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Infornografia - O Trânsito Internáutico Visto de Cima

Questões para análise:


A partir do texto, analise os principais aspectos da relação entre tecnologia e sociedade,
destacando:
I) Questões de formação e educação das crianças e adultos;
II) Questões de ética, valores, preconceito, discriminação, manipulação e produção de vícios;
III) Até que ponto uma tecnologia pode controlar a sociedade e até que ponto a sociedade
pode limitar e regular os usos dela ou isso deve ser resolvido pela (supostamente livre)
concorrência entre elas?

Respostas:

IV.
Gostaria de começar a discussão da questão tecnológica com um excerto da entrevista de
David Bowie com William Burroughs sobre a “política do som”:

Bowie: Temos isso hoje em dia. O fato de poder subdividir o rock em diferentes categorias
era algo que não era possível dez anos atrás. Mas agora eu posso identificar no mínimo dez
tipos de som que representam um tipo de pessoa mais do que um tipo de música. Os críticos
gostam de ser críticos e a maioria deles desejaria ser rock-stars. Mas quando eles classificam
estão falando de pessoas, não de música. É algo político.

Burroughs: Como o infrassom, o som abaixo do nível de ser ouvido. Abaixo de 16 MHz.
Aumentando o volume a toda capacidade isto poderia derrubar paredes em 30 milhas. Você
pode ir até o escritório de registro de patentes na França e comprar a patente por 40 pounds.
A máquina pode ser feita de forma barata, com coisas que você poderia encontrar em um
ferro-velho.

Bowie: Como black-noise (o som do silêncio). Fico pensando: será que existe um som capaz
de reagregar as coisas? Tem uma banda experimentando coisas assim; eles acham que
poderiam chacoalhar uma platéia inteira;

Burroughs: Existe um ruído para conter multidões baseado nestas ondas sonoras agora. Mas
você poderia fazer música com infrassom e não necessariamente teria que matar os
espectadores.

Bowie: Apenas mutilá-los.

O texto foi publicado pela revista Rolling Stone em fevereiro de 1974, e espelha um quadro
que diagnosticamos como tecnóides em série. Três publicações, em forma contemporânea,
uma das outras, influenciaram decisivamente a história a partir dessa época até os dias da 4º
Revolução Industrial de Schwab dos dias de hoje: Cibernética - O Uso Humano dos Seres
Humanos, de Norbert Wiener, Teoria Matemática da Comunicação, de Shannon & Weaver, e
A Teoria dos Jogos, de Von Neumann & Morgenstern.
A revolução dessas obras onde houve férteis correspondências entre todos os autores, reside
no fato deles interpretarem as máquinas como organismos de linguagem e autômatos de
informação, cujo comportamento é descrito pela equação da informação entrópica:

H= -∑ pi log pi

Onde H é a entropia, ∑ pi o somatório das probabilidades dos bits de informação serem x e y


