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Claudia Giannetti:

Estética Digital
Capítulo 4: Arte Interativa

Alex Mattos e Victor Ruffo


Interatividade - A questão da Interface

-Feedback

Para que um sistema artificial interativo seja efetivo, é necessário criar um componente que mantenha a
equivalência entre ação-reação: a interface humano-máquina. "O que entra no lugar de tal garantia, de
equivalência é, unicamente, a referência temporal da comunicação, (...) uma vez que esta opera de
forma recursiva, isto é, acoplada a si mesma, e é por isto, que também pode refletir-se e corrigir-se a si
mesma.

Cabe lembrar que, no início, as informações processadas pelos computadores não eram "visíveis" aos
usuários, portanto não era possível acessar, de forma direta e imediata, os códigos. Esse obstáculo
começou a ser superado a partir de 1949, com o desenvolvimento, sob a direção de Jay Forrester no
MIT, do Whirlwind Computer, que integrava o primeiro monitor como um display interativo, dinâmico e
visual, e do chamado na época light gun, uma espécie de caneta eletrônica com células fotoelétricas na
extremidade, que permitia manipular a informação diretamente na tela, como as canetas ópticas atuais.
Interação humano-máquina: entre a comunicação e o controle

Os sistemas atuais transmitem ao observador impressões ou sensações parciais de suas atividades


sensoriais ou motoras, uma vez que as possibilidades de interação e geração de outputs (como imagens
tridimensionais em movimento, som etc.) estão limitadas ao próprio universo de dados de cada
programa, que constitui o contexto no qual atua o observador.

Portanto, se ponderarmos de forma pragmática sobre as finalidades das tecnologias interativas, como as
de RV, perceberemos que o propósito primordial não é criar um simulacro total (incontrolável como a
própria vida), mas ao contrário.
"Para que uma máquina tenha êxito no jogo de imitação, deve e proporcionar uma
parte considerável daquilo que as pessoas consideram, na sua auto observação,
características da sua psique."(Oswald Wiener)

Enfim, do ponto de vista que poderíamos chamar idealista, a tecnologia ocupa um lugar destacado e é
parte fundamental da investigação do artista; e do ponto de vista mais crítico, as máquinas são
empregadas como ferramentas a serviço de uma idéia conceitual ou de uma busca intelectual que
concede significado à obra.
O sujeito, ao introduzir-se no sistema como Outro, se transforma em objeto. Com o sujeito-objeto, sua
identidade pode ser construída, modificada, reformulada, destruída: trata-se de uma existência temporal
e hipotética como elemento puramente utilizável num contexto virtual. Ainda que o observador por trás
desse sujeito-objeto (e agente efetivo do mesmo) seja uma pessoa situada num espaço e num tempo
definidos, ao entrar com o Outro no contexto virtual do sistema telemático, assume a perda temporal de
suas referências físicas e pressupõe a ambigüidade de sua telepresença.
Hipertexto

Uma forma de escritura não-seqüencial (nonsequential writing), unido a sistemas informáticos, cujos
principais elementos seriam os hiperlinks ou enlaces.

Um bom exemplo seria a narração hipertextual Afternoon, de Michael Joyce, freqüentemente um marco
de referência para grande parte da crítica que investiga a narrativa não-linear.

De meados dos anos 1960 em diante, as noções de não-linearidade e interatividade encontram


aplicação também no campo audiovisual. Grahame Weinbren 3 3 desenvolve, em 1967, seu filme
interativo One Man and his Jury, apresentado no pavilhão da Checoslováquia por ocasião da Exposição
Mundial de Montreal.
A imersão marca a diferença entre os sistemas hipertextuais baseados numa rede de ligações - inputs
explícitos - às quais o interator tem acesso por meio de interfaces técnicas externas, e os sistemas
interativos baseados em interfaces internas com simuladores de inputs táteis ou corporais implícitos.

O processo de imersão,atualmente, pelos sistemas de RV, provoca o colapso das distâncias entre
contexto da obra (ficção) e contexto do observador (realidade).
Realidade virtual: o mundo como cenário interativo
Ficção e RV
A literatura de ficção concebeu modelos de mundos virtuais, que precederam os avanços técnicos, as
experiências e os questionamentos em torno da RV.

