículos que invadem calçadas em
particular mas também outras áreas e imóveis adjacentes à via. Salta aos olhos que
parece justificar-se o uso conceitos mais gerais ou complementares.
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Parte das pesquisas feitas na EPUSP tiveram predominantemente esta orientação e
basearam-se no desenvolvimento das medidas operacionais de segurança viária. As
oportunidades de conflito (COs) medem a frequência prevista de eventos em que
existem precondições para um acidente (e.g. manobras em curso de colisão e tempo
de reação reduzido) e relacionam-se com modelos de previsão da ocorrência de
conflitos de tráfego (ignorariam, portanto, a influência de fatores aberrantes). As
medidas de potencial de acidentes (ACk por severidade k) adicional a probabilidade
de falha das manobras evasivas para o risco de acidentes e a previsão da severidade
com base na estimativa da velocidade de impacto pelo menos (ainda ignorariam as
propriedades de rigidez dos elementos envolvidos no impacto). O exemplo mais
desenvolvido neste esforço é correspondente aos métodos de análise de dispositivos
de proteção lateral que transformam um índice de severidade potencial
IS M.VS .senS ou IS M.VI .senI que pondera a massa do veículo, sua
velocidade e ângulo de saída de pista ou de impacto em um índice de severidade do
impacto SI (tabelado no caso) em função das características dos elementos
envolvidos no impacto (particularmente de dimensão e rigidez).
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A título de exemplo, pode-se examinar o conjunto de medidas operacionais de segurança viária para travessias de
pedestres formulado e investigado na pesquisa recente desenvolvida na EPUSP. Inicialmente, as medidas
operacionais de segurança são relacionadas com dois conceitos que podem ser relacionados com as variáveis de
projeto viário e operação do tráfego e descrevem a ocorrência de certas pré-condições para a ocorrência de
acidentes com pedestres nas travessias da via:
- Oportunidade de Manobra: existência de certas pré-condições para realização da travessia com um nível de
segurança requerido (ou aceito numa visão descritiva) como brechas adequadas (incluindo uma margem de
segurança) ou estágios semafóricos (sem fluxo conflitante ou risco de violação à preferência do pedestre);
- Oportunidade de Conflito: existência de certas pré-condições para ocorrência de um conflito durante a travessia,
com nível de risco relevante (ou perceptível numa visão descritiva) como a chegada de veículos conflitantes.
Em princípio, a investigação realizada evidenciou que as medidas de Oportunidade de Conflito são mais
claramente relacionadas com a segurança nas travessias de pedestres, tanto na comparação com a avaliação
subjetiva de especialistas quanto com o histórico observado de acidentes. Diversas modelos para estimativa de
Oportunidades de Manobra ou Oportunidades de Conflito foram formulados e validados, destacando-se:
- MO I q o .e qo .t cI , onde t cI LcI Vped seg é o tempo de travessia integral com margem de segurança seg ;
- CO I q ped . 1 e qo .t cI , com o fluxo de travessias e a chegada de veículos conflitantes na travessia integral;
qo . t LI sup t LI inf
- CO R q ped . e , com margem inf a sup do tempo t LI LcI Vped na chegadas de veículos;
(diversos outros aspectos foram examinados, como a existência de restrição de visibilidade do pedestre ou de
chegadas em fluxo livre ou sem filas). Por exemplo, se um fluxo de 400pedestres/hora tem de atravessar um
fluxo de 900veículos/hora com um tempo de travessia integral de 8seg, a frequência de oportunidades de
travessia será de MO I 900.e 400 3600.83 57,5 / hora (algo como 1 por minuto; a probabilidade poissoniana de
atravessar sem chegada conflitante é da ordem de Pso e 400 3600.83 6, 4% ). Nas mesmas condições, a previsão
para a frequência de oportunidades de conflito seria de CO I 400. 1 e 400 3600.8 346 / hora na medida de
travessias aleatórias e de CO R 400. e 400 3600.118 211/ hora para brechas de risco (entre 8seg e 11seg). ...
Embora a investigação realizada também tenha sido capaz de concluir que as medidas com travessia integral e
brechas de risco foram mais adequadas, o estágio atual de desenvolvimento carece de incorporar um elemento
fundamental ainda omitido: a relação entre a probabilidade de ocorrência das pré-condições consideradas e a
probabilidade de eventos que podem produzí-las (erros humanos, comportamentos inapropriados ou aberrantes,
decisões de risco mais ou menos presente, falhas mecânicas, etc...). Por exemplo, a medida COI pode ser
relacionada com um erro de percepção da situação de conflito ou com a presença na pista de usuários incapazes
de identificá-los (como crianças ou embriagados) enquanto a medida COR pode ser relacionada com um erro de
avaliação das brechas seguras ou com a decisão de realizar uma manobra forçada (pelo perfil agressivo do
condutor, alguma vantagem física ou impaciência pela espera). A investigação incorporou, entretanto, um outro
conjunto de aspectos complementares entre os anteriormente mencionados: os que podem explicar a falha das
ações evasivas dos usuários da via (e materializar as oportunidades de conflito em potencial de acidentes) e os
que podem explicar a gravidade dos acidentes e ferimentos produzidos (em especial humanos mas também
materiais), destacando-se as medidas de potencial de acidentes decorrentes de visibilidade restrita e velocidade
excessiva e as medidas de potencial de acidentes com fatalidade ou ferimentos graves, em função da velocidade
de impacto no acidente com o pedestre na travessia (naturalmente, muitas outras variáveis relevantes podem ser
incorporadas de forma similar (a discussão adiante sobre reconstrução de acidentes será elucidativa a respeito).
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2.2.1. Homem-Via-Veículo
a. O Homem
b. A Via
c. O Veículo
Uma situação ilustrativa da amplitude aberta ao futuro de sistemas de ITS ou similares pode ser visualizada em
diversas aplicações.
O motorista pode necessitar viajar para outra cidade onde nunca esteve antes. Durante o percurso na estrada, ele
pode comunicar-se com o gestor do sistema de controle da rodovia e receber mensagens sobre as opções de
trajeto e as condições de trânsito à frente. Até pouco tempo, a informação teria de ser colhida de câmeras de TV,
de Sistemas de Atendimento a Incidentes (viaturas em campo, rede de telefonia de emergência com cabine de
chamada ou call-box, detectores de incidentes ou observadores de campo), de sensores instalados nas vias para
detecção dos veículos (os atuais, instalados sob o pavimento e baseados em radares ou sensores que utilizam
processamento de imagem). A disseminação da informação e sua utilização poderia depender da comunicação
por rádio entre agentes da operação viária ou por meios de difusão por rádio aberto (sintonizados nas estações de
AM e FM existentes na maioria dos veículos motorizados). Atualmente pode-se adicionar a obtenção e
disseminação de informações pelo processamento dos sinais de GPS e redes de telefonia celular e aplicativos
para telefones móveis. Mas, em grande parte, toda a nova tecnologia afeta somente o nível informacional da
operação viária (interfere pouco na operação real). No entanto, em certas aplicações a necessidade informacional
tem grande valor e mesmo mercados reduzidos podem viabilizar sistemas sofisticados.
Os gestores das rodovias podem manter a informação sobre o trajeto selecionado para o usuário e operar um
sistema de cobrança automática de pedágio que registra a passagem do veículo, sem que haja necessidade da
parada em uma cabine, providenciando o débito na conta mensal de uso das vias do condutor. Trechos especiais
da rodovia (ou de artérias urbanas mais importantes) tem faixas dedicadas, de alta velocidade, onde o controle da
operação dos veículos é assumido pela via, sendo comunicado e efetivado automaticamente pelos dispositivos de
comando automático dos veículos (sensores de posicionamento e de distância e comandos de aceleração e
frenagem controlados pelo computador de bordo). Estes sistemas complementares, quando implantados (e
normalmente custosos para implantar) permitem afetar de forma significativa o comportamento dos viajantes.
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No entanto, nem sempre produzem um impacto significativo de melhoria da operação (por exemplo, cenários de
congestionamento mudarão pouco na maior parte dos casos). Se o financiamento de sua operação puder ser
repartido em um mercado amplo, novamente pode-se viabilizar aplicações interessantes.