determinados, bem como log pi seja o logaritmo do mesmo.
Logo, se queremos responder em que medida somos controlados pela tecnologia e quanto
atrasamos sua inevitável evolução e progresso - prefiro a franqueza desse termo à “limitar” e
“regular”, devemos interrogar quais são as linguagens desses golens e talos modernos.
Primeiramente, como funciona um cômputo em rede? Ele utiliza códigos binários, ou bits,
que relativizam seus significados e funções dependendo do hipertexto inserido (como www).
Isso pode ser realizado de duas formas: softwares e hardwares. O primeiro é o lugar virtual
onde se inscrevem esses hipertextos de metalinguagem, o segundo, o lugar material, como os
aparelhos em si, cujas chapas das placas são produzidas afim de serem compatíveis com essas
linguagens. Que o leitor não entenda isso metaforicamente - o fato de serem como inúmeras
civilizações com diversas línguas e dialetos, gírias em um continente pantolinguisticamente
habitado é literal.
Para além de Asimov, esses cômputos seguem algumas regras: 1) consideram todos os
envolvidos em um cenário igualmente competentes; 2) admitem que todos eles analisaram
todas as suas opções antes de executarem suas decisões, e que estão todos completamente
esclarecidos sobre a totalidade do progresso do cenário; 3) os cenários possuem informação
perfeita, ou seja, sem a perca de dados equivalente ao do que seria o 2º princípio da
termodinâmica dos gases na comunicação, o que significa que não há absolutamente
NENHUM segredo entre os envolvidos, NENHUMA carta na manga, NENHUM último
recurso a ser usado.
Em suma, eles agem como se estivessem em lutas dialógicas de vida ou morte onde todos
estão em sua melhor forma, rastreando por pareamento a falha de sistemas sem falhas.
Estou falando, claro, de cômputos bélicos, militares, manipuladores, desde mísseis
teleguiados até ECM (Eletronic Contermeausure), de detectores de calor ou de atividade
elétrica até bombas de fumaça XM, que impedem raios infravermelhos e equipamentos
ópticos de surtirem efeitos, de redes neurais até os computadores e celulares mais ordinários
que temos. Máquinas de guerra dentro de casa e ao ar livre, funcionando por endocitose e
exocitose robótica.
O último livro de James Lovelock, co-criador da hipótese Gaia, intitulado Novoceno, traça
uma nova ciência da biologia: a seleção consciente artificial das máquinas pelas máquinas,
mas também a seleção dos seres vivos realizada pelas máquinas, sob uma visão
tecnodarwinista. Sendo ou não um proponente do grupo da “inteligência artificial forte”,
temos boas razões para considerarmos as máquinas como nossos possíveis iguais - apesar
delas não funcionarem como a teoria da seleção natural prediz, e sequer os demais reinos
vivos (para mais detalhes sobre essa discussão, consultar as obras de Sermonti & Fondi,
Hoyle & Wickramasinghe, Stuart A. Kauffman, e Roger Penrose).
Inserimos as máquinas como extensões ciborgues nossas onde a habilidade humana não
alcança ou não persiste. Vou sistematizar: trânsito terrestre, trânsito aeronáutico, trânsito
argonáutico, trânsito cosmonáutico, trânsito astronáutico e trânsito internáutico - o mais
importante de todos para essa discussão. Para cada um destes, afim de não haver acidentes, se
encaixam diferentes constantes de motricidade e cinética, assim como existe a constante de
Planck ou a constante de c. Essas constantes não são universais e sempre irão mudar de
velocidade, energia, peso, massa, afim de coexistirem e evoluírem. A única coisa que
possuem em comum são os elementos de forças físicas - e que na internáutica não são tão
transparentes, mas transparecem outras coisas, como um gastro-pornô de exposições de
merda e sangue e sexo simultâneos.
No texto “O Que Está Errado Com a Vida Cotidiana no Mundo Ocidental?”, B. F. Skinner
questiona o uso do termo “privação” por Marx dentro da alienação hegeliana, sugerindo o
termo “distanciamento” em relação ao produto do trabalho dos indivíduos. De fato, quanto
mais nos distanciamos das máquinas, mais estabelecemos uma relação dualista de alienação
de nós com elas, que mesmo invertida não se resolve. Kesselring, em The Concept of Nature
In The History of the Western Thought, nos fala que sempre foi predominante, desde a
suplantação da santíssima trindade cristã, esse triângulo quase religioso
Deus-Homem-Natureza. Sempre se pensou na possibilidade de alcançar o poder onipotente,
onisciente e onipresente por um Deus ex machina, mas pouquíssimo de encontrar nossa
humanitude através da maneira que tratamos e usamos as máquinas como meios, com um
Homo ex machina - retroceder do pós-humanismo afim de saber mais sobre nós como
humanos através de nossas criações maquínicas. Pois se de um lado há esses loucos por
aumento de usuários em suas redes para saquear seus dados, também há justiceiros como os
cypherpunks.

