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Cibernética

RAUL DE CASTRO MOREIRA CAPELLÃO

Cibernética? A palavra bruscamente duas esferas até agora independentes,


se torna moda. Provàvelmente destro­ e mais, até opostas; entre a matemá­
nará o têrmo “ atômico” , que, por sua tica e a filosofia, entre as máquinas e
vez, suplantou o “ eletrônico” , palavra a vida. Enormes quantidades de co­
que já havia relegado “ elétrico” e nhecimentos se haviam acumulado em
“ automático” , expressões hoje já des­ cada pólo. E, de pronto, fazendo-se
valorizadas. aproximar ambos os pólos, se produ­
ziu uma chispa. A sua luz, o negro
Não passa dia sem que se leiam as
abismo, que acreditávamos existir en­
mágicas sílabas de “ robot” . Não há
tre a matéria e o espírito, se nos re­
jornais ou revistas que não se ocupem
vela um nôvo mundo.
de cérebros artificiais, de máquinas
que pensam. E, todo leitor, ainda que De pronto, as margens da ciência,
mais refratário às superficiais noticias conhecidas desde tempos atrás, ficam
dos jornais, se interessa e até se iluminadas com nôvo resplendor.
apaixona por êsses artefatos que re­ Tudo partiu do simples pensamento
volucionaram a noção de máquina. de que a vida pode, senão explicar-se,
pelo menos focalizar-se com raciocí­
Existe atualmente uma nova disci­
plina que nos promete a maior revo­ nio, experiências e caráter matemático.
lução, tanto no terreno da filosofia, Contudo, essa idéia não é nova, pois
como no da ciência. E esta revolução Claude Bernard, de quem tantos pon­
tos de vista triunfam na cibernética
nasceu também da guerra. Se a outra
revolução fêz estalar a bomba atômi­ em geral, escreveu: “ Os órgãos não
são outra coisa que aparelhos mecâni­
ca. o certo é que a cibernética estala
cos e físicos, criados pelo organismo.
por si mesma.
Êsses mecanismos são mais comple­
Não se veja nesta frase um simples xos do que os corpos brutos, mas não
efeito de estilo, senão uma verdade diferem dêles quanto às leis que re­
profunda. A revolução atômica só al­ gem seus fenômenos. Essa a razão
cança o domínio da Técnica e não pela qual podem ser submetidos às
fêz senão conduzir à confirmação ex­ normas teóricas e estudar-se pelos
perimental das teorias físicas e quími­ mesmos métodos” .
cas, lentamente elaboradas desde mui­
to tempo atrás. PESQUISAS E ESTUDOS