Chegando à cidade destino, o sistema local baseado nas informações do geoprocessamento é solicitado e,
considerando dados sobre o carregamento do tráfego no sistema viário, que é obtido de sensores de passagem nas
vias da cidade, avalia automaticamente a melhor rota e indica progressivamente ao motorista o percurso e as
manobras a realizar até seu destino, enviando suas indicações ao computador de bordo e ao dispositivo de
visualização do veículo. Seu deslocamento pela cidade é feito com o menor atraso possível. Os sistemas de
controle semafórico ajustam continuamente os tempos de operação conforme a demanda do tráfego e podem
responder a solicitações especiais de veículos de emergência ou de linhas prioritárias de transporte coletivo. No
destino, uma série de painéis eletrônicos indica ao motorista onde existem vagas nos estacionamentos, em tempo
real, e o valor a pagar em cada um. Provavelmente, os aplicativos de auxílio na identificação de rotas e locais são
razoavelmente eficazes em fornecer a informação requerida pelos viajantes. Eventualmente podem auxiliar
também na identificação de melhores alternativas de deslocamento ou estacionamento que podem representar
uma significativa economia nos tempos de viagem (isso mesmo em rotas conhecidas, em cenários com
incidentes, quando adequadamente considerados). No entanto, os problemas de congestionamento em redes
viárias de cidades de porte razoável têm, em geral, um forte condicionante na capacidade restrita do seu sistema
viário e os sistemas informacionais ou de controle em tempo real têm pouca eficácia na redução dos problemas
(mesmo que realizem seu ótimo).
Todos esses controles e equipamentos integrados para gestão do tráfego e uma série de outros compõem o que é
tratado atualmente como ITS (ou um conjunto deles). Em boa parte dos casos, onde a carência ou deficiência
existente está na esfera informacional é possível esperar um impacto relevante, muito maior do que o efeito em
problemas que decorrem de aspectos mais operacionais ou estruturais. Este estágio é bastante rudimentar e
acanhado. No entanto, há um considerável esforço para ir além dos resultados atuais. Outro risco considerável
da pressão das novas tecnologias é direcionar o esforço para problemas em que sua aplicação é mais imediata
mas eventualmente menos relevante ou prioritária (pense nos sofisticados sistemas com luzes piscantes que
podem ser implantados em cidades miseráveis do terceiro mundo ou de países em desenvolvimento).
O que seria possível esperar de sistemas de controle desta natureza? A discussão acima não afirma nem nega a
eventual eficácia de sistemas “modernos” (uma “qualidade” em si irrelevante) mas somente assinala a
importância de avaliar se obtém-se uma eficácia final relevante (ou trata-se simplesmente de trocar espelhos por
ouro como os indígenas).
Existem duas observações que podem merecer menção especial a respeito do impacto de novas tecnologias sobre
a interação no tráfego:
- a difusão das novas tecnologias exige um tempo razoavelmente longo; normalmente, a tecnologia veicular
é aprimorada ao longo dos anos (pode desenvolver-se para a aplicação em automóveis e depois aplicada
aos veículos pesados, cuja exigência de desempenho é bastante maior); em alguns casos, são necessários
dispositivos específicos de segurança para certos tipos de veículos (por exemplo, em motocicletas, os
freios com sistemas anti-bloqueio similares ao dos automóveis podem ser usados mas os sistemas de
amortecimento com bolsas de ar não tem aplicação direta); as tecnologias viárias também precisam atingir
uma extensa rede mas, neste caso, a implantação pode selecionar as vias mais importantes;
- a melhoria do nível de segurança básico incorporado aos veículos ou às vias pode motivar adaptações
comportamentais (por exemplo, o aumento das velocidades praticadas) capazes de reduzir, anular ou
mesmo reverter os ganhos iniciais; este efeito é similar ao observado até aqui, em que a melhoria do
projeto da via e do veículo não produziu resultados proporcionais na fluidez ou segurança do tráfego e
chama a atenção para a ação sobre o fator humano ou sobre a dinâmica social, como componentes
essenciais de uma estratégia voltada para colher resultados realmente efetivos; não se deve esperar que os
sistemas automatizados sejam inumes a pressões dessa natureza porque muitas delas vem do conflito
entre objetivos de segurança e fluidez, por exemplo, que são ambos essenciais.
Outra observação interessante é relativa ao impacto destas tecnologias sobre as variáveis de tráfego. Supondo
que os sistemas consigam atingir níveis de desempenho similares aos humanos (uma tarefa em si bastante árdua,
pelo menos em certas áreas de percepção e intelecção, mas provavelmente acessível para dispositivos dedicados),
os sistemas automatizados tem de ser cuidadosamente calibrados para atingir um grau de desempenho que reflita
um adequado compromisso entre velocidade e segurança que seja bem avaliado, ao mesmo tempo, pelos
indivíduos e pela sociedade. Os sistemas operados pelo homem são bastante flexíveis e adaptativos e ajustam
continuamente o compromisso entre velocidade e segurança, batendo facilmente os sistemas automatizados que
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formulam de forma rígida os requisitos de operação. Quando existem restrições rígidas (por exemplo, restrições
físicas ou de segurança), os dispositivos automáticos podem trazer “ganhos” decepcionantes (ou mesmo perdas)
quando comparados com sistemas operados por humanos. Por exemplo, o Controle Automatizado de Marcha
dos veículos (conhecido por ACC, sigla para Automatic Cruise Control) com restrições rígidas de espaçamento
entre veículos (normalmente determinadas por requisitos de segurança na frenagem diante de incidentes) podem
obter velocidades e capacidades de tráfego menores que as obtidas na operação hoje usual (muitos dispositivos
produzem apenas um tráfego mais estável). É difícil imaginar que um dispositivo dedicado adequadamente
calibrado não atinja um desempenho similar ao humano, mesmo não sendo algo trivial, mas seu custo deve
produzir melhor resultado em alguma dimensão importante para justificar seu uso em uma escala relevante.
2.2.2. Tráfego-Entorno-Clima
Com base na discussão feita até aqui, percebe-se que o suporte à ação
integrada na segurança de trânsito não pode ser traduzida numa crença
cega na eficácia de ações de Engenharia, Educação e Exigência (os 3
E´s clássicos ou qualquer outra extensão da idéia original). A análise
cuidadosa deve buscar identificar as situações em que as ações
pontuais ou concertadas são potencialmente eficazes para melhorar a
segurança de trânsito, dentro de uma perspectiva de longo prazo (em
que ações voluntaristas são temporárias e devem ser substituídas pelos
mecanismos sociais permanentes para consolidar os resultados).
A complexidade das interações no trânsito e a renitência dos problemas de fluidez e segurança gerados logo
destacou a importância da ação simultânea em diversos elementos envolvidos. As ações contidas no clássico
tripé formado pela Engenharia, Educação e Exigência podem influir consideravelmente na operação do tráfego,
especialmente estabelecer requisitos para agir de forma efetiva sobre o comportamento humano e veicular.
A Engenharia atua através do desenvolvimento de projeto viários que proporcionem deslocamentos mais
seguros, confortáveis, rápidos e econômicos, de forma compatível com os requisitos operacionais dos veículos e
comportamentais dos usuários da via. A Educação pode contribuir para o desenvolvimento do sentido de
segurança viária através do ensino das normas e condutas corretas aos usuários do Sistema Trânsito e do
constante reforço a essas atitudes. As ações de Exigência, que requisitam uma presença constante, orientando o
usuário e fiscalizando seu comportamento ou removendo ou dificultando ações que representam interferências
na operação ou riscos à segurança (entre outras atividades), apoiam a conformidade do comportamento humano,
a partir do momento que informam e impõem penalidades pelo não cumprimento da conduta esperada, e podem
gerar novos hábitos de respeito e civilidade (que a impunidade torna menos presentes).
Deve-se ressaltar que em geral essas três ações devem ter presença continuamente para surtirem efeito no
comportamento do homem, particularmente quando há estímulos e motivações outras para comportamentos
indesejados. Ações isoladas na área de Educação (por exemplo, campanhas esporádicas ...) ou intervenções de
Engenharia sem apoio de fiscalização efetiva, normalmente não surtem efeitos em relação à segurança e nada
acrescentam em termos de alteração do comportamento real. Por este motivo, deve-se avaliar o grau de
Exigência necessário para que cada medida funcione efetivamente. Algumas intervenções podem ser
classificadas como auto-exigíveis (por exemplo, obstruções físicas) enquanto outras medidas podem exigir
esforços significativos de orientação na fase de implantação e fiscalização permanente na fase de operação.