III.
Vamos para os dados antes de ir diretamente ao caso Francis Haugen. Como mais vale para
um escândalo e uma polêmica ser extinrto e banido com grande número de visualizações do
que continuar viralizando legalmente mas com baixas visualizações, pois o que importante é
o banco de dados dos cérebros dos espectgadores, e não os dos computadores do MIT,
vejamos que dois vídeos, um que questiona os atentados do 11 de Setembro como uma teoria
da conspiração que não aconteceu o evento, teve mais de 4 milhões de visualizações em um
só dia, e o outro, que negava a eficácia das máscaras, mais de 11 milhões de vezes antes de
ser banido. “Banido”, claro, não passa de eufemismo para o esgoto onde vão parar os diques
de dados corrompidos disfarçados de salva-vidas para aqueles sem proteção imunológica aos
vírus neurais de desinformação.
Haugen é mais um dos delatores, mas mais para o perfil de Snowden - ex-liberal, freelancer
de dados corporativos, sonho psicanalizado americano. Há, no trânsito internáutico, o que
Assange chamou de “militarização do ciberespaço”, um passo adiante daquelas simulações e
interações virtuais que partiram da URSS e hoje são liderados pelo Japão, EUA e Europa.
Veja bem: essa digitalização é psicopolítica, pois lida com a física do seu cérebro, um sistema
tão caótico quanto os objetos de estudo da meteorologia. Middlewares, os assim chamados
criadores de ferramentas de programação, precisam considerar a ergonomia, tecnologias de
tracking (rastreamento de movimentos cuja posição e rotação devem ser precisas, como no
caso das rotoscopias que detectam esses movimentos da forma mais fluída e realista),
técnicas binaurais de áudio, sensorização e função on-off dos frames. Qual é o propósito
disso tudo? Assim como um jogador de um jogo de luta ou guerra simulado pode ser,
teoricamente, treinado e preparado para entrar efetivamente em campo de batalha em menos
tempo do que uma escola tradicional de artes marciais ou um colégio militar interno
demoraria, o mesmo se aplica à todos os gêneros, campos antropométricos: construção de
perfis agressivos e afásicos. No geral, essa construção acontece com o reforço positivo de
identificação de inimigos, cuja técnica se realiza com a extinção de sentidos, deterioração
deles, monossensibilização. Aparelhos tecnológicos de reconhecimento de alvos funcionam
desses modos: o conhecido acessório “The Gun”, ao ser apontado para uma tela compatível, e
acionado o gatilho, piscava apenas um frame, que nele toda a tela escurecia, exceto os alvos
que ficavam brancos, podendo assim ser identificados. Entre o ofuscado e o opaco da perda
de visão, a cegueira, como no conto de Saramago, faz pecarmos sem remorso na ausência do
julgamento do Deus da visão. Outro aparelho, o LaserScope, em seu papel de instruções,
leia-se que ao gritar “Fire!!!” em qualquer jogo que seja, disparos eram acionados; o
aparelho, entretanto, reagia assim a qualquer som, sem distinção. O cinema e a indústria de
videojogos são herdeiras de uma mentalidade militar, bélica. Não por acaso, a palavra inglesa
para gravar seja “shoot!” o equivalente a “atirar”, e um dos pioneiros da fotografia, Étienne
Jules-Marey, usava uma câmera com a mesma estrutura e forma de uma metralhadora, para
facilitar que os cliques e disparos por segundo sejam muitos como, de fato, uma metralhadora
Lewis.
Donald Griffin, o zoólogo que cunhou o termo “ecolocalização” tanto para o sonar dos
morcegos quanto para o radar das máquinas de guerra, diferencia dois tipos de sonoridade: o
som e o ultrassom. Para fins de reconhecimento, o primeiro se propaga em ondas tão
compridas que logo se diluí com a topologia rugorosa dos cenários; o segundo é emitido tão
alto que não pode ser ouvido, pois quanto mais alto, maior a necessidade de um aparelho
auditivo sensível a esse volume - o que significa, logo, que somos “imunes” por sermos
insensíveis à estes ultrassons. Não somos exatamente “surdos” a eles, e direi o porquê. Temos
duas formas de ouvir ou captar esses ultrassons - exadaptação biológica e “radar
emissor/receptor”. É simples: sinais de radar são emitidos propositalmente em pulsos fortes o
bastante para pifar todas as antenas de uma cidade e explodir os ouvidos de todos seus
habitantes - esse é o custo para que o som gere o eco que localiza, em instantes
atualizadamente produzidos, objetos, o terreno, sujeitos, anomalias em tempo real. O circuito
do radar desconecta, então, seu receptor antes da emissão do pulso, assim não é ferido por
ele, e então o liga novamente na fração em que o eco ressoa para o captar - captando os dados
dos movimentos dos alvos.
É a surdez aos ultrassons, efeito anestésico à eles, que nos possibilita medir suas
consequências quase como se o efeito precisasse preceder a causa. O que está em jogo aqui é
a essência do pensamento ignorante da agnotologia: com a tecnologia, o que o homem pode