Seguindo uma linha de pensamento análoga, o escritor Daniel F. Galouy e publica, em 1964, a novela de
ciência-ficção Simulacron-3.

Podem-se distinguir entre seis sistemas interativos de RV: sistemas de RV não-inteligentes; sistemas de
VR com representações visuais realistas; sistemas de VR com representações visuais fotorrealistas;
sistemas de VR que empregam, de forma variável, processos de IA para gerar objetos sem inteligência
própria; sistemas de VR que empregam, de forma variável, processos de IA para gerar objetos
inteligentes e que possuem interfaces entre os sistemas de IA.
Ainda que possam integrar-se na RV outros sistemas tecnológicos mais complexos como os de IA, que
possibilitam um incremento qualitativo na realização de novas prestações de maneira "inteligente",
persistem os problemas da efetividade da representação ou visualização e da efetividade do output. Isto
é, do grau de simulação imersiva do audiovisual e a rapidez de transformação (pois o nível de prestação
depende da capacidade de memória e da velocidade de processamento do computador). Outra questão
que costuma ser conflitiva é a da simetria de reação da máquina em relação à ação do interator,
percebida por este através de sons, imagens animadas e/ou em 3D, efeitos táteis ou retornos de
esforço.

Imersão na RV sem a necessidade de recorrer a efeitos visuais fotorrealistas ou mesmo de capacetes


de imersão.
Mimesis e simulacrum

Nas investigações de vida artificial (VA ou A-life), pode-se diferenciar entre uma "versão débil", que se
limita a gerar modelos dos processos mentais e criar no computador simulações do cérebro; e uma
"versão forte", que pretende que um programa digital de VA seja tão complexo que permita produzir
processos inteligentes e intrinsecamente significativos.

"simulação débil": que se limita a originar formas de representação a partir de informações explícitas
proporcionadas pelos seres humanos. Está orientada para a eficiência do programa em aplicar,
corretamente, as informações predeterminadas

"simulação forte", que poderia, a partir do seu próprio sistema, produzir novas estruturas. Se trata do
emprego cabal da acepção de simulacrum como uma produção sem original.
A simulação como simulacrum, ou como simulação forte, ao contrário, não marca uma fronteira clara,
uma vez que é apresentada como um fato e o espectador não tem meios para distinguir se realmente é
ou não um fato real (ou pelo menos desconfiar da sua falsidade ou veracidade).

Certamente uma das melhores mostras do poder da simulação forte é o já clássico exemplo do
programa de rádio de Orson Welles, "The war of the worlds" ("A guerra dos mundos"), emitido em 1938,
e que, como se sabe, provocou pânico entre a população que escutava o programa, que acreditou que
se tratava de uma invasão real - narrada por Welles - dos marcianos nas proximidades de Nova York. Se
uma simulação, para ser efetiva, deve conseguir que as pessoas façam parte (mental ou fisicamente) do
modelo, então o êxito de Welles foi completo.
Ernst von Glasersfeld chama a atenção para dois destacados precursores, que investigaram
profundamente a questão da ficção:

Jeremy Bentham (1748-1832) elaborou sua teoria sobre a ficção entre 1760 e 1814, que foi publicada
em 1 824 sob o título de The Book of Fallacies, from the unfinished papers of Jeremy Bentham, e
incluída no livro Bentham's Theory of Fictions (1932).48 Segundo von Glasersfeld, sua hipótese, de que
na linguagem se encontra a origem da ficção, foi o primeiro preceito "operacional"
para a construção dos conceitos.

Hans Vaihinger (1852-1933) escreveu sua tese


"Di e Lehre von der wissenschaftlichen Fiktion" ("A teoria da ficção científica") entre 1876-77, que foi
publicada somente em 1911 no livro Philosophie des Ais Ob (Filosofia do como se). Com base na teoria
do "com o se" (Als-ob-Lehre) de Kant, Vaihinger examina nessa obra a função da ficção na construção
dos significados, tanto na ciência como na filosofia, na ética ou na religião. Por outro lado, analisa como
essa forma de observação participa na construção de um mundo irreal, o mundo "do como se", no qual
"não tem sentido perguntar pelo seu sentido".
A contribuição básica de Bentham e Vaihinger consistiu em desconstruir os mundos da aparência e da
ficção, não para prescindir deles, mas para comprovar, ao contrário, de que maneira se convertem
em elementos constitutivos de nossa realidade.