Para ilustrar, vejamos o caso de uma via saturada, cuja capacidade não atende mais à demanda de veículos que
busca utilizá-la. Esta deficiência pode gerar filas que atrasam o deslocamento de centenas de pessoas todos os
dias e bloqueiam certos cruzamentos. Todas as intervenções possíveis podem beneficiar alguns e prejudicar
outros. Mas, selecionando-se uma medida adequada, os resultados dependem de obter-se sua eficácia final.
Uma ação, de Engenharia, poderia proibir o estacionamento em um ou ambos os lados da via, para aumentar o
número de faixas de tráfego e ganhar em capacidade (eventualmente essa proibição poderia ser restrita apenas
aos trechos mais saturados ou aos horários de maior demanda). Uma medida educativa ou informativa seria
comunicar e explicar aos usuários da futura mudança, com antecedência suficiente, através de folhetos e faixas
(especialmente os usuários de passagem ou clientes eventuais, visto que a comunidade local provavelmente
participaria da discussão sobre a conveniência/necessidade de proibir o estacionamento). Entretanto, se não
houver fiscalização, alguns usuários continuarão a estacionar como antes, privilegiando sua própria
conveniência. Com isso, o projeto perde o efeito (basta um veículo estacionado para diminuir em uma faixa a
oferta viária). Desse modo, a educação e fiscalização (aplicação de multa e remoção do veículo) são os
instrumentos necessários para garantir a eficiência do projeto de Engenharia. Alternativamente, a ampliação
física da via teria efeito similar e seria auto-exigível mas pode ter custo muito maior ou ser impossível (dada a
largura disponível ao longo do trecho considerado).
Outra ação, de Educação, seria realizar uma campanha para que as pessoas evitassem bloquear os cruzamentos
(um comportamento inapropriado em que, com muito mais probabilidade, todos perdem ao final, mesmo que
um ou outro usuário ganhe alguns segundos em um ou outro cruzamento). A ação educativa pode ser apoiada
por placas educativas advertindo sobre a irregularidade e inconveniência do ato de bloquear os cruzamentos,
pela sinalização de demarcação da área de conflito no cruzamento, por alterações de defasagens entre os tempos
de verde dos semáforos adjacentes de forma a ter vermelho na aproximação quando a fila adiante está
totalmente parada e, principalmente, de medidas destinadas a reduzir (se possível, eliminar) a saturação
existente. Estas ações de Engenharia tornam a obediência mais plausível e a transgressão menos provável. Por
fim, a fiscalização novamente será essencial (especialmente nas fases iniciais da campanha e, provavelmente, de
forma intermitente após sus implantação total) para exigir a obediência às normas divulgadas. Dispositivos
eletrônicos de fiscalização podem ser utilizados para tornar a ação auto-exigível. Se o comportamento
inapropriado persistir, como infração, os ganhos de capacidade do ajuste semafórico podem ser comprometidos
e a operação do tráfego será pior para toda a cidade (usualmente até para os infratores).
Como visto, a educação de trânsito deve se concentrar na tentativa de modificar os aspectos do comportamento
humano que mais comprometem sua segurança e a dos demais usuários do trânsito, pois a redução dos acidentes
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de trânsito (em boa medida relacionados com falhas, erros ou transgressões, humanas) é um objetivo de ordem
superior. No entanto, é enganoso ver as iniciativas no campo de educação como esforços pontuais e imediatos
(como os utilizados nos exemplos anteriores). É também enganoso ver conteúdo formativo apenas nas ações
ensejadas com foco educativo (com objetivos desta natureza). O processo educativo é em geral muito mais
amplo, gradual e lento. Mas ao mesmo tempo firme ao inscrever valores e normas na cultura dos cidadãos.
Uma das formas de combater os problemas do trânsito é o ensino às pessoas, tanto aos motoristas quanto aos
pedestres, sobre o comportamento adequado. Esta educação geral para o trânsito ocorre de diversas maneiras e
permeia o dia a dia das pessoas, através dos exemplos observados na operação do tráfego (dos pais condutores,
dos motoristas ao lado), das diversas formas de comunicação social (incluindo-se aí a propaganda educativa),
além das instâncias institucionalizadas de educação (no ensino formal universal ou na formação de condutores).
É, então, uma ação geral e não específica. E é formadora em um nível fundamental (da educação infantil).
Em que pese a reiterada preocupação manifestada com a educação de trânsito no Brasil, em particular no texto do
novo CTB de 1997 (que criou diversos mecanismos orientados a promovê-la), a situação ainda é bastante
deficiente. A ausência de ações positivas neste campo não é pior, no entanto, que a convivência cotidiana com
exemplos negativos. Particularmente a inoperância dos órgãos responsáveis pela fiscalização do trânsito e pela
ministração da justiça nas esferas disciplinares, cíveis e criminais relacionadas com o trânsito são igualmente
importantes (e aparentemente insubstituíveis, dada a experiência demonstrada nos países mais desenvolvidos).
Para que a Educação seja realmente efetiva, a Exigência deve ser vista como complemento essencial de ações na
área educativa, normalmente associada à fiscalização presente e atuante, mas que também deve incluir o rigor na
responsabilização legal dos infratores (especialmente nos casos mais graves, que produziram acidentes de
trânsito), como extensão da ação educativa através da norma socialmente exigida. Neste aspecto, entretanto, a
esfera judicial é tão ou mais importante do que a ação fiscalizadora, numa perspectiva formadora dos cidadãos. É
possível afirmar, com base na experiência dos países mais desenvolvidos, que o rigor da justiça é um fator
essencial e a ação disciplinar da fiscalização do trânsito é complementar (nenhum grau aceitável de furor
fiscalizatório é um antídoto suficiente para a inépcia da justiça em punir ações irresponsáveis no trânsito).
A necessidade de ter base técnica e científica para orientar as ações da Educação e da Engenharia, antes do
recurso a ações de Exigência, não pode ser menosprezada. Na medida em que exista mais rigor na exigência de
obediência às normas de trânsito, a sua adequação é naturalmente muito mais importante. O exemplo recente da
implantação de dispositivos de fiscalização eletrônica de velocidade é uma ilustração clara. Neste contexto, é
preciso ter uma base técnica adequada para estabelecer os limites de velocidade regulamentada, com critérios
justificadamente exigidos pela necessidade de ter um tráfego seguro, inclusive ponderando o impacto da redução
de velocidade sobre o aumento dos tempos de deslocamento das pessoas. Muitas vezes, os limites de velocidade
pretensamente definidos em favor da segurança podem apenas alimentar o furor arrecadatório de multas, em
prejuízo dos cidadãos. A justificativa da preocupação com a instituição de uma indústria de multas (como estes
esquemas tem sido chamados), por outro lado, não pode servir para gerar a impunidade e a decorrente
insegurança. Portanto, a Engenharia é a responsável por situar-se em um saudável meio termo (sem deixar de dar
peso preponderante à segurança de trânsito, particularmente para os usuários vulneráveis).
Não seria justo dizer que faltaram preocupações com diversos aspectos relacionados com o trinômio da ação no
trânsito, embora possa-se questionar se os resultados têm sido adequados. Pode-se considerar que preponderante
parece ter sido a ação fiscalizatória. A Exigência veio sendo considerado um importante aspecto complementar
da aplicação da Engenharia ou Educação de trânsito, cuja principal ferramenta vendo sendo novamente a
fiscalização de trânsito, mas parece ter havido uma expectativa exagerada de que sua atuação fosses suficiente,
quando muito suplementada por ações episódicas de orientação dos usuários. Neste campo, o CTB de 1997
trouxe importantes avanços em relação à legislação anterior (como a criação do sistema de pontuação ou a
elevação do valor das multas) e sucessivas ações têm sido tomadas para agravar as penalidades impostas aos
usuários da via através da fiscalização. Entretanto, os novos mecanismos só teriam efeito para a segurança do
trânsito se fossem acompanhadas de um esforço contínuo de atuação na Exigência, com uma fiscalização efetiva
sobre as infrações cometidas e na criteriosa aplicação de regras de trânsito adequadas, que parece distante da ação
viável com os recursos existentes. Pior, o foco prioritário na Exigência parece ter minado a ação na Educação e
na Engenharia (ao invés de ter sido integrada a elas). Resultado: a persistência dos problemas por décadas.