pensar do seu “inimigo”, ou, em histeria coletiva, “inimigo do povo”, sem pensar (e
considerando que pensar seja um sentido)? O que pode visualizar dele sem vê-lo de fato?
Como pode ouvir suas palavras sem precisar ouvir seus conteúdos?
Para onde vão essas células citotrópicas dessensibilizadas? Para o matadouro.
Assim como tornou-se possível estar em vários espaço-tempos ao mesmo tempo com o
advento do trânsito internáutico, mas também não estar em nenhum deles fisicamente,
tornou-se possível conhecer as coisas sem as conhecê-las. As leis da física sofrem uma
metamorfose, uma mutação negativa na internáutica: o controle do fluxo de informação e as
várias fontes de informação disponíveis fazem com que a liberação de dados seja maior que a
capacidade dos sistemas de os selecionar em classificações prévias como a e b. O sistema
nunca chega ao equilíbrio de um equivalente de “temperatura ambiente” da termodinâmica,
do que seria uma “verdade ambiente” da história dos acontecimentos, porque não há um
consenso do que seria uma verdade absoluta histórica das notícias, das reportagens, da
informação. Portanto, as válvulas, os vetores que levariam essas informações para o “centro”
da verdade, desorientadas, não sabem até onde levá-las, sofrendo caos macroscópico nos
algoritmos.
Logo, apesar de bem intencionado, os esforços de Haugen são inúteis, pois ele busca
combater a vigilância total com as leis do homem, e não com as leis da física. Mais
precisamente, ele busca uma solução unívoca, sendo que a solução prescinde de ambas as leis
presentes nessa resolução.
Não podemos negar tudo o que o behaviorismo radical descobriu sobre os reforços
intermitentes no cérebro viciado do ser humano, bem determinados nos algoritmos virtuais, e
justo por isso temos de elaborar um quadro esclarecido disso.
A eficácia da missão do emburrecimento global pelo Messenger Kids, TikTok e o Reels do
Instagram podem ser explicados pelo que Daniel Dennett batizou de “Torre de Gerar e
Testar” em sua obra A Perigosa Ideia de Darwin. A ideia é que há uma torre com vários
níveis, andares, de simulação de sobrevivência protagonizada pelos seguintes tipos:
darwinianos (sobrevivem apenas com o auxílio da persistência da força, mas não possuem a
capacidade de aprender por observação ou empiricamente sobre seus erros e evitá-los desde
então), skinnerianos (aprendem, depois de fracassarem em algo, a não repetir o mesmo erro,
por método de tentativa e erro, assim aumentado sua expectativa de vida em proporção à sua
experiência), popperianos (suas hipóteses, conjecturas, cálculos e teorias que não
aconteceram no mundo prático, mas sim em suas mentes, se constatados que fracassariam na
prática, são descartados e, como se diria o próprio Popper, “elas morrem no lugar dele
morrer”), gregorianos (suas ferramentas de troca e compartilhamento de informações sobre a
sobrevivência do indivíduo ganham autonomia cultural, dando acesso público - mas não à
todos - aos manuais de como sobreviver ou o que dar como sacrifício em troca da vida do
indivíduo - à maneira do dom e dádiva de Mauss. Tanto os acertos obtidos por experiência
empírica quanto as hipóteses boas “vazam da mente para fora” em direção à tribo, ao grupo a
que pertencem os indivíduos daquela cultura em particular), e por último o homo scientia
(tem acesso ao conhecimento global científico de todas as formas de sobrevivência através do
progresso da ciência humana construído cooperativamente).
O fato do algoritmo poder recomendar conteúdos que moldariam, com o consumo do que se
encaixa em qualquer tipo da torre, dá liberdade a ela para criar indivíduos de qualquer um
desses tipos. O estágio do homo scientia nada mais é que um somatório de todos os dados que
constituem esses tipos, porém sem classificações, já que ele não dá nomes às espécies. Ela,
em sua virtualização, serve não apenas aos sacrifícios em nome da perpetuação da vida das
espécies, mas ao assassínio delas caso eles não pudessem, assim como todo evento, ser
classificado como verdadeiro ou falso, isto é, sujeito à verificação e à falseabilidade. No
virtual, no lugar de exterminar a vida dos sujeitos por serem os sujeitos que são, os
exterminamos por suas teorias, hipóteses, conjecturas, em suma, ideologias teóricas
(popperiano), suas ferramentas e instrumentos usados na comunicação, como referências à
livros de base teórica (gregoriano), e precedentes da vida como passados miseráveis
associados à pensamentos e ideologias consideradas miseráveis, mas que ascendeu na sua
vida (skinneriano). O pertence que, supúnhamos que ele sacrificaria em troca da sua vida,
como na torre, nessa torre invertida que é sua versão virtual, não faz mais que poupem a vida
do indivíduo, mas sim justifica que o exterminem.
Haugen precisaria, assim como Deus fez no conto bíblico, derrubar essa torre assim como foi
feito com a queda de Babel, para redefinir as direções do mundo ciberespacial.