A ficção assume, assim, um caráter inelutável, pois, ao ser parte inerente do imaginário, não é relegada
a uma existência paralela e desconectada da realidade, mas se integra ao discurso da verdade.
Com o advento dos novos meios de
comunicação baseados no discurso audiovisual abriu-se uma nova linha de investigação em torno da
função que as imagens técnicas (sobretudo audiovisuais) desempenham na construção de nossa
realidade.

Uma das linhas de pensamento circunscrita à teoria dos meios que defende essa idéia começa a ser
elaborada paralelamente à aparição do cinema. Para os primeiros teóricos do
cinema que adotam essa via do cinema como meio visual representa o grande momento de mudança na
história da cultura.

A passagem da cultura baseada na linguagem falada a uma cultura do gesto e da mímica (da
comunicação visual em movimento) como a terceira revolução depois da etapa da imprensa. Essa
revolução denota o grande salto da faculdade de ver restringida a um ponto de vista fixo à faculdade de
ver aberta a múltiplas perspectivas.
Pensadores atuais, como Vilém Flusser, Gõtz Groftklaus ou Dietmar Kamper, postulam que os seres
humanos já não vivemos, hoje, exclusivamente "no " mundo, nem "na " linguagem, mas, principalmente,
"nas" imagens: nas imagens que produzimos do mundo. Exemplos recentes seriam as guerras
do Golfo, do Afeganistão ou do Iraque, cujas imagens retransmitidas ao mundo demonstraram o enorme
abismo criado entre os fatos reais, aos quais os telespectadores não tiveram acesso, e os episódios
ficcionais transmitidos ao público pelos meios de telecomunicação, criados a partir de estratégias de
difusão baseadas na censura e na manipulação das imagens.

Neste contexto, podemos constatar uma diferenciação entre as construções miméticas e as que
poderíamos chamar simulações potenciais. Enquanto a mimese centra-se na questão da aparência, a
simulação trata da identificação.

O uso das técnicas visuais para gerar simulações de espaço-tempo marca,


progressivamente, as estratégias de criação de modelos de mundo virtual. Talvez
um dos primeiros exemplos na história sejam as projeções de Athanasius Kircher.
O papel da interação humano-máquina na construção da RV

O meio é gerado e mantido pelos seres humanos de maneira informa-


cional ("dotada de sentido") por meio da percepção, da sensório-motricidade, da cognição, da memória,
da emoção e da ação, tanto comunicativa como
não-comunicativa.

A realidade, assim como a virtualidade, compartilha a idiossincrasia de serem construções dependentes


do observador e da sociedade. Visto desta perspectiva, não seria totalmente certo estabelecer uma
oposição entre real e virtual, pois a diferença entre ambos repousa no grau de estabilidade pretendido. O
virtual não é materializável ou localizável.
Aos diferentes sistemas de RV, seria necessário distinguir entre aqueles que têm um caráter fechado e
auto-referencial - que se organizam e auto-organizam sem sair da esfera de seus possíveis, - e outro
tipo, que corresponde aos mundos virtuais gerados por sistemas de IA e VA que, apesar de se
executarem a partir da auto-referencialidade e da auto-organização, por sua capacidade de gerar novas
informações, são desdobráveis (geram informação não preexistente na memória).

Ao primeiro grupo pertencem os sistemas de RV não-inteligentes com representações visuais realistas,


imaginárias ou fotorrealistas.

Ao segundo tipo correspondem tanto os sistemas de VR que empregam, de forma variável, processos
de IA para gerar objetos sem inteligência própria ou objetos inteligentes que possuem interfaces entre os
sistemas de IA.
Vida artificial: a arte da vida in silico

Enquanto que a vida artificial se ocupa de desenvolver um método sintético dos processos ou
comportamentos vitais por meio de computadores ou outros meios. a vida artificial indaga acerca de
condutas ou processos generalizados equivalentes às condutas desenvolvidas pelos organismos vivos.
O que difere a vida artificial da vida real é o fato de ser desenhada ou projetada pelos seres humanos.