No Brasil, a educação de trânsito ainda não é matéria regular nos currículos escolares. O alvo principal da
educação de trânsito considerou muitas vezes a criança, que além de oferecer-se como ser em formação com seus
poderes sensoriais e intelectuais ainda em desenvolvimento, merece atenção por ser o mais vulnerável dos
agentes do trânsito. As escolas, como formadoras de comportamento, podem ser as divulgadoras das primeiras
noções de educação de trânsito. Muitas atividades nesse campo ficam restritas às campanhas governamentais (e
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normalmente resumem-se às Semanas do Trânsito, que ocorrem anualmente no mês de setembro) e iniciativas
esparsas de instituições públicas e privadas (com presença parcial em termos de cobertura espacial ou temporal).
Isto ocorre em que pese o CTB trazer um esforço no sentido de melhorar a aplicação dos conceitos de educação
de trânsito no Brasil. Seu CapítuloVI trata exclusivamente do assunto e estabelece atividades variadas para todos
os componentes do SNT. Há até uma destinação de receita. O Parágrafo único do seu Artigo 78 diz que “o
percentual de dez por cento do total dos valores arrecadados destinados à Previdência Social, do Prêmio do
Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre - DPVAT, de que
trata a Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, serão repassados mensalmente ao Coordenador do Sistema
Nacional de Trânsito para aplicação exclusiva em programas de que trata este artigo” (no caso, programas
destinados à prevenção de acidentes).
Existem outras frentes de trabalho na educação de trânsito, além das campanhas populares e do ensino nas
escolas e a principal delas certamente o estágio formativo constituído pelo ensino nas auto-escolas. O
CONTRAN vem procurando modificar o papel que antigamente as auto-escolas no Brasil cumpriam:
praticamente se limitavam a uma instrução mínima de como passar no exame de habilitação. Muitos
conhecimentos importantes não eram abordados, deixando de formar motoristas capazes de transitar pelas ruas e
rodovias com segurança. Com a publicação da Resolução 33/1998, o Contran estabeleceu as regras para o
funcionamento dos Centros de Formação de Condutores – CFC, exigindo qualificação técnica de seus instrutores
e obrigando aos candidatos à habilitação a passarem por um treinamento multidisciplinar, com noções de direção
defensiva, primeiros socorros, manutenção do veículo, cidadania, entre outros.
Naturalmente ações complementares são exigidas para atingir os pedestres, além dos estágios escolares.
Conforme diz Charles Zeeger, um dos mais renomados pesquisadores americanos entre os dedicados à melhoria
da segurança, em particular dos pedestres, “a relativa liberdade direcional, embora lenta, movimentação do
pedestre, quando comparada com a direcionalmente confinada, mas muito mais rápida, movimentação dos
veículos motorizados, resulta em um grande número de locais conflituosos, com alto potencial de acidentes”.
Assinala também que ”a maioria dos motoristas foi treinada e testada para a observação das ‘regras da estrada’ e
dos equipamentos de controle de trânsito” mas que “entretanto, os pedestres - que representam uma larga faixa de
idades e capacidades físicas - não são bem treinados”.
Não seria justo ignorar esforços mais integrados, embora muitas vezes episódicos ou limitados. Alguns
exemplos podem ser tomados da experiência da CET/Sp-Companhia de Engenharia de Tráfego da Prefeitura do
Município de São Paulo. A CET/Sp vem desenvolvendo a anos em São Paulo um programa inovador na
educação de trânsito para escolares. São os “Espaços Vivenciais”, unidades especialmente construídas,
equipadas, entre outras coisas, com auditório e um circuito que reproduz um sistema viário, com ruas, sinalização
de trânsito e ponto de ônibus. Durante uma visita, os alunos são acompanhados por monitores que explicam o
procedimento correto na travessia das vias, o respeito à sinalização e o uso correto do semáforo de pedestres. Os
pré-adolescentes podem circular pela pista do Espaço Vivencial dirigindo mini-carros, acompanhados pelos
monitores que durante o percurso vão informando as regras básicas de trânsito. A visita se encerra com uma
gincana sobre trânsito, disputada no auditório, com a exibição de videoclipes educativos especialmente
desenvolvidos para a situação. Muito pouca eficácia foi observada neste considerado esforço quando conduzido
como ação isolada. Em outras iniciativas, a ação concomitante de campanhas de fiscalização e intervenção nas
vias tornou o cenário aparentemente distinto. Como exemplo, pode-se tomar dois casos: o uso do cinto de
segurança nos automóveis (emblemático pelo menos ao redor de 1992) e o respeito à preferência nas travessias
de pedestres (mais recentemente priorizada por volta de 2010). Pesquisas mundiais indicavam que o uso do cinto
e o respeito aos pedestres reduzia significativamente a intensidade dos ferimentos em vítimas de acidentes e, por
correspondência direta, no número de mortos no trânsito. Na cidade de São Paulo, essas medidas foram
motivadas pela evidência científica existente e foram delimitados contextos e áreas em que seu potencial de
redução de acidentes era maior. A medida inicial foi a da Educação. Em 1992, uma grande campanha de
divulgação baseada em faixas de pano, folhetos, out-doors e rádio por seis meses alertou os motoristas sobre a
necessidade do uso do cinto. Um esforço similar, incluindo a ação mais massiva na televisão, divulgou a
intenção do esforço de proteção aos pedestres. Após as campanhas, foi iniciada a fiscalização. No caso do cinto,
com valor alto das multas (próximo do equivalente a U$ 200,00 à época), o índice de utilização do cinto pelos
motoristas passou de 18% em maio de 1994 para 91% em novembro do mesmo ano). Esses índices permanecem
até hoje, tornando São Paulo uma das cidades onde essa medida é mais obedecida. Como comparação, temos que
esse índice é de 70% no Estado da Florida, EUA. No caso dos pedestres, no final do mandato municipal de
2006-2012, um novo presidente da CET/Sp encarou com determinação o desafio de aumentar o respeito às
normas de circulação que estabelecem a preferência dos pedestres em diversas situações do trânsito, dando
especial atenção a áreas com histórico relevante de atropelamentos, onde foram instituídas as ZMPP-Zonas de
Máxima Proteção ao Pedestre e pode-se complementar a ação pela revisão parcimoniosa de alguns tratamentos
dados às travessias (ilhas de refúgio, tempos de semáforos, etc ...). Uma mudança notável manifestou-se na
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redução de atropelamentos que acentuou uma tendência histórica que a cidade vem vendo nas últimas décadas
(os atropelamentos tem sido a principal forma de fatalidade no trânsito na cidade, demonstrado pelas estatísticas
oficiais desde que implantou um sistema independente de apuração em 1976, mas tem sido uma inflexão absoluta
e relativa na fatalidade dos pedestres pelo menos a partir de 2000, o que ocorreu antes com a participação de
condutores e passageiros de automóveis e tem sido desafiada pela tendência oposta no que se refere aos
condutores e passageiros de motocicletas). A ação foi abandonada após a transição para o novo mandato
municipal de 2013-2016 e os ganhos obtidos no período anterior esvaneceram-se como plumas (logo a nova
gestão elegeu uma ação voluntarista da mesma natureza mas auto-financiada, o aumento da fiscalização
eletrônica de velocidade, que tem resistido ao tempo e igualmente ignora ações técnicas ou educação de trânsito).
Conclusão: a aplicação dos “3 E´s” não garante a mudança efetiva de comportamento dos usuários da via e a
eficácia de intervenções necessária para melhorar a segurança de trânsito. Não há substituto para a ação
criteriosa na seleção das formas de intervenção e na avaliação do resultado normal esperado após as etapas
temporárias de divulgação, implantação e monitoração das intervenções. A ação criteriosa, além de mais eficaz,
é mais respeitosa com os cidadãos. A aplicação dos “3 E´s” pode produzir a mudança efetiva de comportamento
dos usuários da via e melhorar a segurança de trânsito mas pode não ser necessária (para ações comuns e auto-
exigíveis) ou suficiente (se não atingirem uma escala relevante ou não selecionarem ações efetivas). Por outro
lado, em alguns casos podem ser imprescindíveis (como no enfrentamento do uso do álcool ou outras drogas por
condutores e pedestres ou da prática de velocidades extremas em rachas e richas ou outras ações delinquentes)
mas dependente da seleção de formas de atuação realmente eficazes no longo prazo (como a integração de
educação escolar e controle social, especialmente a promoção do funcionamento efetivo da Justiça). ...