II.
Falemos da privacidade, pois é ela o assunto mais tocante em relação à ética virtual.
Imagine comprar um olho biônico para si e ter pop-ups pipocando em seu campo de visão de
acordo com sua variação emocional. Imagine que essas pop-ups também ofereçam
estimulantes sexuais sempre que você for transar. Considere ainda a possibilidade de esse tipo
de propaganda surgir a cada momento do seu dia. Imagine você encontrar no mercado apenas
despertadores que o acordam fazendo propagandas de grandes empresas, e, caso você queira
uma música ou alarme mais clássico, precise pagar por isso. Imagine a publicidade
inescapável, inevitavelmente dentro de você, a não ser que você pague para sair dessa
situação.
O lucro ganho no trânsito internáutico é o lucro ganho com a interrupção de fluxos
intermináveis de informação. É como se você precisasse pagar para que o GABA cerebral
fosse ativado afim de os disparos elétricos das sinapses não deêm um overdrive na sua mente
com um curto-circuito; precisasse pagar para que o tempo parasse e ele não rasgasse seus
tecidos, pagasse para poder esquecer dados do seu estoque de memória. Uma, sim, violação
total de quaisquer códigos de ética.
Cada usuário, logado em sua conta ou navegando em modo anônimo, não está imune à
vigilância total de cada uma das suas ações. Você só pode se proteger se navegar em
hipertextos criptografados, ou seja, utilizando uma linguagem de programação que os
vigilantes, os watchmen, os nachtwächter, não tenha conhecimento avançado o suficiente
para decodificar, traduzir e então entrar. Acontece que, para que cada usuário tivesse esse
poder, todos precisariam ter conhecimento tecnocientífico necessário para tal. Isso não é
acompanhado da democratização da tecnologia e ensino dela nas escolas, simplesmente. Ela
vêm de autodidatismo e interesse político pela liberdade e a consciência do que é necessário
para a conquistar sem ser uma mera falsa liberdade. Podemos questionar o que seria a
liberdade, se ela existe sob o determinismo ou apenas sob o acaso, e em todo caso, ela exige
consciência de quais serão as consequências dos seus atos, pelo menos razoavelmente. Uma
liberdade que leva em conta apenas as consequências do presente, e não as que se
desencadearão em projetos seculares, não é uma liberdade porque ela não aspira à
metamorfoses políticas a longos prazos, vitalícios e universais. Uma liberdade que não
renova seus pulmões com ares do futuro irá esvaziar como bexigas vazando gases de sangue.
Gosto de dizer que, embora a eugenia seja questionada muito pelos biólogos como Gould e
Lewontin, por serem, na verdade, neo-lamarckistas enrustidos, ela é uma realidade inegável.
Inegável porque, como no meliorismo spenceriano, a sociedade não busca o melhor, mas
cada indivíduo, para seus fins mais egoístas - e jamais coletivos - busca sim o melhor. O que
poderia ser mais egoísta que o sexo, que o amor? O sexo e o amor são as coisas mais egoístas
do mundo. No artigo do The Intercept Brasil, os jornalistas escrevem que o propósito do
Messenger Kids era “permitir que as crianças se conectassem com quem elas amavam” mas
que, todavia, contudo, “o aplicativo estava sendo usado apenas para as crianças se
comunicarem com quem estava longe”. Isso é fácil de explicar: como no efeito Coolidge, as
crianças multiplicam a meta de reprodução de suas emoções quanto mais companheiros elas
podem contaminar com elas nos seus encontros. A seleção dos afetos proporciona à elas uma
maior sensação de liberdade, pois podem selecionar muitos usuários para que elas sigam,
contatem, sejam seguidas, sejam contatadas. Qualquer um acaba amando mais, a princípio,
aquele que questiona quem e o que você ama, do que aqueles que tu afirmas e é afirmado
reciprocamente o amor.
O fato de esses usuários infantes serem coagidos pelos algoritmos a interagirem mais com
usuários distantes é, digamos, graças à uma logística da força. Há dois tipos de força no
idioma alemão: kraft und macht. A primeira é a força do mais forte, aquela usada no
vocabulário dos naturalistas darwinianos, spencerianos, galtonianos, e que representa uma
força coercitiva, dominante, que independente da técnica, do movimento que for executada,
sempre será mais forte que uma bem realizada e artística ação. Trata de força bruta, mas
direcionada à alvos determinados. É com esse sentido que o naturalista Johann Gustav Vogt
intitula sua obra Die Kraft, por exemplo. Já o segundo, muito presente em expressões como
Der Wille Zur Macht, de Nietzsche, e a própria expressão de Macht que Weber usa para
caracterizar o poder dominante; a obra de Julien Offray de La Mettrie, L’Homme Machine,
adequadamente poderia ser traduzida como Der Machtmann invés do título que foi traduzida,
descartado seu significado maquínico, mecânico, repetitivo. É por ser repetitivo que é
sinônimo de burocrático, para Weber. Esse tipo de força é a força maquinal, planejada,
programada para funcionar de acordo com um mapa, uma rota, uma coordenada (como a
circular ou a retilínea). A logística da rede é forte no sentido de uma força que se encaixa na
última classificação mencionada, porque, como traça uma rede dentro da rede de contatos
distantes, ela planeja um mapa de encontros para cada um deles, gerando imagens
topológicas daqueles terrenos de habitação, o que irá produzir desde de preconceitos até
sentimentos fervorosos de nacionalismo e regionalismo.

