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Outubro de 1999
1 Enquadramento É fundamental salientar que as medidas de
Acalmia de Tráfego se baseiam na imposição física
da redução de velocidade e não na mera definição
1.1 Caracterização de uma velocidade limite através de sinalização
vertical ou horizontal. Ou seja, as medidas
A Acalmia de Tráfego nasceu de uma preocupação utilizadas partem do pressuposto de que existe
crescente com as consequências nefastas do uso uma percentagem considerável de desrespeito pela
excessivo do automóvel que se passou a observar utilização exclusiva da sinalização, situação
nas grandes cidades a partir do início dos anos 60. responsável por acidentes graves entre peões e
Pode assim considerar-se como conceito veículos.
subjacente às filosofias correntes de planeamento
das cidades que privilegiam a criação de condições Importa distingui-la de outro tipo de intervenções
para a ‘sustentabilidade’ do ambiente urbano ou de gestão de tráfego que são, em alguns aspectos,
seja para a minimização (ou inversão) dos similares.
impactes negativos dos processos de
desenvolvimento (HANS-KLAUS, C. et al, 1992). De facto, processos de gestão de tráfego com
considerações ambientais, integrando
As soluções de Acalmia de Tráfego caracterizam- nomeadamente a criação de zonas só para peões,
se pela implementação de um conjunto coerente de implicam uma segregação entre os diferentes
técnicas que alterando deliberadamente a modos de transporte e também, até certo ponto
geometria convencional das vias, induzem a uma especialização de funções das diversas vias
redução de velocidade dos veículos automóveis pelo que incorporam na maior parte dos casos o
protegendo e libertando os utilizadores mais desvio de volumes significativos de tráfego de
vulneráveis da via tais como os peões zonas consideradas sensíveis. No entanto a
(principalmente idosos e crianças) e os ciclistas geometria convencional das vias continua muitas
(BICKNELL, D., 1993; HANS-KLAUS, C. et al, vezes a permitir o desenvolvimento de velocidades
1992). elevadas.
Figura 15 - 'Portão’ (Ministry of Transport, 1992, Dinamarca) O mobiliário urbano do qual fazem parte diversos
elementos tais como o pavimento, a sinalização e a
iluminação pretende por um lado reforçar o E ainda, no que diz respeito ao planeamento dos
carácter ‘obstrutivo’ de algumas medidas transportes feito a uma escala mais alargada, a
contribuindo para acentuar a noção de que se trata promoção dos modos de transporte
de um ‘espaço em que o peão tem prioridade’ ambientalmente sustentáveis e alternativos à
(pavimentos de cores diferenciadas, bancos, viatura motorizada individual (pedonal, bicicletas e
árvores e arbustos, quiosques), e por outro actuar transportes públicos) pela criação de todo o tipo de
de uma forma cooperante nomeadamente no que infra-estruturas que os legitimam, podem e devem
diz respeito à correcta sinalização dos obstáculos. agir interactivamente com os ‘condicionamentos’ de
certa forma impostos pelas medidas de Acalmia de
Tráfego. Ou seja e como exemplo, se a zona
condicionada pelas medidas for muito extensa,
dever-se-ão facultar alternativas compensadoras e
atractivas.
Tal como anteriormente foi referido, a aplicação de De entre os diversos critérios normalmente
soluções de Acalmia de Tráfego faz sentido seguidos em diferentes países, referem-se em
quando as zonas passíveis de as receber estão particular os que permitem aos Municípios no
enquadradas de uma forma lógica e coerente com Reino Unido definir as ‘zonas prioritárias de
a restante estruturação viária. Ou seja, a intervenção’, tendo em conta, nomeadamente, as
hierarquização viária deverá acompanhar e restrições orçamentais: ruas locais, em que pelo
justificar o processo de criação de zonas onde este menos metade da rua confina com habitações, e
tipo de solução é aplicado. onde se tenham registado 3 acidentes em 3 anos
ou 2 acidentes graves com peões em 3 anos
Sendo a hierarquização funcional um instrumento (http://utc.nott.gov.uk.). Obviamente não terão que
fundamental da gestão das redes viárias, pela se verificar simultaneamente todos os critérios e a
distinção que cria entre vias predominantemente implementação das medidas não dispensa uma
destinadas à circulação e vias predominantemente análise cuidada caso a caso.