Os efeitos do álcool, pelo menos no que diz respeito ao condutor de automóveis (que em boa medida podem ser
estendidas aos pedestres e condutores de veículos pesados ou de duas rodas até de forma conservativa), são
inúmeros e consistentes. Um resumo das conclusões dos estudos
da Administração Nacional da Segurança de Tráfego Rodoviário dos
EUA (o NHTSA-National Highway Traffic Safety Administration)
pode ser visto ao lado (Evans, 2004), com base na concentração de
álcool na circulação sanguínea (conhecido pela sigla internacional
BAC-Blood Alcohol Concentration). Apesar de reconhecer-se que
há grande variação interpessoal na absorção e na destruição do álcool
ingerido e nos efeitos sobre os indivíduos, o quadro descrito pode ser
considerado típico da maior parte das pessoas. Há um baixo limiar que
já produz redução perceptível da inibição e na frequência de erros em
tarefas simples que incluem as estimativas de distância e velocidade no
trânsito. O nível seguinte piora o desempenho e diminui o nível de
atenção, de forma geral, produzindo em particular um aumento
significativo dos tempos de reação nas decisões usuais no trânsito. Há um nível com risco bastante grave
(considerado intolerável pela grande maioria das pessoas em condições normais mas em que os indivíduos
afetados normalmente ainda consideram-se aptos) porque a capacidade de julgamento e raciocínio são muito
afetadas e pode haver um início do aumento da agressividade exposta no comportamento. Por fim, o nível
seguinte basicamente impossibilita a ação normal ao afetar seriamente os sentidos e o comando das ações
corriqueiras (podendo levar a perda de consciência e até a um estado de coma alcoólico).
As métricas de avaliação do álcool existente no corpo humano são diversas e amplamente estudadas, existindo
também diversas relações conhecidas entre a quantidade ingerida e o conteúdo residual no corpo humano que
explica os efeitos mencionados acima. Por exemplo, definindo uma dose como o conteúdo equivalente a um copo
de cerveja (com cerca de 200ml com 5% de álcool em volume), sua ingestão corresponde a 10ml=0,010litros ou
0,0079gramas, considerando a densidade do álcool como sendo 0,79kg/l) e seu tempo de absorção varia entre
indivíduos e com a quantidade consumida, ficando ao redor de 1hora (uma dose normalmente corresponde a
340ml de cerveja com teor de 5% ou 140ml de vinho com teor de 12%). A concentração de álcool na corrente
sanguínea (5a10% da massa corporal) corresponde basicamente à concentração no líquido corporal
(predominantemente água), que representa algo por volta de 60a80% da massa corporal para homens e 50a70% da
massa corporal para mulheres (diminui com a obesidade). Admitindo um homem de 100kg (cerca de 60kg de
líquido corporal), a dose inserida corresponde a uma concentração 0,0079/60=0,000132 ou 0,0132% no instante da
absorção total. A mesma concentração pode ser expressa em densidade aparente, considerando a densidade do
sangue de cerca de 1,05kg/l, como 0,000132/1,05=0,000125Kg/l ou 0,000125g/ml ou mais comumente expresso
como 0,125g/l ou 1,25g/dl (a unidade mais usual é g/l; prefere-se aqui a forma percentual). Em geral, a mesma
quantidade de álcool em um litro de sangue aparece em 210a230ml de ar exalado pela respiração (em um
analisador de respiração, a mesma ingestão representaria cerca de 0,125/0,220=0,568g/l ou 5,68g/100ml como é
mais comumente expressa, no instante de absorção total)
43
A destruição do álcool no sangue (uma reação de quebra enzimática à qual deve-se somar as perdas pela
respiração, suor ou urina) também é bastante estudada e em geral pode-se admitir uma taxa de redução linear.
Por exemplo, a chamada lei de Widmark estabelece uma taxa de redução da concentração de álcool na corrente
sanguínea de 0,017%/hora (0,17g/l/h) para homens e de
0,015%/hora (0,15g/l/h) para mulheres, permitindo obter
o valor residual em um momento posterior ao instante de
absorção máxima. No exemplo anterior, admitindo um tempo
de absorção total de 1hora, a presença de álcool (e seu efeito)
desapareceria após menos de 2 horas da ingestão. A aplicação
da lei de Widmark em geral resulta em estimativas de
concentração de álcool na corrente sanguínea 10a30% maiores
que os valores observados (como regra assume-se que a absorção total ocorre 90minutos após a ingestão e a
proporção de líquido corporal é 0,7 para homens e 0,6 para mulheres, desprezando outras formas de destruição).
O primeiro limiar dos efeitos do álcool sobre o condutor é normalmente relacionado com 0,02% ou 0,2g/l de
concentração de álcool na corrente sanguínea (cerca de 0,85mg/l ou 8,5g/100ml de ar expelido). O segundo
limiar dos efeitos do álcool sobre o condutor é usualmente estabelecido entre 0,06% e 0,08% ou 0,6 e 0,8g/l
(representando cerca de 0,26a0,35mg/l ou 26a35g/100ml de ar expelido). Estes são os valores em geral
adotados como limite legal em diferentes países (mesmo nos países que instituíram a tolerância zero, como no
Brasil pela Lei 6488 de 2008, a tolerância inferior é normalmente reestabelecida como critério de aplicação da
lei). Há uma clara evidência de maior rigidez nos limites fixados pela legislação recentemente revisada em
diversos países (o que seria um aspecto positivo, dada a clara importância do seu efeito para a segurança de
trânsito) mas os resultados obtidos da ação legal e da sua exigência real (predominantemente de fiscalização de
infrações e repressão policial) são pelo menos dúbios ou cambiantes. Essa é mais uma demonstração de que o
furor fiscalizatório não é substituto da inoperância da justiça e de que questões comportamentais dessa natureza
são melhor discutidas como necessidade de formação de contrato social maduro ao invés da atuação espetaculosa
de marketing político ou até meramente eleitoral dos governantes de ocasião.
Não há dúvida que o hábito de consumo de álcool e outras drogas é arraigado à cultura atual (em graus variados
entre os diferentes países) e ligado a uma ampla gama de atividades sociais e econômicas que constituem a vida
cotidiana dos indivíduos. Não há dúvida, igualmente, das suas repercussões negativas e os acidentes de trânsito
são apenas uma parte que não tem magnitude superior aos demais prejuízos familiares, sociais e econômicas. Na
esfera de trânsito, aliás, é onde esta manifestação parece mais diluída e incerta. Pode trazer um risco potencial ou
configurar-se em dolo eventual de produzir danos a si próprio e a terceiros, como diversas outras ações sociais a
que as pessoas respondem pelo resultado decorrente dos seus atos. Em algum nível certamente cabe a prevenção
mas esta ação não pode trazer a noção predominante de interferência com a liberdade pessoal ou punição a um
hábito cultural que, em si, não traz incômodo ou dano so indivíduo ou a terceiros. Não se entende também que
um aparente rigor preventivo conviva com a negligência em punir os fatos correspondentes às repercussões
negativas reais (decorrente dos acidentes de trânsito efetivamente ocorridos), que seria exemplar a respeito da
intolerância com a irresponsabilidade no trânsito.
Claramente não há política de segurança de trânsito séria sem um combate real ao problema gerado pelo uso do
álcool sobre a produção de acidentes de trânsito e seus dados. Mas há de ser real e efetivo.
44
O primeiro aspecto, o impacto da velocidade na frequência dos acidentes de trânsito, é mais discutível e pode ser
situado em três teses distintas (em parte complementares mas em parte também contraditórias): a idéia de que a
frequência dos acidentes de trânsito (particularmente os acidentes com vítima e ainda mais os acidentes graves e
fatais) sempre cresce com a velocidade de tráfego nas vias; a idéia de que a frequência dos acidentes de trânsito,
mesmo sendo sensível à velocidade média praticada, tem maior relação com os diferenciais de velocidade
existentes nas vias; e a idéia de que existe um limiar de velocidade segura em cada via, em função das suas
características e das condições de tráfego, a partir do qual a ocorrência de acidentes é fortemente afetada (mas
não abaixo desse limiar). Todas estas posições foram amplamente estudadas ao longo do tempo e existem
estudos e argumentos que suportam cada uma das visões.
A idéia de que a frequência de acidentes de trânsito sempre cresce com a velocidade na via parece ser a mais
amplamente difundida (fora do campo técnico, pelo menos) e pode ser exemplificada pela chamada Lei de
Potência formulada inicialmente por Goran Nilsson, um pesquisador sueco (na década de 80) segundo a qual a
frequência de acidentes de trânsito cresce na mesma proporção do aumento das velocidades e os acidentes com
vítimas, vítimas graves e vítimas fatais crescem em proporção a segunda, terceira e quarta potência da razão das
velocidades, respectivamente. Esta relação é uma justificativa usual para iniciativas indiscriminadas de redução
dos limites de velocidade nas vias (i.e. de reduções que não resultam de estudos criteriosos que examinaram as
condições de segurança da via).
