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NAM JUNE PAIK E A VIDEOARTE:

Como os primeiros experimentos em vídeo influenciaram as produções


contemporâneas de arte e mídia.

Amanda Sousa Vieira


11411ATV-022
GAV019-W/2015

Introdução

Ao mesmo tempo em que o surgimento de uma nova mídia gera instabilidade entre as
fronteiras das linguagens, sua incorporação como meio de expressão artística prova que
a arte tem fôlego infinito. Com o advento do vídeo e sua incorporação no campo das
artes visuais não foi diferente. Desde as origens da vídeo arte na década de 60, muitas
das discussões que foram geradas ecoam até hoje.

Um artista que merece destaque nesse contexto do surgimento da vídeo arte é


Nam June Paik, que através de suas experimentações que envolviam principalmente a
televisão como objeto artístico, irá proporcionar um novo olhar para esses meios que
estavam surgindo e instigavam pelo seu potencial em gerar imagens eletrônicas e
impacto nos meios de comunicação da sociedade pós-moderna.

O mesmo impacto e potencial das imagens eletrônicas que podemos gerar hoje
com os novos recursos e aparatos contemporâneos, instigam da mesma forma as
experimentações em vídeo, som e instalação de artistas contemporâneos.

A partir disso, procuro refletir sobre a contribuição dessas primeiras


experimentações da vídeo arte nos trabalhos dos artistas contemporâneos que lidam com
o surgimento desses novos recursos que envolvem o vídeo.

A vídeo arte na década de 60

A vídeo arte surge como uma alternativa instigante de experimentação de novos meios
nas obras artísticas na década de 60. Sua estética tem influência do enredo
cinematográfico e do caráter experimental do vídeo, mas de uma maneira peculiar que
usufrui dessas características em favor primordialmente da ideia do artista.
Somente no final da década de 60 que a vídeoarte começa a se estabelecer e ser
reconhecida como um meio na arte. Muitos consideram Paik como o “pai da vídeo arte”
e pioneiro no uso dos recursos midiáticos embora Wolf Vostell, Vito Acconti, Bruce
Nauman e posteriormente Bill Viola são artistas exponenciais merecem destaque e
juntamente com Nam June Paik são referência no uso do vídeo como forma de
expressão artística e a consequente concepção da vídeo arte. Eles utilizaram desses
recursos da manipulação do vídeo e das imagens técnicas de maneira única
estabelecendo uma relação peculiar com esses novos meios que irão afetar suas
produções poéticas de formas diferentes.

Nesse contexto temporal a televisão é o auge tecnológico e Paik irá usar esse
objeto em função de suas criações. A valorização desses recursos envolve o avanço dos
setores de informações e serviços da sociedade pós-industrial definida por Daniel Bell
na qual valoriza-se o meio de produção, ideias e informações.

Nam June Paik

Figura pioneira na arte multimídia, o artista sul coreano Nam June Paik (1932 – 2006)
explorou a relação entre arte e tecnologia com os recursos do vídeo e música eletrônica
de forma visionária e provocativa.

Suas obras possuíam caráter de releitura desses novos dispositivos até então
comerciais, que dialogavam com a sua geração e transferiam o espectador para um
contexto imersivo da vídeo arte com produções de influência neo-dadaísta de vertente
pós-moderna.

Sua formação multidisciplinar em música e história da arte no Japão e na


Alemanha, (posteriormente produz nos Estados Unidos também) além de encontros
determinantes com grandes artistas de sua época como John Cage, Karlheinz
Stockhausen, Joseph Beuys e a violoncelista Charlotte Moorman contribuíram
significativamente para a concepção de muitas de suas obras. O contato entre eles
propiciou o compartilhamento de ideias que funcionaram como catalizador de suas
reflexões. A incorporação ao grupo artístico Fluxus posteriormente, também foi um
período de grande exponencial artístico dentro de sua carreira. Paik entrou para o Fluxus
no início dos anos 60 e compartilhou da visão moderna sobre a sociedade tecnocrática e
o automatismo de caráter vanguardista e inovador do grupo.
Obras

Há três aspectos que são importantes nas obras de Paik e que o acompanharão ao longo
de sua carreira: a performance, a música/sonoridade e o vídeo, que suscitarão
experiências temporais, sensoriais e de movimento.

Quando começa a discutir o uso desses dispositivos e as imagens produzidas por


ele, esses elementos estarão presentes na icônica TV Magnetic, Nixon Tv e TV Cello.