destinadas a garantir a acessibilidade aos espaços
confinantes e existindo uma gradação contínua de Para além critérios ao nível do âmbito de aplicação
combinação entre estas duas valências, as das medidas dentro de uma gestão de tráfego mais
soluções de Acalmia de Tráfego estarão mais alargada, importa considerar outros aspectos que
adaptadas àquelas cuja função dominante é a de permitam legitimar a implementação das mesmas,
acessibilidade, pela necessidade de diminuição de decidindo e justificando caso a caso a técnica ou
conflitos entre o tráfego motorizado e o não conjunto de técnicas a implementar.
motorizado que aí se observa. Ou seja, são
especialmente indicadas para acessos locais e Assim dever-se-ão conjugar estes critérios com
distribuidoras locais em zonas residenciais e objectivos mais precisos tendo em conta o carácter
centrais dos núcleos urbanos. particular de cada uma das áreas passíveis de
aplicação das medidas de Acalmia de Tráfego.
No entanto, em algumas vias distribuidoras
principais, particularmente naquelas que servem No caso das distribuidoras locais e acessos locais
uma função de atravessamento de localidades, é em zonas residenciais e centrais o objectivo
igualmente aconselhável a aplicação de técnicas principal das soluções de Acalmia de Tráfego é o
de Acalmia de Tráfego dada a necessidade de de ajudar a viabilizar uma vivência urbana de
compatibilização entre movimentos de peões e qualidade funcionando como instrumentos de
veículos em alguns dos seus troços, onde tais ‘qualificação urbana’, criando um ambiente onde o
movimentos o tornem pontualmente necessário. peão se sinta seguro nas suas movimentações e
onde se possa apropriar mais do espaço dado o
O critério que normalmente assiste à determinação maior grau de prioridade que lhe é concedido.
de quais as zonas mais passíveis de receber este Sendo assim, e mesmo que determinada zona ou
tipo de técnicas deverá ser assim o da ‘segurança’ via seja pouco problemática do ponto de vista da
ou seja, dever-se-ão seleccionar as zonas onde se segurança, considerações e objectivos deste tipo
torna urgente a resolução dos conflitos observados podem justificar a implementação de soluções de
entre os peões e os veículos. Acalmia de Tráfego, contribuindo em todo o caso
para o aumento da segurança do peão.
De facto e para além de intenções relativas à
‘qualidade do ambiente urbano’, as quais em muito As variáveis de base normalmente utilizadas para a
contribuem para a defesa da implementação deste selecção deste tipo de áreas e vias assim como na
tipo de soluções, o facto é que elas começaram por selecção das próprias soluções são a ‘velocidade
ser implementadas por razões de segurança e desejada’, normalmente inferior a 40km/h e ‘tráfego
devido à ocorrência de acidentes em tipo e número médio diário anual – TMDA’, normalmente inferior a
indesejável, nomeadamente no caso das vítimas 3000 veículos por dia (MINISTRY OF
mortais das colisões peão-veículo cujas TRANSPORT, 1992; ALDUÁN, A.S., 1996).
velocidades de circulação são consideravelmente
diferentes e cujos resultados representam em As técnicas a utilizar neste tipo de situações são
muitos casos vítimas mortais. praticamente todas as referidas no ponto anterior,
sendo comum a utilização de diversas
Um dado emblemático sobre esta realidade é o de combinações entre alterações dos alinhamentos
que a 30km/h e numa colisão entre o veículo e o verticais e horizontais e admitindo a redução
peão, 5 em cada 100 peões perecem; a 50km/h pontual da faixa de rodagem para uma só via de
essa proporção passa para 40 em 100 e se a circulação conjugada com a implantação de
lombas.