I.
A eminente e atual substituição de enciclopédias das bibliotecas nacionais por navegadores
do trânsito internáutico, e destes para redes sociais como aparelhos de pesquisa para estudos,
têm demonstrado que cada vez mais as pesquisas anti-científicas acabaram se tornando
sociais, isto é, se validando de círculos de amizade; os pesquisadores usam mais seus amigos
ou redes que podem interagir, se comunicar, socializar, para encontrar as “respostas certas”,
as "provas das regras de três” do que fontes oficiais. O que podemos constatar é que fontes
como essas não podem provar a veracidade delas mesmas. Os usuários que se formam nessas
faculdades internáuticas acabam sofrendo do que Yoshitoshi Abe chamou de “infornografia”,
a overdose do excesso de informação, a ponto da informação não conseguir mais ser
traduzida ou convertida em conhecimento.
Os aplicativos e redes sociais começam sempre com alguma meta ingênua, como
“brincadeiras”, “memes”, e então evoluem até essa barreira estar prestes a ser rompida. Todos
sabem que não precisamos dessas baboseiras para pseudo-socialização. Assim como um
meme do romantismo cultural da Idade Média, mimetizado no comportamento humano daí
pra frente, antes dele, alguém poderia sentir tesão e casar com uma pessoa que lhe desse
filhos fortes, passando a vida inteira sem precisar se apaixonar para se sentir completo e sem
ninguém para lhe enfiar essa necessidade na cabeça. Podemos brincar, agora, com a frase de
Bachelard, “o homem tem necessidade de ter necessidades” e interrogar se ela inclui também
pseudo-necessidades como as internáuticas. O humor, por exemplo, está dentro desse ludismo
luddista, dessas brincadeiras, mas até que ponto ele é humor? Não importa, a única coisa que
importa é qual sua capacidade como meme replicador de evoluir e se ramificar, mesmo que
divirja da sua raiz, e esse humor se torne ofensivo, discriminatório, racista.
Bem vindos ao parque de diversões sádico do trânsito internáutico, onde você é atropelado e,
quando chama uma ambulância ao socorro, veem paparazzis ao seu encontro anunciando que
com a morte, tu se tornas uma celebridade e alcança a entalpia da socialização e fama
ciberespacial!

Skátos Dietmann Von Göttheit

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