A revolução cibernética se desen­ Norbert Wiener, professor de mate­


rola, todavia, com rapidez assombrosa, mática do Instituto de Tecnologia de
detonante. A deflagração surgiu entre Massachusetts, em mesa-redonda com
cientistas da Universidade de Harvard, gem parece desempenhar um papel
entre os quais, o médico, professor essencial no sistema nervoso, ambos
Arturo Rosenblueth, em reuniões rea­ investigadores se encontraram no co­
lizada em Boston, USA, nos últimos ração do problema a desenvolver: in­
anos que precederam à última guerra, tegrar em um mecanismo uma função
lamentavam que a especialização cres­ normal do homem.
cente impedia o intercâmbio de pon­ De modo simples, podemos dizer
tos de vista entre técnicos de forma­ que o “ feed-back” é um dispositivo
ção diferentes. que produz um efeito sôbre uma de
Mas os que deviam criar a ciberné­ suas causas e que permite, desta sor­
tica, ao procurar uma ponte entre te, que tal efeito alcance um deter­
as respectivas ciências, teriam perma­ minado fim: as diferenças entre o efei­
necido em terreno de especulações to real e o efeito ideal se traduzem em
teóricas, se a guerra não lhes tivesse uma energia que volta a introduzir-se no
suscitado a solução de um problema mecanismo e que sempre tende a anu­
prático: Dado um avião inimigo, como lar as diferenças que dela tenham nas­
alcançá-lo à DCA (Defesa Contra Ata­ cido. Um antepassado dêsses “ feed-
ques)? backs” foi o regulador de bolas de
Watt, mediante o qual Watt, procura­
Para estudar o problema foram en­
va regular a velocidade de sua máqui­
carregados o próprio Wiener, bem co­
na a vapor.
mo Julian Bigelow, outro matemático,
para que, no plano de preparativos Nosso corpo proporciona automàti-
de guerra, concebessem uma máqui­ camente seu esfôrço ao trabalho que
na que regulasse por inteiro os tipos deve realizar (“ feed-back” ), e assim
da DCA. Essa máquina devia, pois, ter regulamos automàticamente nossos
em conta a reação humana do pilôto, gestos em função de seus fins.
livre dentro de certos limites e devia Em 1945, ao fim da guerra, publi­
substituir a reação humana do arti­ caram informes, até então secretos,
lheiro que observava o avião. Em su­ acêrca do aparelho de predição que,
ma, se tratava de dois sistemas ner­ entretanto, não lograram construir.
vosos que formavam parte de um pro­ Wiener, nesta época, teve oportunidade
blema de mecânica. de püblicamente expor suas idéias no
Instituto de Tecnologia de Massachu-
A cibernética nasceu virtualmente
setts e, posteriormente, juntamente
naquele dia e iria ser a ciência que,
com Rosenblueth, continuaram as ex­
justamente, aproxima a mecânica e a
periências, algumas delas praticadas
neurologia.
na medula espinhal de um gato, para
Para resolver o que chamavam um efeitos de avaliação de reflexos. Por
problema de “ predição curva” , Wie­ fim, por via dupla de uma experiência
ner e Bigelow pensaram em principio e de uma abstração, chegaram a in­
em inspirar-se no analisador de Bush, terpretar os reflexos (clônus), que es­
mas logo foram tentar a solução no tão ligados por uma função logarítmi-
que os especialistas de servomecanis- ca ao número de pulsações transmiti­
mos chamam de “ feed-back” ou mon­ das pelos nervos que conduzem à ex­
tagem em reação. Como tal monta­ citação.
Posteriormente, Wiener, indo à Fran­ gua Francesa, definia Cibernética co­
ça, conheceu Freymann, diretor das mo o nome dado por Ampère, a par­
edições Herman e, depois de algumas te da política que se ocupa dos meios
dificuldades, conseguiu em 1948 pu­ de governar. É certo que êsse senti­
blicar um livro em colaboração com do não se manteve.
Technology Press, sendo a edição
SIGNIFICADO DO TÊRMO
francesa publicada em inglês e, segun­
do consta, foi sucesso de livraria com Segundo a Enciclopédia Barsa (Edi­
21.000 exemplares vendidos. ção 1964), Cibernética constitui o es­
Êsse livro teve como titulo a nova tudo do controle e da comunicação
palavra “ cibernética” , mas, tendo em nos animais e nas máquinas.
vista a ambivalência doutrinária da Acrescenta que são objetos de es­
palavra, resolveu adotar como titulo tudos cibernéticos os assuntos apa­
final: “ Cybernetics or Control and co- rentemente os mais diversos, tais co­
munlcation in the Animal and the Ma- mo: o mecanismo do sistema nervoso
chine.” dos animais; a programação das mo­
ORIGEM DO TÊRMO dernas máquinas de computação ele­
trônica; os sistemas automáticos de