Em Hommage à John Cage de 1959, Paik explorando os recursos eletrônicos e


sonoros em clara referência as novas proposições de Cage perante a instrumentação
tradicional desempenham através de uma fita de áudio usada para desconfigurar práticas
convencionais da composição musical com trechos de música clássica, ruídos e efeitos
sonoros. Posteriormente ações performáticas irão complementar e agregar esse trabalho.
Mais afrente David Rockeby também irá explorar os recursos do computador e
softwares para criar a obra Very Nervous Sistem, que agrega a interferência corporal do
espectador em que um som é produzido e regulado a partir da interpretação e
decodificação do movimento e da intensidade do mesmo, que o espectador faz frente a
tela agregando um sólido significado ao termo interatividade no campo das artes.

ROCKEBY, David. Very Nervous System, 1982–1991.


PAIK, Nam June. Nixon Tv, 1965 – 2000. Vídeo, dois monitores, bobina magnetizada e som,
Tate Modern.

Em Nixon Tv, a escolha da figura pública de Nixon para produção dessa obra
não é desprovida de intencionalidade, pelo contrário, suas campanhas midiáticas usaram
a televisão de forma manipuladora contra o concorrente John Kennedy. Assim a
reflexão sobre a influência desse meio de comunicação, a possibilidade de distorções
das informações fomenta a criação dessa obra. O par de monitores com a imagem do
presidente Nixon é distorcida a cada oito minutos quando a eletricidade é enviada
através dos fios magnéticos, uma espécie de bobina circular. A reflexão do meio e sua
utilização é um aspecto recorrente que também acompanha Paik na obra Magnet TV.
PAIK, Nam June. Magnet TV, 1965, televisão preto e branca modificada e imã, 98.4 × 48.9 ×
62.2 cm, Whitney Museum of American Art New York.

Já a obra Magnet TV a interação com os expectadores através da movimentação


de um imã posicionado acima da televisão, convida o expectador a ser protagonista e
manipular a imagem da televisão e transformá-la em linhas abstratas. Aqui a reflexão
sobre o meio está presente e a possibilidade de interação precede as performances que
acontecerá na obra em que Charlotte Moorman performa com o objeto artístico de Paik:
TV Cello.
PAIK, Nam June. TV Cello, 1976, Multimidia baseada no tempo, escultura, vídeo, resina
transparente, polimero sintético, monitores de televisão e madeira. Cello : 142,0 x 46,5 x 52,0
Centímetros de base: 40,0 x 92,0 x 95,0 Centímetros total instalada : 170,0 x 92,0 x 95,0 cm.
Art Gallery of New South Wales, Austrália.

Três televisões dispõem transmissões diferentes que se modificam com a


performance da violoncelista. Os vídeos originais são colagens de outros violoncelistas
e algumas propagandas e imagens cotidianas dos meios de massa da televisão. A
medida que Charlotte tocava as cordas do instrumento de Paik criava sons eletrônicos.
Posteriormente quando o objeto é adquirido pelo Walker Art Center Paik criou novos
vídeos que intercalavam imagens de Charlotte com imagens de sua obra Global Groove
de 1973. O que é interessante destacar é a importância da parceria com a violoncelista,
cria-se a performance a partir da interação da mesma com o objeto de Paik. Essas
ligações de artistas visuais com outros artistas são parcerias que proporcionam um
híbrido dos códigos que veremos ser presente nas produções atuais.
Paralelo com as produções contemporâneas

As rupturas estéticas que cercaram os recursos do vídeo também estão ligadas ao


surgimento da câmera Portapak da Sony em 1967, que com a popularização do acesso
as “imagens moventes”, propiciou uma liberdade de manipulação e portabilidade do
vídeo como a que experimentamos hoje com os recursos tecnológicos de um celular.
Mas até chegarmos a atualidade em que a possibilidade de produção, acesso e
distribuição por qualquer indivíduo se desenvolve com uma rapidez atroz, um longo
caminho de reflexão e incorporação desses recursos foi traçado.

A ideia de repensar a obra como conceito até sua objetualização com base na
adoção de materiais industriais, é um ponto em comum entre estava presente antes e
continua ressoando nos dias atuais.