Assim, a biologia contemporânea aceita que não pode haver nenhuma


definição da vida que não tenha exceções ou outras faltas, uma vez que a vida
é um conceito vago, prototípico, que reflete um continuum na natureza.

A controvérsia em torno da questão sobre se os organismos de vida artificial estão "vivos " como
estamos nós, os organismos reais, pode ser abordada de diferentes formas. Porém, é necessário
destacar que os seres de VA são organismos digitais com estruturas inteiramente informacionais e,
neste sentido, formais, enquanto que os organismos vivos são biofísicos. Quanto a essa diferenciação,
os cientistas divergem no momento de traçar uma linha inequívoca de separação entre uns e outros.
Arte genética, criação robótica e vida artificial

Um dos primeiros eventos internacionais dedicado ao tema monográfico da IA e da chamada arte


genética foi a edição de 1993 do festival Ars Electrónica de Linz, Áustria. O festival reuniu um grupo
notável de artistas, teóricos, cientistas e investigadores, para debater e confrontar o estado da questão a
partir de diferentes aspectos.

- Arte genética: intervenções artificiais nos processos de crescimento de materiais biológicos e


investigação das possíveis mudanças formais (evolutionary art); representação bi ou tridimensional de
criaturas artificiais (virtual creatures) ou dos códigos genéticos; processos biológicos de procriação e
reprodução de microorganismos, como bactérias empregadas em quadros (biogenetic art ou bioarte);
representação de processos de manipulação genética e intervenções em seres humanos (genetic
engineering). - Como a arte transgênica de Eduardo Kac, baseada no uso das técnicas de engenharia
genética para transferir material de uma espécie a outra ou para criar organismos vivos com genes
sintéticos.
- Arte robótica: seres automatizados tridimensionais (autômatos) que simulam comportamentos de
seres vivos reais, como os mecanismos de busca, auto-preservação, interatividade, movimento etc; a
robótica aplicada como prótese ou extensão de seres vivos.

- Vida artificial: configurações eletrônicas e programas que desenvolvem criaturas ou organismos de


vida artificial imaterial, com representação em duas ou três dimensões, que têm comportamentos
semelhantes ao dos seres vivos reais e simulam processos vitais, como a codificação informacional, a
reprodução e a extinção de um grupo de indivíduos (populações); autômatos celulares ou algoritmos que
simulam o desenvolvimento de seres vivos e que têm um caráter de modelo genético (algoritmos
genéticos); sistemas de VA que podem interagir com os seres humanos (interactive evolution).

Existem três processos de reprodução celular artificial especialmente importantes para o funcionamento
de um algoritmo genético e sua estrutura genético-cromossômica: a seleção, o cruzamento e a
mutação.
A seleção na população inicial consiste em eliminar certos membros em favor dos que se consideram
mais adequados.

O cruzamento traz consigo novas soluções e é um mecanismo de otimização.

A mutação assegura a entrada de novo material genético no conjunto.

Os algoritmos genéticos são, portanto, uma técnica aleatória de otimização a partir da abordagem de
um marco de investigação, que emprega conjuntos de soluções potenciais. A partir de um conjunto
aleatório de soluções potenciais, inicia-se o processo evolutivo que produz novas gerações sucessivas.
A melhor opção potencial se escolhe como resposta ou se define como boa solução.
Nesse tipo de obra, o ato de criação do artista consiste em programar esse complexo sistema de
algoritmo genético, introduzindo e demarcando o funcionamento básico do programa. A partir desse
ponto, sua posição passa a ser "externa", como a de qualquer outro observador.

Os enunciados que resultam da análise dos sistemas que utilizam IA ou VA nos permitem constatar que
o enfoque deixou de ser o de uma obra de arte que reflete sobre as imagens do mundo (a reprodução ou
interpretação da visão de mundo), para passar a ser o de um sistema que questiona o próprio mundo,
nossas realidades, nossos meios, nossa vida, nosso sistema biológico; um sistema que proporciona
novas visões de mundo. A criação atual, baseando-se no método processual e no modelo de sistema,
adquire um renovado sentido no contexto sociocultural, em oposição aos postulados que remetem à
perda de função da arte no mundo contemporâneo.

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