Nos anos recentes, esta relação foi extensamente estudada, em particular pelo pesquisador norueguês Rune Elvik
(internacionalmente reconhecido por ser o principal organizador do Manual de Medidas de Segurança Viária, The
Handbook of Road Safety Measures, produzido
principalmente no TÆI-TransportÆkonomisk Institutt,
o Instituto de Economia de Transportes da Noruega,
com base em estudos sistemáticos de meta-análise
do conjunto de estudos empíricos existentes no mundo
sobre o efeito da velocidade nos acidentes de trânsito).
Os estudos de Elvik foram inicialmente publicados em
relatórios do TÆI e revisados mais de uma vez em
resposta a questionamentos recebidos (com resultados
consistentes). Foram posteriormente incorporados ao
manual de segurança viária norueguês e
amplamente divulgados internacionalmente
e reiterados em publicações posteriores nos
meios de divulgação científica. Do estudo
original ao mais recente, o total de estudos
empíricos utilizados chegou a mais de 500 e
os resultados mantiveram-se consistentes,
como pode ser visto nos quadros ao lado.
Incrivelmente, os resultados obtidos por Elvik em todos os estudos são claramente consistentes com a Lei de
Potência formulada por Nilsson, que à época da proposta podia ser vista como evidência anedótica ou folclórica.
Mais recentemente, Elvik concluiu que a relação é mais forte para altas velocidades (uma relação exponencial
ajusta-se melhor aos dados) e então uma dada redução de velocidade tem efeito maior em vias de maior
velocidade inicial. Mas ao realizar um estudo empírico próprio sobre uma experiência de redução de do limite de
velocidade em uma importante via arterial da capital norueguesa (de 80km/h para 60km/h, portanto uma redução
potencial de 25% nas velocidades máximas praticadas), concluiu que a redução nos acidentes com vítima foi
moderada (de 25a35%) e que não podia ser seguramente atribuída à redução no limite de velocidade (embora
considerasse possível afastar diversas das fontes de confundimento).
Contra as conclusões dos estudos que afirmam a relação geral entre redução de velocidade (em particular dos
limites de velocidade) nas vias e a redução de acidentes, poucos estudos afirmaram-se mas existem dois grupos
de estudos que vale a pena discutir).
46
O segundo grupo de estudos é mais esparso e menos orgânico mas pode ser exemplificado por um estudo
australiano realizado na década de 90 sob a liderança de Kloeden. Ao invés de correlações estatísticas, o estudo
examinou detalhadamente as condições de ocorrência dos acidentes
de trânsito observados nas vias e buscou determinar em que medida
as velocidades praticadas nas ocorrências diferenciavam-se das
praticadas pelos demais veículos nas mesmas condições de tráfego
(i.e. nas mesmas condições de clima, luminosidade, horário do dia
e dia da semana, entre outras diversas condições). A obtenção dos
dados utilizou técnicas detalhadas de reconstrução de acidentes
(definindo os dados do acidente, os veículos envolvidos e suas
manobras, as prováveis velocidades de impacto e as velocidades
praticadas antes da ocorrência dos acidentes) e a análise dos dados
utilizou os métodos aplicados em estudos de caso-controle (os
acidentes eram os casos e a observação sobre os demais veículos
proveram os controles). Deve-se admitir que a quantidade de
estudos com este tipo de metodologia detalhada é bastante reduzida.
Mas sua conclusão é bastante mais próxima do conhecimento o
projeto viário e a operação do tráfego: as velocidades somente são
um fator contribuinte importante para a ocorrência dos acidentes de
trânsito quando são superiores a um limiar dado (que pode ser
associado a um nível de velocidade segura na via), como ilustrado
no gráfico ao lado, a partir do qual a relação entre velocidade e
acidentalidade é fortemente crescente. A redução de velocidade
(e dos limites de velocidade, em particular) somente seriam eficazes
se corrigissem a velocidade praticada para colocá-la dentro do limiar
seguro de velocidade na via e somente seriam eficientes se este tipo
de ação fosse mais razoável do que eliminar as deficiências viárias
47
que explicam o limiar de velocidade reduzido em relação às velocidades praticadas, pelo menos onde a
frequência de acidentes de trânsito é considerável (denotando uma presença considerável de velocidades
praticadas acima do limiar de velocidade segura, em eventos que não podem ser atribuídos a casos fortuitos que
evidenciam a presença de fatores aberrantes).
Por este ponto de vista, os acidentes de trânsito em uma via devem ser cuidadosamente estudados para determinar
as velocidades praticadas pelos envolvidos na ocorrência dos acidentes e identificar o limiar de velocidades
praticadas que indica uma relação excepcional com a ocorrência de acidentes na via (que identificaria um limiar
de velocidade segura na via). Complementarmente, deve-se determinar formas de tornar as velocidades
praticadas compatíveis com o limiar de velocidade segura, incluindo a alternativa de reduzir o limite de
velocidade na via ou a alternativa de eliminar ou amenizar fatores que reduzem o limiar de velocidade segura na
via. Esta visão é próxima da idéia incorporada no conceito de velocidade de projeto e na sua aplicação na prática
do projeto viário, o que a torna reconfortante para a Engenharia (mesmo quando a disciplina de Segurança Viária
admite que é muitas vezes necessário ir além dos critérios usuais de projeto aceitos em um dado momento para
garantir projetos seguros).
O segundo aspecto, o impacto da velocidade na gravidade dos acidentes de trânsito, é mais simplesmente
estabelecido e preponderantemente relacionado com a física do impacto nos acidentes de trânsito (um aspecto
amplamente incorporado nos princípios de reconstrução de acidentes discutidos adiante). A obtenção de relações
gerais e a exploração da sua importância nas políticas de segurança
parece ter sido iniciada por Ashton na Inglaterra, no início dos anos 80
(embora a referência clássica seja o estudo de Pasaden divulgado no
início dos anos 90) no que se refere ao efeito da velocidade de impacto
sobre o risco de fatalidade nos atropelamentos de pedestres (e na
gravidade dos acidentes com vítimas não fatais). Para acidentes
envolvendo pedestres, diversos estudos seguiram estas iniciativas
originais e obtiveram reformulações equivalentes (pelo menos em
termos qualitativos) que confirmaram o efeito importante. Em seguida,
relações gerais da mesma natureza foram buscadas para outros tipos de
acidentes obtendo-se relações menos simples mas similares através do
uso da velocidade relativa de impacto (VRI) ou da variação produzida
na velocidade durante o impacto (DeltaV). Ao lado estão mostrados o
exemplo da curva de probabilidade de morte para pedestres obtida por
Pasaden na revisão da análise dos dados de Ashton e exemplos de
relações similares obtidas em estudos para acidentes veiculares com
base em dados dos EUA. A variedade de configurações de acidentes
veiculares (frontais, angulares, laterais ou traseiras, incluindo os
choques com obstáculos) e a influência da variação das massas e
rigidezes relativas dos diferentes tipos de veículos (no caso dos choques
similarmente, considerando as massas, velocidades e ângulos de impacto
dos veículos e as rigidezes de veículos e obstáculos) tornam as relações
mais complexas mas igualmente físicas em grande parte (incluindo as
tolerâncias ao impacto do corpo humano).
Estas relações tiveram maior notoriedade a partir do final dos anos 90, a partir da disseminação da chamada
Visão Zero com relação às fatalidades e ferimentos graves nos acidentes de trânsito, originada na Suécia. Os
estudos mencionados foram utilizados para identificar velocidades na via que poderiam ser relacionadas com
menores probabilidades de ter acidentes graves ou fatais. Boa parte desta análise prática utilizou critérios
excessivamente simplificados que ignoraram o efeito de variações essenciais nas características do sistema viário.
Este aspecto é relevante porque estabelece a influência destes fatores na relação entre a velocidade praticada na
via e as velocidades de impacto, relativas de impacto ou à variação de velocidade no impacto (para manter-se a
referência às variáveis dos estudos originais). Na verdade, a relação é ainda mais complexa porque envolve os
esforços produzidos durante o impacto (em que aparece o efeito da rigidez dos elementos envolvidos e seu efeito
no atingimento dos limiares de tolerância humana ao impacto).