As medidas complementares tais como o mobiliário a) Zonas de velocidade limite de15km/h aplicadas
urbano deverão ser utilizadas intensivamente e em a acessos locais em zonas residenciais e centrais.
complementaridade de modo a dar cumprimento Originariamente as ‘woonerf zones’ na Holanda, no
aos objectivos de qualificação urbana atrás início dos anos 70. Privilegiam a coexistência entre
referidos. os diferentes modos mas defendem a prioridade
estrita do lado do peão e são indicadas para áreas
No que diz respeito às vias de atravessamento de residenciais mais íntimas, zonas centrais históricas
povoações (quando classificadas de distribuidoras e de uma forma geral para acessos locais.
principais) a Acalmia de Tráfego tem sobretudo a
função de ‘amortizar’ os impactos do tráfego
automóvel no atravessamento da povoação,
minimizando os conflitos entre peão e veículo e
garantindo a segurança dos mesmos através da
criação de corredores de circulação e pontos de
atravessamento em condições de capacidade e
segurança para cada um dos modos (MINISTRY
OF TRANSPORT, 1992).
Velocidade desejada >40 £50 >30 £40 >40 £50 >30 £40 £30 >30 <40 £30
1.Pré-avisos X X X X X X X
2. Portões X X X X X X X
5. Gincanas X X X X X X X
7. Estrangulamento a partir do
centro ou dos lados da via (nas X X X X X X X
duas faixas de rodagem)
Finalmente e tendo em conta a história recente de Saliente-se ainda que algumas medidas que se
aplicação das técnicas de Acalmia de Tráfego é poderão classificar como sendo de Acalmia de
possível identificar algumas linhas comuns a vários Tráfego, têm vindo a ser aplicadas no nosso país e
países no que diz respeito ao seu processo de muito recentemente, em diversos projectos que
regulamentação e implementação e que poderão visam quer o aumento das condições de
servir de base ao enquadramento para a sua segurança, quer uma maior qualificação urbanística
aplicação em Portugal. das zonas onde se inserem.
5.1 Introdução
Objectivos e âmbito de intervenção
Em Portugal, a subida recente do nível de vida
médio e a consequente utilização do automóvel Um estudo recentemente efectuado para Vila
como símbolo dos novos padrões de vida nos Pouca de Aguiar, no distrito de Vila Real, teve
quais a mobilidade e a acessibilidade como pressuposto fundamental a ‘Requalificação
desempenham um papel fundamental é ainda da mobilidade em centros urbanos no seguimento
recente pelo que estes conceitos e técnicas da construção de variantes/circulares’. Trata-se de
alternativas não são ainda discutidos com a devida um exemplo de integração de medidas de Acalmia
oportunidade. de Tráfego em projectos mais vastos de
requalificação urbana onde se pretende
No entanto, existem no nosso país inúmeros nomeadamente a protecção de zonas nobres e
exemplos quer de desqualificação urbana quer de sensíveis relativamente ao tráfego motorizado. Tal
falta de segurança, onde a aplicação de medidas como podemos ver nos esquemas da página
de Acalmia de Tráfego se poderá revelar eficaz e seguinte a construção deste novo elemento
eventualmente menos onerosa que algumas das (variante/circular), induzindo o desvio do tráfego de
soluções correntes. atravessamento, criou potencialidades para a
requalificação urbana do centro da vila alcançáveis
Tal é o caso de algumas zonas residenciais onde o pela alteração global do funcionamento das
congestionamento das vias limítrofes contribui para condições de mobilidade, nomeadamente através
aumentar o tráfego de atravessamento o que em de alterações á estruturação viária e da aplicação
muitos casos cria sérios problemas de segurança. de soluções de Acalmia de Tráfego.
B US
BUS
Cantanhede
Fichas de Projecto
9 Índice das Matérias 10 Índice de Figuras
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................. 20
7 BIBLIOGRAFIA ................................................ 21
8 ANEXOS ............................................................. 22