Os filósofos e matemáticos do gru­ controle de produção; a auto-regula-
po de Wiener se sentiam incomodados gem das máquinas; a teoria das infor­
pela falta de um vocábulo que tradu­ mações; o processamento de dados
zisse corretamente o estudo do con-
etc.
trôle e da comunicação nos animais
e nas máquinas. Tôdas as palavras STAFORD BEER, cientista inglês,
propostas carregavam demasiadamen­ definia Cibernética como a “ Ciência
te sôbre a máquina ou sôbre a vida, do controle dentro de qualquer aglo­
sendo mister, em troca, que ela pre­ merado, visto como um todo orgâni-
. _ i»
cisamente expressasse a dualidade da CO .
nova ciência.
LOUIS COUFFIGNAL, matemático
Assim, Wiener foi obrigado a forjar francês, a define como “ a arte de as­
um têrmo artificial neo-grego. Foi a segurar eficácia à ação” .
palavra “ Cibernética” , derivada de
“ kubernetes” , pilôto de navio e, por CONSIDERAÇÕES FINAIS
extensão, governante de um país. A
voz despertava bem a idéia de mando, A importância de tais estudos pode
de condução, e, além disso, apresen­ ser medida em têrmos de verdadeira
tava a vantagem de ter, através do revolução a ser introduzida pelas má­
latim “ gubernator” , a mesma raiz que quinas, ainda nesta metade do século
“ governor” , palavra com a qual Watt XX.
havia designado o seu regulador. A primeira revolução de sérias con­
Julgam que o têrmo Cibernética seqüências sociais ocorreu no século
constitui para a língua inglêsa um neo- passado, quando o trabalho muscular
logismo, embora o mesmo não acon­ humano foi substituído pelo das má­
teça para a língua francesa, uma vez quinas a vapor e pelas máquinas tér­
que LITTRÉ, em seu Dicionário da Lín­ micas constantemente aperfeiçoadas.
Quando foram introduzidos sistemas Informação (1910), de Ronald Fisher;
automáticos de contrôle, como o re­ estudos de Hartley e o conceito de
gulador de Watt, anteriormente cita­ decisão por êle introduzido (1928);
do, e outros mecanismos que permi­ os modelos mecânicos de Von Neu-
tem às máquinas cumprir um deter­ man (1942); as tartarugas mecânicas
minado programa prèviamente deter­ que copiavam certos comportamentos
minado, nova e importante modifica­ humanos, inclusive o condicionamento
ção experimentou a técnica industrial. de reflexos (1946); artigos do fisioio-
gista Louis Lapicque e do matemático
Mas êsses programas foram neces-
Louis Couffignal sôbre mecânica com­
sàriamente planejados e executados
parada das máquinas e dos animais
pelo homem. O futuro, porém, reserva
(1948); o modêlo para cérebro, inven­
às máquinas funções muito mais im­
tado e construído por Ross Ashby; os
portantes, que nos autorizam a desig­
estudos de Shannon sôbre Teoria da
nar os novos engenhos a surgir como
informação (1951); e tôda uma enor­
máquinas inteligentes.
me massa de colaborações modernas
De fato, essas máquinas desempe- onde se interpretam processos lógicos;
rão funções características da inteli­ estudos médicos; problemas de lin­
gência humana, pois serão construí­ guagem e de comunicação; conheci­
das de forma a poderem planejar seus mentos de engenharia, de máquinas,
próprios programas, reformulados e de eletrônica; métodos científicos, par­
aperfeiçoados, de acôrdo com o pro­ ticularmente da Física e da Estatísti­
gresso da humanidade. Assim a má­ ca; além de muitos outros que salien­
quina autômato do futuro estará em tam o grande alcance da Cibernética,
condições de produzir sòzinha os pró­ mas que tornam difícil uma adequada
prios produtos já adaptados aos avan­ definição, mesmo porque as presentes
ços do momento em que êles serão linhas não têm maiores pretensões, se­
usados. não apenas dar uma ligeira tintura da­
Finalmente devemos acrescentar que, quilo que se pode entender por “ c i­
além da obra de Wiener (1948), o apa­ bernética", baseado em leitura da
recimento sucessivo de outras contri­ obra de Pierre de Latil, “ El Pensa-
buições anteriores e posteriores à c i­ miento A rtificial” (Introducción a Ia
tada obra contribuiu para que a Ci­ Cibernética), traduzido para o espa­
bernética tomasse forma. Assim pode­ nhol do original francês, bem como
mos citar: Mecânica dos Fenômenos do livro “ A CIBERNÉTICA” , de Louis
Fundados sôbre Analogia (1907), de Couffignal, e de contribuições da Enci­
I. Petrovitch; Psicologia e Energética clopédia Barsa (Edição 1964).
(1909), de Charles Henry; Teoria da Boletim Informativo do D.N.P.V.N. - 1970.

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