48
A análise mais criteriosa incluiria fatores veiculares (que se relacionam com a grande evolução recente na
incorporação de dispositivos de proteção ao impacto e na seleção de materiais mais flexíveis na fabricação dos
veículos modernos), viários (que se relacionam com a evolução similar nos dispositivos viários de proteção para
choques laterais ou frontais, além do uso de elementos colapsíveis quando necessário e possível). Estes são
dispositivos de segurança secundária explicitamente desenvolvidos para reduzir o potencial de danos humanos e
materiais nos acidentes. Da mesma forma, a análise incluiria elementos de segurança primária porque além de
interferir na probabilidade de acidente (seu objetivo original) acabam também influindo na velocidade de impacto
(que normalmente resulta de uma ação evasiva parcial, em grau proporcional à eficácia dos elementos de
segurança primária), como os tempos de acionamento e a eficiência dos dispositivos de frenagem veicular ou as
condições de visibilidade e a previsibilidade das situações (i.e. consistência com a expectativa do usuário)
existentes nas vias. Como regra, a relação direta entre velocidade praticada e gravidade dos acidentes de trânsito
é observada somente considerando cada contexto e a influência das condições viárias e veiculares (que
determinam a física do impacto).
Portanto, existem três aspectos fundamentais a considerar: a questão de dissociar a contribuição das velocidades
excessivas como fator aberrante do excesso de velocidade praticada pelos usuários em condições normais de
operação do tráfego; a questão de examinar se existe um nível seguro de velocidade em uma dada via, em função
das suas características de projeto e das suas condições usuais (de tráfego, do entorno, e do clima), que torna
improdutivo e ineficiente reduzir os limites de velocidade abaixo de limiares de segurança na via; a questão de
examinar qual limite de velocidade torna improvável uma velocidade de impacto entre os usuários da via que
represente risco relevante de ferimento grave ou fatalidade.
RC
50
A ótica econômica ou do capital humano distingue-se por incorporar um custo imputado correspondente à perda
de produção potencial decorrente dos ferimentos sofridos pelas vítimas dos acidentes de trânsito (eventualmente
fatais) ao longo da sua expectativa de vida. Para a perda de produção em geral admite-se que a produtividade
marginal do trabalho é adequadamente medido pela renda bruta do trabalhador (um cânone da Teoria Econômica
Marginalista tradicional). No caso das fatalidades pelo menos, o fluxo de valores anuais tem de ser descontado e
transformado em valor presente adotando uma taxa de desconto apropriada (medida de preferência intertemporal
pelo consumo presente, pelo menos), que afeta de forma importante a estimativa para mortes prematuras (como
usual no trânsito). A partir da curva típica de contribuição à
produção mostrada ao lado (mostrando o período de investimento
educação das crianças e o período final de vida dos aposentados)
são apresentadas as mudanças que representam uma morte
precoce ou uma incapacitação permanente. A diferença é a perda
de produção (não é difícil imaginar as questões éticas decorrentes
da extensão desse princípio para a avaliação de fatalidades que
afetam crianças e idosos). Nos países desenvolvidos, as rendas e
expectativas de vida são maiores e as taxas de desconto
recomendadas são menores (da ordem de 3%). O oposto faz este
termo ser menor nos demais contextos econômicos. Por outro lado, há uma hipótese implícita de utilização plena
dos fatores humanos (emprego da força de trabalho) que é menos defensável nos países com escassez de capital.
A ótica integral ou da qualidade de vida distingue-se por adicionar mais um custo imputado correspondente ao
sofrimento e dor produzido pelos ferimentos sofridos pelas vítimas dos acidentes de trânsito (eventualmente
fatais), em si ou em pessoas próximas, ao longo da sua expectativa de vida. Para o impacto na qualidade de vida
também aplicam-se métodos diretos mas com procedimentos muito mais frágeis, em geral baseados em estudos
de preferência declarada ou valoração contingencial para escolha entre cenários de risco de acidentes fatais ou
dano à saúde (excluídas as repercussões financeiras). Estes métodos obtém estimativas dos valores estatísticos da
mortalidade ou morbidade medidos como disposição a pagar por reduções de risco (ou a aceitar compensação
pelo aumento de risco), de forma condizente com a avaliação ex ante da incidência dos danos correspondentes
(como um dano não identificado previamente, portanto, ao invés da avaliação ex post que consideraria a
valoração da vítima ou seus familiares e amigos). A avaliação da disposição a pagar é naturalmente limitada pela
renda (e patrimônio) das pessoas e este método de valoração pode sofrer a mesma crítica geral feita a todos os
métodos baseados em dados de mercado (por exemplo, a qualquer outro método que utilize os preços de mercado
como base da avaliação de valor) mas num efeito mais sujeito a questionamentos éticos. Esta crítica é muitas
vezes contornada pela utilização de valores equitativos (i.e. de valores médios independentes da renda dos
envolvidos). Apesar de obter valores bastante significativos, estes métodos em geral obtém estimativas muito
inferiores aos métodos alternativos existentes, tanto diretos (como avaliar efeitos identificados e disposição a
aceitar compensação) quanto indiretos (como a valoração baseadas nos diferenciais monetários aceitos como
compensação em atividades ou localidades de risco ou nos valores pagos em seguros ou em indenizações
judiciais, entre outros comportamentos diante do risco).
O impacto de diversos efeitos externos que manifestam-se de forma embotada nos mercados econômicos (como
os efeitos de poluição do ar ou sonora ou dos tempos gastos em congestionamentos) podem utilizar métodos
similares mas em geral podem preferir utilizar os métodos indiretos com mais facilidade (examinando escolhas
de mercado na compra de imóveis ou na utilização de modos de transporte).
Anteriormente, alguns estudos nacionais obtiveram estimativas iniciais de custo dos acidentes baseadas em dados
limitados, podendo-se mencionar um estudo pioneiro do DER/SP, feito em 1976, e um estudo mais detalhado do
52
antigo DNER-Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, divulgado em 1992 e atualizado pelo atual
DNIT-Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes, em 2004. Mais recentemente, o IPEA contratou
dois estudos complementares, um sobre os custos decorrentes dos acidentes de trânsito urbanos, em 2003 (parte
de um estudo mais amplo sobre deseconomias urbanas), e outro sobre os custos decorrentes de acidentes
rodoviários, em 2006 (que corresponde aos estudos do DNER e DNIT). Outros valores menos documentados
foram utilizados, particularmente em manuais de avaliação de projetos viários eventualmente adotados no Brasil.
Os valores recomendados no estudo pioneiro do DER/SP, de 1976, eram bastante simplificados. Os danos
materiais eram estimados como uma porcentagem do valor dos veículos novos em função do montante de danos
materiais classificados em pequena monta, média monta, grande monta e perda total, adotando-se os respectivos
percentuais em 1%, 8%, 15% e 32% (em relação ao veículo novo). Os danos humanos eram estimados em
função da gravidade dos ferimentos e expresso em salário mínimo, em razão de despesas médicas e hospitalares
ou funerárias, distinguindo ferimentos leves, médio, grave ou fatalidade, adotando-se valores correspondentes a
17/30, 3, 33 e 39 salários mínimos. A perda de produção também era avaliada, tomando como base o salário
médio acrescido dos encargos sociais, estimando o tempo de produção perdida também em função da gravidade
de ferimento, adotando-se 1dia, 1mês, 4meses ou 32anos para feridos leves, médios, graves ou fatalidades (sem
taxa de desconto). São critérios de custo direto, simples mas elucidativos (não necessariamente adequados).
Os resultados do estudo original do DNER, de 1992, estão resumidos na tabela abaixo para acidentes com morte,
com vítima (não fatal) e sem vítima (expressos em US$ de 1992). A perda de renda futura considerou a renda
média sem encargos sociais (na época avaliada em 4,78salários-mínimo, 386,50US$/mês ou 4648US$/ano), com
perda de 15dias para feridos leves e de 1ano para feridos graves, além de uma categoria adicional associada aos
casos de invalidez (incapacitação total) para a qual assumiu uma perda de produção igual ao da fatalidade. Para
as fatalidades, foram distinguidos os adultos (85,6% com idade média de 36anos) e as crianças (14,4% com idade
média de 10anos), admitindo-se uma expectativa de vida de 60anos e a incorporação à produção aos 19anos.