Nam June Paik afirma: “O verdadeiro problema implicado em “Arte e


tecnologia” não é apenas inventar um novo brinquedo científico, mas poder humanizar a
tecnologia e este meio eletrônico de expressão que conhece progressos rápidos, muito
rápidos. O progresso já ultrapassou nossa capacidade de programação. ”

Arlindo Machado também discorre sobre como o processo de fusão e


imbricamento das constantes mudanças tecnológicas se tornam epidérmicas e
superficiais pela velocidade do processo de informatização que vivemos hoje. Sobre isto
ele afirma:

“ A hibridização, sem nenhuma dúvida, produz inovação e avanço em


termos de complexidade, mas também relações de desigualdade e
assimetrias entre os fatos de cultura que ela agrega. .... Além disso, as
constantes fusões e mudanças tecnológicas impedem que as novas
gerações possam ter tempo suficiente para amadurecer o domínio de um
meio ou técnica, tornando os novos produtos necessariamente mais
superficiais e de fôlego mais curto. ” (MACHADO, ARLINDO, Arte e
mídia, Ed. 2007, pág.77)

Em Random Acess, Paik deixa claro essa perspectiva de rápido progresso dos
meios eletrônicos e a ideia de instantaneidade de assimilação e processamento das
informações.
PAIK, Nam June. Random Acess, 1965 – 2000.

Ao utilizar uma sobreposição de fitas magnéticas, Paik gera um espectro de sons


manipulados pelo espectador que produzia uma composição única e peculiar a medida
em que percorria as fitas coladas à parede variando a sequência de acordo com a
velocidade e escolha de percurso com a cabeça de som de um gravador.

Nos dias atuais, com a ajuda de softwares e programas digitais, a vídeo arte se
encaminha para instalações cada vez mais interativas. O grupo Noisefold aderiu a
proporções cinematográficas utilizando-se da ambientação proporcionada para
exibições de seus vídeos em suas performances.

NOISEFOLD, Alchemia, performance, 2008.


Alchimia é uma obra de cinema interativo que explora recursos do video com
formas virtuais 3D e efeitos sonoros. A exploração de recursos muldisciplinar e a fusão
de arte de mídia se assemelha aos primeiros experimentos de Paik em que se combinada
diferentes meios utilizando-se dos recursos do seu tempo para produção de uma
experiencia nova e imersiva dialogando com o expectador. Na performance Alchimia as
formas 3D e a emissão de seus sons interagindo proporciona um movimento das
imagens juntamente com as expressões sonoras gerando um híbrido de códigos já
traçado por Paik.

Outro grupo de artistas que também utiliza dos recursos do vídeo e efeitos
sonoros é o Chelpaferro, grupo multimídia composto pelos artistas Luiz Zerbini,
Barrão e Sergio Mekler. Formado em 1995, suas obras misturam música
eletrônica, esculturas e instalações tecnológicas realizadas em apresentações
ao vivo, exposições e performances.

Como o grupo define: “O Chelpa Ferro realiza performances de


improviso sonoro acompanhadas de projeções de vídeos abstratos dotados de
texturas, formas e cores. Os artistas fazem uso não convencional dos
instrumentos musicais, além de incorporarem às performances instrumentos
inventados a partir de eletrodomésticos e objetos de uso cotidiano,
explorando os limites entre barulho e música.”

C h e l p a F e r r o , 2 0 1 2 , Batyki, Polônia.
Conclusão

A vídeo arte colaborou para que artistas reanalisassem as novas possibilidades através
dos novos meios tecnológicos que vão surgindo. A interação e o contato com o espectador
e sua correspondente resposta também são recursos que foram utilizados por Paik e são
extremamente explorados até hoje.

O que chamamos hoje de novas mídias nada mais é do que a tecnologia atual. Antes os
artistas usavam a tecnologia de sua época como ferramenta. Desde o Renascimento os
artistas usaram máquinas para auxiliar na produção de imagens. Em um certo momento
usaram a fotografia como mecanismo na pintura onde se decreta a morte da mesma e
posteriormente com a sua volta nos anos 80. O vídeo nesse contexto da década de 60 é
usado como ferramenta e mei

o para experimentação na produção plástica e conceitual dos artistas. Portanto, o que


chamamos hoje de novas mídias, multimídia, arte e tecnologia futuramente estará
ultrapassado.

O estágio de incipiência dessas novas mídias a longo prazo esvai a sensação de que são
novas e tornam-se cotidianas. Nada permanece estático, elas sempre serão confrontadas
e mutadas com o passar, evolução e o surgimento de novas mídias e os artistas sempre
terão que lidar com a particularidade desses apetrechos.
Referências Bibliográficas

ARCHER, Michael. Arte Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2001.


MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007.

PAUL, Christiane. Digital Art. London: Thames & Hudson Ltd, 2003.

TATE.org.uk

GUGGENHEIM.org – Collection online, Artist Nam June Paik.

ARTGALLERY.nsw.gov.au

NOISEFOLD.com

CHELPAFERRO.com.br

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