Adotou-se a taxa de desconto correspondente a uma taxa de crescimento anual da renda g=3% e uma taxa de
preferência pelo consumo presente i=12% (portanto os valores são trazidos a valor presente por um fator anual
1 0, 03
igual a 0,92 , que corresponde a uma taxa de desconto anual superior a 8,7%), sendo a perda total
1 0,12
1 NE n 1 NE n 1 NI n
obtida de CHA RA.. 9,91.RA por adulto e de CHc RA.. 5, 21.RA por
1 1 1
criança, considerando a renda média anual RA ,
a idade média n , a incorporação à produção N I
e a expectativa de vida N E , ou CH 9, 21.RA ).
As despesas médicas e hospitalares consideraram
o custo de 1 consulta para ferido leve (US$16,79/c),
5,83dias internados e 2horas de cirurgia para ferido
grave (US$98,60/d e US$440,00/h), 42,0dias de
internação e 2horas de cirurgia para ferido com
invalidez (US$110,00/d e US$440,00/h) e, para os
35,92% dos acidentes fatais com morte em hospital,
2,86dias de internação e 2horas de cirurgia
(US$110,00/d e US$440,00/h), dado que os 64,08%
restantes das fatalidades ocorrem no local. As
despesas com danos aos veículos e perda de carga
foram estimados em função do tipo de veículo e
do preço do veículo novo típico correspondente:
VWGol para veículo de passeio (US11mil),
MB1214 para veículo de carga (US$74mil);
MBO400 para veículo coletivo (US$139mil). A
composição por tipo de acidente envolveu:
para acidente com morte 1,2174mortes,
0,6742veículos de passeio, 0,5597veículos de carga
e 0,0759veículos coletivos mais uma perda de carga de US$666,00; para acidente com vítimas não fatais
0,0469vítimas com invalidez, 0,5436vítimas graves, 1,4953vítimas leves, 0,5749veículos de passeio,
53
0,2952veículos de carga e 0,0368veículos coletivos mais uma perda de carga de US$742,00; para acidente sem
vítima 0,5282veículos de passeio, 0,3960veículos de carga e 0,0542veículos coletivos mais uma perda de carga
de US$460,00 (foram feitas correções posteriores para ajustar a gravidade dos acidentes).
O estudo do DNIT de 2004 atualizou o estudo de forma relevante (seguindo o método aplicado em revisões então
recentes do UK e dos EUA), dando atenção especial a incorporar os custos sociais decorrente dos
congestionamentos gerados pelos acidentes (atrasos, consumo de combustível e emissão de poluentes) e os custos
decorrentes dos processos judiciais, além de revisar as estimativas anteriores para os demais componentes de
custo associados aos acidentes. Foram usados dados mais detalhados (diferentes tipos de veículos e de feridos,
distinção de danos materiais ao patrimônio do DNIT e das despesas relativas aos sistemas de atendimento a
incidentes) e introduzidas algumas correções para aproximar as estimativas do conceito de custo econômico
adotado na avaliação econômica de projetos (por exemplo, os preços dos veículos excluiram impostos que são
considerados transferência
monetárias aos governos).
Os dados resultantes estão
sumarizados na tabela ao lado,
para o ano de referência de
2000 (adotado no estudo),
mantendo a ótica do custo
econômico e o método de
estimativa da perda de
produção (o fator de desconto
foi reduzido para
1 0, 015
0,91 , que
1 0,12
corresponde a uma taxa de
desconto anual superior a
10,3%, a expectativa de vida
elevada para 65anos e a
incorporação à produção para
20anos, com rendas detalhadas por sexo e faixa etária das vítimas). Algumas análises específicas usaram
métodos discutíveis ou não puderam ser ampliados para o Brasil por falta de melhores dados.
Pode-se perceber com clareza o valor relativo maior do componente que corresponde aos danos materiais
(mesmo considerando a ótica do custo econômico), comparado com os resultados apresentados para os EUA,
embora o efeito tenha diminuido no estudo revisado (principalmente por avaliar os danos com custos
econômicos). Boa parte do efeito decorre da diferença na renda per capita e na taxa de desconto anual (de 3% na
estimativa dos EUA). Com a ótica integral, o efeito seria ainda mais exacerbado. Deve-se notar que a lógica
econômica é bastante discutível. Por exemplo, não corresponde ao senso comum atribuir a uma fatalidade de
crianças um valor inferior ao custo de uma fatalidade de adultos. Esta divergência normalmente não ocorreria na
ótica integral, o critério hoje mais recomendado.
É fácil ver que o resultado é bastante sensível aos custos unitários dos acidentes e à eficácia das intervenções em
reduzir acidentes (especialmente os mais graves). Com os valores unitários atualmente adotados ambas as
intervenções seriam potencialmente eficientes e a decisão poderia ponderar critérios diversos (sendo sensível ao
valor adotado para a taxa de desconto anual ou a restrições orçamentárias para investimento). A estimativa da
eficácia (que será discutida adiante) é bastante difícil e o resultado também pode ser influenciado pelo histórico
recente de acidentes (por este motivo, eventualmente utilizam-se critérios estatísticos mais sofisticados).
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Parece justo dizer que pelos menos nos EUA e no Reino Unido estes
estudos foram institucionalizados (o FARS-Fatal Accident Reporting
System, o Sistema de Informação sobre Acidentes Fatais, foi iniciado
em 1975 pela Administração Nacional
da Segurança de Tráfego Rodoviário, o
NHTSA-National Highway Traffic
Safety Administration, complementado
pelo Sistema Nacional de Amostragem
de Acidentes, não fatais, o NASS-
National Accident Sampling System, do
NHTSA dos EUA, baseado em dados
de reconstrução dos acidentes, e o
STATS19-Roadway Safety Data, o
Sistema de Dados sobre Segurança
Viária, foi iniciado em 1979 pelo
Comitê Permanente sobre Estatísticas
de Acidentes Viários, o SCRAS-
Standing Committee on Road Accident
Statistics, suplementado pelo
STATS20-Contributory Factors
System, o Sistema de Fatores
Contribuintes, do SCRAS inglês, que
são censitários mas ainda baseados em
dados dos boletins policiais, como
mostrado ao lado).
Examinando a eficácia potencial de Cabem diversas ponderações relevantes, entretanto. Por exemplo, a
ações de baixo custo de eficácia concentração espacial dos acidentes de trânsito é uma característica
reconhecida para reduzir os acidentes e predominante no sistema viário de regiões menos estruturadas e passa
seus danos, o estudo de Sabey (1980) a ser substituída por um padrão de distribuição espacial mais disperso,
concluiu que a contribuição dos fatores na medida em que as medidas corretivas ou os padrões de projeto
de cada área é aproximadamente igual mais adequados disseminam-se na região. No entanto, mesmo neste
(1:1:1 ou 7:4:5 para fatores humanos, caso há normalmente a possibilidade de intervenção pelo menos por
viários e veiculares). Adicionalmente corredor ou por área e prevalece a característica de atingir todos os
examinando também a eficiência usuários da via com as intervenções localizadas (mesmo em maior
econômica, Sabey (1980) concluiu que escala). Outro aspecto interessante é o fato de terem-se estabelecido
as ações sobre fatores viários podem mais recentemente diversas inovações nas formas de intervenção para
ser favorecidas por uma incidência melhoria da segurança de trânsito inexistentes na época do estudo. Os
imediata de intervenções mais locais dispositivos de fiscalização eletrônica são uma dessas inovações
(pelo menos quando os acidentes têm assim como são os diferentes dispositivos embarcados nos veículos
concentração espacial) que trazem (ABS, Airbags, VSC, ...). Os dispositivos de fiscalização eletrônica
retorno econômico maior (as ações seriam normalmente classificados como parte dos fatores viários
veiculares teriam de atingir toda a frota (embora tenham efeito sobre o comportamento dos usuários da via
para ter eficácia plena enquanto as como ocorre para diversos outros dispositivos viários como redutores
ações sobre o fatores humanos teriam de velocidade) e, neste caso, tornariam a vantagem econômica da
de manter-se por longos períodos, intervenção sobre a via ainda mais pronunciada. Os dispositivos
eventualmente serem permanentes). veiculares mencionados são claramente similares aos considerados no
estudo original (por exemplo, os cintos de segurança), notando-se que
Os estudos atualizados devem examinar embora o custo dos novos dispositivos seja muito superior é
questões similares de cada intervenção importante observar que é também bastante superior o Valor da Vida
para buscar uma conclusão ponderada. Estatística atualmente aceito na grande maioria dos países.
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